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INSOLVÊNCIA
HERANÇA JACENTE
PATRIMÓNIO AUTÓNOMO
Sumário
Quando é requerida a delaração de insolvência de uma herança jacente, se esta já tiver sido aceite, antes ou depois da propositura da ação, deverá esta prosseguir contra a herança, pois esta é um património autónomo e a jacência é só uma fase anterior à aceitação ou decalaração de vaga para o Estado.
1 -
B…, SA, com sede na …, …, Lisboa, veio requerer a insolvência da
HERANÇA JACENTE ABERTA POR ÓBITO DE C…, representada pela cabeça de casal D….
Alegou para esse efeito e em resumo:
O Banco A. é credor da Ré das quantias de € 199.519,16 a que acrescem juros de mora, de € 149.639,37, a que acrescem juros de mora, que lhe foram mutuadas por aquele e não pagas no vencimento;
Por outro lado, está ainda a dever os montantes de € 6.000,00 e € 17.000,00, titulados por duas livranças subscritas por C…, já vencidas e não pagas;
Mais, está a dever as quantias de € 62.005,75, € 15.536,91 e € 15.536,91, avalizadas por C… e não pagas, além dos respetivos juros, imposto de selo;
Ascendendo a dívida a € 804.214,63;
C… faleceu a 23-8-2010, deixando como herdeiros sua viúva, D…, e os filhos E…, F… e G…;
Os filhos do de cujus renunciaram à herança;
Estes factos revelam a situação de insolvência da Requerida.
2 -
A HERANÇA JACENTE ABERTA POR ÓBITO DE C… deduziu oposição, tendo alegado, em resumo:
Não estamos perante uma herança jacente, pois que foi aceite por D…;
A herança ainda não partilhada, mas cujo titular esteja determinada, não tem personalidade judiciária;
Através de penhoras do de cujus e da cabeça de casal foram já obtidos € 106.332,80;
Por outro lado, relativamente ao crédito à habitação acionado pela Requerente, esta já recebeu o capital da seguradora, em consequência da morte de C…;
Além de outros pagamentos através de ações executivas;
Não estão verificados os fatores índices alegados pela Requerente;
Ocorre uma situação de abuso de direito por parte da Requerente;
Esta litiga de má fé, pelo que deverá ser condenada a pagar uma indemnização à cabeça de casal nunca inferior a € 5.000,00;
Para a hipótese de procedência do pedido de declaração de insolvência, requereu a exoneração do passivo restante;
Declarou não aceitar a nomeação do administrador indicado pela Requerente.
3 -
A Requerente respondeu, alegando que não ocorre a exceção de ilegitimidade da Requerida.
4 -
Foi proferido, então, Despacho que, julgando verificada a exceção dilatória de falta de personalidade judiciária, absolveu da instância a Requerida.
5 -
O Requerente apelou desta Decisão, tendo formulado, nas suas Alegações, as CONCLUSÕES que transcrevemos de seguida: 1. Ao julgar procedente a excepção dilatória de ilegitimidade por falta de personalidade judiciária da Requerida Herança Jacente aberta por óbito de C…, a decisão em apreço violou o disposto no artigo 2.ºdo CIRE, desconsiderando, de igual forma, os artigos 2056.º, do Código Civil e46.º da Lei n.º23/2013, de 5 de Março; 2. As questões a colocar à apreciação deste venerando Tribunal, para a boa reapreciação da causa, são duas, a saber: a. Se a Herança aberta por óbito de C…, aquando da entrada da Petição Inicial da sua Insolvência, havida sido aceite por algum dos seus herdeiros; e b. Na hipótese de se considerar tal facto como provado, se, a herança indivisa aberta por óbito de C… pode ser sujeito passivo de declaração de insolvência. 3. Relativamente à primeira questão, o Tribunal sustentou a sua decisão, por um lado, no facto de pouco mais de um mês após a abertura da sucessão, 3 dos sucessíveis repudiarem a herança, sendo natural que a outra sucessível – a herdeira D… – a repudiasse nessa altura caso não a pretendesse aceitar, e, por outro lado, por já terem decorrido 3 anos e meio sobre a morte do C…, sem que a herdeira D… a tenha repudiado, o que levaria a crer que esta a tenha aceite. 4. Ora, em face dos factos alegados e provados e à luz dos dispositivos legais aplicáveis, impunha-se decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo. 5. Nos termos do artigo 2056.