OBJECTO DA PERÍCIA
Sumário

Quando se opta pela formulação dos quesitos, para enunciar as questões de facto qu haverão de ser objecto da perícia, será às questões neles suscitadas que haverá de atender-se para delimitar o objecto da perícia, e não aos pontos da Base Instrutória eventualmente referidos pela requerente da perícia, como sendo os pontos que se pretende ver esclarecidos através daquela diligência, já que as questões de facto que são objecto da perícia não terão necessariamente de constar da Base Instrutória.

Texto Integral

APELAÇÃO N.º 91/10.6TJVNF-H.P1
Juízos de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão
5º Juízo Cível

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ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
Nos autos de Resolução Em Benefício da Massa Insolvente, em que é requerente B…, S.A., e requerida a Massa Insolvente da C…, S.A., tendo as mesmas apresentado os respetivos requerimentos instrutórios, com requerimento de perícia (fls. 150 e sgs, e Fls. 169, e sgs., respetivamente) foi proferido despacho de 21-6-2012 (Fls. 179 a admitir os róis e as perícias requeridas.

Em requerimento de 05-7-2012 (Fls. 184 sgs) a requerente B… veio opor-se às perícias à contabilidade das sociedades requerida pela requerida Massa Insolvente.
Seguiu-se a resposta desta requerida, e nova resposta da requerente.
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Foi então proferido despacho (Fls. 202) nos termos seguintes:
As perícias requeridas serão a efetuar em moldes colegiais – cfr. Artº 569º, nº 1, al. a) do CPC.
O objeto das paridas consistirá nas questões formuladas pelas partes. Notifique, sendo a R. para indicar nos autos o perito que a representara nas aludidas perícias. “
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É deste despacho que agora recorre a Autora, B…, S.A., alegando e formulando em síntese, as seguintes CONCLUSÕES:
A. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo decidiu sobre a admissibilidade das perícias requeridas pelas partes, tendo decidido que "o objeto das perícias consistirá nas questões formuladas pelas partes". Esta decisão não merece a concordância da Autora, na medida em que é desconforme à lei, violando nomeadamente preceitos da lei processual civil ao caso aplicáveis.
B. Por essa razão, vem a Autora interpor recurso deste despacho.
C. O despacho que defere as perícias solicitadas pelas partes está vinculado às mesmas condicionantes previstas na norma devendo, por isso, obedecer aos pressupostos que o sustentam e ser devidamente fundamentado, o que não sucedeu no caso em apreço.
D. O Meritíssimo Juiz a quo tem um poder discricionário de sancionar as requeridas perícias e o seu alcance, mas está obrigado a exercê-lo no estrito cumprimento dos pressupostos legais que disciplinam a realização daquelas diligências (artigo 5780 do CPC).
E. Ao violar as regras legais relativas à produção de prova (artigo 513° do CPC), ao não se pronunciar relativamente às questões levantadas pela Autora, ora Recorrente, nos requerimentos apresentados nos Autos sobre os termos da perícia requerida pela Ré e ao não fundamentar a sua decisão, o Meritíssimo Juiz a quo não cumpriu com as formalidades legais inerentes a um despacho desta natureza.
F. Por isso, o despacho proferido pelo meritíssimo juiz a quo no seguimento da apresentação dos requerimentos probatórios das partes e dos respetivos requerimentos de pronúncia sobre os meios probatórios e perícias solicitadas é desconforme à lei (artigo 513° do CPC) e nomeadamente nulo, nos termos das alíneas (b) e (d), do n.º 1, do artigo 668.°, do CPC, como seguidamente será demonstrado.
G. De acordo com o n.º 3 do artigo 666.° do CPC, inserido na "Secção 11 - vícios e reforma da sentença", "o disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, até onde seja possível, aos próprios despachos".
H. O douto despacho ora recorrido enferma de nulidade nos termos das alíneas (b) e (d) do n.º 1 do artigo 668.° do CPC, uma vez que "É nula a sentença quando:... não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão" e "o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse, apreciar ou conheça de questões que não podia tomar conhecimento".
I. O n.º 4 do artigo 668.° do CPC determina que "as nulidades, mencionadas nas alíneas b,) a e) do nº1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades". Assim, o meio processual adequado para reagir ao presente despacho é o presente recurso de apelação, sede em que deverão ser arguidas as nulidades supra mencionadas.
J. Mesmo que se entendesse que as mencionadas nulidades não seriam atendíveis nesta sede, é ainda assim admissível este recurso, com fundamento em violação de lei processual (artigo 513º do CPC) consubstanciada no despacho em apreço.
K. A C…, em sede de requerimento probatório, requereu a realização de perícias que enfermam de ilegalidades manifestas.
L. A perícia às contabilidades das sociedades nos termos em que foi requerida – nomeadamente nos pontos 10 a 5° e 12° a 250 - extravasa a matéria em discussão nos Autos e, em concreto, a matéria constante da base instrutória.
M. A Ré está a fazer uso da perícia para alargar a base instrutória e, por essa via, trazer aos Autos matérias que não alegou nos seus articulados, assim como inclui nestas questões factos totalmente novos, alheios e sem relevo para o que nos Autos se discute, pelo que a perícia deveria ter sido indeferida.
