MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REGIME DE EXCLUSIVIDADE
REMUNERAÇÃO DO MEDIADOR
Sumário

I - A celebração de um contrato de mediação em regime de exclusividade só impede o cliente de proceder diretamente, por si próprio e sem intermediação daquela, à venda do imóvel, se tal for acordado expressamente entre as partes.
II - Para que a mediadora tenha direito à remuneração, incumbe-lhe a alegação e prova de factos que revelem que tenha de algum modo participado no processo que levou à concretização do negócio, no sentido de daí se poder concluir que, embora não sendo a sua atividade a única causa determinante da cadeia de atos que deram lugar ao negócio pretendido, contribuiu para ela.

Texto Integral

Processo nº19005/12.2YIPRT.P1 – Apelação

Relator: Maria João Areias
1º Adjunto: Maria de Jesus Pereira
2º Adjunto: Maria Amália Santos

Acordam no Tribunal da Relação do Porto (2ª Secção):
I – RELATÓRIO
B…, Lda., instaurou o presente procedimento de injunção, a prosseguir como ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, contra C…,
alegando, em síntese:
no âmbito da sua atividade de mediação imobiliária, a requerente celebrou com o requerido um contrato de mediação imobiliária, através do qual este conferiu à sociedade requerente o encargo de promover e mediar a venda, em regime de exclusividade, do imóvel constituído pela fração autónoma identificada pela letra “A”;
tal contrato nunca foi denunciado pelas partes e, no cumprimento do mesmo, a requerente promoveu e publicitou a venda do referido imóvel;
beneficiando da atividade de promoção e publicitação feita pela sociedade requerente, mas sem que o requerido haja dado disso conhecimento à mesma, por escritura pública outorgada em 17 de Junho de 2011, o requerido logrou vender o imóvel objeto do contrato de mediação imobiliária a D…, pelo preço escriturado de 200.000,00 €.
Peticiona a condenação do requerido a pagar-lhe a quantia total de € 12.951,28, sendo € 12.300,00 de capital e € 549,29 de juros (contados desde a data da celebração da escritura e a data da instauração da presente ação) e € 102,00 da taxa de justiça.
O Requerido contestou, alegando jamais ter acordado qualquer regime de exclusividade, tendo o requerido sempre frisado expressamente que não pretendia nenhum regime de exclusividade, pelo que, se tal cláusula aparece no aludido contrato, que nunca foi facultado ao requerido, tal só pode dever-se a ostensiva má-fé por parte daquele; de qualquer modo, pertencendo o bem igualmente à sua ex-mulher, sempre o referido contrato, celebrado sem a assinatura daquela, seria nulo. Conclui pela improcedência da ação.
Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgando a ação procedente, condenou o requerido a pagar à requerente a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), acrescida de IVA à taxa em vigor e dos juros de mora, contados à taxa legal, desde 17-06-2011 até à data da entrada da presente ação.
Inconformado com tal decisão, o requerido dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:
1. A sentença em apreço incorreu em erro de julgamento, quer no plano da análise dos factos, quer no plano da aplicação do direito ao caso sub judice.
2. O contrato de mediação imobiliária é uma modalidade do contrato de prestação de serviços, definido no artº 1154º do Código Civil.
3. A obrigação do mediador é de resultado, e não de mera atividade, resultado esse que se traduz na celebração ou conclusão do negócio visado pelo exercício da mediação, e só esse resultado confere o direito à remuneração devida, conforme resulta do nº 1 da cláusula 5ª. do contrato dos autos e o artº 18º, nº 1 , do Decreto-Lei nº 211/2004, de 20 de Agosto.
4. O que equivale dizer que a remuneração ao mediador só é devida, como contrapartida que é da prestação que lhe incumbe realizar, se a celebração do negócio visado tiver sido alcançada pela atividade de mediação por si desenvolvida.
5. Do mesmo diploma legal, do nº 4 do artigo 2º considera-se: “Interessado” o terceiro angariado pela empresa de mediação, desde que esse terceiro venha a concretizar o negócio visado pelo contrato de mediação e “ cliente” a pessoa singular ou coletiva que celebra o contrato de mediação imobiliária com a empresa.
6. Com a precisão dos conceitos de “interessado” e de “cliente”, fica devidamente esclarecido pela própria lei que a atividade de mediação imobiliária, a que alude o nº 1 do artº 2º do DL 211/2004, não pode limitar-se à promoção do negócio visado. Tem também que alcançar a conclusão do negócio.
