MÉDICO
NEGLIGÊNCIA
RESPONSABILIDADE CIVIL
Sumário

I - A responsabilidade médica poderá surgir quando sobrevenham danos para o paciente, seja perda de funções orgânicas diminuição de qualidade ou expectativa de vida dores, sofrimentos psíquicos ou outros como causa de pelo menos uma das seguintes práticas:
1- Os actos médicos sejam adequados e necessários mas tenham sido praticados de forma deficiente ou defeituosa
2- O médico tenha realizado actos necessários e inúteis perante o estado clínico do doente
3- Haja omissão de actos necessários e adequados à situação clínica do paciente.
II - A obrigação contratual do médico constitui uma obrigação de meios em que o médico não se obriga à produção de um resultado, mas apenas a empregar uma certa diligência para tentar curar o doente ou evitar-lhe o mal que ele receia; em que este se vincula tão só a prestar-lhe assistência, mediante uma série de cuidados ou tratamentos aptos a curar.
III - Face a tal natureza da obrigação não cabe ao médico ilidir qualquer presunção legal de incumprimento, daí que o regime do ónus da prova nesta matéria deva ser o da responsabilidade extracontratual isto é ao autor(paciente) caberá provar todos os factos constitutivos da violação do dever do médico definido nos termos amplamente desenvolvidos, (mesmo que a responsabilidade resulte de contrato entre medico e doente).
IV - No domínio da prova testemunhal vigora o princípio da livre apreciação das provas – art. 396º do Código Civil - segundo a convicção que o julgador tenha formado acerca de cada facto – art. 655º, nº1, do Código de Processo Civil - sem embargo do dever de as analisar criticamente e especificar os fundamentos decisivos para a convicção adquirida – art. 653º, nº2, do citado diploma.
V - Se o julgamento do Tribunal resulta numa das conclusões possíveis e procede de fundamentação clara nesse sentido e que a sustenta nada haverá a alterar, por se não verificar erro.
(I.A.C.)

Texto Integral

Acordam os Juízes da 1ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

V, solteiro, maior, reformado, residente na R em Lisboa,intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra J , médico oftalmologista, residente na Rua , em Cascais, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de 7.602.520$00 (sendo 1.602.520$00 a título de danos patrimoniais e 6.000.000$00 a título de danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora vencidos desde a citação desde, até efectivo e integral pagamento.

