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INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
PRESTAÇÃO SUPLEMENTAR
Sumário
I - A IPATH é cumulável com a aplicação do fator de bonificação de 1,5 previsto no nº 5, al. a) das Instruções Gerais constantes do Anexo I da TNI aprovada pelo DL 352/2007, de 23.10; II - A prestação suplementar para assistência por terceira pessoa a que se reportam os arts. 53º e 54º da LAT, aprovada pela Lei 98/2009, deve ser fixada em função do tempo necessário a essa assistência, pelo que, provado que a sinistrada carecia dessa assistência durante cerca de duas horas diárias, deverá o seu montante ser proporcional a esse período de tempo e não ao limite máximo previsto na lei, III - E, atendendo ao fim a que se destina essa prestação, que passa ou poderá passar pela contratação de uma pessoa que preste tal assistência, deve essa prestação ser paga durante 14 vezes por ano e não apenas durante os 12 meses do ano, incluindo, pois, o montante relativo aos subsídios de férias e de Natal que pelo sinistrado serão devidos à pessoa contratada.
Texto Integral
Procº nº 947/11.9TTPRT.P1 Apelação
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. 755)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Maria José Costa Pinto
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
Na presente ação emergente de acidente de trabalho, instaurada aos 17.06.2011, em que é A., a sinistrada B…, que, por requerimento de 24.04.2014 (fls. 199 a 203), constituiu mandatário judicial e sendo, até então, patrocinada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, e Ré, Companhia de Seguros C…, SA, procedeu-se, na fase conciliatória do processo, a exame médico singular à mencionada sinistrada, bem como a tentativa de conciliação.
Em tal exame, levado a cabo por Sr. perito médico do Instituto de Medicina Legal, considerou-se, conforme laudo de fls. 111 e 112, que as sequelas que a sinistrada apresenta são causa de incapacidade permanente absoluta para a sua atividade habitual (IPATH), tendo-a, ainda, considerada afetada do coeficiente de desvalorização de 80,4631% de IPP (resultante do coeficiente de desvalorização de 0,5364208, multiplicado pelo fator de bonificação de 1,5), com efeitos a partir de 28.05.2013.
Na tentativa de conciliação que se lhe seguiu, a que se reporta o auto de fls. 121 a 123, as partes acordaram quanto à existência do acidente, sua caracterização como acidente de trabalho, retribuição auferida pelo sinistrado, transferência da responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do acidente para a ré seguradora, nexo de causal entre o acidente e as lesões e data da alta definitiva.
Não se tendo, porém, as partes conciliado por discordância da Ré Seguradora que, aceitando embora que a A. se encontra afetada de IPATH, apenas aceitou a IPP residual de 53,642%, não aceitando também o pagamento da prestação suplementar de assistência de 3ª pessoa que havia sido reclamada pela sinistrada.
Requerido exame por junta médica, entenderam os Srs. Peritos médicos, por unanimidade, que a sinistrada é portadora de IPATH com um coeficiente de desvalorização de 80,463 de IPP, resultante este do coeficiente de 0,5364 de IPP multiplicado pelo fator de bonificação de 1,5; mais entenderam que a sinistrada carece de “ajuda de 3ª pessoa de 2 horas diárias”.
Após, aos 23.01.2014, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
“--condenar a “Companhia de Seguros C…, S.A.” a pagar à sinistrada B…, com efeitos a partir de 29 de Maio de 2013 (dia seguinte ao da alta) a pensão anual, vitalícia e actualizável, de € 4.589,55€, acrescida dos juros moratórios calculados à taxa legal de 4 % ao ano desde a respectiva data de vencimento até integral pagamento;
--condenar a referida Seguradora a pagar à sinistrada a quantia de € 5.209,43, a quantia mensal de € 461,14 x 14 meses, e a quantia de 35,00 € acrescidas dos juros moratórios calculados à taxa legal desde as respectivas datas de vencimento até integral pagamento.”, mais decidindo fixar o “Valor da acção para efeitos de custas: € 16.289,94”.
Inconformada, veio a Ré Seguradora recorrer, formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1 – Os peritos médicos, no respectivo exame pericial por Junta, consideraram, com base na aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades, que o sinistrado apresenta IPP de 53,64% com IPATH;
2 – O Tribunal recorrido entendeu corrigir a IPP atribuída, pela aplicação do factor de bonificação, invocando para tal idade da sinistrada superior a cinquenta anos.
3 – E assim, condenou a ora recorrente a pagar pensão anual e vitalícia ao sinistrado, com base na IPP de 80,4631% com IPATH.
4 – Todavia, no caso em apreço, não se cumula a pensão por IPATH com a aplicação do factor de bonificação por idade da sinistrada superior a cinquenta anos
5 – pois isso implicaria reparar duas vezes o mesmo dano.
6 – Assim, a condenação decidida nos termos da conclusão terceira deste recurso, significou, por parte do tribunal recorrido, inadequada interpretação e aplicação do ponto 5.º, alínea a) das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades 7 – e violação do disposto no art.º 473 n.º 1 do Código Civil, disposição que proíbe o enriquecimento sem justa causa.
Por outro lado,
8 – os artigos números 53, n.ºs 1 e 2 e 54 n.º 1 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro devem ser interpretados no sentido de que aí se estabelece um tecto máximo dentro do qual, consoante o número de horas requeridas, se gradua e determina o montante de prestação suplementar para compensar encargos com assistência de terceira pessoa.
9 - Está, provado, no caso concreto, que a sinistrada carece de ajuda diária de terceira pessoa, de cerca de duas horas.
10 – Apesar disso, o tribunal A QUO decidiu atribuir à autora uma pensão mensal de €461,14 x 14 (ou seja, catorze vezes superior ao limite máximo previsto na lei).
11 – Com isso, violou de forma manifesta o art.º 54.º n.º 1 da Lei 98/2009, não só por ter excedido o limite máximo aí previsto, mas também porque não graduou, dentro do aludido limite, a prestação suplementar a atribuir em função das duas horas diárias (apenas) de que a sinistrada carece da ajuda de terceira pessoa.
