I - O incidente de oposição à penhora é “ um novo meio de oposição, cuja legitimidade activa radica, quer na pessoa do executado, quer na do seu cônjuge, contanto que este tenha sido citado nos termos da 1ª parte da alínea a) do artigo 864º, ex vi do artigo 864º-B DO C. P. CIVIL.
II - Incidindo a penhora sobre um estabelecimento comercial que é um bem próprio do cônjuge do executado, não sendo aplicável o disposto no artigo 825º nº 1, o único meio ao alcance do cônjuge do executado, seria a dedução de embargos de terceiro, em conformidade com o disposto no artigo 352º do Código de Processo Civil e não a oposição à penhora, nos termos do artigo 864º-B.
III - Naqueles embargos de terceiro, caberia à embargante provar a natureza ( própria ou comum) dos bens penhorados. Tratando-se de bens próprios, a penhora não poderá subsistir, uma vez que, mesmo quando respondam pela dívida segundo o direito substantivo, não podiam ser apreendidos sem que o seu proprietário fosse executado
I - RELATÓRIO
Nos presentes autos de execução para pagamento de quantia certa que, com processo ordinário, Manuel --- move contra Henrique ---, Maria --- veio opor-se à penhora, na qualidade de cônjuge do executado Henrique, nos termos do artigo 864-B do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 38/2003, de 08 de Março.
Alegou que a penhora em causa foi efectuada não sobre a residência do executado, como havia sido requerido e ordenado, mas sobre um estabelecimento comercial, de sua propriedade. Tal estabelecimento havia sido por si adquirido na sequência de partilhas realizadas por óbito de seu pai, sendo casada com o executado no regime de comunhão de adquiridos.
Foi proferido despacho que indeferiu a oposição, com o fundamento de que o cônjuge, para se opor à penhora do bem que diz ser próprio, deveria deduzir embargos de terceiro e não oposição à penhora nos termos do artigo 863º-B.
Não se conformando com tal despacho, dele recorreu a oponente, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
1ª - Em despacho de fls. 55 e segs. dos autos já transitado em julgado, o MM. Juiz determinou que caberia ao cônjuge do executado efectuar a oposição à penhora, sendo esta a atitude processualmente correcta;
2ª - Por via do douto despacho de fls. 55 e segs. dos autos foi a aqui recorrente, citada para, entre outra possibilidade, querendo deduzir oposição à penhora;
3ª - A determinação do MM. Juiz configura a normal condução do processo, promovendo as diligências necessárias ao normal prosseguimento do mesmo, indicando tais circunstâncias aos diversos intervenientes;
4ª - Indicando o MM. Juiz qual a forma sobre a qual deveria a recorrente actuar e, depois, vir a negar aquilo que anteriormente foi dito representa uma violação ao princípio da cooperação que na condução e intervenção no processo deve pautar a acção do magistrado encarregue do mesmo, não sendo correcto colocar as questões de uma certa forma, deixando os intervenientes actuar no sentido indicado, para depois vir então decidir em sentido completamente contraditório;
5ª - A douta decisão violou assim os poderes de direcção do processo e de cooperação, ínsitos, respectivamente, no artº 265º e 266º, ambos do C. P. C.;
6ª - A tese defendida pelo MM. Juiz teria como consequência de que existindo um preceito legal que possibilita ao cônjuge do executado, que não é parte na execução, deduzir oposição à penhora implicaria que a mesma não teria real aplicação;
7ª - A fundamentação apresentada na douta decisão, baseia‑se somente num acórdão do douto Tribunal da Relação de Coimbra de 16/05/2000, sendo o seu teor a base da decisão tomada;
8ª - Porém a douta decisão interpretou, salvo melhor entendimento, de forma errónea a letra e o espírito do mesmo, visto que o que este determina é que a faculdade de oposição, nos termos do art. 864-B do C. P. C., cabe ao cônjuge do executado e que, sendo este um terceiro na execução, também poderá fazer uso de embargos de terceiro, porém é essa uma questão de opção por parte do dito cônjuge;
9ª - Verifica‑se que a fundamentação apresentada na douta decisão está claramente em oposição com a dita, pelo que é a mesma nula, com todas as suas consequências legais (art. 668/1 c) do C. P. C.);
10ª - De igual modo ao decidir, como decidiu impedindo a recorrente de fazer uso da possibilidade de oposição à penhora, violou a douta decisão o disposto no art. art. 864-B do C. P. C..
Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente em conformidade com as conclusões expendidas.
A parte contrária não respondeu e o despacho recorrido foi tabelarmente sustentado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
A- Fundamentação de facto
A matéria a considerar para a solução do agravo é a que consta do relatório.
B- Fundamentação de direito
A penhora foi efectuada sobre um estabelecimento comercial, que é um bem próprio do cônjuge do executado, nos termos do artigo 1722º nº 1 alª b) do Código Civil, segundo alegação deste.
Neste caso, sendo um bem próprio do cônjuge do executado, poderá aquele deduzir oposição à penhora, nos termos do artigo 864º- B do Código de Processo Civil [1], como defende nas suas alegações, ou deverá ser remetido para a dedução dos embargos de terceiro, conforme foi decidido no despacho recorrido?
Preceitua o artigo 864º sob a epígrafe, (Citação dos credores e do cônjuge)
1. Feita a penhora, e junta a certidão dos direitos, ónus ou encargos inscritos, quando for necessária, são citados para a execução:
a) O cônjuge do executado, quando a penhora tenha recaído sobre bens imóveis que este não possa alienar livremente, ou quando o exequente requeira a sua citação, nos termos do artigo 825º.
