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FIANÇA
SUBROGAÇÃO
HIPOTECA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário
A hipoteca que garante o cumprimento de uma obrigação continua a acompanhar o crédito que o fiador que a satisfez reclame, subrogando-se no direito do primitivo credor.
Texto Integral
2ª SECÇÃO CÍVEL – Processo nº 1596/06.9TBVRL-A.P1 Tribunal Judicial de Vila Real – 1º Juízo
SUMÁRIO
(artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil) A hipoteca que garante o cumprimento de uma obrigação continua a acompanhar o crédito que o fiador que a satisfez reclame, subrogando-se no direito do primitivo credor
Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto
I
RELATÓRIO
Nesta acção executiva em que é exequente B....., LDA, e executado C....., vieram D..... e mulher, E....., apresentar reclamação, nos termos do artigo 864.º e sgs. do Código do Processo Civil, pedindo que o seu crédito, relativo a pagamento que os reclamantes fizeram de quantia referente a mútuo com hipoteca de que era devedor o executado e credora a F....., CRL, sendo os reclamantes fiadores, quantia que estes como tal liquidaram em execução movida pela mutuante contra o ora também executado e os reclamantes, desse modo tendo ficado sub-rogados no direito daquela, que era credora com garantia real.
Impugnou a exequente a reclamação, sustentando que não estamos na presença da figura da sub-rogação, tendo os reclamantes tão só um direito de regresso contra o condevedor, nos termos do artigo 524º do Código Civil, pelo não deverá proceder a pretensão dos reclamantes de verem o seu crédito graduado em primeiro lugar, antes do crédito exequendo.
Saneado o processo, foi proferida sentença que julgou reconhecido o crédito reclamado, entendendo todavia que esta apenas gozava da garantia da penhora efectuada na execução que os reclamantes também promoveram contra o executado, pelo que, sendo posterior à que foi efectuada nesta execução e que garante o crédito exequendo, cede perante esta, desse modo sendo graduado em primeiro lugar o crédito exequendo e em segundo lugar o crédito reclamado.
Inconformados, vieram os reclamantes interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.
Dizem os recorrentes, nas conclusões das suas alegações
I. O presente recurso circunscreve-se à parte da sentença de verificação e graduação ulterior de créditos, na parte em que procede à graduação de créditos.
II. Os recorrentes, enquanto meros fiadores e não principais devedores, ficaram subrogados nos direitos do credor hipotecário, como resulta do artigo 644.º do Código Civil, assistindo-lhe não apenas o direito de exigir ao devedor principal, o executado C....., o pagamento das quantias liquidadas pelos recorrentes, mas também o direito a ser pago pelo valor do imóvel hipotecado com preferência sobre os demais credores, nos termos do n.º 1 do artigo 686.º do Código Civil.
II. A subrogação legal do fiador, prevista no artigo 644.º, é regulada nos artigos 592.º a 594.º do Código Civil.
III. O artigo 594.º do Código Civil determina a aplicação, com as necessárias adaptações, do regime previsto nos artigos 582.º a 584.º do Código Civil, relativos à cessão de créditos, sendo certo que da norma primeiramente citada resulta que a subrogação legal importa a transmissão, para o subrogado, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, aqui se incluindo as garantias reais, como sejam as hipotecas associadas ao crédito.
IV. Esta é a subsunção jurídica correcta a fazer no caso vertente e da qual decorre que, por efeito do pagamento, se transmitiu para os recorrentes, além do crédito, a hipoteca originariamente constituída a favor da F..... identificada.
V. Os recorrentes são meros fiadores e não devedores solidários.
VI. Por efeito do pagamento da dívida hipotecária, aos recorrentes assiste o direito de ficarem sub-rogados em todos os direitos do credor hipotecário e não um mero direito de regresso sobre o devedor principal.
VII. No caso sub iudice não é aplicável a figura do direito de regresso.
VIII. A decisão recorrida viola o disposto nos artigos 644.º, 592.º a 594.º e 582.º a 584.º, todos do Código Civil.
IX. Na parte respeitante à graduação dos créditos, a decisão recorrida deve ser revogada e nessa sequência deverá ser graduado o crédito hipotecário dos fiadores, em primeiro lugar, antes do crédito exequendo”.