º do Código Civil, a aceitação da herança pode ser expressa ou tácita, sendo que a aceitação expressa resultará da declaração de aceitação constante de algum documento escrito e a tácita quando resulta deforma inequívoca e concludente de algum acto praticado por algum herdeiro que revele essa vontade. 6. Ao contrário do que é entendido pelo M.º Juiz a quo, o simples decurso do tempo não pode fazer presumir a aceitação tácita da herança, porquanto a lei não estabelece qualquer prazo para a declaração de aceitação ou repúdio da herança, limitando-se, no artigo 2059.º do Código Civil, a instituir um prazo de caducidade, de 10 anos, para o exercício do direito de aceitar a herança, donde decorre, logica e necessariamente, que no âmbito daquele prazo os herdeiros podem exercer o seu direito de aceitar ou repudiar a herança. 7. O Tribunal a quo, a par do decurso do tempo, socorre-se ainda do facto de os demais herdeiros do falecido terem repudiado a herança, pouco mais de um mês após a abertura da sucessão, para presumir a aceitação da D…. 8. Ora, em face dos elementos constantes dos autos não resulta de forma inequívoca e concludente que a D… tenha aceite a herança, sendo que o simples facto de esta não ter repudiado a herança conjuntamente com os seus filhos, um mês após o falecimento do C…, não tem a idoneidade de fazer presumir a aceitação desta. 9. Uma vez que o artigo 2056.º do Código Civil não define o que é a aceitação tácita da herança, conforme refere o Autor já mencionado, “(…) as noções de aceitação expressa e tácita se deverão retirar a partir das noções gerais do art.217.º do Código Civil.” 10. Dado que nesta matéria de aceitação da herança a lei, uso ou convenção não atribuem ao silêncio esse valor, a aceitação tácita apenas se poderá deduzir, nos termos do artigo 217.º, n.º1, de factos que, com toda a probabilidade, a revelem. 11. Compulsado o articulado de Oposição à Insolvência, constata-se que a Recorrida limita-se a tecer considerações conclusivas e de natureza jurídica, das quais não se poderá extrair qualquer facto que revele a vontade em aceitara herança. 12. Por outro lado, não é possível considerar-se como manifestação inequívoca deque estaria a aceitar a herança, o facto da D… não ter acompanhado os demais herdeiros no acto de repúdio da herança, contrariamente ao que se entendeu na decisão sub judice. 13. Entender-se dessa forma, para além de resvalar para o uso arriscado de lógica dedutiva extraída de comportamentos omissivos, significaria que o repúdio da herança por todos os herdeiros à execpção de um implicaria para este a sua aceitação, o que não é claramente o que a ratio legis das normas em apreço pretende inculcar no conceito de aceitação tácita. 14. Assim, é inquestionável que a Herança aberta por óbito de C…, aquando da entrada da Petição Inicial da sua Insolvência, não havia sido aceite por nenhum dos seus herdeiros, pelo que a invocada excepção dilatória de ilegitimidade passiva deveria ter sido julgada improcedente. 15. Sem conceder, e ainda que a herança aberta por óbito de C… tivesse sido aceite, sempre se dirá que esta pode ser sujeito passivo de declaração de insolvência. 16. A considerar-se que a Herança Jacente foi aceite pela D… pela manifestação de vontade demonstrada com a apresentação do articulado de Oposição à Insolvência, esse facto não implica a ilegitimidade passiva por falta de personalidade judiciária da Requerida. 17. Com efeito, o artigo 564.º, alínea b), do Código de Processo Civil, estipula que a citação torna estáveis os elementos essenciais da causa, nos termos do artigo 260.º, que consagra o princípio da estabilidade da instância, e determina que, com a citação do réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas. 18. Por sua vez, o CIRE, no seu 10.º, n.º1, alínea a), refere que no caso de falecimento do devedor, o processo passa a correr contra a herança aberta por morte do devedor, que se manterá indivisa até ao encerramento do processo. 19. Por maioria de razão, se a acção de insolvência estiver proposta contra a herança jacente que, na pendência daquela, é aceite por algum ou alguns dos herdeiros, de igual forma esta permanecerá indivisa até ao encerramento do processo que prossegue os seus termos normais contra a herança jacente. 