Por seu turno, o artigo 864º-B do Código de Processo Civil preceitua que “ o cônjuge do executado, citado nos termos da primeira parte da alínea a) do nº 1 do artigo 864º, é admitido a deduzir oposição à penhora e a exercer, nas fases da execução posteriores à sua citação, todos os direitos que a lei processual confere ao executado”.
Este preceito estabelece “expressamente que a citação do cônjuge do executado, quando a penhora haja recaído sobre imóveis que este não podia livremente alienar, lhe confere inteiramente o estatuto de parte principal na execução, equiparando-o integralmente ao próprio executado, em consonância com a função deste chamamento, idêntica ao fim prosseguido com a imposição da propositura contra ambos os cônjuges das acções de que possa resultar perda ou oneração de bens que só por ambos possam ser alienados” (...).
O presente preceito visa essencialmente regulamentar a hipótese de, em execução movida contra um dos cônjuges, ter sido penhorado imóvel próprio do executado, mas de este não podia livremente dispor – explicitando que, apesar de a titularidade do bem penhorado não pertencer também ao cônjuge a citar para a execução, a respectiva indisponibilidade legitima-o a intervir como parte principal nas fases subsequentes da execução[2].
O incidente de oposição à penhora é “ um novo meio de oposição, cuja legitimidade activa radica, quer na pessoa do executado, quer na do seu cônjuge, contanto que este tenha sido citado nos termos da 1ª parte da alínea a) do artigo 864º, ex vi do artigo 864º-B.[3]
“Meio de oposição privativo do executado ( e de seu cônjuge, por via do disposto no artigo 864º-A) constitui o incidente de oposição à penhora.
Trata-se, desta vez, de casos de impenhorabilidade objectiva, visto ser pressuposto que os bens penhorados pertencem ao executado[4]
Em execução movida apenas contra um dos cônjuges podem ser penhorados, a fim de ficarem indisponíveis, os bens comuns do casal, desde que o exequente, ao nomeá-los à penhora, peça a citação do cônjuge do executado, para requerer a separação de bens ( artº 825º, nº 1).
Se o exequente, ao nomear à penhora os bens comuns do casal, não formular o pedido de citação do cônjuge do executado para requerer a separação de bens, poderá este defender, por meio de embargos de terceiro, os direitos relativamente aos bens comuns indevidamente penhorados ( artº 352º).
Segundo este artigo, o cônjuge que tenha a posição de terceiro pode, sem autorização do outro, defender por meio de embargos os direitos relativamente aos bens próprios e aos bens comuns que hajam sido indevidamente atingidos pela diligência prevista no artigo anterior:
Tratando-se de bens comuns, não pode o cônjuge deduzir embargos de terceiro quando tenha sido citado nos termos do artigo 825º nº 1 do Código de Processo Civil.
Tratando-se de penhora de bem imóvel e de estabelecimento comercial comuns, o meio a implementar será preferentemente o do artigo 825º [5].
Querendo o exequente penhorar bens comuns, cumpre-lhe promover a citação do outro cônjuge, nos termos do artigo 825º nº 1 do CPCivil, radicando a legitimidade do cônjuge no interesse em defender e preservar os bens comuns do casal.
Foi o que aconteceu nos presentes autos, em que a ora agravante, cônjuge do executado foi citada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 825º do CPCivil, ou seja, para requerer a separação de bens, uma vez que o exequente nomeou à penhora bens comuns do casal.
Neste caso, e como acima se deixou dito, não pode o cônjuge deduzir embargos de terceiro, nem mesmo deduzir oposição à penhora, já que veio requerer inventário para separação de meações, na sequência da citação a que se refere o artigo 825º do Código de Processo Civil ( Cfr. fls. 22).
Todavia, o que está em causa nos presentes autos não é uma penhora que incidiu sobre bens comuns do executado e do seu cônjuge, mas sim sobre um estabelecimento comercial que, conforme a agravante alegou no requerimento de oposição à penhora, é um bem próprio [6].
Ora, tratando-se de um bem próprio, não sendo aplicável o disposto no artigo 825º nº 1, o único meio ao alcance do cônjuge do executado, seria a dedução de embargos de terceiro, em conformidade com o disposto no artigo 352º do Código de Processo Civil e não a oposição à penhora, nos termos do artigo 864º-B.
Naqueles embargos de terceiro, caberia à embargante provar a natureza ( própria ou comum) dos bens penhorados. Tratando-se de bens próprios, a penhora não poderá subsistir, uma vez que, mesmo quando respondam pela dívida segundo o direito substantivo, não podiam ser apreendidos sem que o seu proprietário fosse executado[7].
III - DECISÃO
Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas pela agravante.
Lisboa,20 de Outubro de 2005
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Sérgio Gouveia
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[1] Na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 38/2003, de 08 de Março, aplicável por força do disposto no artigo 21º nº 1 deste diploma.
[2] Lopes do Rego, “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 580-581.
[3] Remédio Marques, “ Curso de Processo Executivo Comum, à face do Código Revisto, 1998, pág. 261.
[4] Lebre de Freitas, “A Acção Executiva depois da reforma”, 4ª edição, Coimbra Editora, 2004, pág. 278.
[5] Lebre de Freitas, ob. cit. pág. 294 e Amâncio Ferreira, “ Curso de Processo de Execução”, Almedina 1999, pág. 197.
[6] Fazendo fé nos elementos constantes dos autos, nomeadamente, no conteúdo do despacho recorrido e nas alegações da agravante, já que os autos não foram instruídos com o requerimento de oposição por parte do cônjuge.
[7] Lebre de Freitas, ob. cit. pág. 294 e Remédio Marques, ob. cit. pág. 289.