*
O réu contestou,

No julgamento a que se procedeu foram tidos como assentes os seguintes factos:
*
1 - O autor em Dezembro de 1992 tinha 70 anos de idade - (A);
2 - Em 16.12.1002 o autor recorreu aos serviços profissionais do réu, a quem telefonou para a respectiva residência, tendo sido pelo referido clínico ministrado o fármaco denominado "Chimar" em formato de drageia - (B);
3 - Em 17.12.1992 o autor foi pelo réu submetido a exame oftalmológico, na "Ó", sita em Lisboa, na R, tendo este último diagnosticado a ocorrência de hemovítreo - (C);
4 - A situação agravou-se e a "esclarótica" do olho direito ao autor ficou completamente raiado de sangue - (D);
5 - Em face de tal situação e como terapia complementar, o réu prescreveu ao autor, em 16.01.1993, o uso do fármaco denominado de "Trisolona" forte em colírio - (E);
6 - Tratamento esse que se prolongou até Março de 1993 por insistência do referido Clínico - (F);
7 - Durante o referido período de tempo o autor foi por diversas vezes examinado pelo réu - (G);
8 - Ao longo desses vários exames a situação clínica do autor foi-se progressivamente deteriorando ao ponto de o mesmo ter perdido, por completo, a visão do olho direito - (H);
9 - Durante essas várias consultas o autor sugeriu ao réu que lhe fossem efectuados diversos exames e intervenções mais aprofundadas e complexos, designadamente laser, fotocoagulação, intervenção cirúrgica(1), em ordem a averiguarem-se as causas e a evolução da sua enfermidade, bem como a saná-la - (I);
10 - Em 15.04.1993 o réu, a instâncias do autor, submeteu-o no "Io" a uma ecografia, em cujo verso prognosticou, pelo seu próprio punho, descolamento da retina e hemovítreo do olho direito, tendo assinado esse documento - (J);
11- Por declaração de 27.09.1993 o réu reconheceu toda a evolução do quadro clínico sofrido pelo autor - (L);
12 - Com a quase completa perda da visão do olho direito o autor tem tido sofrimento(2) – (M);
13 - Essa incapacidade alterou-lhe por completo a sua situação e orientação físico­espacial, assim como os respectivos hábitos pessoais, já que tem que aplicar cinco vezes por dia dois colírios distintos denominados "Betagan" e "Trusopt" em ambos os globos oculares, provavelmente para o resto da vida, o que lhe causa transtorno(3) - (N);
14 - Essa situação também lhe causou e continua a causar dores físicas - (O);
15 - Acresce que o autor vive em permanente estado de angústia com a possibilidade de novo descolamento da retina - (P);
16 - Em 15.12.1992 o autor foi acometido por uma súbita hemorragia ocular interna do olho direito - (1°);
17 - Em 16.03.1993 o autor não tinha visão do olho direito, tendo, então, sido consultado pelo Dr. J., médico oftalmologista da ASMEC e I, com instalações na, em Lisboa - (5°);
18 - Por essa consulta o réu pagou 600$00 - (6°);
19 - Nesse mesmo dia o autor foi submetido a uma gonoscopia ao olho direito - (7°); 20 - Pela qual pagou 1.120$00 - (8°);
21 - O Dr. José Valente, tendo analisado posteriormente a ecografia referida em 10., em face da gravidade da situação, aconselhou o autor a consultar o Dr. P do "Departamento de " do Hospital de São José, em Lisboa - (9°);
22 - Após exame do olho direito do autor, o Dr. P concluiu que se tratava de uma situação grave, não o tendo submetido a qualquer intervenção cirúrgica - (10°);
23 - Em 07.05.1993 o autor foi examinado pelo Dr. Ds, médico oftalmologista que exerce na "Clínica Médico-, Lda.", em …, o qual lhe confirmou o deslocamento da retina do olho direito, sinéquias, nevritas e cataratas - (11°);
24 - Por essa consulta o autor despendeu a quantia de 8.000$00 - (12°);
25 - Devido ao hemovítreo referido em 3., o réu não submeteu o autor a qualquer tratamento, nomeadamente de laser, por o sangue não deixar ver o fundo do seu olho direito e a causa daquela hemorragia, tendo-lhe receitado um anti-inflamatório denominado "Chimar", que o mesmo aplicou durante cerca de quatro meses - (13°);
26 - Em nova consulta ao Dr. D, este aconselhou o autor a ser consultado pelo cirurgião inglês Dr. Z J. Gregor, o qual exerce medicina oftalmológica no Reino Unido - (15°);
27 - Em 17.05.93 o autor consultou o Dr. As, médico oftalmológico, o qual, dada a gravidade da situação, igualmente o aconselhou a consultar o médico inglês referido em 26. - (17°);
28 - Por esta consulta o autor despendeu a quantia de 7.000$00 - (18°);
29 - O autor estabeleceu contrato para Londres, Reino Unido, com o Dr. J. Gregor, o qual lhe confirmou a admissão na Clínica C, sita em Londres, na, n° 80, em 27.05.1993, a fim de ser operada pelas 10 horas do subsequente dia 28 - (19°);