N. A Ré, nas questões elencadas para serem respondidas pelos Senhores Peritos, enumera matérias que não são suscetíveis de aferição na requerida análise à contabilidade das sociedades (pontos 12° a 20° e 23° a 25° da matéria a ser respondida pelos Senhores Peritos). Também nesta parte tinha de ser indeferida a perícia;
O. A perícia requerida pela Ré sobre "o valor e mercado/alienação que os ativos transmitidos à B…, S.A. tinham à data da sua entrega ao património alheio" consubstancia diligência sem fundamento processual, nem relevo para a matéria em discussão nos Autos que, por isso, não podia ter sido admitida pelo juiz a quo.
P. A Ré requereu a realização desta perícia para efeitos de prova da matéria constante dos artigos 16° e 24° da base instrutória. O que se pergunta no artigo 16° é se as partes empreenderam ou não unia avaliação das marcas e dos negócios e qual o valor que, nessas avaliações realizadas pelas partes naquela data, foi, apurado. No artigo 24° pergunta-se se a F… e a G… transmitiram ou não as marcas para a E… e por que preço. Em nenhum dos dois artigos se questiona o valor de avaliação das marcas. Este não é um aspeto que conste da base instrutória, nem que esteja em discussão nos autos, e também não é assunto que esteja contido na matéria indicada pela Ré para servir de base à requerida perícia, pelo que não devia ter sido nesta parte admitida.
Q. O artigo 577° do Código de Processo Civil obriga a parte que requer a perícia a indicar o objeto da mesma, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência, impõe-se que a diligência seja apta a esclarecer as questões de facto enunciadas pela parte. Tal não se verifica no caso em apreço.
R. A diligência de prova pericial requerida deveria ter sido indeferida dado a mesma ser manifestamente inapropriada à prova da matéria indicada, resultado por isso na prática de um ato processualmente inútil cuja prática não poderá ser admitida.
S. O requerimento ulterior apresentado pela C… na parte em que pretendeu alargar a matéria a responder através da perícia deveria ter sido indeferido, por falta de fundamento legal.
T. No requerimento probatório, a C… havia referido que a perícia coletiva se destinava a 'fazer luz sobre os factos trazidos à base instrutória sob os artigos 7.° a 9. °, 16.º a 18.º, 24.º a 37, 45.ºa 61.º e 65.º a 77.º. Posteriormente, por requerimento ad hoc, alegou que a perícia colegial se destinava afinal a fazer prova dos factos articulados nos artigos 1.°, 14.° a 18.º, 24.°, 25.°, 29.° a 33.°, 350, 81.°, 82.° e 87.° a 89.°.
U. Quanto à perícia singular, também esta se destinava a esclarecer os artigos 16.° a 24.° da base instrutória. No entanto, a C… pretendeu posteriormente alargar a mesma para fazer prova dos quesitos 16.°, 18.°, 24.°, 27.° a 30º, 32.º, 36.º, 37.°, 5l.°, 87.º, 89.1, 112.1 e 113.1 da base instrutória.
V. São alterações que não podem aceitar-se, por falta de fundamento legal.
W. Em face de todo este manancial de questões jurídicas e fácticas levantadas pela B… a respeito da extensão e legalidade das perícias requeridas pela C… nos presentes Autos, o Meritíssimo Juiz a quo proferiu o despacho que ora se transcreve:
"As perícias requeridas serão a efetuar em moldes colegiais. cfr. Art. 569.º, n.º 1, ai a) do CPC. O objeto das perícias consistirá nas questões formuladas pelas partes. Notifique, sendo a R. para indicar nos autos o perito que a representará nas aludidas perícias".
X. O despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz a quo viola lei imperativa, nomeadamente o disposto no artigo 513° do CPC. A admissibilidade das perícias requeridas pela C… com o objeto fixado por esta consubstancia, pelas razões aduzidas, violação das disposições do Código de Processo Civil que regulam a realização da diligência probatória de cariz pericial.
Y. Tal despacho não se pronuncia, corno legalmente se impõe, sobre as questões levantadas, nem fundamenta - de facto ou de direito - a decisão tornada pelo Meritíssimo Juiz a quo, dever que impende sobre si nos termos do normativo legal vigente. Estamos perante urna dupla violação do disposto no n.º 1 do artigo 668.° do CPC, nomeadamente nas suas alíneas (b) e (d), o que, além do mais, consubstancia nulidade processual.
Z. O dever de fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente tem consagração constitucional no n.º 1 do artigo 205.°, da CRP, o qual remete para a lei ordinária a fixação da forma corno deve ser dado cumprimento a esse dever, no caso o artigo 158.° do CPC.
AA. Conforme previsto na alínea (b) do n.º 1 do artigo 668.° do CPC, a consequência da falta de especificação dos fundamentos de facto ou de direito da decisão é a nulidade, que aqui expressamente se invoca.
BB. Mais é notório no douto despacho ora recorrido que o Meritíssimo Juiz a quo não se pronunciou sobre as questões levantadas pela B… às perícias solicitadas pela C…, constituindo tal falta uma verdadeira omissão de pronúncia que, nos termos do disposto na alínea (d), do n.º 1, do artigo 668.º, do CPC. A omissão de pronúncia acarreta também a nulidade do despacho, nos termos legais supra mencionados, que aqui também se invoca.