12 – Pois a prestação suplementar para ajuda de terceira pessoa ajustada e bastante, a atribuir à autora, deverá, salvo o devido respeito, ser da ordem dos €115,285.
TERMOS EM QUE MERECE PROVIMENTO A PRESENTE APELAÇÃO E, POR VIA DELA, DEVERÁ SER PARCIALMENTE REVOGADA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA E SUBSTITUÍDA POR DECISÃO QUE A - CONDENE A RÉ A PAGAR PENSÃO AO SINISTRADO APENAS COM BASE NA IPP DE 53,64% COM IPATH B - REDUZA O MONTANTE MENSAL DE PRESTAÇÃO SUPLEMENTAR POR AJUDA DE TERCEIRA PESSOA, PARA A QUANTIA MENSAL DE €115,285, (…)”.
A Recorrida, ainda patrocinada pelo Ministério Público, contra-alegou pugnando pelo não provimento do recurso e tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1º - Não há qualquer incompatibilidade entre a aplicação do factor 1,5 e a atribuição à sinistrada de IPATH;
2º - A aplicação de tal fator incide sobre a maior ou menor capacidade residual para o exercício de outra profissão compatível, sendo certo que a pensão ficará, em qualquer caso, sempre compreendida entre os limites de 50% e 70% da retribuição anual da sinistrada à data do acidente, nos termos do artº 48º, nº 3, alínea b), da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro;
3º - Ao fixar à sinistrada uma IPP de 80,4631%, com IPATH, a Mª Juíza nesta instância apreciou livremente os laudos periciais constantes dos autos, nomeadamente, a perícia por Junta médica, em que os peritos, por unanimidade, à semelhança do que já acontecera na fase conciliatória com o perito médico do INML do Porto, consideram a sinistrada afetado com aquela incapacidade;
4º - Não há na decisão recorrida qualquer dupla valoração e indemnização de danos;
5º - A pensão fixada está conforme às regras legais e de acordo com a IPP de 80,4631%, com IPATH;
6º - Também, face ao disposto nos artigos 53º e 54º, ambos da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro, não merece qualquer reparo a fixação da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa no montante máximo legalmente permitido de € 461,14 x 14 meses;
7º - Na verdade a lei não estabelece um critério rigoroso e definido para a fixação daquela prestação, estabelecendo, apenas, o seu limite máximo e acrescentando que o seu valor será atualizado anualmente na mesma percentagem em que o for o IAS;
8º Tal prestação destina-se, nos termos da Lei a compensar os encargos com assistência de terceira pessoa em face da situação de dependência em que se encontre o sinistrado, concretizando-se tal dependência na impossibilidade de o sinistrado não poder, por si só, prover à satisfação das suas necessidades básicas diárias, tais como a sua higiene pessoal, a sua alimentação e locomoção;
9º - Daí que, não pode, com o faz a recorrente, na fixação de tal prestação, ater-se apenas ao período de ajuda diário que se entendeu necessário para, a partir daí, com base numa operação meramente matemática, se calcular um valor;
10º - Tendo ficado provado que a sinistrada ficou afetada com a incapacidade de 80,4631%, com IPATH e que necessita de ajuda de terceira pessoa durante cerca de duas horas diárias, e, resultando, também, dos autos que a sinistrada tinha um rendimento anual de € 6.944,14, é viúva, nasceu a 04/02/1952, era empregada doméstica e ficou com dependência de ajuda de terceira pessoa para as tarefas diárias de higiene, vestuário, limpeza e alimentação e de seguimento regular em consultas de urologia e psiquiatria, aquele montante parece – nos justo e adequado à finalidade de tal prestação;
11º Como também não merece qualquer reparo o fato de tal prestação ser prestada por 14 meses, sendo certo que a terceira pessoa que vier a prestar a assistência à sinistrada tem direito, nos temos da lei laboral, ao pagamento de 14 retribuições, nelas se incluindo os subsídios de férias e de Natal;
12º De todo o modo, e mesmo que se entenda que o montante mensal fixado é excessivo, sempre nos parece, que o montante mensal avançado pela recorrente na sua douta alegação de recurso, é insuficiente, e não se mostra de acordo com a lei, o seu espírito e teleologia, não chegando, face ao que dito fica, para que a sinistrada satisfaça os encargos com a assistência, não devendo tal montante mensal ser fixado em valor inferior a € 350,00 x 14 meses;
13º - A douta decisão recorrida está, por isso, conforme a lei e o direito, pelo que nenhuma censura merece.”.
Aberta vista, o Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto junto desta Relação não emitiu parecer por a sinistrada ser patrocinada pelo Ministério Público.[1]
Colheram-se os vistos legais.
*
II. Matéria de facto dada como provada pela 1ª instância:
“Por acordo das partes
a) O acidente sofrido pela Sinistrada, em 02 de Junho de 2011, tem natureza laboral.
b) Existe nexo de causalidade entre o acidente e as lesões sofridas por tal trabalhadora, e bem assim entre estas e a sua situação actual.
c) A responsabilidade infortunística pelo acidente em causa encontra-se transferida da sua entidade empregadora, mediante contrato de seguro da modalidade de acidentes de trabalho para a “Companhia de Seguros C…, S.A” ”, no que respeita ao salário de 496,01€ x 14 meses.
d) A indemnização por despesas de transporte da Sinistrada ao Tribunal e ao INML ascendeu a 35,00 €.
e) A Sinistrada teve alta médica no dia 28 de Maio de 2013. Por prova pericial:
f)Em consequência das sequelas sofridas, a Sinistrada necessita de ajuda diária de terceira pessoa durante cerca de duas horas.
g) Em resultado do acidente sofrido e mencionado em a), a Sinistrada ficou afectada com uma IPP de 80,4631%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
h) À data do acidente, tinha mais de cinquenta anos.”
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Atento o documento de fls. 63, altera-se a al. h) dos factos provados, que passará a ter a seguinte redação:
“h) À data do acidente, a A. tinha mais de cinquenta anos, havendo nascido aos 04.02.1952.”
