CONTRATO DE EMPREITADA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
PRESSUPOSTOS DE INVOCAÇÃO DA EXCEPÇÃO
Sumário

I - A excepção de não cumprimento prevista no art.º 428.º, n.º 1, do Código Civil aplica-se também aos casos em que sejam diferentes os prazos para o cumprimento das prestações, mas a sua invocação apenas é permitida ao contraente que esteja obrigado a cumprir em segundo lugar, o qual não entra em mora enquanto a sua contraprestação não for realizada.
II - Esta excepção também pode ter lugar em situações de cumprimento defeituoso ou de incumprimento parcial da prestação contratual.
III - Porém, no contrato de empreitada, o dono da obra, para poder prevalecer-se de tal excepção, terá que denunciar os defeitos e exigir a sua eliminação, ou pedir a realização de nova construção, a redução do preço, a resolução do contrato ou o direito a indemnização.
IV - E, para que a mesma possa operar, terá que haver proporcionalidade entre a infracção contratual do credor e a recusa do contraente devedor que alega a excepção, o que é exigido pelos ditames da boa fé.

Texto Integral

Processo n.º 473/11.6TBLSD.P1
Do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada.

Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha
2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto - 2.ª Secção:

I. Relatório

C…, Lda., com sede na Rua …, n.º …., …, Lousada, instaurou, em 28/3/2011, a presente acção declarativa com processo comum e forma sumária contra C… e mulher D…, residentes no …, freguesia …, concelho de Lousada e com domicílio profissional na Rua …, …, ..., ..., da mesma freguesia …, pedindo que os réus sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 4.705,58 €, acrescida de juros vincendos sobre 4.224,58 €, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento e ainda a quantia de 306,60 € a título de reembolso de despesas com a notificação judicial avulsa.
Para tanto, alegou, em resumo, que, no exercício da sua actividade, executou para os réus, a seu pedido, uma obra, em duas fases, e estes recusam-se pagar a parte restante do preço da segunda fase, no montante de 4.224,58 €, bem como receber a respectiva factura e outra correspondência, obrigando-a a proceder a uma notificação judicial avulsa com o que despendeu 306,60 €, não obstante já ter reparado os defeitos por eles reclamados.

Os réus contestaram alegando, em síntese, que a obra foi executada com defeitos, os quais, apesar de reclamados, ainda não foram eliminados, pelo que lhes assiste o direito a recusarem o cumprimento da sua prestação enquanto os mesmos não forem reparados, que invocam para sobrestar ao pagamento da quantia que lhes é pedida.
A autora respondeu dizendo que executou os trabalhos sem defeitos e que os réus aceitaram a obra, concluindo como na petição inicial.

Proferido despacho saneador tabelar e dispensada a condensação, prosseguiram os autos para a audiência de discussão e julgamento, à qual se procedeu, no fim da qual foi decidida a matéria de facto nos termos constantes do despacho de fls. 142 a 150, que não foi objecto de qualquer reclamação.

E, em 6/1/2014, foi proferida sentença que decidiu:
“1) Condenar os Réus a pagarem à Autora a quantia de €4.224,58, acrescida de juros contados desde 23 de Outubro de 2009 até à data da propositura da ação e desde a citação (já que apenas assim vem peticionado) até integral pagamento, à taxa legal aplicável às empresas comerciais.
2) Julgar improcedente a exceção de não cumprimento do contrato que foi invocada pelos Réus.
3) Absolver os Réus do demais que lhes foi pedido.”