7. Impõe-se concluir que tem que haver uma relação causal entre a atividade desenvolvida pelo mediador e a realização do negócio visado pelo contrato de mediação.
8. O regime de exclusividade de um contrato de mediação imobiliária visa impedir a celebração de contrato de mediação com outra mediadora, durante o período de vigência desse contrato, visando proteger o interesse da empresa mediadora, na medida em que afasta do seu “caminho” a concorrência.
9. No regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o período de vigência, e por se tratar de uma cláusula contratual geral, a sua interpretação obedecerá às regras estabelecidas nos artºs 236º a 238º do C. C.
10. Na interpretação deste tipo de cláusula contratual geral, vale, pois o sentido que lhe daria o declaratário normal no contexto do contrato individual celebrado.
11. Não está vedado ao proprietário do imóvel, ele próprio concretizar o negócio da venda do seu imóvel, mesmo quando celebra um contrato em regime de exclusividade com agência imobiliária.
12. O facto de o cliente ter vendido o imóvel antes do termo do contrato de mediação que tinha celebrado com a mediadora, em regime de exclusividade, sem que tivesse comunicado à mesma tal facto, apenas configura uma violação contratual.
13. Esta violação contratual não dá lugar ao pagamento da remuneração, mas sim de uma indemnização pelos prejuízos causados.
14. Num contrato de mediação imobiliária para que a mediadora lograsse ter direito à remuneração, em face do contrato com a cláusula de exclusividade era pressuposto determinante a prova de que angariou cliente para a celebração do negócio.
15. Inexistem fundamentos, quer de facto, quer de direito para impor ao Requerido/recorrente o pagamento da remuneração peticionada.
16. A sentença recorrida violou os artºs 236º a 238º, 1154º do Código Cívil e ainda os artºs 2º, nº 1 e 4 e nº 1 do artº 18º do Decreto-Lei nº 211/2004, de 20 de Agosto.
Os concretos pontos de facto incorretamente julgados são: Alíneas g), h) e i) dos factos considerados provados-
Os concretos meios probatórios constantes do processo e das gravações realizadas, que impunham decisão diversa da recorrida são:
DOCUMENTOS:
1. contrato de mediação imobiliária de 29.04.2011 de fls 84 dos autos;
2. Contrato promessa de compra e venda de 27.04.2011 de fls 85 e segs dos autos
3. Escritura pública de compra e venda de 17.05.2011
GRAVAÇÃO DOS DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS:
A reapreciação dos depoimentos gravados, referidos nas alegações, com transcrição junta.
NESTES TERMOS e com o douto suprimento do omitido, deve o presente Recurso ter provimento, ser considerado procedente e, consequentemente ser integralmente revogada a Sentença recorrida.
A Requerente apresentou contra-alegações no sentido da improcedência da apelação.
Cumpridos os vistos legais, há que decidir.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., arts. 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil[1] –, as questões a decidir seriam as seguintes:
1. Impugnação da matéria de facto.
2. Se, celebrado o contrato em regime de exclusividade, a venda do imóvel fez incorrer o requerido na obrigação de pagamento de uma remuneração à requerente.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
1. Impugnação da matéria de facto.
Insurge-se o apelante contra a decisão proferida sobre a matéria de facto, na parte em que veio a dar como provado que o contrato foi celebrado em regime de “exclusividade”.
De qualquer modo, defende ainda que, ressaltando que foi o próprio requerido que concretizou o negócio, vendendo o imóvel que tinha celebrado com a mediadora em regime de exclusividade, tal venda não confere a esta qualquer direito ao recebimento da remuneração contratada.
Adiantando-se, desde já, que se concorda com a interpretação jurídica defendida pela apelada, a reapreciação da matéria de facto impugnada torna-se um ato inútil, ficando prejudicada.
Com efeito, e em nosso entender, ainda que o contrato de mediação tivesse sido celebrado em regime de exclusividade, como defende a requerente e veio a ser dado como provado pelo tribunal a quo, nem por isso era devida qualquer remuneração, face aos termos em que a requerente configura a presente ação e aos demais factos dados como provados, questão que passamos, assim a analisar.