20. Noutra perspectiva, se se considerar que a herança aberta por óbito de C… já havia sido aceite em momento anterior à entrada da petição de insolvência, o que não se concebe, de igual forma se dirá que a mesma não deixa de ser sujeito passivo de declaração de insolvência, face ao disposto no artigo 2.º do CIRE, que enuncia quais são os sujeitos passivos de declaração de insolvência. 21. No que ao caso interessa refiram-se as alíneas b) e h), do n.º1, do CIRE, segundo as quais estão sujeitas à declaração de insolvência a herança jacente e quaisquer outros patrimónios autónomos, sendo que é precisamente nesta última categoria que se enquadra a herança aceite por algum ou alguns dos seus herdeiros. 22. O critério transposto para o artigo 2.º do CIRE é o da autonomia patrimonial, socorrendo-se o legislador de um elenco meramente exemplificativo e de um conceito amplo de património autónomo para efeitos de sujeição à insolvência. 23. Como refere Catarina Serra, em Nótulas sobre o registo predial da insolvência, disponível em www.cenor.fd.uc.pt/site/, é imperioso não se confundir o critério da autonomia patrimonial, que delimita o âmbito de sujeição à insolvência, com o da personalidade judiciária: “Se o critério da sujeição à insolvência fosse o da personalidade judiciária, (só)estariam sujeitos à insolvência os patrimónios a quem a lei processual estende a personalidade judiciária (cfr. art. 6.º do CPC). Tal implicaria excluir alguns patrimónios – os patrimónios separados, designadamente a herança aceita e o EIRL. Ora, o EIRL está indiscutivelmente sujeito à insolvência [cf. Art. 2.º, n.º1, al. g), do CIRE]. Por outro lado, a insolvência da herança (jacente ou aceite) está prevista na própria lei processual civil: na norma do art. 1361.º do CPC.” 24. Também neste sentido aponta Menezes Leitão, em Direito da Insolvência, 3.ªEdição, pág. 91, quando refere que: “A lei impede assim qua a aceitação da herança tenha como efeito a extinção da sua autonomia patrimonial, prolongando esta até ao encerramento do processo, ao estabelecer obrigatoriamente a sua indivisão. Efectivamente, mesmo após a aceitação da herança por qualquer herdeiro, mantém-se a possibilidade de declarar a sua insolvência, dado que esta constitui um património autónomo sujeito a administração do cabeça de casal até à liquidação e partilha (art. 2079.º CC) e os patrimónios autónomos estão genericamente sujeitos à insolvência (art. 2.º, n.º1, h))”. [sublinhado nosso] 25. A não se entender desta forma, a verificar-se a aceitação de uma qualquer herança por algum ou alguns do seus herdeiros, imediatamente ficaria vedada a possibilidade da declaração de insolvência desse património que, por ser autónomo, não afectaria a solvência do herdeiro, criando uma lacuna inaceitável. 26. Ora, não foi certamente esta intenção que esteve na origem do critério adotado pelo legislador no artigo 2.º do CIRE, cristalizado na enunciação meramente exemplificativa constante daquele artigo. 27. Face ao exposto, a decisão em crise fez uma incorrecta interpretação dos factos e desadequada aplicação do Direito, designadamente das invocadas disposições legais, nomeadamente o artigo 2.º do CIRE, que violou, devendo por isso, ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos, ou quando assim não se entenda, que ordene a observância do preceituado nos artigos 6.º, n.º2, e 590.º, n.º2 do Código de Processo Civil.
6 –
A Requerida não contra-alegou.
II FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
Dos documentos juntos aos autos, nomeadamente certidões de fls. 20-22 e de fls. 126-128 resulta que:
a) C… faleceu no dia 23 de agosto de 2010, no estado de casado com D… e deixou os seguintes filhos – E…, e F…; este divorciado e aquele casado com G….
b) No dia 23 de setembro de 2010, no Cartório Notarial de H…, sito no Porto, foi lavrada escritura pública na qual E… e F… declararam repudiar a herança de C….
c) Nessa escritura consta ter G… dado o consentimento ao seu marido para aquele ato.
d) Consta, ainda, da mencionada escritura, que E… declarou ter um descendente menor, I…, e que F… declarou que também tem um descendente menor, J….