Inconformados com o assim decidido, os réus interpuseram recurso de apelação e apresentaram a respectiva alegação com as seguintes extensas e complexas[1] conclusões:
“I. O regime de execução da obra está descrito no artigo 1.208º do Código Civil, que dispõe: o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato. (sublinhado nosso).
II. Encontra-se provado que os RR. reclamaram perante a A. denunciando vícios da obra, por não ter sido obtido o resultado a que o empreiteiro estava obrigado
III. O empreiteiro é responsável pelos vícios ou defeitos que a obra apresentar ou nela se venham a revelar.
IV. A obrigação principal do empreiteiro consiste em realizar uma obra, obtendo um certo resultado, em conformidade com o convencionado e sem vícios, cumprindo, pontualmente, a prestação a seu cargo, e de boa-fé, nos termos das disposições combinadas dos artigos 1207º, 1208º, 406º e 792º, nº 2, todos do Código Civil.
V. Por coisa defeituosa, entende-se, nos termos do disposto pelo artigo 913º, nº 1, do Código Civil, aplicável, aquela que sofre de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada ou que não tenha as qualidades necessárias para a realização desse fim, subentendendo-se que este deve corresponder à função das coisas da mesma categoria constante do contrato.
VI. Revertendo ao caso em apreço ficou demonstrado que os Réus reclamaram a retificação de pintura de uma parede (item 13º dos factos provados).
VII. Ficou demonstrado que os Réus denunciaram os defeitos de pintura, referidos em 13., após a interpelação judicial para pagamento, em 4 de Dezembro de 2009.
VIII. Ficou demonstrado que a Autora aceitou eliminar o defeito na pintura referido em 13., e que, após aquela reparação, os Réus continuaram a não proceder ao pagamento do remanescente do preço, pois invocaram outros defeitos - os dados por provados.
IX. Ressalta dos factos dados por provados, que existiam e existem efetivamente, os defeitos denunciados pelos RR., cfr. factos provados 13, 14, 15, 16, 17.
X. A Autora confessa a existência da denúncia dos defeitos, pois veio em Fevereiro de 2011, após a reclamação dos Réus, a reparar o revestimento de um pilar que estava torto, junto à porta de acesso à varanda.
XI. Os defeitos podem ser ocultos, aparentes ou conhecidos, sendo o defeito oculto aquele que, sendo desconhecido do credor, pode ser legitimamente ignorado, pois não era detetável através de um exame diligente.
XII. Ora dos autos resulta que está provado que:
a. Junto de uma varanda situada no 1º andar, na parede virada a W é visível um buraco na parede, faltando 0,10m2 de esferovite, sendo visível a rede fibrada e pintura (teor do item 14º dos factos provados).
b. O capoto aplicado, encontra-se em geral bem aplicado, com exceção do referido no facto provado 14.
c. A pintura apresenta manchas, nomeadamente na parte das traseiras, onde a pintura das paredes no geral não se apresenta uniforme, sendo que, junto de uma varanda situada no 1º andar, a parede virada a W apresenta-se opada e conforme o referido em 14. Numa das paredes laterais da casa são visíveis pequenos pontos ou manchas brancas, havendo partes da pintura que não se encontram uniformes, sendo visíveis manchas de cor diferente, mais claras, por não ter havido distribuição uniforme de tinta por toda a face da parede – Factos provados 16 e 17.
XIII. Resulta do Relatório Pericial que está provado que:
a. Atentos os factos provados referidos em 14., 16. e 17. deverão ser pintados cerca de 300m2 de parede do edifício.
XIV. As anomalias em causa, ainda não reparadas pela A. configuram defeitos.
XV. Em caso de cumprimento defeituoso, a lei concede ao dono da obra meios jurídicos de atuação, no sentido de por cobro aos aludidos defeitos, que a empreiteira, tem a obrigação de eliminar, e que se enquadram, segundo um esquema de prioridade ou precedência de direitos:
a. 1º – O de exigir a reparação das deficiências, se puderem ser eliminadas.
b. 2º - ou a realização de obra nova, salvo se as respetivas despesas forem desproporcionadas, em relação ao proveito a obter – artigo 1221º, nºs 1 e 2 –, com carácter precípuo sobre os demais, como a melhor forma de alcançar a reconstituição natural, consagrada pelos artigos 562º e 566º, todos do CC.
c. 3º - O de pedir a redução do preço.
d. 4º - ou a resolução do contrato. se não forem eliminados os defeitos ou construída, de novo, a obra, e aqueles a tornarem inadequada aos fins a que se destina – artigo 1222º, nº 1, do CC. 5º – O de requerer uma indemnização, nos termos gerais dos artigos 562º e seguintes, conforme resulta do estipulado pelo artigo 1223º, do CC.
XVI. Estes direitos não podem ser exercidos, de forma arbitrária, mas, sim, sucessiva e subsidiariamente, e pela ordem referida supra, e conforme se reconhece na sentença: No caso presente os Réus exigiram a reparação das deficiências, e invocaram a exceção de não cumprimento do contrato, enquanto as mesmas não se mostrassem eliminadas.
XVII. Mesmo que o cumprimento das prestações esteja sujeito a prazos diferentes, a exceptio pode ser sempre invocada pelo contraente, cuja prestação deva ser efetuada depois da do outro, apenas não sendo admissível por aquele que deveria cumprir primeiro.
XVIII. O artigo 428º do CC aplica-se ao contrato de empreitada e porque o cumprimento defeituoso é uma das formas de incumprimento (artigos 798º e 799º, ambos do CC), a exceção do não cumprimento funciona quando há falta de cumprimento, na modalidade de cumprimento defeituoso da prestação.
XIX. O facto de a fatura estar já vencida, quando os defeitos se manifestaram e quando foram denunciados, não impede o uso da exceptio, pois os defeitos e/ou defeitos subsequentes merecem a mesma tutela dos defeitos aparentes, pelo que não sendo a obrigação de pagamento do preço de vencimento anterior à entrega, permitese o uso da exceptio.
XX. Os RR., enquanto donos da obra, face ao cumprimento defeituoso pelo empreiteiro, podiam recusar o pagamento do preço enquanto não fossem eliminados os defeitos.
XXI. Como a douta sentença também reconhece, a dado passo, no caso em recurso, a exceptio tem de funcionar porque foram denunciados os defeitos, resultantes dos factos provados 13., 14., 15., 16. e 17. e porque foi peticionado pelos RR. a respetiva eliminação.
XXII. Cumpriram os RR. a sua obrigação de invocar e exercer a exceção após a denúncia dos defeitos, e após terem exigido a sua eliminação.
XXIII. Assim, não só se denunciaram os defeitos; como se comunicou à A. da pretensão dos Recorrentes: a eliminação dos defeitos denunciados.
XXIV. Após os RR. terem manifestado a sua pretensão de eliminação dos defeitos, nasceu o crédito à pretensão, pelo que, como a A. optou por não eliminar os defeitos, subsiste o direito de recusa do pagamento em que consiste a exceção de não cumprimento.
XXV. O Acórdão da Relação de Coimbra de 26.06.2012, em que é relator o Exmo. Desembargador Beça Pereira, que vem citado na douta sentença recorrida, encaixa precisamente nos factos provados nestes autos, com a interpretação que entendemos deveria ter sido dada à resposta à matéria de facto e que ela consente: «No contrato de empreitada o dono da obra, para poder prevalecer-se da exceção de não cumprimento, terá que, não só denunciar os defeitos, como também expressar qual o direito que, em virtude disso, quer exercer.».
XXVI. Para funcionar a exceptio é necessária a demonstração da denúncia dos defeitos e a exigência do direito que pretende exercer, o que os Recorrentes fizeram, cfr. factos provados 13, 14, 15, 16, 17, 21, 22, e 23.
XXVII. Mesmo, após os AA. terem proposto a presente ação, os Recorrentes reiteraram a sua afirmação da existência dos defeitos e procederam à sua arguição intraprocessual no articulado da contestação.