2. Subsunção do direito aos factos.
A. Matéria de facto
São os seguintes os factos tidos em consideração pelo tribunal a quo:
a) A requerente dedica-se à atividade de mediação imobiliária, explorando para o efeito, designadamente, um estabelecimento nesta cidade (agência) da Póvoa de Varzim;
b) Em 29 de Abril de 2011, a requerente e o requerido subscreveram o documento junto aos autos a fls. 84, que foi designado de “contrato de mediação imobiliária”, a que foi atribuído o n.º ……., e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
c) Mediante o acordo aludido em b) o requerido, na qualidade de proprietário, conferiu à requerente o encargo por esta aceite de promover e mediar a venda, em regime de exclusividade, do imóvel constituído pela fração autónoma identificada pela letra “A”, destinada à habitação, sito na Rua …, n.º …, em …, Póvoa de Varzim, pelo preço de 240.000,00 €;
d) De acordo com a cláusula 9.ª do acordo aludido em b) “o presente contrato tem uma validade de 9 meses contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de receção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo”;
e) Na sequência da celebração do acordo aludido em b), a requerente promoveu e publicitou a venda do referido imóvel, através da sua carteira de potenciais interessados e ainda em publicações da especialidade, bem como encarregou os seus vendedores de promoverem a respetiva venda junto dos seus contactos, o que estes fizeram;
f) Por escritura pública outorgada em 17 de Maio de 2011, no Cartório Notarial de E…, com sede na Rua …, n.º …, ..º andar, Porto, o requerido e F…, esta representada por G…, declararam vender o imóvel objeto do acordo aludido em b) a D…, por 200.000,00 €;
g) Nos termos da cláusula 4.ª do acordo aludido em b), o requerido contratou a requerente em regime de exclusividade;
h) Nos termos da cláusula 5.ª do acordo aludido em b), o requerido obrigou-se a pagar à requerente, a título de remuneração, a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, sendo o seu valor mínimo de €5.000,00;
i) O requerido não pagou à requerente, até à presente data, a remuneração aludida em h);
j) O imóvel aludido em c) havia sido adquirido pelo aqui requerido e pela mulher F…, casados sob o regime de comunhão de adquiridos, em 19-10-2006;
k) O requerido e a referida F… divorciaram-se em 20-07-2010;
l) O aqui requerido e a referida F… subscreveram o documento que consta de fls. 85 e seguintes, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designado no seu cabeçalho por “contrato promessa de compra e venda”, onde está aposta a data de 27 de Abril de 2011, e no qual declaram prometer a D… a fração autónoma aludida em c), pelo preço de 200.000,00 €;
m) Em 04-02-2011, a requerente tinha celebrado com o requerido o contrato que designaram de mediação imobiliária, submetido ao regime de exclusividade, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 93 e seguintes, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e no qual tinham fixado o valor de 260.000,00 €.
B. O Direito
1. Contrato de mediação em regime de exclusividade e direito à remuneração.
Insurge-se o apelante contra a sentença recorrida, defendendo que, ressaltando da prova produzida que foi o próprio requerido que concretizou o negócio, vendendo o imóvel antes do termo do contrato de mediação que tinha celebrado com a mediadora em regime de exclusividade, não confere a esta qualquer direito ao recebimento da remuneração contratada.
Por sua vez, a apelada defende a manutenção do decidido – condenação do requerido no pagamento da remuneração devida pela celebração do negócio –, com a alegação de que “a existência de um contrato de mediação em regime de exclusividade autoriza a presunção (de facto) de que a atividade da empresa mediadora contribuiu para a aproximação entre o comitente e terceiros, facilitando o negócio e revertendo o ónus da prova para os mediados, sendo que, apenas no regime de não exclusividade é que essa prova tem de ser efetivamente efetuada pela mediadora.
O enquadramento dado pelas partes à situação em apreço, impõe a resposta a duas questões: se a celebração do contrato em regime de exclusividade impede o cliente de diligenciar por si próprio no sentido da concretização do negócio e se, efetuado o negócio entre o cliente e um terceiro, à margem da intervenção direta da mediadora, esta mantém, ou não, o direito à remuneração.
Dispõe o art. 2º do Dec. Lei nº 211/2004, de 20 de Agosto, diploma que, à data dos factos[2], se encontrava sujeito o regime do exercício das atividades de mediação e angariação imobiliária:
“1. A atividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre imóveis, a permuta, o trespasse, ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objeto seja um bem imóvel”.
2. A atividade de mediação imobiliária consubstancia-se no desenvolvimento de:
a) ações de prospeção e recolha de informações que visem encontrar o bem imóvel pretendido pelo cliente;
b) ações de promoção dos bens imóveis sobre os quais o cliente pretenda realizar negócio jurídico, designadamente, através da sua divulgação, publicitação ou da realização de leilões.”