30 - Mais informou o Dr. Z. Gregor o autor de que a Clínica lhe cobraria antecipadamente a importância de 2.550,00 Libras Esterlinas - (20°);
31 - Em 24.05.1993 o autor adquiriu na "E, Lda.", uma passagem aérea de ida e volta Lisboa/Londres, que lhe custou 39.500$00 - (21°);
32 - O autor embarcou via aérea para Londres em 25.03.1993, com regresso previsto para 21.06.1993, na "British Airwais" - (22°);
33 - Uma vez aí chegado nesse mesmo dia, o autor hospedou-se no "Leicester Hotel", sito em 18/24 Belgrave Road, Londres, onde permaneceu até 26.05.1993, com o que despendeu 55 Libras Esterlinas - (23°);
34 - Em 26.05.1993 o autor foi observado pelo Dr. Z. Gregor, em Londres - (24°);
35 - Em 27.05.1993 o autor deu entrada na "Churchil Clinic" e, por escrito, concedeu autorização para ser operado - (25°);
36 - O autor foi operado na data prevista de 28.05.1993 - (26°);
37 - O autor teve alta da "CCc"em 30.05.93 - (27°);
38 - Pelo seu internamento na Clínica referida em 37., o autor despendeu a quantia de 2.550,00 Libras Estrelinas - (28°);
39 - O autor permaneceu internado na Clínica referida em 37. durante três dias, apesar de lhe ter sido solicitado pelo Dr. Z Gr que ali permanecesse durante duas semanas - (29°);
40 - O autor ausentou-se de Londres poucos dias após a data referida em 37. - (30°); 41 - Durante esse tempo, que decorreu de 30.05.1993 a 04.06.1993, o autor ficou hospedado no mesmo Hotel Leicester, estadia essa pela qual pagou 155 Libras Esterlinas - (31`);
42 - Em 02.06.1993 o autor teve nova consulta com o Dr. Z. Gregor - (32°);
43 - Pelas duas consultas com o Dr. Z. Gregor, serviços operatórios por este último prestados, serviços de anestesia e investigações diversas, o autor pagou 2.325,00 Libras Esterlinas - (33°);
44 - O autor adquiriu também em 02.06.1993, por prescrição do Dr. Z. Gregor, um medicamento denominado "Timolol", com o que despendeu 12,66 Libras Esterlinas - (34°);
45 - O Dr. Z. Gregor celebrou o relatório médico junto a fls. 85-89 do qual consta, além do mais, o seguinte:
"Examinei o Sr. .. em 26 de Maio de 1993 a Conselho e por indicação do Dr. D de Portugal.
A histórica clínica resume-se ao facto de o Sr. B 6 meses antes ter sofrido uma hemorragia do vítreo tendo sido tratado com comprimidos. A visão piorou 6 semanas após e em 15 de Abril de 1993 foi-lhe diagnosticado um descolamento da retina pelo recurso a ecografia. O olho esquerdo não apresenta sintomas.
Em exame verifica-se que a visão direita está reduzida apenas ao nível de movimentos de mão, mas a visão esquerda é de 6/6. Verifica-se uma sinéquia posterior de 360° com atrofia da íris sem existência de segmento anterior de inflamação activo. A pressão intra-ocular é de 10 mm Hg no olho preito e de 16 mm Hg no olho esquerdo, registando-se um marcado defeito da pupila direita. Tem esclerose nuclear com opacidade subcapsular posterior na lente direita.
O exame do segmento posterior direito é dificultado pela sinéquia e catarata e pela consequente hemorragia do liquido gelatinoso do vítreo. A retina aparenta, contudo, um descolamento total com indícios de membranas epiretinais e uma considerável quebra da retina superior.
A retina esquerda está integralmente colocada sem indícios de quebras.
Afigura-se que o Sr. Brito sofreu uma hemorragia do vítreo seguida de descolamento da retina e, dadas as circunstâncias, a tentativa de um lamento da retina é razoável e adequado.
Na sequência de uma profunda explicação dos prós e contras de uma cirurgia ao olho direito e potenciais complicações, o Sr. B foi admitido Clínica Cl em 28 de Maio de 1993 e submetido a uma lanteoctomia do vítreo direito, a uma dissecação extensiva da membrana epiretinal a uma retinotomia de esvaziamento a 360° com introdução de fluído de silicone e fotocoagulação a endolaser. No decurso da operação a retina apresentou-se extremamente rígida com extensas membranas epiretinais que originaram uma vitreoretinopatia proliferativa do grau IV dotado de um funil aberto retinal mas com vitreoretinopatia proliferativa anterior grave.
Detectaram-se três largas feridas em forma de U nos espaços supertemporal, inferonasal e inferior das periferias retinais. As membranas epiretinais foram dissecadas pelo recurso a perfluorodecalin (líquidos pesados) mas como a retina anterior permaneceu extremamente rígida a 360° "foi efectuado uma retinotomia de esvaziamento. Postoperativamente foi efectuada uma boa recuperação e a retina foi recolada.
