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INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
FIXAÇÃO DO QUANTUM EM LIQUIDAÇÃO
Sumário
I - Tendo o réu sido condenado a pagar à autora, pela desistência da obra, a quantia que viesse a ser apurada em posterior liquidação [tomando em conta o valor dos materiais incorporados na obra, o custo do trabalho realizado e a diferença entre o preço estipulado e o custo global da obra], acrescida do IVA devido, é de atender a este último na fixação do valor do subsequente incidente de liquidação deduzido pelo autor. II - Face àquela condenação e tendo a sentença/acórdão transitado em julgado, não pode o incidente de liquidação, deduzido para quantificação da indemnização em que o réu foi condenado, terminar com a absolvição deste último do pedido, já que isso redunda num proibido «non liquet», na inobservância do dever de tutela jurisdicional efectiva e traduz uma decisão contra caso julgado material já formado nos autos. III - Se a prova oferecida pelas partes no incidente for insuficiente para fixação do «quantum» em liquidação, o Tribunal deve levar oficiosamente a cabo as diligências que se mostrem adequadas a essa quantificação, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial; depois disso, se essa prova suplementar não permitir, ainda assim e por si só, a fixação do «quantum» devido, o Tribunal liquida a obrigação em dívida com recurso à equidade.
Texto Integral
Pc. 1673/09.4TBVCD.P2 – 2ª Sec.
(apelação)
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Relator: Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Francisco Matos
Des. Maria João Areias
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Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
Nesta acção declarativa de condenação, com processo comum sumário, que B…, Lda., com sede na Póvoa de Varzim, instaurou contra C…, residente em Vila do Conde, foi, a fls. 146-153, proferido acórdão por este Tribunal da Relação que, alterando o que a 1ª Instância havia sentenciado, declarou:
● que o réu tinha desistido da obra que havia dado de empreitada à autora;
● que, por via disso, a autora tem direito a ser indemnizada “pelo interesse contratual positivo”, devendo a indemnização a que tem direito “reflectir o lucro cessante e os gastos e o custo da actividade desenvolvida, ou seja, o que (…) poderia ter obtido no caso de ter concluído a obra acordada”;
● que o réu “só podia (…) ser condenado a pagar o valor dos materiais que incorporou na obra, o custo do trabalho realizado e a diferença entre o preço estipulado e o curso global daquela”;
● e que, “como os autos não continham materialidade fáctica que permitisse quantificar a indemnização nos termos acabados de referenciar, o que se impunha era que a decisão recorrida lançasse mão do permitido pelo nº 2 do art. 661º do CPC e se tivesse limitado a condenar o réu no que viesse a ser liquidado em momento ulterior”.
E, por isso, foi ali proferida a seguinte decisão/deliberação:
“Perante o que fixa exposto, os Juízes desta secção cível da Relação do Porto acordam em:
1º) Julgar parcialmente procedente a apelação e revogar, também em parte, a sentença recorrida, condenando-se o réu, ora recorrente, a pagar à autora-apelada, pela desistência da obra, a quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença, devendo o «quantum» indemnizatório ser encontrado em conformidade com o que atrás se deixou apontado.
2º) Condenar ambas as partes nas custas, na proporção de 2/3 a cargo do réu e de 1/3 a cargo da autora.”
Após trânsito do acórdão, deduziu a autora o incidente de liquidação, alegando que:
● pelos equipamentos que adquiriu e incorporou na obra, descritos no art. 6º do requerimento, pagou a quantia indicada no doc. 2 junto com o requerimento do incidente;
● a diferença entre o curso dos equipamentos suportado pela autora e o preço acordado foi de 2.875€;
● o valor do serviço de engenharia prestado foi de 800€;
● o valor das despesas e honorários correspondentes às deslocações do gerente da autora à obra foi de 120€;
● o lucro da autora foi, assim, de 1.955€ [2.875€ - 800€ - 120€];
● a soma do valor dos materiais incorporados, da mão-de-obra e do lucro, coincide com o preço acordado entre as partes: 15.404,00€;
● como o réu pagou 11.000,00€, estão em dívida 4.404,00€, mais IVA.
Concluiu pedindo a condenação do réu a pagar-lhe esta quantia de 4.404,00€, acrescida de IVA e dos juros de mora à taxa legal comercial até integral pagamento.