O contrato de mediação pode ser acompanhado, ou não, de uma cláusula de exclusividade.
E, a tal respeito, dispõe o art. 19º do DL 211/2004:
“(…)
4. Quando a empresa de mediação é contratada em regime de exclusividade, só ela tem direito a promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o respetivo período de vigência.
5. A consagração do regime de exclusividade, quando exista, terá de constar expressamente do contrato de mediação imobiliária”.
(…).
O regime de exclusividade visa proteger o interesse da empresa mediadora em só ela diligenciar no sentido da realização do negócio intencionado, de modo a garantir a remuneração dos atos materiais que, para tanto, leve a cabo[3].
A previsão de tal cláusula de exclusividade visa afastar a intermediação de qualquer outra mediadora: o comitente compromete-se a, com referência ao projetado negócio, não contratar com mais nenhum mediador.
É este o sentido primário e sempre presente quando acordada a exclusividade da mediadora.
Contudo, como defende Menezes Cordeiro, “a cláusula de exclusividade poderá ainda ser reforçada quando, além de não recorrer a outros intermediários, o comitente se obrigue a não descobrir, ele próprio, um terceiro interessado. Nada disso se presume: deverá ser clausulado e, havendo dúvidas, provado por quem tenha interesse na situação considerada[4]”.
E supõe-se que seja precisamente esse o sentido a retirar do tratamento que o legislador veio a dar à exclusividade na Lei nº15/2013, de 8 de Fevereiro, ao limitar-se a prever que do contrato consta obrigatoriamente, entre outros elementos, “a referência ao regime da exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa, quer para o cliente (art. 16º, nº2, al. g)).
Vejamos, assim, os termos em que se mostra previsto o regime de exclusividade no contrato em apreço.
É o seguinte o teor da Clausula nº4, relativa ao “Regime de Contratação”:
“1. O Segundo contratante contrata a mediadora em regime de:
Não exclusividade.
x Exclusividade.
2. a) Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o respetivo período de vigência.
b) Quando o regime contratado é a não exclusividade só a mediadora B…, Lda., poderá colocar placa(s) ou sinalética na fachada do imóvel, durante o período da vigência do contrato.”
Do teor de tal cláusula – interpretada à luz da teoria da impressão do destinatário consagrada no art. 236º do Código Civil[5], aplicável à interpretação e integração das cláusulas gerais, por força do disposto nos arts. 10º e 11º do Dec. Lei nº 220/95, de 31.08 –, poder-se-á retirar o sentido de que a “promoção” do negócio em causa ficaria reservada à requerente, ficando vedada ao cliente, diretamente ou através de outra mediadora, a promoção do mesmo, ou seja, qualquer atividade de publicitação, ou de diligenciar no sentido de angariar eventuais clientes.
Contudo, como igualmente é defendido no Acórdão do TRG de 20-04-2010, a propósito de uma cláusula idêntica, do respetivo teor “não ressalta que lhe estivesse vedado aceitar qualquer proposta de compra que, por ventura, lhe fosse apresentada por alguém que, sem a intermediação da mediadora, se mostrasse interessado na compra”. Ou seja, apenas lhe estaria vedado tomar uma posição ativa e concorrencial no sentido da obtenção de interessados e já não uma posição passiva de aceitação de uma proposta que lhe é feita espontaneamente.
E da restante factualidade dada como provada também não se pode retirar que outro possa ser o sentido a dar a tal cláusula (nem a autora alegou qualquer matéria a tal respeito).
De qualquer modo, em nosso entender, e por implicar uma força restrição à liberdade negocial do requerido, este só estaria impedido de proceder à venda, por si próprio e sem a intermediação da autora, se tal tivesse sido expressamente acordado entre as partes aquando do contrato de mediação, o que não se mostra provado e nem sequer foi alegado.
Passemos agora à segunda questão: se, efetuado o negócio entre o cliente e um terceiro, à margem da intervenção direta da mediadora, esta mantém, ou não, o direito à remuneração.
Quanto à remuneração, acordaram as partes, na cláusula 5ª, que “a remuneração só será devida se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no art. 18º do DL 211/2004, de 20 de Agosto”.
Ora, se atuação do mediador consiste na prática de atos materiais tendentes, tendentes a favorecer o encontro dos (eventuais) contratantes, recorrendo a formas de publicitação dos imóveis e aos contatos negociais de que habitualmente dispõe, é precisamente neste “conseguir interessado” que reside a razão de ser da remuneração do mediador.