CC. Nestes termos, deve este Venerando Tribunal julgar verificada a ilegalidade do despacho a quo, bem como a sua nulidade, e substituí-lo por outro que, em conformidade com a lei, aprecie e decida sobre as questões levantadas pela B…, nos requerimentos atrás identificados.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado provado, por procedente, e, em consequência, ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra conforme às normas legais que regem a realização de perícias e a fundamentação de despachos judiciais, Assim se fazendo JUSTIÇA!
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A recorrida contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.
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A decisão recorrida é o despacho com referência 4102357, datado de 11-9-2012, em que o Sr. Juiz, sem atender às objeções colocadas pela agora recorrente quanto ao objeto da perícia requerida pela recorrida Massa Insolvente da sociedade C…, S.A., fixa o objeto da perícia nos termos por esta requeridos, e determina a sua realização com esse âmbito.
Tendo o despacho recorrido sido proferido na vigência do CPC de 1961, após as alterações que lhe foram introduzidas pelos DL 329Ã/95 será ao regime processual constante desse diploma que haverá de atender na apreciação da validade do despacho em causa, pelo que se referirão aquele CPC de 1961 as normas do CPC de ora em diante citadas sem especial ressalva.
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As questões suscitadas resumem-se às seguintes:
I – Nulidade do despacho recorrido.
II – Âmbito da perícia às contabilidades das sociedades – Se nos termos em que foi requerida – nomeadamente nos pontos 1 a 5° e 12° a 25º - extravasa a matéria em discussão nos Autos e, em concreto, a matéria constante da base instrutória.
III – Inadmissibilidade da perícia a desenvolver por perícia singular, enquanto tendo em vista a averiguar o valor do mercado dos ativos transmitidos à B…, à data dessa transmissão, por essa matéria não estar em discussão nos autos, excedendo nomeadamente o âmbito dos quesitos 16 a 24 da base instrutória, indicados pela Ré, como justificação para a perícia requerida.
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A factualidade a considerar é aquela que está certificada nos autos, e a que se fez já referência no relatório deste acórdão.
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I –
Da nulidade do despacho:
- Porque não se pronuncia, como legalmente se impunha, sobre as questões levantadas.
- Porque não fundamenta - de facto ou de direito - a decisão tomada.
Nos termos do artº 577º do CPC de 1961, cabe à parte – sob pena de rejeição da perícia que requereu - indicar o objeto da perícia, através da enunciação das questões de facto que pretende ver esclarecidas.
Mas é o juiz que deve fixar o objeto da perícia, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes, ou ampliando o objeto da perícia a outras que considere necessárias ao esclarecimento da verdade - artº 578º, nº 2, do CPC de 1961.
Trata-se de imposição que não depende de requerimento da parte, e de que o juiz do processo não pode alhear-se, e que deve observar no despacho em que ordene a realização da perícia requerida pelas partes.
Não sendo necessário o requerimento da parte, é evidente que se este existir, e se nele se levantar a questão da inadmissibilidade, já não da perícia, mas do seu objeto, nos termos referidos no citado artº 578º, nº2, do CPC, não poderá o juiz deixar de as apreciar. Se o não fizer, e se limitar a determinar a realização da diligência, tal despacho, para além de incorrer em nulidade por omissão de pronúncia, é também infundamentado.
Ora, o que se verificou nos presentes autos, foi que, a Autora, B…, S.A. veio alegar, por um lado, que as questões indicadas pela Ré Massa Insolvente da C…, S.A., como sendo o objeto da perícia à contabilidade das empresas que havia requerido, extravasavam a matéria em discussão nos autos, para além de em alguns aspetos, não serem suscetíveis de aferição com base naquela diligência. Por outro lado, e quanto à perícia sobre o valor dos ativos, também requerida pela Ré Massa Insolvente da C…, S.A., a Autora, ora recorrente, veio igualmente sustentar que a mesma, enquanto destinada a avaliar “o valor de mercado/alienação que os ativos transmitidos à B…, S.A. tinham à data da sua entrega ao património alheio” extravasava igualmente o âmbito dos pontos da base instrutória que se destinava a averiguar.
Se sempre se imporia, independentemente de requerimento da parte, que o Sr. Juiz a quo exercesse a atividade fiscalizadora da admissibilidade ou relevância das questões indicadas pela parte que requer a perícia, suscitadas a esse respeito questões concretas, teria o Sr. Juiz a quo de fundamentar a decisão de determinar a realização das perícias com o âmbito com que foram requeridas. Ao não o ter feito violou claramente o imperativo constante do artº 158º, nº1 e 2, do CPC, que mais não é do que um dos afloramentos do dever de fundamentação das decisões dos tribunais, contido no artº 205º, nº1, da CRP. O despacho recorrido enferma por isso de nulidade por falta de fundamentação, prevista no artº 668º, nº 1, alínea b) do CPC de 1961, aplicável aos despachos por força do disposto no artº 667º, nº 3 do mesmo diploma, nulidade que aqui se declara.