O réu deduziu oposição, impugnando a liquidação da autora e contrapondo que esta não alegou – e devia ter alegado, para provar – qual o custo dos materiais que incorporou na obra, qual o custo efectivo do trabalho realizado e qual o custo global da obra, se tivesse sido integralmente realizada.
Concluiu pela improcedência da liquidação, com as demais consequências legais.
Realizada a audiência de produção da prova e fixados os factos provados e não provados, foi proferida decisão julgou improcedente o incidente de liquidação e absolveu o réu do pedido.
A autora, inconformada, interpôs o recurso de apelação ora em apreço, cujas alegações culminou com as seguintes conclusões [com a numeração indicada pela recorrente, que inclui a repetição dos nºs 5 e 6]:
“1. O valor inicial do incidente devia ter sido corrigido para passar a compreender o IVA, de acordo com a condenação genérica proferida por essa Relação, e de acordo também com o pedido deduzido pela Autora no requerimento de liquidação.
2. Não o fazendo, o tribunal a quo violou o disposto nos arts. 305.º, n.º 1, 306.º, n.º 1 e em particular o art. 308.º, n.º 4 CPC.
3. As taxas do IVA variam ao longo dos anos. Actualmente a taxa normal é de 23%, que é a que deve ser aplicada salvo se entretanto outra passar a vigorar.
4. O valor do incidente devia assim fixar-se em 5.416,92 €.
5. Desta forma o valor passa a ultrapassar a alçada da 1.ª instância, tornando-se admissível o recurso ordinário.
6. A sentença recorrida viola o acórdão anteriormente proferido nos presentes autos por essa Relação, transitado em julgado. Se a Autora tem direito a receber uma indemnização, não pode agora o tribunal da 1.ª instância julgar que afinal não há lugar a ela. Ao fazê-lo violou o art. 671.º, n.º 1 CPC e o art. 4.º, n.º 2 da LOFTJ.
5*. O incidente de liquidação não pode ser julgado improcedente por falta de cumprimento de um ónus probatório. Nos termos do art. 380.º, n.º 4 do CPC, quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la mediante indagação oficiosa.
6*. Se mesmo assim não houver elementos bastantes para fixar com segurança a quantia devida, deve o juiz decidir de acordo com a equidade.
7. É neste sentido a jurisprudência uniforme dos tribunais superiores, conforme decisões supra referidas, que aqui se dão integralmente por reproduzidas.
8. Ao julgar a liquidação improcedente está o tribunal a pronunciar um «non liquet». Uma interpretação do art. 380.º CPC que permita tal solução é claramente inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva – art. 20.º da Constituição.
9. Para apurar o valor dos materiais incorporados na obra, o custo do trabalho realizado e o lucro, não pode deixar de se ter em conta os preços acordados pelas partes, de acordo com a matéria de facto já provada. É da mais básica justiça material que se parta dos valores que foram aceites pelo próprio Réu.
10. Como a indemnização há-de abranger o lucro, tudo aquilo que não for custo do trabalho ou dos materiais, suportado pela Autora, há-de forçosamente conduzir-se à categoria de lucro. Na ausência de outros elementos, carreados pelo Réu, que devam conduzir a uma decisão diversa, a indemnização terá sempre de se fixar no montante correspondente ao preço que o Réu não pagou.
11. Na decisão sobre a matéria de facto diz-se que a Autora admitiu que «não consegue identificar cabalmente os equipamentos que instalou na casa do Réu» e que «a própria concede que tem dificuldade em identificar os materiais que aplicou na obra». Isto não corresponde à verdade. O que a Autora não pode identificar é exactamente quais as facturas que correspondem a esses materiais e equipamentos.
12. Não se pode aceitar que o tribunal recorrido não tenha conferido qualquer relevância às facturas que a Autora juntou aos autos.
13. É manifestamente injusta uma decisão que permite ao dono da obra desistir dela quando está praticamente terminada, ficando com os equipamentos incorporados na sua moradia, e aproveitando o trabalho realizado, sem pagar ao empreiteiro o preço acordado.
14. As respostas dadas aos quesitos não poderão manter-se, sem que antes se faça a imposta indagação oficiosa. A final, o incidente de liquidação há-de forçosamente conduzir à determinação da quantia a pagar pelo Réu à Autora.