*
III. Do Direito
1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi dos arts. 5º, nº 1, da citada Lei e 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, são as seguintes as questões suscitadas pela Recorrente:
- Se a IPATH não é cumulável com a aplicação do fator de bonificação de 1,5 previsto no nº 5, al. a) das Instruções Gerais constantes do Anexo I da TNI aprovada pelo DL 352/2007, de 23.10;
- Da prestação suplementar para assistência de 3ª pessoa.
2. Da 1ª questão
Tem esta questão por objeto saber se a IPATH não é cumulável com a aplicação do fator de bonificação de 1,5 previsto no nº 5, al. a) das Instruções Gerais constantes do Anexo I da TNI aprovada pelo DL 352/2007, de 23.10, esta aplicável ao caso.
2.1. Na sentença recorrida referiu-se o seguinte:
“A discordância da Seguradora prende-se quanto ao grau de incapacidade que foi atribuído à Sinistrada, mais concretamente com a aplicação do factor de bonificação de 1,5%.
Sobre esta questão seguimos o entendimento uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, citando o recente Acórdão de 05/03/2013 disponível in www.dgsi.pt.
Assim, a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem salientado que no caso de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual é admissível a cumulação do benefício legal decorrente desta situação com o benefício previsto na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da TNI, ou seja, com o factor 1,5%.
No seu laudo pericial, os Srs. Peritos que constituíram a Junta Médica responderam aos quesitos formulados e concluíram, por unanimidade, que a IPP de que padece a Sinistrada é de 80,4631 %, que resulta, e bem, da IPP (53.64%) e da aplicação do factor 1,5% atenta a idade da sinistrada.
Tal laudo pericial foi calculado nos termos da Tabela Nacional de Incapacidades, pelo que não existe qualquer motivo válido para o pôr em causa.
Assim sendo, considero a Sinistrada afectada, com uma IPP de 80,4631%, com efeitos a partir da data da alta.”
A única discordância, quanto à questão ora em apreço, decorre da circunstância de a Recorrente entender, pelos fundamentos que invoca, que a IPATH não é cumulável com a atribuição do referido fator de bonificação.
2.2. Dispõe a mencionada instrução que:
“Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1,5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0,5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor.”.
Sendo que, na correspondente instrução constante da anterior TNI (então aprovada pelo DL 341/93, de 30.09 e revogada pela acima mencionada), se dispunha que: “Sempre que se verifique perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente, os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados com uma multiplicação pelo factor 1,5, se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais.”
Do referido facilmente se conclui que deixou de constituir requisito da atribuição do aludido fator de bonificação a perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho, continuando a exigir-se que ou o sinistrado não seja reconvertível em relação ao posto de trabalho ou que tenha 50 anos ou mais.
2.3. A questão não é nova e, referimo-lo, chegou a ora relatora a sufragar entendimento no sentido do preconizado pela Recorrente, entendimento que, todavia e posteriormente, se abandonou face à jurisprudência uniforme e reiterada do Supremo Tribunal de Justiça em sentido contrário, ou seja, de que nada impede tal cumulação, acórdãos esses de que citamos, a título exemplificativo, os de 19.03.2009, Processo 08S3920, de 29.03.2012, proferido no Processo 307/09.1TTCTB.C1.S1, e de 05.03.2013, proferido no Processo 270/03.2TTVFX.L1.S1, todos consultáveis in www.dgsi.pt e que passaremos a transcrever:
2.3.1. Assim, no primeiro dos mencionados Acórdãos (19.03.2009), refere-se que:
<< 2. Importa, então, ajuizar se, ocorrendo incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, na determinação do valor final da incapacidade é aplicável uma bonificação, consistente na multiplicação pelo factor 1,5, conforme o estipulado na alínea a) do n.º 5 das «Instruções gerais» da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (TNI), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de Setembro.
No domínio de aplicação da sobredita TNI, este Supremo Tribunal teve a oportunidade de se pronunciar acerca da questão enunciada, no acórdão de 16 de Junho de 2004, Processo n.º 1144/04, da 4.ª Secção (Secção Social), cuja orientação foi reafirmada no acórdão de 2 de Fevereiro de 2005, Processo n.º 3039/04, da 4.ª Secção, que concluiu no sentido de que «[t]endo o sinistrado ficado afectado de uma IPP de 61% e incapaz para o exercício da profissão habitual, a tal grau de incapacidade deve ser aplicado, para efeitos do cálculo do valor da pensão, o factor de bonificação de 1,5 previsto no n.º 5, alínea a), das Instruções Gerais da TNI, não sendo este «incompatível com as disposições da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, nomeadamente com o preceituado no n.º 1, alínea b), do [seu] artigo 17.º»
(…)
Para que se verifique a falada bonificação, a par da perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente, exige-se que a vítima não seja reconvertível em relação ao posto de trabalho ou que tenha 50 anos de idade ou mais.
No caso vertente, resulta da factualidade apurada nos autos que a sinistrada desempenhava as funções de trabalhadora rural e que, em consequência das lesões sofridas no acidente, apresentava «[r]igidez do ombro direito e sequelas de lesão do nervo circunflexo», sendo-lhe atribuída a «IPP de 31,8%, com incapacidade para a profissão habitual», pelo que, atentas as funções exercidas pela sinistrada, verifica-se perda de função inerente e imprescindível ao desempenho do seu posto trabalho.
Assim sendo, e porque a sinistrada nasceu em 7 de Abril de 1952, tendo, à data do acidente e da alta, mais de 50 anos, na fixação do grau de incapacidade permanente devia ter sido levado em conta o questionado factor 1,5 de bonificação.
Tal como pondera a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, não se justifica «que se faça uma interpretação diferente quando estamos ou não estamos perante uma situação de IPATH. Na verdade, mal se compreende que se trate de modo diferente uma situação em que o sinistrado continue a desempenhar o seu trabalho habitual com mais esforço, e uma situação em que esteja impedido permanente e absolutamente de o realizar. É que, pelo menos, teoricamente, em qualquer dos casos, haverá sempre que ter em conta o esforço que é exigido ao trabalhador para o desempenho de outros trabalhos, quando o mesmo está afectado de uma IPATH, traduzido, como não pode deixar de ser, no esforço que terá de desenvolver para se adaptar a novas funções, quanto mais não seja, e é o caso, quando o trabalhador já ultrapassou uma determinada idade (mais de 50 anos), devendo tal esforço ser também […] compensado com a aplicação do factor de bonificação aqui em causa.»».