Na última consulta em 2 de Junho de 1993 a retina encontrava-se recolocada e foi alcançada uma visão de 2/60. A pressão intraocular subiu a de 32 mm Hg.
Ao Sr. Brito está actualmente ministrado gotas Atropine, Timolol, Dexamatasona e Cloramphenicol, sendo importante que se mantenha sob supervisão oftalmológica regular e que comunique imediatamente quaisquer súbitas alterações.
Foi-lhe explicado que, eventualmente, pode ser necessária a extracão do silicone dentro de 2 meses, desde que a retina permaneça recolocada, sendo também do respectivo conhecimento que existe 20% de risco de descolamento da retina na sequência de eventual remoção do óleo de silicone" - (36°);
46 - O autor regressou a Portugal em 05.06.93, tendo cancelado o primeiro bilhete aéreo da Brittish Airways e adquirir nova passagem aérea da TAP - Air Portugal, com o que despendeu a quantia de 34.986$00 - (40°);
47 - Já regressado a Portugal, o autor teve nova consulta com o Dr. David Martins em 11.06.1993, pela qual pagou a quantia de 6.000$00 - (41°);
48 - O autor foi consultado em 28.06.93 pelo Dr. José Valente, da "Associação de Socorros Mútuos dos Empregados de Comércio e Indústria", com o que despendeu a quantia de 600$00 - (42°);
49 - O autor foi também observado de novo pelo Dr. D em 23.07.1993 e em 08.09.1993, com o que despendeu 12.000$00 - (43°);
50 - Em 07.12.1993 o Dr. Ds, por declaração escrita, aconselhou o autor a ser observado de novo pelo cirurgião Dr. Z. Gregor para avaliação global da situação, com eventual extracção do óleo de silicone - (44°);
51 - O autor foi de novo a Londres entre 28 de Agosto a 1 de Setembro de 1994, com cuja deslocação aérea despendeu 47.625$00 - (45°);
52 - Durante esse período de tempo o autor hospedou-se mo mesmo "Leicester Hotel", com o que despendeu 120 Libras Esterlinas - (46°);
53 - Em 30 de Agosto de 1994 o autor foi observado em Londres pelo Dr. Z. Gregor, com o que despendeu 75,00 Libras Esterlinas - (47°);
54 - O Dr. Z. Gregor elaborou em 31.08.1994 um relatório em que descreveu o estado e evolução do globo ocular direito do autor e o aconselhou a não se submeter a nova intervenção cirúrgica, embora fosse recomendável um tratamento com raios laser a 360° ao longo de toda a parte da retina recolada, de molde a minimizar hipóteses de novo descolamento, caso se verificasse necessidade de remoção futura do óleo de silicone - (48°);
55 - Em 15.11.94 o Dr. José Valente elaborou um relatório no qual atesta que à época, o olho direito do autor tinha visão a 40 cms, boa projecção luminosa, retina aplicada, sendo afático - (49°);
56 - Em 08.09.1995 o Dr, David Martins elaborou um relatório médico no qual observou que a visão do olho direito do autor é de movimentos de mão a 30 cms, que a retina, que se observa com muita dificuldade, encontra-se aplicada, sobretudo, no pólo posterior - (50°);
57 - Desse mesmo relatório resulta que a observação é dificil, dado qie córnea se apresenta descompensada por edema e opacidade centrais, encontrando-se a câmara anterior apagada, sendo a pupila muito pequena e de difícil dilatação - (51°);
58 - A irridectomia inferior (às 6 horas) não é visível (fechou-se), sendo as tensões oculares normais sob o efeito do medicamento "Timoptol" - (52°);
59 - O mesmo Dr. David Martins, por relatório escrito de 23.01.1996, declarou que a situação complexa do globo ocular direito do autor deve ser objecto de vigilância regular e atenta, através de exame clínico e, complementarmente, pelo recurso a ecografias seriadas - (53°);
60 - Nesse relatório é também afirmado que qualquer posterior intervenção cirúrgica é complexa, não sendo possível a recuperação da visão normal - (54°);
61 - Desse relatório resulta também que a situação pode evoluir para uma vitreoretinopatia proliferativa, que torna o prognóstico muito reservado - (55°);
62 - Perante semelhante panorama, o autor regressou a Londres no período que medeou de 13 a 20 de Maio de 1996, a fim de apurar da possibilidade de recuparação da sua visão - (56°);
63 - Para o efeito, o autor adquiriu na "E, Lda.", em 10.05.1996, uma passagem aérea de ida e volta que lhe custou 50.050$00 - (57°);
64 - Chegado a Londres em 13.05.1996, o autor hospedou-se de novo no mesmo "Leicester Hotel", onde permaneceu até 20.05.1996, tendo despendido com esse alojamento 200 Libras Esterlinas - (58°);
65 - Em 15.05.1996 o autor foi objecto de consulta pelo Dr. Z. Gregor, tendo despendido 75 Libras Esterlinas - (59°);
66 - No respectivo relatório, datado de 15.05.1996, o Dr. Z. Gregor atestou que o autor apenas tem visão correcta a 5 cms de distância no olho direito, a respectiva córnea encontra-se semi-opaca, com edema epitelial, apresentando uma pressão intraocular de 30 mml-lg e defeito da pupila - (60°);