Factos que terão de ser considerados como provados, alterando-se, assim, a Decisão de Facto constante da peça em recurso, o que é feito ao abrigo do disposto no artigo 662º, 1, do NCPC.
DE DIREITO
A morte de C… provocou a abertura da sucessão, sendo a sucessão um fenómeno complexo que há-de conduzir à atribuição do património do falecido contribuir à atribuição do seu património a uma ou mais pessoas[1] - ver artigo 2031º do CC.
Ora, aberta a sucessão, foram chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido sua viúva e os dois filhos – ver artigos 2032º, 1, e 2133º, 1, do CC.
Como os filhos não aceitaram a herança, mas têm descendentes, são estes chamados à sucessão, retroagindo a chamada destes ao momento da abertura da sucessão – artigo 2032º, 2, do CC.
Não há elementos de facto que nos permitam concluir que estes descendentes tenham aceite o chamamento à herança.
Mas a cabeça de casal, viúva do de cujus, na oposição que deduziu oposição, tendo para o efeito em seu próprio nome outorgado a procuração forense de fls. 121, veio declarar o seguinte: “A presente herança foi aceite por D… (não D1… como por lapso está escrito – ver mencionada procuração e certidão de fls. 126-128)” (artigo 4º).
Não faz qualquer sentido, pois, alegar que não há factos nos autos de que se possa concluir ter havido aceitação tácita, pois que ela o foi manifestada, de forma expressa, pelo menos naquele artigo 4º.
E sempre se poderá considerar que aquela declaração de aceitação é feita no seguimento da citação para esta ação, tornando desnecessária a notificação prevista no artigo 2049º, 1, do CC, que devia ter sido requerida pelo B…, mas que optou por indicar a viúva como cabeça de casal, numa aceitação de que esta havia aceite o chamamento à herança aberta por óbito do seu marido, chamando-lhe, curiosamente, “ex-cônjuge”!
Não estamos, pois, perante uma herança jacente tal como é definida pelo artigo 2046º do CC.
Mas estamos perante uma herança ainda indivisa.
De acordo com o disposto no artigo 2º, 1, b) e h), do CIRE podem ser objeto de processo de insolvência a herança jacente e qualquer património autónomo, não especialmente previsto nas demais alíneas daquela disposição legal.
A herança, logo que aberta, mas antes de ser aceite, está jacente, situação que termina quando há aceitação, mas mantém-se indivisa enquanto não partilhada. De qualquer forma, quer numa situação, quer noutra estamos perante um património autónomo suscetível de ser declarado insolvente.
No caso dos autos ainda não ocorre situação de partilha da herança, pois que há, ainda, sucessíveis, além da viúva.
O que não impede o prosseguimento da ação contra a herança, que, no fundo, é o mesmo património autónomo que a herança jacente, mas já aceite. A insolvência requerida é em relação ao património autónomo herança aberta por óbito de C…, que ainda não teria sido aceite. Porém, depois de aceite, ainda que na pendência da ação, o que está em discussão é saber se esse património autónomo está ou não em situação de insolvência. A jacência é uma fase antes da aceitação ou declaração de vaga para o Estado, em nada afetando a posição processual da mesma, a sua composição ou estrutura.
Além de que sempre representado, nestes autos, pela cabeça de casal, D….
Assim, não tem razão de ser o despacho recorrido.
III DECISÃO
Por tudo o que exposto fica, acordamos em revogar a Decisão recorrida e determinamos o prosseguimento dos autos.
Custas pela Herança.
Porto, 16-06-2014
Soares de Oliveira
Alberto Ruço
Correia Pinto
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[1] LUÍS CARVALHO FERNANDES, Lições de Direito das Sucessões, 4ª ed., Quid Juris, Lisboa, 2012, p. 139.
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SUMÁRIO Quando é requerida a delaração de insolvência de uma herança jacente, se esta já tiver sido aceite, antes ou depois da propositura da ação, deverá esta prosseguir contra a herança, pois esta é um património autónomo e a jacência é só uma fase anterior à aceitação ou decalaração de vaga para o Estado.