2.3.2. No segundo dos Acórdãos citados (29.03.2012), diz-se que:
«(…)
Reapreciada a questão, sufraga-se inteiramente a fundamentação transcrita, que tem perfeito cabimento no caso em apreciação.
Na verdade, mal se compreenderia que se tratasse de modo diferente uma situação em que o sinistrado continuasse a desempenhar o seu trabalho habitual com mais esforço, e uma situação em que estivesse impedido permanente e absolutamente de o realizar. É que, em qualquer dos casos, haverá que ter em conta o esforço que é exigido ao trabalhador para desempenhar a sua actividade profissional, traduzido, quando o mesmo está afectado de uma IPATH, no esforço que terá de desenvolver para se adaptar a novas funções, devendo o mesmo ser também compensado com a aplicação do factor de bonificação em apreciação.
Acresce que não se desenha qualquer incompatibilidade entre a aplicação do assinalado factor de bonificação e o estipulado na alínea b) do n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, como pretende a seguradora recorrente, porquanto uma coisa é o cálculo da prestação por incapacidade devida ao sinistrado, operado nos termos da citada alínea, outra é a aplicação da questionada bonificação.
No caso, resulta da factualidade apurada que o sinistrado foi vítima de um acidente quando, como supervisor de construção, procedia à verificação/orientação dos trabalhos de colocação de laje de cimento em cima de um andaime e este partiu, tendo caído de cabeça no chão, o que lhe causou sequelas neurológicas graves, que lhe determinaram uma IPP de 53% (0,53), com IPATH.
Ora, a não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao posto de trabalho resulta da reconhecida incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, atentas as sequelas resultantes do acidente de trabalho que sofreu.
Justifica-se, pois, a bonificação do valor final da incapacidade com base na multiplicação pelo factor 1,5 previsto na alínea a) do n.º 5 das «Instruções gerais» da Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, pelo que improcedem as conclusões da alegação do recurso de revista.”.
2.3.3. Por fim, e no mesmo sentido, no terceiro dos Acórdãos mencionados (05.03.2013) refere-se o seguinte:
«“Não se sufragando a solução eleita no Acórdão sub judicio – como se adianta desde já – os conhecidos argumentos da recorrida, respeitáveis embora, não são seguramente razão bastante, susceptível de induzir-nos à reponderação/alteração do entendimento, há muito firmado e mantido, de modo reiterado e pacífico, neste Supremo Tribunal e Secção.
Com efeito – como ainda recentemente se proclamou no Acórdão de 24.10.2012, tirado na Revista n.º 380/10.4TTOAZ.P1.S1, em que interviemos e que, por óbvias razões, acompanhamos de muito perto –, não ocorre incompatibilidade entre o estatuído na alínea b) do n.º 1 do art. 17.º da LAT/Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da TNI, podendo cumular-se os benefícios nela estabelecidos.
Valendo aqui igualmente a fundamentação expendida (e oportunamente usada também no Acórdão desta Secção tirado na revista n.º 307/09.1TTCTB.C1.S1, de 29.3.2012, a que se alude no Aresto acima citado), transcrevemos dele o excerto seguinte:
(…)
Considerando apenas como relevante a verificação de um dos dois requisitos postulados – …sem embargo de, à data em que é reconhecida a diminuição decorrente da IPATH, o sinistrado já ter mais de 50 anos – diremos, como também se concluiu e aqui se não discute, que, atenta a natureza da actividade profissional por si desenvolvida e as lesões permanentes de que ficou afectado, a hipótese da reconversão profissional do sinistrado, relativamente ao seu posto de trabalho, não seria realmente equacionável, resultando aliás como corolário inevitável da reconhecida incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
A equânime compreensão da realidade subjacente a ambas as situações não consente outra leitura da falada Instrução da TNI, ou seja, não se vê justificação plausível para que se trate diversamente o caso em que o sinistrado continua a desempenhar o seu trabalho habitual, com mais esforço, e aquele em que o mesmo esteja impedido, permanente e absolutamente, de o realizar: em qualquer dos casos – usando as palavras certas do citado Acórdão de 24.10.2012 – haverá que ter em conta o esforço que é exigido ao trabalhador para desempenhar a sua actividade profissional, traduzido, quando o mesmo está afectado de IPATH, no acrescido sacrifício que terá de desenvolver para se adaptar a novas funções, devendo por isso o mesmo ser também compensado com a aplicação do factor de bonificação em apreciação.
Procedem, assim, as conclusões da motivação recursória, pelo que, sendo devida a bonificação do valor final da incapacidade, multiplicada, por isso, pelo factor 1,5, o ajuizado em contrário não pode subsistir, havendo que revogar o respectivo segmento decisório do Acórdão sob censura.».
2.4. No caso, a única discordância residia na possibilidade, ou não, de, face à situação de IPATH da sinistrada, a ela poder cumular-se o mencionado fator de bonificação.
Ora, considerando a mencionada jurisprudência, uniforme e reiterada, do STJ, cujas considerações mantêm atualidade no âmbito da nova LAT, aprovada pela Lei 98/2009, de 04.09, e que se entende ser de sufragar, nada impede a aplicação, no caso, do fator de bonificação de 1,5, tanto mais que a A. tem mais de 50 anos.
Assim, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.
3. Da 2ª questão
Tem esta questão por objeto o montante da prestação suplementar para assistência por terceira pessoa, discordando a Recorrente que ela tenha sido fixada pelo seu montante máximo, antes considerando que o deveria ser em função de duas horas diárias (€115,285).