Não houve contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1. Factos
Por escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança, celebrada em 3 de Outubro de 2005, os reclamantes constituíram-se como fiadores e, assim, garantes do bom pagamento das quantias mutuadas, juros e demais acessórios, pelo executado C..... junto da F....., CRL, como resulta de documento junto ao apenso de reclamação de créditos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Não tendo o C..... cumprido pontualmente as obrigações assumidas, veio a F..... reclamar o seu crédito nos presentes autos, já que beneficiava da garantia real constituída pela hipoteca voluntária sobre o prédio penhorado nestes autos.
Por douta sentença já transitada em julgado, foi o crédito reclamado pela F..... julgado verificado e graduado em primeiro lugar.
Porque a F..... não logrou obter o pagamento de qualquer quantia nestes autos de execução, acabou por instaurar acção de execução contra os aqui reclamantes e também contra o C......
Esta execução corre ainda os seus termos finais sob o n.º 1918/12.3TBVRL deste Juízo e Comarca.
Os reclamantes teriam de responder, como fiadores, pelo cumprimento das obrigações do C....., simultaneamente com este, porque renunciaram ao benefício da excussão prévia, como resulta, aliás, de documento junto ao apenso de reclamação de créditos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Em 29 de Abril de 2013, os reclamantes procederam ao pagamento, no âmbito daquela execução, da quantia devida, quer a título de capital e juros, quer a título de despesas judiciais, pelo C..... à F....., num total de 27.742,33 €, como consta de declaração passada pela Requerida F....., que se junta sob o documento n.º 1, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
E haviam procedido, anteriormente, também ao pagamento da quantia total de 1.620,00 €, a título de prestações em atraso devidas pelo C..... e por conta do mesmo empréstimo, conforme se retira da declaração acima referida e junta sob o n.º 1.
*
2. Discussão
A questão que se suscita é a de saber se a hipoteca que garantia o pagamento do crédito mutuado subsiste ou não após ter sido efectuado o pagamento da quantia mutuada pelo fiador, podendo este dela valer-se na graduação do crédito em que ficou sub-rogado em cotejo com um outro garantido por penhora posterior.
Afigura-se-nos que sim. A tal se devendo chegar por força dos regimes legais da fiança e da sub-rogação.
Na verdade, dispõe o artigo 644º do Código Civil que «o fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por eles satisfeitos». Preceitua, por sua vez, o artigo 592º do mesmo código, na previsão genérica da sub-rogação legal: «1. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito; 2. Ao cumprimento é equiparada a dação em cumprimento, a consignação em depósito, a compensação ou outra causa de satisfação do crédito compatível com a sub-rogação». Já o artigo 593.º, sob a epígrafe “efeitos da sub-rogação”, dispõe no seu nº 1 que «o sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam». Preconizando o artigo 594º que «é aplicável à sub-rogação, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 582.º a 584.º».
Ora, no nº 1 do remetido artigo 582º, estabelece-se que «na falta de convenção em contrário, a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente».
Preceitos face aos quais dúvidas não subsistirão de que, ficando o fiador, pelo cumprimento da obrigação e por força da lei, sub-rogado nos direitos do credor, continua a beneficiar das garantias de que esses direitos gozavam.
A decisão recorrida não atentou, quanto a nós, no facto de o legislador, no referido artigo 644º, nas relações entre o devedor e o fiador, ter remetido para a figura da sub-rogação. Havendo, desse modo, a transmissão de um direito pré-existente, que não a constituição de um direito ex novo.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 3ª Edição, Coimbra Editora, Vol. I, pág. 629, “em consequência da sub-rogação, o fiador adquire os poderes que com todas as garantias e acessórios (cfr. arts 582.º, aplicável por força do art. 594.º e 593.º)”. Pelo que “se houver, assim, ao lado da fiança, hipotecas ou penhoras para garantia da mesma dívida, com a titularidade do crédito transmite-se para o fiador a titularidade dessas garantias”. Mais referindo, pág, 630, que “o direito do fiador não é, portanto, um direito próprio de regresso como resultava do artigo 883.º do código de 1867”. Repisando que “não é um direito novo, mas o direito do credor que se transmitiu por sub-rogação em consequência do incumprimento (cfr. Vaz Serra, est. cit., n.º 10)”. Assim, em anotação ao artigo 582º, na pág. 567, nomeiam expressamente a hipoteca no rol das garantias que, não sendo inseparáveis da pessoa do cedente, se transmitem para o cessionário.