Tal não obsta a que se conheça das demais questões suscitadas no recurso interposto de tal despacho – artº 665º, nº1, do NCPC – que por isso se passam de seguida a apreciar.

II –
Se a perícia às contabilidades das sociedades nos termos em que foi requerida – nomeadamente nos pontos 1 a 5° e 12° a 25º - extravasa a matéria em discussão nos Autos e, em concreto, a matéria constante da base instrutória.
A insolvente requer a perícia, a desenvolver em moldes colegiais, à globalidade das contabilidades das sociedades, a) da insolvente C…, S.A.; b) da A. B…, S.A. e, c) da chamada D…, S.A., anteriormente designada E…, S.A., com vista à averiguação dos artigos 7.°a 9.°, 16. a 18.°, 24.° a 37.°, 45.° a 61.° e 65.° a 77, da base instrutória.
Com o referido requerimento probatório juntou ainda uma relação de quesitos a serem respondidos pelos peritos.
Sustenta a recorrente que as questões indicadas pela recorrida como objeto da perícia, nomeadamente nos pontos 1 a 5 e 12 a 25, extravasam a matéria em discussão nos autos, e em concreto, a matéria constante dos referidos artigos 7.° a 9.°, 16. a 18.°, 24.° a 37.°, 45.° a 61.° e 65.° a 77 da base instrutória.
Contrapõe a recorrida que as questões suscitadas nos quesitos, mormente nos quesitos 1 a 5 e 12 a 25, encontram justificação no perguntado nos pontos 1.º, 14.º a 18.º, 24.º, 25.º, 29.º a 33.º, 35.º, 81.º, 82.º e 87.º a 89.º da Base Instrutória.