Termos em que deve a presente apelação ser julgada procedente, e em consequência revogar-se a sentença proferida, que deve ser substituída por outra que:
a) fixe o valor do incidente em 5.416,92 €, ou, caso entretanto seja alterada a taxa normal do IVA, no valor resultante da aplicação dessa nova taxa;
b) condene o Réu conforme pedido no requerimento de liquidação, ordenando-se oficiosamente, caso se entenda necessário, as pertinentes diligências com vista à fixação da quantia a pagar pelo Réu, e se mesmo assim não houver elementos bastantes decidindo-se de acordo com a equidade.”.
O réu não apresentou contra-alegações.
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II. Questões a apreciar e decidir:
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente [arts. 684º nº 3 e 685º-A nºs 1 e 2 do CPC, na redacção do DL 303/2007, de 24/08 e arts. 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do Novo CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06], as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
● Se o valor do incidente devia ter sido fixado tendo em conta o IVA devido;
● Se a decisão recorrida viola o decidido/deliberado no acórdão desta Relação de fls. 146-153 e, bem assim, o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva;
● Se os autos permitem a fixação da indemnização ou se há que ordenar a realização de diligências oficiosas.
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III. Factos provados:
A) O Tribunal «a quo» considerou provados os seguintes factos:
1. No acórdão proferido nos autos pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 13/03/2012, a fls. 146 e ss., transitado em julgado, foi decidido condenar o Réu, C…, a pagar à Autora, C…, Lda, pela desistência da obra, a quantia que vier a liquidar-se “em execução de sentença”, devendo o «quantum» indemnizatório ser encontrado em conformidade com os critérios definidos na decisão.
2. Da decisão proferida nos autos constam, ao que ora interessa, os seguintes factos provados:
«1 - A A. é uma sociedade comercial que se dedica à elaboração de projectos de engenharia e à venda e instalação de equipamentos de climatização.
2 - Em Abril de 2007 foi acordada com o R. a instalação na moradia deste em …, de equipamentos de climatização e de aquecimento de águas sanitárias para aproveitamento de energia solar.
3 - A A. projectou a obra e apresentou ao R. os orçamentos que fazem docs. 1 e 2 e cujo conteúdo se dá por reproduzido, no valor de 12.080,00€, mais IVA e 3.409,40€, mais IVA, que após rectificação se fixou em 3.324,00€, mais IVA, que o R. recebeu e aceitou.
4 - A. e R. acordaram que aquela iria fornecer e instalar na moradia do R. o seguinte equipamento, pelos seguintes preços, acrescidos de IVA:
a) um kit painel solar: 3.324,00€
b) uma unidade exterior multi FM25: 1.900,00€
c) uma unidade interior mural para a cozinha: 420,00€
d) uma unidade interior de chão para o escritório: 620,00€
e) duas unidades condensadoras FM30: 4.430,00€
f) quatro unidades evaporadoras MV12AH: 2.680,00€
g) duas unidades MT09 (quartos): 1.264,00€
h) montagem, tubagens, cabos eléctricos, tubos de dreno, calhas e caixas de pré-instalação: 2.400,00€.
(…)
6 - Para a execução da obra a autora contratou a D…, Lda.
(…)
9 - A obra contratada não se encontra concluída, faltando a A. acabar a instalação do painel solar e corrigir um problema com uma das máquinas de ar condicionado, que por vezes se desligava sozinha.
10 - (…) tudo o resto referido em 4 ficou colocado/instalado na moradia do réu, embora faltando algumas tubagens e dispositivos necessários ao seu funcionamento.
(…)
12 - Do referido em 3, o réu pagou à autora 11.000,00€.»
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B) … E considerou não provada a seguinte factualidade:
● Os valores de venda ao público dos equipamentos aplicados pela A. fossem: a) unidade exterior multi FM 25: 1.880,00€; b) unidade interior mural para a cozinha: 450,00€; c) unidade interior de chão para escritório: 635,00€; d) unidades condensadoras FM30: 2.195,00€ cada uma; e) unidades evaporadoras MV12AH: 685,00€ cada uma; f) unidades MT09: 680,00€ cada uma.