E “interessado”, para efeitos do art. 2º do DL 211/2004, é “o terceiro angariado pela empresa de mediação, desde que esse terceiro venha a concretizar o negócio visado pelo contrato de mediação” (al. a), do nº4 do art. 2º).
A atividade a cargo do mediador consiste, fundamentalmente, em por em contacto dois ou mais sujeitos, futuros contraentes num eventual negócio, cuja celebração se procura[6].
Esta interposição do mediador entre os possíveis contraentes é, assim, um elemento necessário (embora não suficiente), para a verificação de uma relação de mediação.
Como tal, a doutrina e a jurisprudência tem vindo a entender que, mesmo quando acordada a exclusividade, o mediador só adquire o direito à comissão quando a sua atividade tenha contribuído para a celebração do negócio, determinando a aproximação do comitente com terceiros[7].
A atividade do mediador deve ser causa adequada ao fecho do contrato definitivo, ou então este deve alcançar-se como efeito da intervenção do mediador. Havendo um concurso de causas que conduzam à celebração do negócio pretendido, a comissão será decidida desde que a atuação do mediador também tenha contribuído para o êxito final[8].
Como explicita Carlos Lacerda Barata, os actos que preenchem a conduta devida pelo mediador só pode ser feita em cada caso concreto: “pode estar abrangida qualquer atividade que apresente uma eficácia causal, ainda que conjuntamente com outros fatores, relativamente à conclusão de um negócio entre as duas (ou mais) partes. A atuação do mediador pode não ser causa única da celebração do negócio; mas deverá mostrar-se determinante da mesma celebração. Mais concretamente: a atuação do mediador poderá consistir numa mera atividade de aproximação e “convencimento” de sujeitos, já em relação entre si, como poderá resumir-se à simples indicação de um potencial interessado na contratação; ou ainda em todo um esforço de descoberta de uma potencial contraparte e, posterior, “encaminhamento” desta para a celebração do contrato[9]”.
Para Manuel Salvador, o mediador adquire o direito à remuneração quando influir no resultado final, mas sem que seja necessário para isso “que tenha cooperado no desenvolvimento das negociações, pelo que basta ter-se limitado a dar o nome de uma pessoa disposta a pagar determinado negócio[10]”.
E, como afirma Carlos Lacerda, em matéria de ónus de prova, caberá ao mediador demonstrar que a celebração do contrato visado resultou da sua atividade, enquanto facto constitutivo do direito à remuneração[11].
Quanto ao acórdão citado pela apelada[12], embora aí se afirme que “a existência de contrato de mediação em regime de exclusividade autoriza a presunção (de facto) de que a atividade da empresa mediadora contribuiu para a aproximação entre o comitente e terceiros, facilitando o negócio e revertendo o ónus da prova para os mediados”, constata-se que na situação aí em apreço, o imóvel veio a ser vendido a alguém a quem a mediadora havia mostrado o imóvel cerca de um ano antes, tendo esta mediadora participado ativamente na celebração do contrato-promessa, tendo-lhe sido entregue inclusivamente um cheque de reserva do imóvel, enquanto a mediadora que interveio na escritura em nada teria contribuído para a aproximação negocial das partes.
Ou seja, o que se extrai da leitura integral de tal acórdão, não é a dispensa total de alegação e prova de qualquer atividade de aproximação por parte da mediadora, mas tão só que, provada a prática de determinados atos, em si adequados a aproximar as partes, se presume que o negócio que entre elas se venha a celebrar é ainda o resultado de tal aproximação, ainda que não seja a causa única.
Ora, no caso concreto, apenas foi alegado e provado que a mediadora procedeu genericamente a ações de promoção do imóvel objeto da mediação: “Na sequência da celebração do acordo aludido em b), a requerente promoveu e publicitou a venda do referido imóvel, através da sua carteira de potenciais interessados e ainda em publicações da especialidade, bem como encarregou os seus vendedores de promoverem a respetiva venda junto dos seus contactos, o que estes fizeram”.
Ora, por si só, tal factualidade é insuficiente para dela se “presumir[13]” que o negócio que veio a ser celebrado pelo requerido foi ainda consequência das referidas atividades de promoção e publicitação, sobretudo quando a requerente mediadora não alega qualquer facto relativo a uma sua qualquer intervenção direta no processo que levou à conclusão do negócio (ter contactado ou ter sido contactado o futuro comprador, ter-lhe mostrado o imóvel, tê-lo apresentando ao requerido), antes reconhecendo, pelo menos implicitamente, que “o requerido logrou vender o imóvel”, à margem da sua atuação.