Importa antes de mais salientar que, após a reforma introduzida pelos DL 329-A/95, a imposição, constante do artº 572º do CPC de 1961, na redação anterior à Reforma de 1995/1996, da formulação de quesitos a que os peritos haveriam de responder, foi substituída pela imposição, constante agora do artº 577º, nº 1, do CPC, depois da alteração introduzida pelo DL 329-A/95, da enunciação das “questões de facto” que a parte pretende ver esclarecidas.
Procurou dessa forma atenuar-se a rigidez e rigor da formulação imposta, e assim, e como refere Lopes do Rêgo [1], procurou dessa forma obviar-se ao obstáculo colocado às partes que se viam obrigadas a uma espécie de perícia preparatória por forma a enunciar com rigor os quesitos a serem respondidos, e dessa forma evitar também, como refere Lebre de Freitas[2], a recusa dos esclarecimentos com o argumento de que não se continham na pergunta precisa que havia sido formulada.
A paralela substituição da resposta aos quesitos constantes do artº 595º do CPC de 1961, antes da Reforma, pela previsão da apresentação de um relatório pericial, a que se reporta o artº 586º, nº1, do CPC de 1961, na redação do DL 329-A/95, permitiu por sua vez uma maior margem de manobra aos peritos.

Assim que a formulação de quesitos para enunciar as questões de facto que devem ser objeto de perícia, não sendo proibida, não será a mais correta, devendo em todo o caso ser a referência a quesitos, que é feita nos autos, no contexto mais abrangente, a que acima se faz referência, que resulta da Reforma de 95.

Isto dito, no que concerne às questões de facto que podem ser objeto da perícia, haverá de atender-se ao disposto no artigo 513º do CPC, segundo o qual a instrução tem por objeto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova.
Em termos de factos relevantes haverão de ser considerados, não só os factos essenciais[3] necessariamente alegados e que deveriam constar da base instrutória, como também os factos instrumentais, cuja função é garantir a prova indireta dos factos essenciais, e que não tendo necessariamente que ser alegados – artº 264º do CPC – podem não constar da base instrutória.

Tendo presente o que assim se evidencia, quando - como no caso da ré, ora recorrida - se opta pela formulação dos quesitos, para enunciar as questões de facto que haverão de ser objeto da perícia, será às questões neles suscitadas que haverá de atender-se para delimitar o objeto da perícia, e não aos pontos da base instrutória eventualmente referidos pela requerente da perícia, como sendo os pontos que se pretendia ver esclarecidos através daquela diligência, até porque, como se referiu já, as questões de facto que são objeto da perícia não terão necessariamente de constar da base instrutória.
Assim que se entende que o posicionamento da recorrente, que pretende que os quesitos indicados extravasam o objeto da perícia por não coincidirem com os pontos da base instrutória indicados pela ré, ora recorrida, como sendo aqueles que se pretenderia ver esclarecidos com a perícia, não procede, havendo antes de avaliar se os “quesitos” formulados, como devendo ser objeto da perícia a realizar, colhem justificação na matéria de facto relevante para o exame e discussão da causa, a que faz referência o artº 513º do CPC.
Nesse contexto, estando em causa a impugnação da resolução de atos alegadamente prejudiciais à massa insolvente - atos de constituição da sociedade denominada E… S.A. (doravante referida apenas por “E…”), da participação da Insolvente no capital social da E… com ações representativas de 25% do capital social, da outorga, em “28/04/2009, entre os acionistas de referencia da E…, C…, S.A. e B…, S.A., do acordo parassocial outorga, em 08/04/2009, do contrato promessa de compra e venda de ações pelo qual a Insolvente prometeu vender a B…, S.A. os 25% representativos da participação no capital social da E… por si detidos- é evidentemente relevante apurar se o valor da participação de 25% detida pela C… no capital da “E…” corresponde ao valor dos ativos transmitidos para esta ultima sociedade – quesitos 1 a 7 – e dessa forma forma poder estabelecer-se se os termos do negócio permitiam à C… obter ganho com a alienação da sua participação social – ponto 14º a 18 da BI.
Os quesitos 8 a 11, que respeitam às quantias alegadamente pagas pela Autora, e ora recorrente, B…, encontram justificação na indagação da factualidade constate dos pontos 24º, 25, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 81ºe 82 da base instrutória.
As questões suscitadas nos quesitos 12º a 25º são evidentemente relevantes para o esclarecimento da factualidade concernente à alegada repercussão negativa dos termos do acordo celebrado entre a Autora e a C…, na atividade económica que era desenvolvida por esta – pontos 87 a 89º da base instrutória.
Nesta parte, e nomeadamente no que concerne às conclusões “L” a “M”, e “O” das alegações da recorrente, improcede o recurso.