67 - Nesse mesmo relatório é atestado que o exame do globo ocular direito é extremamente dificil pela opacidade da córnea e a falta de dilatação da pupila, encontrando­se, contudo, a retina, colada sem quaisquer quebras, embora o nervo óptico se apresente pálido - (61');
68 - Resulta ainda desse relatório que a eventual remoção do óleo de silicone do globo ocular direito do autor determinaria uma descompensação total da córnea e uma impossibilidade de monotorização da retina, a qual se tornaria particularmente sensível a um redescolamento, sendo contraindicada a efectivação de nova intervenção cirúrgica - (62°);
69 - O autor foi ainda observado em 16.05.1996 pelo Prof E, do " A C", que lhe confirmou o prognóstico do Dr. J. Gregor - (63°);
70 - Por essa consulta pagou o autor 100 Libra Esterlinas, equivalentes a 26.014$60 - (64°);
71 - A autor, a conselho do Prof Eric , efectuou ainda uma ecografia ao respectivo globo ocular direito em 17.05.1996, no "M Hospital", em Londres, que demonstrou a existência de óleo de silicone sem qualquer evidência de descolamento da retina - (65°);
72 - Por essa ecografia pagou o autor 105 Libras Esterlinas - (66°);
73 - O Prof. Eric Arnott elaborou, em 23.05.1996, um relatório no qual confirma os antecedentes clínicos do autor e refere que a visibilidade do olho direito deste último não melhorou desde a operação - (67°);
74 - Desse relatório resulta que o olho direito do autor padece de edema da córnea, a respectiva câmara anterior está ausente, a pupila encontra-se muito aproximada da superfície endolietal da córnea, assim como da face do condensado vítreo, não se obtendo reacção ao infravermelho - (68°);
75 - Nesse relatório o Prof. Eric Arnott refere que mesmo recorrendo-se a nova operação do olho direito, é muito pouco provável a recuperação de alguma visão, aconselhado, contudo, a realização de uma nova ecografia para se apurar do real estado da retina - (69°);
76 - Em 04.06.1996 o autor adquiriu e obteve do "Arnott Eye Center" gotas para o olho direito, com o que despendeu 40 Libras Esterlinas - (70°);
77 - Em Dezembro de 1992 não era possível a sujeição do autor a tratamento através de raios laser pelas razões referidas em 3. e em 25. - (71°)
78 - O medicamento "Chimar" é um anti-inflamatório adequado a facilitar a absorção de sangue em caso de hemovítreo - (74°);
79 - O exame oftalmológico referido em 3. revelou a existência de hemorragia total do vítreo do olho direito do autor, sem qualquer luar pupilar e apenas com visão da luz - (75°);
80 - Devido a essa hemorragia a cavidade vítreo do olho direito do autor apresentava-­se coberta de sangue, o que não permitia ver a existência de qualquer rotura ou rasgadura na retina - (76°);
81 - Após a data referida em 3. o autor foi levado pelo réu ao Instituto "Gama Pinto", onde lhe foi feita uma ecografia ao olho direito - (78°);
82 - A ecografia referida em 81. não permitiu ver a existência de qualquer rotura ou rasgadura na retina do olho direito do autor, pelo motivo referido em 80. - (80°);
83 - Além da referida em 81 ., o réu efectuou mais uma ou duas ecografias naquele Instituto, executadas pelo Dr. Fernando dos Santos, o qual, na altura, era o responsável pelo Departamento de Ecografia do mesmo Instituto - (82°);
84 - O Dr. José Maia Seco, então assistente no mesmo Instituto, tomou conhecimento dos resultados das ecografias ali realizadas ao autor - (83°);
85 - As ecografias realizadas ao olho direito do autor no Instituto "Gama Pinto" revelaram que em 17.12.1992 não era possível realizar qualquer tratamento ao olho direito do autor, nomeadamente laser, por o sangue acumulado na sua cavidade não deixar ver o fundo do mesmo - (84°);
86 - Após a data referida em 85., o autor continuou a ser seguido medicamente pelo réu até Março de 2003 - (85°);
87 - Após a realização da primeira ecografia no Instituto "Gama Pinto" e até Março de 1993, o autor foi ali submetido, pelo Dr. Fernando Santos, a mais uma ou duas ecografias de controle, que não revelaram alterações do estado do seu olho direito - (86°);
88 - Entre 17.12.1992 e Março de 1993(4) o autor, mediante indicação do réu, aplicou no olho direito o anti-inflamatório referido em 25. - (88°);
89 - O anti-inflamatório referido em 25. foi indicado pelo réu para facilitar a reabsorção do sangue existente no vítreo do olho direito do autor - (89°);
90 - Em 27.04.2003 o réu emitiu o relatório cuja cópia consta de fls. 96/97 - (96°).