Mais refere a Recorrente, nas alegações, que, tendo a 1ªinstância condenado, para assistência de terceira pessoa, a Recorrente a pagar à Recorrida “a quantia mensal de €461,14 x 14” tal se deverá a lapso manifesto pois que, “na consideração de uma quantia mensal, não se multiplicará o montante referido por catorze” e, mais adiante, que não deveria ser considerada a multiplicação da prestação mensal por 14, referindo nas conclusões que tal prestação deve ser fixada no valor mensal de €115,285. Ou seja, entende que tal prestação é, anualmente, devida apenas durante 12 meses (os do ano) e não já em 14 vezes.
3.1. Na sentença recorrida, a propósito destas questões, referiu-se apenas o seguinte:
“Por último, uma vez que a Sinistrada não pode dispensar a assistência diária de terceira pessoa tem direito a uma prestação suplementar da pensão no montante mensal do valor de 1,1 IAS, por força do disposto no art.º 53 e 54.º.º do citado diploma legal, ou seja, a quantia mensal de € 461,14 x 14 meses.”
3.2. O acidente de trabalho em causa nos autos ocorreu aos 02.06.2011, pelo que lhe é aplicável o regime constante da Lei 98/2009, de 04.09, que dispõe, em matéria de prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, nos arts. 54º e 54º nos seguintes termos:
Artigo 53.º Prestação suplementar para assistência a terceira pessoa
1 - A prestação suplementar da pensão destina-se a compensar os encargos com assistência de terceira pessoa em face da situação de dependência em que se encontre ou venha a encontrar o sinistrado por incapacidade permanente para o trabalho, em consequência de lesão resultante de acidente.
2 - A atribuição da prestação suplementar depende de o sinistrado não poder, por si só, prover à satisfação das suas necessidades básicas diárias, carecendo de assistência permanente de terceira pessoa.
3 - O familiar do sinistrado que lhe preste assistência permanente é equiparado a terceira pessoa.
4 - Não pode ser considerada terceira pessoa quem se encontre igualmente carecido de autonomia para a realização dos actos básicos da vida diária.
5 - Para efeitos do n.º 2, são considerados, nomeadamente, os actos relativos a cuidados de higiene pessoal, alimentação e locomoção.
6 - A assistência pode ser assegurada através da participação sucessiva e conjugada de várias pessoas, incluindo a prestação no âmbito do apoio domiciliário, durante o período mínimo de seis horas diárias.»
Artigo 54.º Montante da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa
1 - A prestação suplementar da pensão prevista no artigo anterior é fixada em montante mensal e tem como limite máximo o valor de 1,1 IAS.
2 - Quando o médico assistente entender que o sinistrado não pode dispensar a assistência de uma terceira pessoa, deve ser-lhe atribuída, a partir do dia seguinte ao da alta e até ao momento da fixação da pensão definitiva, uma prestação suplementar provisória equivalente ao montante previsto no número anterior.
3 - Os montantes pagos nos termos do número anterior são considerados aquando da fixação final dos respectivos direitos.
4 - A prestação suplementar é anualmente actualizável na mesma percentagem em que o for o IAS.
3.3. Do valor mensal da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa
3.3.1. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.03.2013, proferido no Processo 270/03.2TTVFX.L1.S1, pronunciou-se de forma exaustiva sobre a questão da determinação do valor da prestação em causa, mormente em função do período de tempo necessário à assistência a prestar ao sinistrado, referindo-se, no seu sumário que:
“1 – A prestação suplementar prevista nos artigos 53.º e 54.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, visa compensar os encargos com a assistência de terceira pessoa e depende de o sinistrado não poder por si só prover à satisfação das suas necessidades básicas diárias;
2 – No âmbito das necessidades básicas subjacentes à atribuição da pensão são considerados, entre outros, os actos relativos a cuidados de higiene pessoal, alimentação e locomoção;
3 - O valor da prestação é fixado em função do tempo necessário ao preenchimento das necessidades a satisfazer, a partir do limite máximo fixado no n.º 1 do artigo 54.º daquele diploma, tomando em consideração a maior ou menor autonomia do sinistrado e a sua capacidade residual para a satisfação das suas necessidades básicas.”,
E, na sua fundamentação, refere o seguinte que se passa a transcrever:
<<Tal como decorre dos n.º 1 e 2 do artigo 53.º, esta prestação suplementar da pensão tem por objectivo «compensar os encargos com assistência de terceira pessoa em face da situação de dependência em que se encontre ou venha a encontrar o sinistrado por incapacidade permanente para o trabalho, em consequência de lesão resultante de acidente» e a sua atribuição «depende de o sinistrado não poder, por si só, prover à satisfação das suas necessidades básicas diárias, carecendo de assistência permanente de terceira pessoa».
Deste modo é o facto de o sinistrado, em consequência das limitações derivadas do acidente, não poder, por si só, prover à satisfação das suas necessidades básicas que justifica a atribuição desta prestação que visa «compensar os encargos» com a assistência dessa pessoa e superar por esta via a situação de dependência em que o sinistrado se encontra.
A lei não define o que deve entender-se por «necessidades básicas diárias», mas não deixa de fornecer elementos para o preenchimento deste conceito ao especificar no n.º 5 deste artigo que «para efeitos do n.º 2, são considerados, nomeadamente, os actos relativos a cuidados de higiene pessoal, alimentação e locomoção».
As necessidades básicas não se esgotam nos actos relativos aos cuidados de higiene pessoal, alimentação e locomoção, mas podem incluir muitos outros, com maior ou menor relação com estes, exigindo a lei apenas que se refiram a necessidades básicas diárias, ou seja aquele complexo de tarefas que é essencial para que a vida pessoal do sinistrado mantenha a normalidade compatível com o seu estatuto social, no fundo com a sua dimensão de pessoa e com a dignidade que lhe é devida.
Nos termos do n.º 1 do artigo 54.º, «a prestação suplementar da pensão prevista no artigo anterior é fixada em montante mensal e tem como limite máximo o valor de 1,1 IAS».
Resulta deste dispositivo que a lei não aponta critérios que permitam quantificar o valor da prestação indicando apenas um limite máximo e estabelecendo que deve ser fixada numa base mensal.
Fica, assim, relegado para a autonomia das partes e, no caso de estas não se conciliarem, para o Tribunal a tarefa de encontrar o quantitativo em que a prestação deverá ser fixada, sendo certo que o montante a estabelecer não poderá ultrapassar o limite máximo em causa.