XXVIII. Os RR. não colocaram em crise o valor ainda em dívida da empreitada, não o impugnaram, não pediram a improcedência da ação, mas antes e só invocaram o seu direito a excecionar o pagamento enquanto os defeitos não fossem eliminados.
XXIX. Contrariamente ao concluído pela Meritíssima Juiz a quo, não pode concluir-se com base nos factos provados e não provados, que os Recorrentes não cumpriram a sua obrigação de demonstrar, atento o disposto no artigo 342º, nº 2 do CC, quer a denúncia dos defeitos e quer a exigência, em simultâneo ou posterior, da sua eliminação à A. - que é um dos direitos que a lei lhe confere, e uma das opções que poderiam tomar, como tomaram.
XXX. A douta sentença recorrida refere que, os Réus não lograram provar a denúncia dos defeitos referidos nos itens 14º a 18º, dos factos provados, porquanto apenas provaram a denúncia do defeito referido no item 13º, também dos factos provados, sendo que este já foi reparado.
XXXI. Todavia tal conclusão está errada, não podendo essa conclusão extrair-se da matéria de facto provada, por ser aliás, de todo em todo inaceitável que, caso os RR. não tivessem provado a denúncia dos defeitos, e a houvessem apenas invocado na contestação, que o Tribunal tivesse aceitado a necessidade de realização de uma inspeção ao objeto da questão, que revelou a existência dos defeitos como resulta lavrado na respetiva ata,
XXXII. E que tivesse até, já em sede de resposta à matéria de facto, ordenado a suspensão da diligência para proceder a uma peritagem aos mesmos defeitos.
XXXIII. Se entendia não ter havido denúncia, não se justificava então proceder à perícia.
XXXIV. Perícia que confirmou a existência dos defeitos denunciados, e invocados também na contestação como fundamento da exceção de não cumprimento, e que a inspeção igualmente revelara – cfr. no auto de inspeção.
XXXV. Refere a sentença que os RR. não provaram ter exigido, anteriormente à propositura da ação ou à contestação da mesma, a sua reparação.
XXXVI. Ora, não é verdadeira tal conclusão, os RR. sempre invocaram, quer antes da contestação, quer nesta, a exigência da reparação/eliminação dos defeitos para procederem ao pagamento, sendo essa a razão pela qual nunca contestaram o valor em dívida.
XXXVII. O que justificou a emissão dos cheques a favor da A., com a dedução de 500,00 €, por na altura terem calculado que esse valor poderia ser suficiente para a reparação.
XXXVIII. Provou-se que a obra terminou no mês de Maio de 2009; a Autora notificou os Réus de tal e da necessidade de se efetuar a sua medição; a medição foi iniciada no dia 19/10/2009 e terminou a 23/10/2009; a Autora emitiu a fatura em 23/10/2009; a fatura só foi entregue aos RR. em Dezembro de 2009 por notificação judicial avulsa.
XXXIX. A Autora, em Fevereiro de 2011, cerca de um ano após o auto de medição, na sequência da reclamação/denúncia dos Réus, efetuou uma reparação e retificação do revestimento de um pilar.
XL. A sentença concluiu, a nosso ver mal: “Aliás, apenas no âmbito da presente ação, salvo quanto ao defeito referido no item 13º dos factos provados, já reparado, os Réus excecionaram o não pagamento e denunciaram os defeitos referidos na contestação, sendo que apenas lograram provar a existência dos defeitos, referidos em 14º a 18º dos factos provados.
XLI. Pois que, só porque os RR. invocaram os defeitos, fazendo a sua respetiva denúncia, e tendo os autos de medição a data de 23/10/2009, é que a A. aceitou efetuar uma reparação em Fevereiro de 2011, embora só tenha reparado parte dos defeitos denunciados.
XLII. Porque não procedeu à reparação dos restantes defeitos denunciados – os constantes dos factos provados 13 a 17 -, que os RR. invocaram a exceção de não cumprimento.
XLIII. A A. apenas propôs a ação após a denúncia dos defeitos por parte dos RR. e após a invocação da exceção de não cumprimento.
XLIV. Assim, deveria e poderia ter-se concluído de forma diversa da que se concluiu, nomeadamente julgando-se procedente por provada a exceção de não cumprimento, decidindo-se que os RR. tinham e têm o direito de obstar ao pagamento até que se mostrem reparados/eliminados os defeitos denunciados e cuja existência se mostra devidamente comprovada nos autos.
XLV. Resulta dos autos provado que os RR. denunciaram os defeitos, nomeadamente a retificação da pintura de uma parede, a existência de buraco no capoto, na parede virada a W, a existência da rede fibrada e pintura, a existência de pequenos ponto brancos na pintura, que esta se encontra opada.
XLVI. E quer o Tribunal em sede de inspeção, quer o perito em sede de perícia constataram a existência dos defeitos.
XLVII. A Autora reconheceu-os, e tanto assim é que, não reclamou do teor da ata da inspeção judicial, nem do relatório de peritagem.
XLVIII. É manifesto ao longo dos autos, nomeadamente dos articulados, e dos factos provados, que os RR. nunca colocaram em crise o valor da fatura ainda não pago, e que sempre exigiram da A. a reparação dos defeitos.
XLIX. Reparação que até foi quantificada pelo perito quanto aos metros quadrados a pintar.
L. Assim, é manifesto que os RR solicitaram à A. a eliminação dos defeitos, tendo exercido os direitos que o legislador lhes confere em face do cumprimento defeituoso por parte da Autora.
LI. Quando se refere que nem sequer deduziram qualquer pedido reconvencional, não assiste razão ao tribunal, pois na sua contestação, através da impugnação motivada, os RR. invocaram os defeitos e exigiram a sua eliminação.
LII. Só se se tivesse concluído que o valor da reparação seria superior ao valor da parte da fatura por liquidar, é que se justificaria, a nosso ver, que tivesse sido deduzida reconvenção.
LIII. O facto de os RR. terem referido que até emitiram os cheques e que pretenderam reter 500,00 €, é elucidativo de que nunca os RR. supuseram que a reparação pudesse custar mais do que o valor da fatura ainda a pagar.
LIV. Assim, os Réus pretenderam e pretendem apenas e tão só obstar ao pagamento do preço da obra acordada até que a reparação dos defeitos – veja-se a inspeção judicial e a peritagem – esteja efetuada.
LV. Pelo que, face à não reparação/eliminação dos defeitos os RR. podiam, e podem, obstar ao pagamento da obra em causa.
LVI. Em face exposto, haverá que se julgar a invocada exceção de não cumprimento procedente, por provada, encontrando-se os Réus obrigados ao pagamento do preço da obra ainda em falta, obrigação de pagamento que se mantém sustada até que a A. elimine/repare os defeitos.
E
LVII. Reparados que se mostrem os defeitos, os RR. deverão pagar à A. o valor de €4.224,58, todavia sem qualquer acréscimo de juros, pois que a recusa do pagamento por parte dos RR. foi, e é, fundada e legítima.
LVIII. A douta sentença interpretou erradamente os factos dados por provados, e em consequência fez errada aplicação do direito aos factos, violando o disposto nos artigos 1.218º, n.º 11.219º, 1.220º, 1.221º, todos do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores de Direito e, sempre, com o mui douto suprimento desse Colendo Tribunal, deverá a douta sentença em crise ser reformada, julgando-se procedente a invocada pelos RR. exceção de não cumprimento até que se mostrem eliminados/reparados os defeitos que os RR. denunciaram e cuja existência está comprovada nos autos e de que a Autora é responsável, condenando-se a A. à respetiva eliminação/reparação, e efetuada esta os RR. a pagar-lhe o preço em falta, sem quaisquer juros, atento o cumprimento defeituoso (incumprimento) ser imputável à Autora.
Assim, decidindo, farão V.ªs Ex.ªs JUSTIÇA.”