Como é referido no Acórdão de 13-05-2014[14], relatado pela aqui adjunta, Maria Amália Santos, tem sido entendimento pacífico que, não sendo necessário que o mediador esteja presente até á conclusão do negócio, é necessário que a conclusão daquele resulte adequadamente da sua conduta ou atividade.
E, no caso em apreço não há um único facto a partir do qual se permita estabelecer o nexo causal entre a atividade desenvolvida pela mediadora e a concretização do negócio levada a cabo pelo requerido.
A apelação será de proceder.
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e, julgando-se a ação improcedente, absolve-se o requerido do pedido.
Custas a suportar pela Apelada, na apelação e na ação.

Porto, 1 de Julho de 2014
Maria João Areias
Maria de Jesus Pereira
Maria Amália Santos
____________
[1] Tratando-se de decisão proferida após a entrada em vigor do novo código, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em ação instaurada depois de 1 de Janeiro de 2008, aplicar-se-á o regime de recursos constante do novo código, de acordo com o art. 5º, nº1 do citado diploma – cfr., neste sentido, António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 16.
[2] Tal diploma, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL 69/2011, de 15 de Junho, só veio a ser revogado pela Lei nº 15/2013, de 7 de Fevereiro, que estabeleceu o Regime Jurídico a que fica sujeita a atividade de mediação imobiliária.
[3] Cfr., neste sentido, Acórdão do TRG de 20-04-2010, relatado por A. Costa Fernandes e Acórdão do TRC de 18-02-2014, relatado por Maria José Guerra, disponíveis in www.dgsi.pt.
[4] “Do Contrato de mediação”, revista “O Direito”, 139 (2007), III, pág. 549.
[5] Tem vindo a ser entendido que o art. 236º consagra a uma orientação objetivista da interpretação negocial, numa das suas variantes, a chamada teoria da impressão do destinatário, afastando-se da busca da reconstituição da vontade do declarante. O que se procura é o sentido com que a declaração seria interpretada por um declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário efetivo. Nas palavras de Pedro Pais de Vasconcelos, a referência do art. 236º ao declaratário normal “implica o recurso a uma forma de tipicidade: não interessa o sentido que o declaratário real, que aquele declaratário concreto, tiver entendido; o que releva é o sentido típico que um declaratário típico teria tipicamente entendido naquela situação típica” – “Teoria Geral do Direito Civil”, Almedina, 2010, 6ª ed., págs. 553 e 554.
[6] Carlos Lacerda Barata, “O Contrato de Mediação”, “Estudos do Direito de Consumo”, Vol. I, coordenação de Luís de Menezes Leitão, Almedina, págs. 192.
[7] Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 26-02-2007, relatado por Moitinho de Almeida, Acórdãos do STJ de 06-12-2012, relatado por Ana Paula Boularot, e de 12-012-2013, relatado por Granja da Fonseca, Acórdão do TRL de 20.03.2014, relatado por Ezaguy Martins, disponíveis in www.dgsi.pt.
[8] Neste sentido, cfr., Menezes Cordeiro, “O Contrato de mediação”, pág. 551.
[9] Artigo e local citados, pág. 194.
[10] “Contrato de mediação”, Lisboa 1964, pág. 104.
[11] Artigo e local citados, pág. 207, e em igual sentido, Menezes Cordeiro, artigo citado, pág. 552.
[12] Acórdão do TRL de 08-04-2010, relatado por Rui da Ponte Gomes, disponível in www.dgsi.pt.
[13] As presunções de facto são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido (art. 349º do CC). O facto base e o facto presumido devem estar vinculados entre si por uma relação lógica de causa e de efeito, segundo uma regra de critério ou experiência humana. O nexo lógico consistirá num juízo de probabilidade qualificada que assenta e deriva de uma máxima de experiência, tida por aplicável ao cas, segundo a qual perante a ocorrência de um facto se gera uma probabilidade qualificada de que se tenha produzido outro – cfr., neste sentido, Luís Filipe Pires de Sousa, “Prova por Presunção no Direito Civil”, 2ª ed., Almedina, págs. 51 e 57.
[14] Acórdão disponível in www.dgsi.pt, onde se afigurou suficiente para prova desse nexo de causalidade, a alegação e prova de que a autora fez uma visita ao imóvel com um cliente que angariou e que esse cliente veio pouco tempo depois, a celebrar o contrato diretamente com o réu.