O regime desta prestação suplementar não se afasta nos aspectos essenciais e dá continuidade ao que resultava do artigo 19.º da Lei n.º 100/97 de 13 de Setembro e do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril.
No acórdão desta Secção de 14 de Novembro de 2007, proferido no processo n.º 07S2716, decidiu-se que a prestação em causa deveria ser fixada em função do número de horas que o sinistrado carece da assistência de terceira pessoa, número de horas que depende da gravidade das limitações que o sinistrado apresente e da maior ou menor extensão do quociente de autonomia e de capacidade de satisfação das suas necessidades básicas diárias.
Referiu-se naquele acórdão o seguinte: «Relativamente ao montante da prestação suplementar, a lei é omissa acerca dos elementos a atender na sua fixação, mas compreende-se que o factor relevante para o efeito seja o número de horas em que o sinistrado carece da assistência de terceira pessoa, que, no caso, é de seis horas por dia.
Ora, como se constata da fórmula utilizada pela recorrente, ela partiu do pressuposto de que a prestação suplementar só deve ser fixada em montante igual ao do salário mínimo nacional para os trabalhadores do serviço doméstico quando o sinistrado carecer da assistência de terceira pessoa durante oito horas por dia e que, fora desses casos, a prestação deve ser fixada em função do número de horas em que o sinistrado carece de tal assistência».
A matéria de facto subjacente a este acórdão foi sintetizada naquele aresto do seguinte modo: «Em sede da matéria de facto foi dado como provado que em consequência do acidente, o autor ficou totalmente imobilizado e incapacitado para realizar as tarefas mais elementares, como lavar-se, alimentar-se e realizar as suas necessidades fisiológicas, necessitando de assistência de terceira pessoa diariamente, em média 6 horas/dia (factos n.ºs 6 e 7). E, com base nestes factos, a 1.ª instância considerou que a prestação suplementar devia ser igual ao salário mínimo nacional dos trabalhadores do serviço doméstico e considerou ainda que a referida prestação era devida desde o dia 1.10.2004, data em que teve alta hospitalar».
A necessidade de graduar a fixação do montante da prestação em função da específica situação do sinistrado no sentido de o limite máximo legalmente previsto ser atingido nas situações de dependência absoluta, tem estado presente na Jurisprudência dos Tribunais da Relação.
Assim na fundamentação da decisão recorrida é citado um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, nos seguintes termos:
«Como se disse no Ac. desta Relação de 28-04-2011 (in CJ- on line, refª 6610/2011), ainda no âmbito da LAT/1997):
“(…) do nº 1 do citado artigo 19º [da LAT/1997] parece resultar claramente que esta prestação não é fixa mas sim variável, devendo ser graduada em função do grau de constância dessa assistência e do número de horas de permanência em cada desses dias.
É que as situações que exigem assistência constante de 3ª pessoa não são idênticas, porque cada caso é um caso - as sequelas decorrentes do acidente laboral variam de sinistrado para sinistrado, e se alguns há que necessitam de um acompanhamento constante, outras situações determinam apenas algumas horas diárias. Por outro lado, e dado que o legislador fixou como montante máximo da prestação a remuneração mínima mensal garantida (rmmg) para os trabalhadores do serviço doméstico, não poderá o julgador atribuir o valor máximo a todo e qualquer sinistrado que não dispense a assistência constante de terceira pessoa, mas sim atender a todas as variáveis que o caso concreto fornecer, fixando o valor da prestação em função desses elementos. O valor máximo deve ser atribuído apenas aos casos mais graves, ou seja àqueles sinistrados que exijam um acompanhamento constante que ocupe todo o dia.”»
Considerações da mesma natureza encontram-se também no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Dezembro de 2007, proferido no processo n.º 8145/2007-4, em que se referiu:
«À primeira vista, poderia pensar-se, face ao teor deste preceito, que o sinistrado que não pode dispensar a assistência de terceira pessoa, tem direito a uma prestação equivalente ao montante da remuneração mínima garantida para os trabalhadores do serviço doméstico, independentemente da constância e da duração diária dessa assistência. Mas não é assim. Sendo o DL 143/99 um decreto regulamentar (o decreto que regulamenta a Lei 100/97), o seu art. 49º, n.º 2 não pode ser interpretado e aplicado de forma isolada mas sim em conjugação com o disposto no art. 19º da lei que regulamenta, do qual resulta, de forma clara, que esta prestação não é fixa mas sim variável, que deve ser graduada em função do grau de constância dessa assistência (v.g. todos os dias, quatro dias por semana) e do número de horas de permanência em cada desses dias (8, 6 ou 4 horas diárias).
Como as situações que exigem assistência constante de 3ª pessoa não são idênticas – umas exigem um acompanhamento constante, que ocupa todo o dia e há outras que exigem apenas um acompanhamento que ocupa apenas algumas horas diárias - e como a prestação não pode ser superior ao montante da remuneração mínima mensal garantida [rmmg] para os trabalhadores do serviço doméstico, o tribunal deve ser sensível a estas variáveis e fixar o valor da prestação em função desses elementos e não atribuir o valor máximo a todo e qualquer sinistrado que não dispense a assistência constante de terceira pessoa. O valor máximo deve ser atribuído apenas aos casos mais graves, ou seja àqueles sinistrados que exijam um acompanhamento constante que ocupe todo o dia.
Com o disposto no art. 48º, n.º 2 do DL 143/99, de 13/9, o legislador quis apenas assegurar essa assistência de imediato, a partir do dia seguinte ao da alta, com base no parecer do médico assistente do sinistrado, atribuindo-lhe, a partir dessa data, uma prestação provisória equivalente ao montante da rmmg para os trabalhadores do serviço doméstico, por não existirem ainda, nesse momento, elementos que permitam fixar, em definitivo, essa prestação, resultando do n.º 3 deste artigo que os montantes pagos, a este título, devem ser levados em consideração e a prestação corrigida, aquando da fixação final dos respectivos direitos (sentença), altura em que o tribunal disporá de elementos suficientes para fixar definitivamente essa prestação».