● A autora houvesse adquirido os equipamentos referidos com um desconto de cerca de 30% e que tenha pago pelos mesmos as quantias referidas no doc. de fls. 175.
● O valor do serviço de engenharia prestado pela autora, correspondente à realização do projecto, orçamentação e acompanhamento de obra, incluindo mão-de-obra e consumíveis, é de 800€.
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IV. Apreciação das questões indicadas em II:
1. Nas conclusões 1 a 5 das doutas alegações, a recorrente insurge-se contra o facto do valor do presente incidente não ter sido fixado em 5.416,92€, por referência ao montante indicado no requerimento de liquidação de fls. 170-173, acrescido do IVA devido.
Face à data em que o incidente foi deduzido e à data em que foi decidido [tudo antes de 01/09/2013], o regime a ter em conta para decisão desta questão é o que está plasmado nos arts. 305º e segs. do CPC, na redacção que vigorou antes da Lei nº 41/2013, de 26/06 [que aprovou o Novo CPC ora vigente].
Estamos perante incidente de liquidação deduzido no âmbito de uma acção declarativa de condenação, para fixação do «quantum» indemnizatório a que a autora tem direito [e em que o réu foi condenado], cuja liquidação foi relegada para momento posterior ao da prolação da sentença [e acórdão] naquela proferido[s]. Este incidente encontra(va)-se regulado nos arts. 378º [nº 2] a 380º-A do CPC [diploma e versão a que nos reportaremos daqui em diante na ausência de outra referência].
Segundo o nº 1 do art. 313º, “o valor dos incidentes é o da causa a que respeitam, salvo se o incidente tiver realmente valor diverso do da causa, porque neste caso o valor é determinado em conformidade dos artigos anteriores” [a recorrente invoca o nº 4 do art. 308º, mas este preceito não se aplica ao incidente de liquidação; aplica-se sim aos processos de liquidação e outros análogos, esclarecendo o Cons. Salvador da Costa – in Os Incidentes da Instância, 2ª ed., pg. 33 - que “os processos de liquidação a que este normativo se reporta são o da liquidação judicial de sociedade, (…), o de liquidação da herança vaga em benefício do Estado, (…), e o de falência”, ora de insolvência].
No caso, vale a excepção prevista no preceito acabado de citar, uma vez que, face aos termos da decisão condenatória proferida no acórdão de fls. 146-153, surge evidente que este incidente tem “realmente valor diverso do da causa”; basta, para tal, ter em conta que o valor da acção [6.667,57€] resultava do facto da autora ter pedido a condenação do réu a pagar-lhe a parte do preço da empreitada que considerava em dívida, acrescido de IVA e dos juros vencidos - segundo ela, o preço da obra acordado foi de 17.038,00€ e o réu só lhe pagou 11.000,00€, ficando a dever-lhe 6.038,00€ + IVA e 629,57€ de juros já vencidos - e que o que agora está em causa é a fixação da indemnização que o réu tem que pagar à autora, a calcular nos termos indicados no referido acórdão proferido por esta Relação – considerando o valor dos materiais incorporados na obra, o custo do trabalho realizado e a diferença entre o preço estipulado e o custo global da obra -, acrescido do IVA devido.
No requerimento que está na base deste incidente, a autora quantificou a indemnização que pretende ver fixada em 4.404,00€, mais IVA. Não quantificou, no entanto, o IVA devido. E devia tê-lo feito.
No despacho de fls. 190, o Tribunal «a quo» fixou o valor do incidente em 4.404,00€. Também sem considerar o IVA que é devido à autora.
Como este é, efectivamente, devido, conforme consta do aludido acórdão, não há dúvida que ao valor pedido a título indemnizatório deve acrescer o montante do IVA; assim o impõem os nºs 1 e 2 do art. 306º, aplicável «ex vi» do disposto na parte final do nº 1 do art. 313º.
A taxa de IVA relativa ao contrato em causa era, à data do requerimento de liquidação e é ainda hoje, de 23% - art. 18º nº 1 al. c) do CIVA, na redacção da Lei nº 55-A/2010, de 31/12.
Assim, o valor deste incidente de liquidação devia ter sido fixado em 5.416,92€ [4.404,00€ + 1.012,92€].
Nesta parte a recorrente tem razão, pelo que se considera o referido valor como o do incidente em apreço.