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Remetidos os autos a este Tribunal, foram mantidos a espécie e o efeito fixados na 1.ª instância.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.
Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões dos recorrentes, importando conhecer as questões nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, e tendo presente que nele se apreciam questões e não razões, a única questão que importa dirimir consiste em saber se procede a excepção de não cumprimento.

II. Fundamentação

1. De facto

Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
1. A Autora, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lousada sob o número 507600690, é uma empresa que, com escopo lucrativo, se dedica à realização de revestimentos e impermeabilizações.
2. No âmbito da aludida atividade, os Réus adjudicaram à aqui Autora o fornecimento e aplicação de revestimento e impermeabilização do exterior de uma moradia sita no …, …, Lousada, com a seguinte descrição: Fornecimento e aplicação de sistema de isolamento térmico pelo exterior capoto (sistema completo), com pintura; Fornecimento e aplicação de sistema de Barramento Delgado Armado, com acabamento a Visolplast.
3. Mediante o seguinte preço/m2: €27,00/m2, acrescidos de 20% de IVA para o fornecimento e aplicação de sistema de isolamento térmico pelo exterior capoto (sistema completo), com pintura, sendo €21,00 para o fornecimento e aplicação e €6,00 para a pintura; €17,00 m2 acrescidos de 20% de IVA para o fornecimento e aplicação de sistema de Barramento Delgado Armado, com acabamento a Visolplast.
4. A referida obra realizou-se em duas fases.
5. Realizada a 1.ª fase da obra, ou seja, a aplicação e fornecimento de sistema de isolamento térmico pelo exterior capoto, sem pintura em 314,98 m2, os Réus procederam ao pagamento da quantia de €6.614,58 (314,98 m2 x € 21,00), acrescida de 20% de IVA.
6. Por sua vez, a 2.ª e última fase da obra consistiu na realização dos seguintes trabalhos: Fornecimento e aplicação de pintura sobre isolamento térmico, na quantidade 314,98m2; Fornecimento e aplicação de sistema de isolamento térmico pelo exterior capoto (sistema completo), com pintura, na quantidade de 32,55m2; Fornecimento e aplicação de sistema de Barramento Delgado Armado, com acabamento a Visolplast, na quantidade de 142,26m2, que terminaram em finais do mês de Maio de 2009.
7. A Autora notificou os Réus da conclusão da obra e da necessidade de efetuarem a medição dos trabalhos, a fim de proceder à emissão da respetiva fatura.
8. Após sucessivos adiamentos e atrasos por parte dos aqui Réus para a realização da medição da obra, finalmente acordaram efetuar a medição no dia 19 de Outubro de 2009, tendo esta sido concluída a 23 de Outubro de 2009.
9. Acordaram pelas seguintes quantidades e mediante o preço convencionado referido no item 3.º:
- 314, 98m2 x €6,00 = €1.889,88 acrescida de 20% de IVA - Fornecimento e aplicação de pintura sobre isolamento térmico;
- 32,55m2 x €27,00 = €878,85 acrescida de 20% de IVA Fornecimento e aplicação de sistema de isolamento térmico pelo exterior capoto (sistema completo), com pintura;
-142,26 m2 x €17,00 = €2.418,42 acrescida de 20% de IVA. Fornecimento e aplicação de sistema de Barramento Delgado Armado, com acabamento a Visolplast, na quantidade de 142,26 m2, num total de €5.187,15 acrescida de IVA na quantia de €1.037,43, o que perfaz €6.224,58 (seis mil duzentos e vinte e quatro euros e cinquenta e oito cêntimos).
10. A Autora emitiu a fatura n.º … no montante de €6.224,58, datada de 23 de Outubro de 2009 e o recibo n.º 83, correspondente a €2.000,00, que os Réus já haviam liquidado.
11. A Autora remeteu aos Réus a fatura … por correio registado com A/R, tendo a carta sido devolvida com a seguinte indicação: “aberta por engano”.
12. De seguida a Autora, em 04.12.2009, notificou-os da fatura n.º …, através de notificação judicial avulsa, que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada, sob o n.º 1738/09.2 TBLSD, solicitando o seu pagamento, no que despendeu €150,00.
13. Os Réus reclamaram a retificação de pintura de uma parede.
14. Junto de uma varanda situada no 1.º andar, na parede virada a W, é visível um buraco na parede, faltando 0,10m2 de esferovite, sendo visível a rede fibrada e pintura.
15. Salvo o referido em 14., o capoto (não se incluindo a pintura) encontra-se bem aplicado.
16. Na parte das traseiras a pintura das paredes no geral não se apresenta uniforme, sendo que, junto de uma varanda situada no 1.º andar, a parede virada a W apresenta-se opada e conforme o referido em 14.
17. Numa das paredes laterais da casa são visíveis pequenos pontos ou manchas brancas, havendo partes da pintura que não se encontram uniformes, sendo visíveis manchas de cor diferente, mais claras, por não ter havido distribuição uniforme de tinta por toda a face da parede.
18. Atento o referido em 14., 16. e 17., deverão ser pintados cerca de 300m2 de parede do edifício.
19. A incidência do sol, por volta das 12H00, potencia as irregularidades nas fachadas de todos os prédios pintados, mormente as referidas supra, sendo que com o sol de fim de tarde as mesmas quase são impercetíveis.
20. Os Réus aceitaram a obra e o respetivo auto de medição que conferiram em Outubro de 2009.
21. Os Réus denunciaram os defeitos de pintura, referidos em 13., após a interpelação judicial para pagamento, em 4 de Dezembro de 2009.
22. A Autora aceitou eliminar o defeito na pintura referido em 13., não obstante não reconhecer a sua responsabilidade, porém, após a eliminação os Réus continuaram a não proceder ao pagamento do remanescente do preço.
23. A Autora, em Fevereiro de 2011, após reclamação dos Réus, veio a fazer uma reparação e retificação, reparando o revestimento de um pilar que estava torto, junto à porta de acesso à varanda.