O mesmo Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, reimpressão da 7ª Edição, Almedina, Vol. II, pág. 497, refere que “a forma como a lei se exprime, ao afirmar que o fiador, depois de cumprir a obrigação, fica sub-rogado nos direitos do credor revela, em termos inequívocos, que o cumprimento do fiador lhe não confere um simples direito de regresso contra o devedor, porque gera uma verdadeira transmissão do crédito para o fiador”. Acrescentando, pág. 498, que “sucedendo o credor na titularidade dos direitos deste, mediante sub-rogação na sua posição, o fiador adquire todos os direitos reais de garantia que acompanhavam o crédito”.
Também LUÍS MENESES LEITÃO, Garantias das Obrigações, Almedina, pág. 125, se reporta à mesma faceta, anotando que “o cumprimento da obrigação pelo fiador não é equiparado ao cumprimento pelo devedor solidário, na medida em que não confere apenas um direito de regresso, mas antes implica, por via da sub-rogação legal (artigo 592º, nº 1), uma verdadeira transmissão do crédito para o fiador, com todos os seus acessórios e garantias”.
Posto o que só poderemos afastar os pressupostos com base nos quais na sentença recorrida se considerou que o crédito dos reclamantes já não estaria garantido pela hipoteca. Nomeadamente quando, louvando-se no acórdão desta Relação do Porto de 10.04.97 (Norberto Brandão), inwww.dgsi.pt, defende que o crédito originário se extingue, por via do pagamento do fiador, não ficando este sub-rogado naquele direito mas apenas com um direito de regresso constituído ex novo.
No sentido que supra propugnamos, a jurisprudência dos acórdãos desta Relação do Porto de 3.03.2009 (Rodrigues Pires) – “o direito de regresso é um direito nascido ex novo na titularidade daquele que extinguiu (no todo ou em parte) a relação creditória anterior ou daquele à custa de quem a relação foi considerada extinta, não operando, ao invés do que sucede com a sub-rogação, uma transmissão dos direitos do credor para o autor da prestação” - e de 5.03.2009 (José Ferraz) – “na sub-rogação legal (…) a satisfação do direito do credor pelo terceiro não extingue a obrigação do devedor, que fica vinculado ao cumprimento perante o terceiro que cumpriu, por si, para quem se transmite o crédito que pertencia ao primitivo credor”, ambos inwww.dgsi.pt. Bem como os acórdãos da Relação de Lisboa de 26.03.2009 (Teresa Soares) – “posições têm vindo a ser assumidas que levam a criar evidente confusão entre direito de regresso e sub-rogação; embora ambas as figuras traduzam formas de cumprimento da obrigação, por terceiros, o que essencialmente as distingue é que, enquanto no direito de regresso, quem cumpre vê nascer na sua esfera jurídica um direito novo, na sub-rogação, quem cumpre sucede na posição daquele que era o credor” – e de 2.07.2009 (Fátima Galante) – “pressuposto necessário da sub-rogação ou seu fundamento jurídico base é o cumprimento duma obrigação por terceiro, aferindo-se os direitos do sub-rogado pelo âmbito do cumprimento, ou seja, o sub-rogado adquire os direito que competiam ao credor na medida da satisfação dos interesses deste (art. 593º, nº1 CCivil)”, ibidem.
Não podemos, assim, de deixar de dar razão aos recorrentes, quando sustentam que o crédito por si reclamado é o que já existia na esfera jurídica da mutuante, continuando a estar garantido pela hipoteca e, como tal, devendo ser graduado antes do crédito exequendo, apenas garantido por penhora, efectuada em data posterior à da constituição daquela.
III
DISPOSITIVO
Acorda-se em julgar o recurso procedente, alterando a sentença recorrida, na parte em que gradua os créditos reconhecidos, passando o crédito reclamado a ser graduado em primeiro lugar e, em segundo, o crédito exequendo.
Custas pela recorrida – artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
Porto, 5 de Junho de 2014
Araújo Barros
Pedro Martins
Judite Pires