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2. Discorda a recorrente, em segundo lugar, da decisão absolutória proferida pelo Tribunal «a quo», considerando que a mesma contradiz o que foi decidido/deliberado no acórdão já várias vezes referido, transitado em julgado, e consistiu nun «non liquet».
Nas alegações invoca o decidido/deliberado em três acórdãos das Relações de Guimarães [Ac. de 07/02/2008 – e não de 02/07/2008, como consta daquelas -, proc. 2347/07-1, disponível in www.dgsi.pt/jtrg], Porto [Ac. de 20/09/2001, in CJ ano XXVI, IV, 194] e Coimbra [Ac. de 05/03/2002, in CJ ano XXVII, II, 7].
A jurisprudência neles perfilhada [os incidentes de liquidação referidos nos dois últimos arestos tiveram lugar no âmbito de acções executivas, nos termos que então estavam previstos no art. 806º do CPC, mas o que neles se decidiu continua válido para o incidente aqui em questão] é uniforme nos Tribunais da Relação. Assim, a título de exemplo, vejam-se:
● O Ac. desta Relação do Porto de 24/05/2004 [proc. 0451979, disponível in www.dgsi.pt/jtrp] decidiu que “se for relegada para execução de sentença o apuramento dos danos, e se o credor não vier a fazer a prova concreta do valor em dívida, a solução não está em julgar improcedente o incidente de liquidação, mas em condenar o devedor num valor certo, com recurso à equidade”;
● O Ac. desta Relação do Porto de 31/01/2005 [proc. 0457249, disponível no mesmo sítio do ITIJ] decidiu, designadamente, que:
“Quando se relega para liquidação em execução de sentença o apuramento do valor a receber pelo credor, tal significa, desde logo, que o Tribunal reconheceu a existência de um direito de crédito, que só não foi liquidado em montante certo, por não haver elementos para determinar o respectivo «quantum».
(…)
No incidente de liquidação, (…) a improcedência da liquidação, com fundamento de que o exequente não fez prova, equivale a um «non liquet» e viola o caso julgado formado com a decisão definitiva (…), que reconheceu ao exequente um crédito que, afinal, vem, contraditoriamente, a ser-lhe negado”;
● O Ac. da Relação de Coimbra de 18/12/2013 [proc. 362/07.9TBVGS.C2, disponível in www.dgsi.pt/jtrl] decidiu que:
“Uma vez proferida condenação genérica a remeter para ulterior liquidação, nos termos do art. 661º, nº 2, do CPC, deduzido o respectivo incidente ao abrigo do art. 378º e seguintes do mesmo Código, deve o tribunal fixar sempre o objecto ou quantidade da obrigação, ainda que oficiosamente ou com recurso à equidade.
Não é, por conseguinte, admissível que o requerido-devedor seja «absolvido do pedido», pois não existe a possibilidade de deixar sem concretização a condenação genérica que serve de base à liquidação.
(…)
Está-lhe vedado um «non liquet» porque isso implicaria o esvaziamento da condenação genérica do réu que já proferiu.
Não sendo possível especificar exactamente aquele objecto ou quantidade está o tribunal vinculado a precisá-los com recurso à indagação oficiosa ou mesmo, tratando-se de obrigação de indemnização, à equidade. É o que se extrai com nitidez de normas como a(s) do(s) art(s). 380º, nº 4, do CPC e 566º, nº 3, do CC.”;
● O Ac. da Relação de Coimbra de 18/12/2013 [sumário disponível in CJ ano XXXVIII, V, 310] decidiu que:
“Se uma sentença condena no que vier a apurar-se em incidente de liquidação, fica logo certa a condenação de uma parte em favor de outra.
Por isso, está afastada a possibilidade de, no pertinente incidente de liquidação, se concluir que não há qualquer «quantidade» a pagar.
Se não se apurar com exactidão a «quantidade» que se relegou para liquidação, há que fixar equitativamente essa «quantidade», dentro dos limites do provado na acção (os que, então, conduziram à condenação genérica).”.