Em face desta factualidade o tribunal julgou improcedente a acção e absolveu o réu dos pedidos

Inconformado o autor recorreu tendo nas alegações produzido as seguintes conclusões:

1- Nunca foi provado, quer em momento anterior quer em sede de audiência de julgamento, que em Dezembro de 1992 o globo ocular direito do recorrente estivesse raiado de sangue.
2- O recorrido apenas poderia provar que o globo ocular estava nessa altura raiado de sangue, através da apresentação de exames ecográficos que o comprovassem, no entanto tal nunca aconteceu.
3- Os pontos nº 16,17, 25, 77, 79, 80, 81, 82, 83, 85 e 87 relativos à fundamentação de facto da sentença merecem a reprovação do recorrente, o qual considera que não deveriam ter sido considerados dados como provados.
4- As ecografias mencionadas em 81 e 87 não foram apresentadas em juízo, apesar de terem sido requisitadas pelo Autor em sede de requerimento probatório.
5- A responsabilidade do processo clínico e da existência em arquivo das ecografias é da competência do R/Recorrido e da testemunha Dr. Fernando Santos.
6- A impossibilidade que o Recorrente se deparou para apresentar as ecografias de molde a sindicar os meios de diagnóstico e a terapêutica adoptada pelo R/Recorrido não lhe pode ser imputada.
7- A convicção do Tribunal a quo não se pode basear na prova testemunhal dos médicos Dr. Fernando dos Santos e Dr. José Maia Seco, de que as ecografias foram feitas e quais os seus resultados.
8- Considerando que as ecografias nunca foram apresentadas, não era possível determinar a sua execução temporalmente o que impossibilita a conclusão do ponto 85 da Sentença.
9- Deveria o Tribunal a quo ter considerado as declarações do Dr. José Valente que, em 16 de Março de 1993, verificou que o A/Recorrente tinha 10% de visão, declarações que, em conjunto com o ponto 12 da sentença, determinam a contradição do ponto 17 na parte na parte onde se conclui que o Autor não tinha visão no olho direito, pelo que deveria ter sido dado provado que o Autor tinha parte da visão do olho direito.
10- O R/Recorrido não fez prova que aquando do 1º exame do Autor, verificou, através seu falível “olho clínico” a existência de uma hemorragia total do olho direito do autor, pelo que o Tribunal a quo deveria ter considerado provado que a hemorragia ocular interna do seu olho direito com a formação de dois coágulos no cristalino, decorre de uma pequena ferida na retina do globo ocular direito do autor.
11- Por outro lado, a contrario, o douto tribunal deveria ter considerado provados os art. 1, 2, 3, 14, e 71 do questionário e os 16º e 73 da sentença

12- Estranhamente o Tribunal a quo não avaliou o tipo de responsabilidade em que em causa nem discutiu a problemática do respectivo ónus da prova.
13- Ainda assim procedeu à distinção entre obrigação de meios e obrigação de resultado, referindo que no primeiro caso o ónus da prova recai sobre o credor/lesado e no segundo recai sobre o devedor/lesante.
14- No entanto reconhece que já não poderá ser assim se se tratar de um médico especialista, que ao pôr em prática a sua técnica, actua de modo contrário ao que lhe era esperado e exigível, atentas as suas habilitações específicas.
15- Não se compreende como pôde o Tribunal a quo fundamentar a sua decisão, sem que previamente a tenha enquadrado num regime jurídico, porque existem diferenças, como por exemplo ao nível do ónus da prova, que podem comprometer irremediavelmente uma acção.
16- No caso concreto, trata-se de um caso de responsabilidade contratual, uma vez estamos perante um contrato de prestação de serviços médicos, onde o médico e o doente estão ligados por um contrato pessoal, de execução continuada, sinalagmático e oneroso.
17- O Tribunal a quo, não estabelece o regime jurídico referente ao tipo de responsabilidade civil médica, no entanto entra na problemática do ónus da prova, fazendo recair o ónus da prova sobre o recorrente, por considerar que se trata de uma obrigação de meios, nos termos do n.º 1 do art. 344º do Código Civil. .
18- Mas retrocede nos seus argumentos ao afirmar já poderá não ser assim se se tratar de especialista, que ao pôr em prática a sua técnica, actua de modo contrário ao que lhe era exigível, atentas as suas habilitações específicas para o efeito.
19- Assim, reconhece implicitamente, que o ónus da prova pende afinal sobre o recorrido, uma vez que este é médico especialista em oftalmologia.
20- Pelo que cabia ao recorrido provar que a sua actuação tinha sido conforme as leges artis, isto é, devia ter provado que tinha respeitado as regras técnicas adequadas ao procedimento exigível, e que os meios utilizados tendo em vista a cura, eram adequados ao caso concreto, cabendo-lhe também provar que tinha ponderado as alternativas, os riscos e os efeitos que a sua conduta ia provocar no recorrente.
21- Isto é, o recorrido tinha que apresentar as fiáveis ecografias que comprovavam que o olho direito do recorrente estava raiado de sangue, o que impossibilitava o recurso a outra terapêutica, mas tais fiáveis ecografias nunca foram juntas aos autos, porque na verdade nunca foram realizadas.