2. De direito

É pacífico que estamos perante um contrato de empreitada celebrado entre a autora e os réus, o qual teve por objecto o fornecimento e aplicação de revestimento e impermeabilização do exterior da moradia destes, sita no …, …, Lousada, a realizar em duas fases, consistindo a primeira no isolamento térmico pelo preço de 27,00 €/m2 e a segunda na pintura com acabamento Visolplast pelo preço de 17,00 €/m2, acrescidos de IVA.
É o que resulta dos factos provados, designadamente dos n.ºs 2 e 3, e do disposto no art.º 1207.º do Código Civil.
Assim foi entendido na sentença recorrida e com esse entendimento se conformaram as partes.
É sabido, e temos vindo a repeti-lo em vários acórdãos[2], que o contrato de empreitada é um contrato sinalagmático, oneroso, comutativo e consensual (cfr. Pedro Martinez, Contrato de Empreitada, 1994, págs. 66 e 67).
É sinalagmático na medida em que dele emergem obrigações recíprocas e interdependentes: a obrigação, para o empreiteiro, de realizar uma obra e o dever que incide sobre o dono desta de pagar o preço; oneroso, porque o esforço económico é suportado pelas duas partes e há vantagens correlativas para ambas; comutativo, na medida em que as vantagens patrimoniais dele emergentes são conhecidas das partes no momento do ajuste; e consensual, pois a validade das declarações negociais depende do mero consenso.
Ao mesmo aplicam-se as regras especiais para ele definidas nos art.ºs 1207.º a 1230.º do Código Civil e as normas gerais relativas aos contratos e às obrigações com elas compatíveis (cfr. Pedro Martinez, Cumprimento Defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, 1994, pág. 302).
Quanto àquele regime particular, importa notar o seguinte:
A obra deve ser executada pelo empreiteiro em conformidade com o convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (art.º 1208.º).

Ocorrendo defeitos, o dono da obra tem, em primeiro lugar, o direito de exigir a sua eliminação ou nova construção se não puderem ser suprimidos (art.º 1221.º, n.º 1).
Caso isto não se concretize, pode pedir a redução do preço ou a resolução do contrato (art.º 1222.º).
Complementarmente, se ainda houver prejuízos, tem o direito de ser indemnizado nos termos gerais (art.º 1223.º).
Está prevista também a impossibilidade de execução da obra, por causa não imputável a qualquer das partes (art.º 1227.º), bem como a desistência da empreitada por parte do dono da obra (art.º 1229.º).
Mas outras situações podem surgir e perturbar a vida do contrato, pelo que há necessidade de recorrer aos princípios gerais.
Assim, se o devedor faltar culposamente ao cumprimento das obrigações, torna-se responsável pelo prejuízo que cause ao outro contraente.
O direito de indemnização daqui resultante, varia consoante haja mora ou incumprimento definitivo, figuras distintas não só na sua natureza como nos seus efeitos.
No caso de mora, que consiste numa dilação da prestação devida mas ainda possível, a obrigação do devedor traduz-se na reparação dos danos causados ao credor, resultantes da mora (art.º 804.º).
Por sua vez, o incumprimento implica, para o devedor, a responsabilidade pelos prejuízos causados pela inexecução; e faculta ao credor o direito de resolução (art.ºs 798.º e 801.º).
Nos casos em que se verifique um incumprimento definitivo da obrigação de eliminação dos defeitos por parte do empreiteiro (maxime, através de recusa), o dono da obra pode optar entre o direito à redução do preço ou à resolução do contrato, nos termos do citado artigo 1222.º, podendo ainda efectuar a reparação da obra pelos seus próprios meios ou com recurso a terceiros, sendo o empreiteiro responsável pelo custo desses trabalhos[3], de acordo com o princípio geral estabelecido no artigo 798.º do Código Civil.
Esta indemnização não se enquadra na prevista no art.º 1223.º do Código Civil e mostra-se justificada nos seguintes dizeres de Cura Mariano[4]:

“Se é compreensível e benéfico para ambas as partes que, preferencialmente, se dê oportunidade ao empreiteiro de ser ele a proceder à eliminação dos defeitos ou à reconstrução da obra que realizou, já, perante uma situação de incumprimento definitivo destas obrigações, não tem cabimento que se imponha que o dono da obra obtenha primeiro, em acção declarativa, uma sentença que condene o empreiteiro a cumprir uma obrigação definitivamente incumprida, e só na respectiva acção executiva se permita, finalmente, que ele próprio ou terceiro procedam às obras de reparação ou reconstrução.
Uma exagerada protecção da segurança da posição do empreiteiro, levada ao ponto da existência dos deveres de eliminação ou de reconstrução ter de ser certificada por uma instância judicial, não justifica que se exija ao dono da obra tamanha demora na conclusão perfeita da obra contratada e se imponha o anacronismo de se condenar alguém a realizar uma prestação considerada definitivamente incumprida.”
Dito isto, atenhamo-nos ao caso dos autos.
Os réus/apelantes foram demandados, enquanto donos da obra, pelo empreiteiro com vista a obter o pagamento da parte restante do preço convencionado para a segunda fase no contrato de empreitada entre eles celebrado.
Um dos efeitos do aludido contrato é a obrigação de pagar o preço.
Este deve ser pago, na falta de cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra (art.º 1211.º, n.º 2, do Código Civil).
Não se mostra que tivesse sido convencionado algo sobre a pagamento do preço, pelo que este devia ser pago no acto de aceitação da obra.
E, tal como ficou provado, a aceitação da obra ocorreu em Outubro de 2009 (cfr. facto provado sob o n.º 20).
Não está em causa o montante que falta pagar do preço convencionado - 4.224,58 € -, invocado pela autora e confessado pelos réus.
Estes não negam tal dívida, mas recusam-se pagar aquele valor, invocando a excepção de não cumprimento, por a obra apresentar defeitos.
Como decorre do citado art.º 1208.º[5], são considerados defeitos da obra, os vícios que excluam ou reduzam o valor da obra, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, e as desconformidades com o que foi convencionado[6].
As deficiências podem ocorrer quer nos materiais utilizados pelo empreiteiro, quer nas operações de aplicação destes, seja pela incorrecção do método adoptado, seja pela deficiente execução[7].
Por sua vez, a excepção de não cumprimento do contrato (exceptio non adimpleti contractus) encontra-se prevista no art.º 428.º do Código Civil, cujo n.º 1 estabelece que, “se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”.
Esta excepção tem sido qualificada uniformemente como excepção dilatória de direito material. É excepção de direito material, porque fundada em razões de direito substantivo; é dilatória, porque não exclui definitivamente o direito do autor, apenas o paralisa temporariamente.
Como escreveu Almeida e Costa, “analisa-se a «exceptio» na faculdade atribuída a qualquer das partes de um contrato bilateral, em que não haja prazos diferentes para a realização das prestações, de recusar a prestação a que se acha adstrita, enquanto a contraparte não efectuar o que lhe compete ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”[8].
Ou como refere José João Abrantes[9], “a excepção de contrato não cumprido tem por função obstar temporariamente ao exercício da pretensão do contraente que reclama a execução da obrigação de que é credor sem, por sua vez, cumprir a obrigação correspectiva a seu cargo ou sem, pelo menos, oferecer o cumprimento simultâneo”.
“É pois uma causa justificativa de incumprimento das obrigações, que se traduz numa simples recusa provisória de cumprir a sua obrigação por parte de quem alega”.
“O exercício da excepção não extingue o direito de crédito de que é titular o outro contraente. Apenas o neutraliza ou, melhor, apenas o paralisa temporariamente”.
“A excepção mostra-se assim como um meio de defesa que tende para a execução plena do contrato e não para a sua destruição”.
“Traduz-se esse direito em que o excipiens poderá legitimamente recusar a sua prestação, sem com isso incorrer em mora”.
Deste modo, o excipiens não nega o direito do autor ao cumprimento da prestação nem enjeita o dever de a cumprir, pretendendo, com a sua invocação, somente o efeito dilatório de realizar a sua prestação no momento (ulterior) em que receba a contraprestação a que tem direito. Neste caso, a recusa do cumprimento é lícita, o que impede a aplicação do regime da mora (art.º 804.º e seguintes) e, naturalmente, o do incumprimento definitivo (art.º 808.º), mesmo que tenha havido interpelação da outra parte. Se as duas obrigações forem puras, a excepção de não cumprimento é, assim, sempre invocável, nem sequer podendo ser afastada mediante a prestação de garantias (art.º 428.º, n.º 2).
O mesmo regime se aplica aos casos em que houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, podendo recorrer à excepção de não cumprimento o contraente que estiver obrigado a cumprir em segundo lugar. Assim, a excepção pode ser oposta ainda que haja vencimentos diferentes, desde que o seja pelo contraente cuja prestação deva ser feita depois da do outro contraente, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro[10].
Esclarecendo melhor:
“Tendo havido, porém, estipulação de prazos certos diferentes para o cumprimento das prestações, um dos contraentes obriga-se a cumprir em primeiro lugar, o que implica uma renúncia da sua parte à excepção de não cumprimento do contrato e a consequente constituição em mora pelo decurso do prazo [artigo 805.º, n.º 2, alínea a)].
Apesar da redacção do artigo 428.º, n.º 1, naturalmente que nesta hipótese o contraente que esteja obrigado a cumprir em segundo lugar continua a poder usar da excepção de não cumprimento, não entrando em mora se não realizar a sua prestação enquanto a contraprestação não for realizada.
A limitação constante da parte inicial do artigo 428.º, n.º 1, aplica-se, por isso, apenas ao contraente que esteja obrigado a cumprir em primeiro lugar, continuando a ser admissível para o outro o recurso à excepção de não cumprimento”[11].
Neste mesmo sentido, ensinam Pires de Lima e Antunes Varela que, “mesmo estando o cumprimento das obrigações sujeito a prazos diferentes, a exceptio poderá ser sempre invocada pelo contraente cuja prestação deva ser efectuada depois da do outro, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro”[12].
Nuno Manuel Pinto Oliveira defende também que o art.º 428.º “deverá aplicar-se por interpretação declarativa aos casos em que as duas prestações devam ser realizadas em simultâneo e deverá aplicar-se por interpretação extensiva aos casos em que o contraente que quer invocar a excepção é aquele que está obrigado a cumprir em segundo lugar”[13].
Esta excepção também se aplica às situações de cumprimento defeituoso ou de incumprimento parcial da prestação contratual, assumindo-se, então, como exceptio non rite adimpleti contractus[14], podendo, consequentemente, o contraente recusar a prestação enquanto a outra não for completada ou rectificada. “Neste caso, estamos perante uma verdadeira excepção em sentido técnico, correspondendo a um meio de defesa que tende para a execução plena do contrato e não para a sua destruição – a prestação devida não é negada em termos definitivos, ficando, apenas, suspensa, no que diverge da resolução por incumprimento”[15].
Nestes casos, como alerta Almeida Costa, há que ter presente o princípio da boa fé no cumprimento dos contratos, consagrado no artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil e a possibilidade do recurso ao abuso do direito, nos termos do artigo 334.º, donde “resulta a exigência de uma apreciação da gravidade da falta, que não pode mostrar-se insignificante, bem como se impõe a regra da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da excepção”[16].
Assim, são pressupostos do exercício da aludida excepção: a existência de um contrato bilateral; o não cumprimento ou não oferecimento do cumprimento simultâneo da contraprestação ou o seu cumprimento defeituoso; e não contrariedade à boa-fé[17].
Para além disso, o excipiens tem não só de denunciar os defeitos ou o inexacto cumprimento, como ainda exigir a eliminação dos defeitos denunciados ou o integral cumprimento, ou então a substituição da prestação, a realização de nova prestação, a redução do preço ou o pagamento de uma indemnização pelos chamados danos circa rem[18].