Transpondo estes ensinamentos para o caso «sub judice» facilmente se constata que o Tribunal «a quo», ao ter julgado improcedente o incidente de liquidação, absolvendo o réu do pedido, incorreu num proibido «non liquet», inobservou o dever de tutela jurisdicional efectiva, estabelecido no nº 5 do art. 20º da CRP e decidiu contra caso julgado material já formado nos autos, em violação ao disposto no art. 671º nº 1 do CPC, na medida em que a condenação decretada no acórdão de fls. 146-153 não permite que o presente incidente seja julgado improcedente.
Neste ponto também assiste razão à recorrente.
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3. Aqui chegados há que responder à última questão suscitada pela recorrente: se os autos permitem a fixação da indemnização ou se há que ordenar a realização de diligências oficiosas.
Sobre a tramitação do incidente de liquidação deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do nº 2 do art. 661º, relevam os arts. 380º nºs 3 e 4 e 380º-A.
Destes normativos decorre que o incidente aqui em causa segue, após a oposição, os termos do processo sumário de declaração e que “quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial”, prova esta que poderá ser levada a cabo por um ou por mais árbitros.
Deste modo, quando a prova oferecida pelas partes seja insuficiente para fixação do «quantum» em liquidação, o Tribunal, ainda assim, não pode proferir uma decisão absolutória, antes deve levar oficiosamente a cabo as diligências que se mostrem adequadas a essa quantificação, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial. Depois disso, se essa prova suplementar, oficiosamente ordenada, permitir a fixação do «quantum» devido, o Tribunal profere decisão liquidando a obrigação em causa; se, mesmo assim, não se apurarem elementos suficientes para, por si só, levarem àquele resultado, então o Tribunal liquida a obrigação em dívida com recurso à equidade, já que, repete-se, em caso algum a decisão final do incidente poderá ser de absolvição do devedor já anteriormente condenado no que viesse a ser liquidado.
Por isso é que no Ac. da Relação de Lisboa de 24/06/2011 [proc. 2562/04.4TVLSB.L1-6, disponível in www.dgsi.pt/jtrl] se decidiu que:
“Existe uma obrigação legal da parte do julgador em lançar mão do regime constante do número 4 do artigo 378º do Código de Processo Civil e, oficiosamente e face à insuficiência de prova (…), que só pode ser apreciada e ponderada no final da correspondente produção (…), suprir a mesma, ordenando a realização das diligências probatórias possíveis e necessárias para alcançar a quantificação visada pelo respectivo incidente, o que não pode ter outro significado que não o afastamento do funcionamento das regras do ónus da prova (artigos 341º e seguintes do Código Civil), que aqui não são chamadas à colação, (…).
Se, apesar dessas diligências oficiosas e probatórias desenvolvidas pelo juiz do incidente de liquidação, não for possível chegar a um montante certo e objectivo, o julgador terá que fazer tal quantificação com recurso à equidade.
A não utilização por parte do tribunal recorrido dos mecanismos e meios previstos na citada disposição legal não constitui uma nulidade processual secundária, reconduzindo-se antes e em rigor a uma situação similar ou próxima das previstas no número 4 do artigo 712º do Código de Processo Civil e que consente a anulação da sentença, com vista à produção de outros meios de prova (…).”.
«In casu», não foram considerados provados [total ou parcialmente] quaisquer factos alegados pela autora no requerimento de liquidação. A fundamentação do Tribunal «a quo» para isso foi a seguinte [cfr. despacho de fls. 230-234]:
“Nos presentes autos as partes apenas produziram prova documental.
Os documentos juntos pela Autora foram expressamente impugnados pela demandada.
Compulsados os documentos em apreço verifica-se que os mesmos não comprovam nem os valores de venda ao público dos materiais alegados pela Autora, nem mesmo o montante que a mesma terá despendido na respectiva aquisição.
Vejamos.
Quanto ao documento de fls. 174 nem sequer é possível perceber a sua proveniência, e no que se refere ao de fls. 175 é manifesto que se trata de uma mera declaração emitida pela própria autora.
Na sequência de requerimento do Réu foi a Autora notificada para juntar aos autos as facturas de aquisição dos equipamentos que instalou na moradia daquele, tendo a mesma, em resposta, admitido que realiza muitas obras com equipamentos semelhantes, pelo que não consegue identificar cabalmente os equipamentos que instalou na casa do réu, nem dispõe das facturas em questão.