Se por absurdo assim não se entenda, e se considere que o caso sub judice se enquadra no âmbito da obrigação de meios, ainda assim haviam lugar à inversão do ónus da prova, nos termos do n.º 2 do art. 344º do Código Civil.
Por violação do dever de cooperação para a descoberta da verdade a que as partes estão vinculadas, nos termos do art. 519º do Código de Processo Civil. Atendendo que,
A consequência da falta de dados disponíveis decorre da ausência de exames ecográficos efectuados entre 15-12-1992 e 15-04-1993, pelo que não é conhecida a etiologia médica da situação inicial de hemovítreo.
à data dos factos existia a possibilidade de intervenção cirúrgica, mas que no fundo os peritos não podem estabelecer um nexo de causalidade médico-legal entre uma eventual negligência médica e o estado patológico do examinado, porque não têm dados para discutir diferentes parâmetros de valorização médico-legal, por culpa do Réu/Recorrido
22- Não procede o argumento segundo o qual o Instituto Oftalmológico “Dr. Gama Pinto” não dispunha das referidas ecografias, por supostamente terem sido entregues ao recorrente, pois se as mesmas tivessem sido realizados, estas deviam pelo menos de constar nos seus arquivos, o que não aconteceu.
23- O valor da prova pericial é diminuto, porque os pressupostos em que os peritos fundamentaram a sua opinião estavam viciados.
24- O relatório pericial fundamenta-se apenas na ecografia datada de 15.04.93, altura em que já se constatava descolamento da retina e hemovitreo, mas tal patologia era inexistente em 15.12.92.
25- O relatório pericial fundamentou-se nos falaciosos relatórios médicos que o recorrido afirma ter realizado ao recorrente, tendo baseado a sua convicção apenas naqueles.
26- A consequência da falta de dados disponíveis decorre da ausência de exames ecográficos efectuados entre 15-12-1992 e 15-04-1993, pelo que não é conhecida a etiologia médica da situação inicial de hemovítreo.
27- Ao quesito 12º formulado pelo recorrente onde se questiona se a imediata intervenção com raios laser do globo ocular afectado por uma ferida na retina teria evitado uma hemorragia maciça e o subsequente e consequente descolamento da retina o perito responde categoricamente Sim. Tal teria provavelmente acontecido se existisse, e fosse observada antes da hemorragia, o que aconteceu no caso concreto.
28- Da conjugação da prova produzida em audiência e passível de ser aferida, resultou provada a culpa efectiva do recorrido, tendo-se provado ainda a existência de um nexo de causalidade normativa entre a sua conduta e os danos pessoais e patrimoniais sofridos pelo recorrente.
29- A culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente, em que o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo.
30- O nexo causal, consiste no facto que o recorrido devia ter adoptado o tratamento por laser, cirurgia ou fotocoagulação, o qual teria levado à cura do recorrente e não teria provocado o agravamento da patologia ocular.
31- Nos presentes autos, o recorrente invocou matéria de facto e de direito que permite concluir sobre e procedência do pedido formulado pelo recorrente.
32- Na Sentença recorrida ao decidir-se pela absolvição do pedido violou-se o disposto no art. 344º n.º2, 762, 798 e 799 todos do Código Civil, o art 77 nº 3 do Código Deontológico da Ordem dos médicos e arts. 519º, 591º do Código de Processo Civil.
33- Deve assim, conceder-se inteiro provimento ao presente recurso de apelação, e em consequência, substituir a Sentença recorrida por Acórdão em que em que se decida sobre o provimento do mesmo.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

O OBJECTO DOS RECURSO

É pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. art. 684º, nº 2 e 3 e 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (5)(6)(7)(8).

As questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, estão decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer este Tribunal de recurso.