Também no Tribunal da Relação do Porto se constatam decisões que se orientam dentro desta linha, conforme se pode ver, entre outros, do acórdão daquele Tribunal de 23 de Janeiro de 2012, proferido no processo n.º 340/08.0TTVJG.P1 em que se referiu:
«Desta sucessão de leis verificamos que o legislador pretendeu atribuir uma prestação suplementar da pensão, quantificável em dinheiro, tendo para o efeito usado a técnica de estabelecer um tecto máximo, mas sem estabelecer os critérios a seguir para a sua determinação em cada caso concreto.
Na nossa hipótese, tal limite máximo consiste no “montante da remuneração mínima mensal garantida para os trabalhadores do serviço doméstico”, devendo entender-se que se trata do montante da remuneração mínima mensal garantida, uma vez que hoje não há distinção entre os montantes fixados, em termos de retribuição mínima nacional garantida, quer para os trabalhadores em geral, quer para os trabalhadores da agricultura, quer para os do serviço doméstico.
Por outro lado, tal prestação suplementar da pensão visa compensar o sinistrado pela despesa adicional que representa a assistência permanente de terceira pessoa por ele ter perdido capacidade para tratar da sua pessoa, tanto no plano da sua vida pessoal e doméstica em geral, como no da sua vida normal de relação. Daí o conteúdo da norma do acima transcrito Art.º 53.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro que, embora inaplicável in casu, veio explicitar a ratio legis da referida prestação.
Ora, na determinação do seu montante, haverá que atender ao grau de dependência do sinistrado, em função da incapacidade resultante das lesões sofridas no acidente, devendo fixar-se o máximo nos casos mais graves, mas sendo de graduar em sentido inverso nos casos em que a dependência é menor, atenta a capacidade restante da vítima.
Assim, os primeiros casos respeitarão a incapacidades para todo e qualquer trabalho, casos de paraplegia total, por exemplo, estando os restantes reservados para incapacidades para o trabalho habitual ou parciais, mas com um certo grau de gravidade, em que a assistência de terceira pessoa também se impõe, mas com menor intensidade, como serão exemplo os casos de paraplegia parcial (…) Cfr. Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª edição, Almedina, págs. 106 e ss. e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 2007-12-13 e de 2010-04-28 in, respectivamente, www.dgsi.pt, Processo 8145/2007-4 e Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXV-2010, Tomo II, págs. 164 e 165».>> [fim de citação].
Sufragando-se a orientação jurisprudencial transcrita, do exposto há que concluir que o valor da prestação suplementar para assistência por terceira pessoa deve ser ponderado em função da maior ou menor necessidade dessa assistência, traduzida no tempo a ela necessário.
3.3.2. Ora, no caso dos autos, da matéria de facto provada decorre que a A., em consequência das sequelas sofridas no acidente de trabalho em apreço, necessita de ajuda diária de terceira pessoa durante cerca de duas horas.
E, assim sendo, deverá a prestação suplementar ser ponderada em função desse período de tempo e não em função de outros fatores, designadamente dos referidos pela Recorrida nas suas contra-alegações: “gravidade das lesões sofridas pelo sinistrado, à amplitude das necessidades que o sinistrado não consegue satisfazer, por si só, à idade do sinistrado ao seu rendimento anual e à (im)possibilidade de retomar o seu posto de trabalho ou de voltar ao mercado de trabalho, aos custos que o sinistrado terá de suportar, a preços de mercado, pelo auxílio de 3ª pessoa, naquelas concretas circunstâncias e, sabendo-se, que a necessidade desse auxílio, não se “suspende”, como numa v.g. relação laboral, aos sábados, domingos e feriados, durante o “período normal de férias”, durante a noite, etc.”.
Com efeito, e desde logo, a lei não prevê uma assistência ilimitada, em função da real despesa que o sinistrado possa ter com a ajuda de terceira pessoa, sendo certo que fixa um limite máximo; e, por outro lado, dentro deste limite máximo, a graduação deverá ser feita em função do tempo necessário à prestação dessa assistência, sendo na aferição deste que se deverá ter em conta a maior ou menor autonomia do sinistrado em função, designadamente, da gravidade das lesões. Ora, no caso, o que se deu como provado foi que essa assistência era necessária durante cerca de duas horas diárias e, por consequência, a este período se haverá que atender.
Considerando, como parâmetro normal que o valor máximo da prestação (de €461,14) corresponda a um período normal de trabalho diário de 8 horas, as 2 horas diárias necessárias à assistência corresponderão a 25%. E, assim sendo, a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa deverá ser fixado no valor mensal de €115,29 (461,14 x 25%), deste modo procedendo as conclusões do recurso.
3.4.Se a prestação suplementar para assistência de 3ª pessoa não é devida durante 14 vezes por ano
Relevam as considerações, de natureza geral, acima tecidas a propósito do fim visado pela atribuição da prestação suplementar, que se destina a compensar os encargos que sinistrado tenha que suportar com a necessidade permanente de assistência por terceira pessoa para satisfação das suas necessidades básicas diárias, designadamente de higiene pessoal, alimentação e locomoção, assistência essa que passa ou pode ter que passar pela contratação de uma pessoa para tal fim, contratação que se subsume ou será equiparável, face às funções a exercer, ao contrato de trabalho do serviço doméstico e no âmbito do qual é obrigatório o pagamento, pelo sinistrado, dos subsídios de férias e de Natal à pessoa contratada, obrigação esta que justifica que a prestação suplementar não seja devida apenas durante os12 meses por ano, mas que seja paga durante 14 vezes por ano.
E se a Lei 98/2009 não prevê, expressamente, que esse pagamento seja feito durante 14 vezes por ano (ou seja, incluindo os subsídios de férias e de Natal), também o não proíbe ou exclui da sua interpretação.
Com efeito, o que se dispõe no art. 54º, nº 1, da citada Lei é que “[a] prestação suplementar da pensão prevista no artigo anterior é fixada em montante mensal e tem como limite máximo o valor de 1,1IAS”.