Sustenta ainda a recorrente que parte das questões enunciadas nos quesitos elencados pela Ré, recorrida, não são suscetíveis de aferição no âmbito de uma perícia à contabilidade das sociedades em questão.
A este propósito, e como começou por sublinhar-se, foi intenção do legislador não impor uma excessiva exigência da formulação das questões a ver esclarecidas pelos peritos. O que, conjugado com o disposto no nº 2 do artº 578º, do CPC de 1961, nos leva a concluir que a adequação ou não da concreta perícia requerida não será fundamento para rejeitar as questões suscitadas pelas partes, o que só poderá ser determinado se as mesmas forem em si mesmo irrelevantes ou inadmissíveis.
Improcede como tal a conclusão “N”

III –
Da perícia a desenvolver por perícia singular, com vista a averiguar o valor do mercado dos ativos transmitidos à B…, à data dessa transmissão.
A avaliação assim requerida vem justificada por referência ao que vinha questionado nos pontos 16 a 24 da BI.
Argumenta a recorrente que a perícia assim requerida excede o âmbito dos quesitos 16 a 24 da base instrutória, indicados pela Ré, como justificação para a perícia requerida, porquanto em nenhum dos referidos pontos da base instrutória se questiona o valor da avaliação das marcas.
Acrescenta ainda que esse não é sequer um aspeto que esteja em discussão nos autos.
Tem aqui plena aplicabilidade o que se deixou antes referido sobre a não coincidência – ao menos necessariamente – ente o objeto da perícia e os pontos da base instrutória, reiterando-se que, sendo o objeto da perícia os factos relevantes para o exame e decisão da causa, que se mostrem controvertidos – artº 513º do CPC – o mesmo pode ir além do que ficou a constar da base instrutória, abrangendo assim os factos instrumentais, necessários à prova daqueles outros factos essenciais, esses sim a constar necessariamente da base instrutória quando controvertidos.
Neste contexto, o valor dos ativos as participadas na C…, à data em que foram transmitidos à autora B…, e a sua posterior comparação com o valor que foi pago pela Autora pela transferência para E… dos ativos das participadas da C…, reveste manifesto interesse para a apreciação da questão de saber até que ponto os termos do negócio celebrado, e que teve por base a avaliação alegadamente feita das marcas e do negócio – pontos 16 a 19, e 24, da base instrutória - foram adequados a permitir que a C… pudesse obter ganhos com a alienação da sua participação social na E… – artigos 14, 21ª 24 da base instrutória.
Improcede como tal a objeção suscitada pela recorrente a este respeito, nomeadamente nas conclusões “O” a “R” das respetivas alegações de recurso.

ASSIM QUE, NOS TERMOS E COM OS FUNDAMENTOS SUPRA EXPOSTOS, ACORDAM OS JUÍZES NA SECÇÃO CÍVEL DESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO NOS SEGUINTES TERMOS:
Julgam parcialmente procedente o recurso, e anulam, em relação à requerida Massa Insolvente da C…, S.A, o despacho de fls. 202, que deferiu a perícia por aquela requerida;
Quanto ao mais, julgam improcedente o recurso e decidem:
I - Deferir a realização da perícia requerida por aquela Massa Insolvente à contabilidade de:
a) Massa insolvente C…, S.A.;
b) A. E…. S.A. e,
c) D…, S.A.,
A perícia, a realizar em moldes colegiais, terá como objeto esclarecer as questões suscitadas nos pontos da base instrutória por aquela indicados;
II - Deferir igualmente a perícia requerida por aquela Massa Insolvente à contabilidade da Insolvente C…, S.A, a realizar em moldes singulares, para averiguação do valor de mercado/alienação, que os ativos transmitidos à B…, S.A. tinham quando foram transmitidos para aquela B…, S.A.

Custas pela recorrente.

Porto, 12 de junho de 2014
Freitas Vieira (Desembargador Relator)
Madeira Pinto (Desembargador Adjunto)
Carlos Portela (Desembargador Adjunto)
________________
[1] Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª edição, págs. 500
[2] Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, anotação ao artº 577º
[3] Factos de que a norma jurídica invocada pelo autor ou pelo réu, faz depender a produção de determinados efeitos.