Não obstante conceder que não consegue identificar inequivocamente os equipamentos que instalou em casa do réu, a autora junta os documentos de fls. 208 a 214, alegando que dizem respeito a alguns dos equipamentos que instalou na moradia do réu. Algumas dessas facturas estão emitidas em nome da D…, empresa que, como resulta dos factos provados, autora contratou para a realização da ora na moradia do réu.
Sucede, porém, que os documentos em questão não têm a virtualidade de per se, sem qualquer outra prova adicional, designadamente testemunhal, patentear os factos que a autora se propunha provar, tanto mais a própria concede que tem dificuldade em identificar os materiais que aplicou na obra.
Pelo exposto, atenta a escassez da prova produzida e a circunstância de os documentos não serem assertivos ao ponto de evidenciarem, sem margem para dúvida, a factualidade alegada pela autora, e cujo ónus da prova sob a mesma impendia, o tribunal não pode deixar de dar como não provados os factos alegados.”.
E na decisão final proferida neste incidente exarou-se que:
“Era, todavia, sobre a Autora que impendia o ónus da prova da quantificação de todos esses valores: valor dos materiais que incorporou na obra; o custo da mão-de-obra; e a diferença entre o preço orçamentado e acordado com o réu para a realização da obra e o custo global da mesma, de molde a poder-se calcular o lucro.
Ora, conforme deflui da factualidade provada e sobretudo da não provada, a autora não logrou satisfazer tal ónus probatório, fenecendo, por isso, a sua pretensão.”.
Destes excertos – e pelos motivos indicados – resulta que o Tribunal «a quo» considerou insuficiente a prova [documental] oferecida pela autora, e que foi por isso, em conformidade com as regras do ónus da prova [particularmente do nº 1 do art. 342º do CCiv.], que não deu como provados os factos alegados no dito requerimento e julgou o incidente improcedente.
Mas, perante essa insuficiência da prova oferecida – insuficiência que é real, pelos motivos apontados pela 1ª instância -, o Tribunal não devia ter, desde logo, proferido despacho de fixação dos factos provados e não provados, nem a subsequente decisão final, antes devia ter dado cumprimento ao prescrito no nº 4 do art. 380º.
Não o tendo feito e sendo essenciais essas diligências de recolha de prova, há que anular a douta decisão recorrida e ordenar a produção oficiosa de novos meios de prova [dos que forem considerados adequados] com vista a que o Tribunal «a quo» possa proferir a devida decisão neste incidente de liquidação, em conformidade com o estabelecido no nº 4 do art. 712º do CPC, devidamente adaptado [ora al. c) do nº 2 do art. 662º do Novo CPC, também adaptado à presente situação].
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Síntese conclusiva:
● Tendo o réu sido condenado a pagar à autora, pela desistência da obra, a quantia que viesse a ser apurada em posterior liquidação [tomando em conta o valor dos materiais incorporados na obra, o custo do trabalho realizado e a diferença entre o preço estipulado e o custo global da obra], acrescida do IVA devido, é de atender a este último na fixação do valor do subsequente incidente de liquidação deduzido pelo autor.
● Face àquela condenação e tendo a sentença/acórdão transitado em julgado, não pode o incidente de liquidação, deduzido para quantificação da indemnização em que o réu foi condenado, terminar com a absolvição deste último do pedido, já que isso redunda num proibido «non liquet», na inobservância do dever de tutela jurisdicional efectiva e traduz uma decisão contra caso julgado material já formado nos autos.
● Se a prova oferecida pelas partes no incidente for insuficiente para fixação do «quantum» em liquidação, o Tribunal deve levar oficiosamente a cabo as diligências que se mostrem adequadas a essa quantificação, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial; depois disso, se essa prova suplementar não permitir, ainda assim e por si só, a fixação do «quantum» devido, o Tribunal liquida a obrigação em dívida com recurso à equidade.
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V. Decisão:
Perante o que fixa exposto, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em:
1º) Anular a decisão recorrida e determinar a produção de novos meios de prova, em conformidade com o exarado supra e de acordo com o disposto no nº 4 do art. 380º do CPC.
2º) Condenar o recorrido nas custas deste recurso, pelo decaimento.
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Porto, 2014/07/01
M. Pinto dos Santos
Francisco Matos
Maria João Areias