Ora, o que a norma diz é que a prestação deve ser fixada num valor mensal e que o limite máximo se reporta ao limite do valor mensal da prestação e não já ao número de vezes em que, anualmente, seja devida a prestação, não constituindo o preceito impedimento ao pagamento da mesma durante 14 vezes por ano, ou seja, incluindo o correspondente, a título de subsídios de férias e de Natal, que é devido pelo sinistrado à pessoa que lhe presta a assistência
Neste sentido se pronunciou o Acórdão desta Relação de 12.12.2005, in www.dgsi.pt, Processo 0515361, no qual se refere que:
<<Sustenta a recorrente que a prestação suplementar por assistência constante de terceira pessoa, de acordo com o disposto no art. 19º, nº 1, da Lei 100/97, deve ser fixada em valor não superior ao montante da remuneração mínima mensal garantida para os trabalhadores do serviço doméstico, multiplicando o valor da remuneração mínima mensal garantida para os trabalhadores do serviço doméstico por 12 vezes e não por 14 vezes, pois que o legislador escreveu "remuneração mínima mensal" e não "anual".
E, assim, segundo a recorrente, o valor anual da prestação suplementar deve ser de €4.448,40 e não de € 5.245,80.
Discorda-se de tal entendimento, sem prejuízo de se reconhecer que se trata de mais uma questão controversa emergente da aplicação da NLAT, aprovada pela Lei nº 100/97, de 13.09, e de alguma incompletude e falta de rigor na técnica legislativa, expressa em muitas das suas disposições, designadamente neste art. 19º, nº 1.
Tal incompletude no plano da lei pressupõe um prévio trabalho de interpretação e aplicação das normas aplicáveis, em função da questão a regular e da solução que as normas disponíveis não permitem.
Vejamos.
Dispõe tal preceito: “se em consequência da lesão resultante do acidente, o sinistrado não puder dispensar a assistência constante de terceira pessoa, terá direito a uma prestação suplementar da pensão atribuída não superior ao montante da remuneração mínima mensal garantida para os trabalhadores do serviço doméstico”.
Atenta a factualidade apurada, é pacífico que o sinistrado, como tetraplégico, necessita do auxílio constante de terceira pessoa e, consequentemente, tem direito a uma prestação suplementar da pensão atribuída.
Esta prestação suplementar, como decorre da mera análise literal da norma, tem por finalidade pagar o trabalho doméstico contratado para prestar assistência ao sinistrado incapacitado por acidente de trabalho, conclusão reforçada com o disposto no art. 48º, nºs 1 e 2, do DL nº 143/99, de 30.04.
Por isso, no caso concreto, é plenamente justificável que o montante da prestação seja fixado pelo valor máximo, ou seja, o montante do salário mínimo nacional garantido para os trabalhadores do serviço doméstico, prestação essa paga 14 vezes por ano.
Releva para tal conclusão não só a referida remissão legislativa para o contrato de trabalho doméstico, regulado no DL nº 235/92, de 24.10, nos termos do qual os trabalhadores do serviço doméstico também têm direito a esses subsídios de férias e de Natal – cfr. arts. 12º e 18º deste diploma legal – sendo impensável que, contratada uma pessoa para prestar assistência por necessidade constante, recaísse sobre o sinistrado o encargo desse concreto pagamento, por força da celebração do contrato de trabalho.
Por outro lado, é também decisivo o facto de tal prestação ser, expressamente, designada como “suplementar da própria pensão atribuída”, como tal, constituindo, no seu sentido etimológico, algo que se junta… à pensão anual atribuída.
Ora, estabelecendo o DL nº 143/99, nos arts. 43º e 51º, nas pensões anuais, a obrigação de pagamento dos subsídios de férias e de Natal, esta mesma obrigação de pagamento se justifica, no caso em apreço, perante uma prestação pecuniária, cuja junção ou suplemento à pensão anual foi expressamente determinada pelo legislador, certamente visando a filosofia subjacente à NLAT de melhoria do sistema de protecção e de prestações conferidas aos sinistrados.>> [fim de citação].
É certo que tal acórdão versava sobre o Art. 19º da anterior Lei 100/97 que, para o cálculo do valor da prestação suplementar, tinha por referência, como montante máximo, o valor da “remuneração mínima mensal garantida para os trabalhadores do serviço doméstico”; e é certo que a Lei atual não tem por referência tal critério, mas sim o valor do IAS (1,1).
Porém, afigura-se-nos que tal alteração não modifica a função ou o que subjaz à razão de ser da atribuição dessa prestação suplementar e que visa compensar os encargos do sinistrado com a contratação de uma pessoa que lhe preste a assistência de que carece, sendo que as razões que, à face da lei anterior, justificavam o pagamento da prestação durante 14 vezes por ano, quais sejam o pagamento dos subsídios de férias e de Natal à pessoa que lhe presta a assistência, mantêm-se na Lei 98/2009, sendo também nesta em tudo equiparáveis ao serviço doméstico.
E, por outro lado e como referido, a Lei 98/2009 apenas se reporta à fixação da prestação em montante mensal e ao valor máximo dessa prestação, mas não impedindo que esse montante mensal seja pago não apenas durante 12 vezes por ano (os correspondentes aos meses do ano), mas 14 vezes por ano.
Assim, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.
IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso, em consequência do que se decide revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar à A. “a quantia mensal de € 461,14 x 14 meses”, a qual é substituída pelo presente acórdão em que se decide condenar a Ré a pagar à A., durante 14 vezes por ano, a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa no valor mensal de €115,29.
No mais impugnado no recurso, nega-se-lhe provimento, confirmando a sentença recorrida.
Custas, em ambas as instâncias, pela Ré/Recorrente e A/Recorrida na proporção do decaimento, sendo que esta, que era patrocinada pelo Ministério Público, constituiu, já em sede recurso, mandatário judicial, pelo que deixou de beneficiar da isenção de custas de que anteriormente gozava atento o disposto no art. 4º, nº 1, al. h) do RCP.
Porto, 16.06.2014
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Maria José Costa Pinto
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[1] De referir que a procuração forense constituindo, pela A., mandatário judicial apenas foi junta posteriormente.