E, como decorre do que já se deixou dito, para que a excepção possa operar, terá que haver proporcionalidade entre a infracção contratual do credor e a recusa do contraente devedor que alega a excepção, o que é exigido pelos ditames da boa fé (art.º 762.º, n.º 2, do Código Civil), que postula, nos contratos bilaterais, o respeito pela ideia da preservação do equilíbrio entre as obrigações sinalagmáticas; esse equilíbrio de prestações é inerente ao sinalagma de tal modo que, se não se puder estabelecer esse nexo de correspectividade, é inoperante a invocação da excepção[19]. Como bem sublinha José João Abrantes[20], o devedor, em regra, apenas poderá recusar a sua prestação na parte proporcional ao incumprimento do outro contraente. Daí que, existindo uma prestação incompleta do empreiteiro, o dono da obra só pode recusar a parte do preço correspondente à parte da obra não executada[21].
Não há dúvidas de que a empreitada é um contrato sinalagmático, porquanto dele emergem obrigações recíprocas e interdependentes para ambas as partes: a obrigação de realizar uma obra pelo empreiteiro tem, como contrapartida, a obrigação de pagar o preço, sendo esta, de resto, a obrigação principal que recai sobre o dono da obra. Embora de natureza e prazos diferentes, as prestações de cada uma das partes estão ligadas pelo nexo sinalagmático próprio dos contratos bilaterais.
A excepção de não cumprimento, que se justifica por razões de boa fé, de moralidade, de equidade e de justiça comutativa, sanciona a unidade das obrigações que para cada uma das partes derivam do contrato, evitando que uma delas tire vantagens sem suportar os encargos correlativos.
Porém, como também já se referiu, para o seu exercício, é condição indispensável que o credor tenha denunciado os defeitos e exigido a sua reparação.
Mostra-se ainda necessário que a parte do pagamento, cujo pagamento foi recusado, seja proporcional à desvalorização da obra provocada pela existência da desconformidade. A determinação dessa proporcionalidade deve ter como critério de referência aquele que foi indicado para apurar o valor de redução do preço da obra, por defeitos não supridos[22].
Quanto à denúncia dos defeitos, importa esclarecer que, como a empreitada teve por objecto um imóvel destinado, por sua natureza, a longa duração, o prazo é de um ano, equivalendo à denúncia, nos termos do n.º 2 do artigo 1220.º, o reconhecimento, por parte do empreiteiro, da existência do defeito, e que o dono da obra deve verificar, antes de a aceitar, se ela se encontra nas condições convencionadas e sem vícios (art.º 1218.º, n.º 1, do Código Civil).
Se detectar defeitos, o dono da obra deve denunciá-los ao empreiteiro, para que este possa agir prontamente, substituindo a prestação ou eliminando as desconformidades.
Se o reconhecimento dos defeitos pelo empreiteiro se verifica antes do decurso do prazo que o dono da obra dispõe para efectuar a denúncia, liberta-o desse ónus. Caso se verifique depois de expirado esse prazo, traduz-se numa renúncia à invocação da caducidade dos direitos do dono da obra, com fundamento na falta de denúncia dos defeitos no prazo legalmente estabelecido, o que é admissível dado estarmos na presença de direitos disponíveis[23].
No caso dos autos, ficou provado que a obra foi aceite pelos réus em Outubro de 2009 (cfr. n.º 20 da fundamentação de facto) e que denunciaram os defeitos da pintura de uma parede em 4 de Dezembro de 2009 que a autora aceitou eliminar (cfr. factos n.ºs 13, 21 e 22).
No entanto, não provaram, como lhes competia, nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil que tivessem denunciado os restantes defeitos provados sob os n.ºs 14, 16 e 17.
Estes defeitos deviam ter sido denunciados no prazo máximo de um ano, após a recepção da obra, ou seja, até Outubro de 2010, visto se tratar de defeitos visíveis e, portanto, susceptíveis de serem descobertos logo no momento da sua aceitação.
Não o tendo feito naquele prazo, caducou o direito de os invocar e, logo, de exercer qualquer direito com base neles.
A apresentação da contestação não equivale a denúncia e aquela foi deduzida já depois do decurso do prazo legalmente concedido para o efeito, pois foi apresentada em 29 de Abril de 2011 (cfr. fls. 41).
E também não houve reconhecimento desses defeitos pelo empreiteiro, antes nem depois daquele prazo.
Note-se que ele se limitou a reparar um pilar, junto à porta da varanda, em Fevereiro de 2011, que nada tem a ver com os defeitos em causa.
E nem se diga, como fazem os apelantes, que a denúncia foi feita ou que era desnecessária.
A denúncia era imprescindível, como já se afirmou supra, e decidiu na sentença, tendo aqui pleno cabimento o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/6/2012, por nós também citado e melhor identificado na nota 20, em cujo sumário se pode ler “No contrato de empreitada o dono da obra, para poder prevalecer-se da excepção de não cumprimento, terá que, não só denunciar os defeitos, como também expressar qual o direito que, em virtude disso, quer exercer.”
De nada serve a denúncia dos restantes defeitos, alegada mas não provada, pois só os factos provados podem ser considerados na decisão da causa e visto que os recorrentes não impugnaram a decisão sobre a matéria de facto, muito menos com observância dos ónus impostos pelo art.º 640.º do CPC.
E também é irrelevante a referência à perícia efectuada, pois esta constitui meio de prova e não facto para poder ser atendido na decisão, independentemente da veracidade do afirmado.
Acresce que são os próprios réus/apelantes a afirmar que a reparação desses defeitos importaria em 500,00 €, quantia que pretendiam reter como garantia da sua eliminação, o que sempre inviabilizaria o recurso à excepção, por contrária à boa fé e à regra da proporcionalidade, que jamais permitiriam recusar o pagamento da obra realizada sem defeitos. Seria flagrante a desproporção entre a desvalorização da obra causada pelos defeitos referenciados nos n.ºs 14, 16, 17 e 18, de impacto muito reduzido na sua globalidade, e o valor que os réus se recusam a pagar.
Por isso, não há dúvidas de que não se verificam os pressupostos da excepção de não cumprimento invocada pelos réus/apelantes para recusar o pagamento imediato do resto do preço da obra que contrataram com a autora/apelada.
A apelação tem, necessariamente, que improceder.

Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:
I. A excepção de não cumprimento prevista no art.º 428.º, n.º 1, do Código Civil aplica-se também aos casos em que sejam diferentes os prazos para o cumprimento das prestações, mas a sua invocação apenas é permitida ao contraente que esteja obrigado a cumprir em segundo lugar, o qual não entra em mora enquanto a sua contraprestação não for realizada.
II. Esta excepção também pode ter lugar em situações de cumprimento defeituoso ou de incumprimento parcial da prestação contratual.
III. Porém, no contrato de empreitada, o dono da obra, para poder prevalecer-se de tal excepção, terá que denunciar os defeitos e exigir a sua eliminação, ou pedir a realização de nova construção, a redução do preço, a resolução do contrato ou o direito a indemnização.
IV. E, para que a mesma possa operar, terá que haver proporcionalidade entre a infracção contratual do credor e a recusa do contraente devedor que alega a excepção, o que é exigido pelos ditames da boa fé.

III. Decisão

Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e confirma-se a douta sentença recorrida.
*
Custas pelos apelantes.
*
Porto, 17 de Junho de 2014
Fernando Samões
Vieira e Cunha
Maria Eiró
_______________
[1] Apesar disso, não se deu cumprimento ao disposto no n.º 3 do art.º 639.º do NCPC, porque raramente se alcança o desiderato nele previsto e para evitar mais delongas, combater a morosidade e imprimir maior celeridade processual, por nós sempre defendida e praticada.
[2] Designadamente o último, de 11/3/2014, proferido no processo n.º 1619/11.0TBGDM.P1, que aqui seguiremos de perto, transcrevendo alguns excertos, no que relevar para a economia deste recurso.
[3] Cura Mariano, “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, 2.ª edição, página 146, e acórdão desta Relação de 27/11/2012, proferido no processo n.º 1394/08.5TBVCD.P2, em que o aqui relator e o 1.º adjunto intervieram como adjuntos.
[4] Obra citada, páginas 147/148.
[5] Não havendo lugar à aplicação do art.º 913.º, como se fez na sentença e invocam os apelantes, por esta norma se reportar a venda de coisas defeituosas e aqui não se tratar de qualquer venda, mas de uma empreitada, para a qual existe norma especial.
[6] João Cura Mariano, “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, 2.ª edição, página, 64.
[7] Cura Mariano, ob. cit., pág. 66 e acórdão desta Relação e Secção de 22/2/2011, proferido no processo n.º 1549/07.0TBMTS.P1, em que o aqui relator e o 1.º adjunto intervieram como adjuntos.
[8] Direito das Obrigações, 5.ª edição, página 290.
[9] A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português, Conceito e Fundamento, páginas 127 e seguintes.
[10] Acórdão do STJ de 8/4/2003, processo n.º 02A4061, em www.dgsi,pt.
[11] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, página 263.
[12] Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, página 405.
[13] Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, páginas 790 e 791.
[14] Vide Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, página 440.
[15] Acórdão da RL de 5/6/2008, processo n.º 2248/2008-2, em www.dgsi.pt.
[16] Direito das Obrigações, 5ª edição, páginas 290/291 e RLJ, ano 119, 1986/1987, página 144 e acórdão do STJ de 22/1/2013, processo n.º 4871/07.1TBBRG.G1.S1, em www.dgsi.pt., donde foram extraídas as citações acabadas de fazer.
[17] José João Abrantes, “A Excepção de Não Cumprimento do Contrato”, edição de 1986, págs. 39 e segs.
[18] Romano Martinez, “Cumprimento Defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada”, pág. 328; Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2004, pág. 126 e acórdãos desta Relação e Secção de 29/6/2010, processo n.º 612/05.6TBAMT.P122, disponível em www.dgsi.pt, e de 22 de Maio de 2012, no processo n.º 2534/09.2TBVNG.P1, em que o aqui relator e 1.º adjunto intervieram como adjuntos; e da RC de 26/6/2012, processo n.º 1193/09.7TBCBR.C1, e de 29/1/2013, processo n.º 17498/11.4YIPRT.C1, ambos disponíveis no mesmo sítio.
[19] Ac. STJ de 19.06.2007, processo n.º 07A1651, em www.dgsi.pt.
[20] Ob. cit. págs. 110/111 e 118.
[21] Cfr. Acórdãos do STJ de 28.04.2009, processo n.º 09B0212, em www.dgsi.pt, e de 03.10.2002, CJ –STJ-, Ano X, Tomo III, pág. 83.
[22] Cura Mariano, ob. cit., pág. 168.
[23] Maria Cristina Cervale, “La responsabilità dell’appaltatore”, página 183, citada por Cura Mariano em “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, 2.ª edição, página 109 e no acórdão de 22/5/2012.