No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelo Réu ora Apelante que o objecto do respectivo recurso de apelação está circunscrito às questões de saber:

1) Se o tribunal “a quo” incorreu em erro na apreciação das provas testemunhais produzidas, tanto ao considerar

2- A repartição do ónus da prova neste tipo de acções de responsabilidade médica

3- A verificação da existência dos requisitos da responsabilidade

a- No que tange à matéria de facto:
Nas conclusões 4ª e 5ª e 6ª a 11ª insurge-se contra o julgamento que deu como assentes os quesitos 16º, 17º,25º, 77º, 79º, 80º, 81º, 82º, 83º, 85º e 87º, sustentando que esta matéria só poderia ter-se como assente a partir da apresentação dos exames ecográficos o que não aconteceu.

São do seguinte teor tais pontos de facto
16 - Em 15.12.1992 o autor foi acometido por uma súbita hemorragia ocular interna do olho direito -
17 - Em 16.03.1993 o autor não tinha visão do olho direito, tendo, então, sido consultado pelo Dr…., médico oftalmologista da Associação de Socorros Mútuos dos Empregados do Comércio e Indústria, com instalações na Rua da Palma, n° 237, em Lisboa - (5°);
25 - Devido ao hemovítreo referido em 3., o réu não submeteu o autor a qualquer tratamento, nomeadamente de laser, por o sangue não deixar ver o fundo do seu olho direito e a causa daquela hemorragia, tendo-lhe receitado um anti-inflamatório denominado "Chimar", que o mesmo aplicou durante cerca de quatro meses - (13°);
77º - Em Dezembro de 1992 não era possível a sujeição do autor a tratamento através de raios laser pelas razões referidas em 3. e em 25. - (71°)
79 - O exame oftalmológico referido em 3. revelou a existência de hemorragia total do vítreo do olho direito do autor, sem qualquer luar pupilar e apenas com visão da luz - (75°);
80 - Devido a essa hemorragia a cavidade vítreo do olho direito do autor apresentava-­se coberta de sangue, o que não permitia ver a existência de qualquer rotura ou rasgadura na retina - (76°);
81 - Após a data referida em 3. o autor foi levado pelo réu ao Instituto "Gama Pinto", onde lhe foi feita uma ecografia ao olho direito - (78°);
82 - A ecografia referida em 81. não permitiu ver a existência de qualquer rotura ou rasgadura na retina do olho direito do autor, pelo motivo referido em 80. - (80°);
83 - Além da referida em 81 ., o réu efectuou mais uma ou duas ecografias naquele Instituto, executadas pelo Dr. Fernando dos Santos, o qual, na altura, era o responsável pelo Departamento de Ecografia do mesmo Instituto - (82°);
85 - As ecografias realizadas ao olho direito do autor no Instituto "Gama Pinto" revelaram que em 17.12.1992 não era possível realizar qualquer tratamento ao olho direito do autor, nomeadamente laser, por o sangue acumulado na sua cavidade não deixar ver o fundo do mesmo - (84°);
87 - Após a realização da primeira ecografia no Instituto "Gama Pinto" e até Março de 1993, o autor foi ali submetido, pelo Dr. F, a mais uma ou duas ecografias de controle, que não revelaram alterações do estado do seu olho direito - (86°);

Na fundamentação destas respostas o Tribunal do julgamento apoiou-se e no depoimento das testemunhas os médicos oftalmologistas (…) que depuseram esclarecendo que efectuaram ecografias ao autor que revelaram a existência de uma hemorragia vítreo num dos olhos. Declararam que em 1992 o único tratamento existente para aquela situação era a de aplicação de antiflamatórios, sendo o Chimar medicamento adequado.
As testemunhas mencionadas afirmaram ter procedido a exames ecográficos ao autor.
Depuseram sobre a situação clínica do mesmo no mesmo sentido em que forma produzidos todos os demais depoimentos prestados em audiência e valorados pelo tribunal e que foram de médicos especialistas que o autor consultou; portanto testemunhos avalizados, seja pelos conhecimentos técnicos especializados, seja pelo facto de terem eles próprios, nessa qualidade de médicos observado os autor ao tempo, a saber D médico oftalmologista que afirmou ter observado o autor logo após ter este sofrido o hemovítreo, sendo ele mesmo o autor do relatório de fls 53 que confirmou e que declarou que o tratamento através de laser e de todo inadequado nos casos em que ocorre hemorragia, uma vez que o sangue não permite conhecer as causas da mesma.
Afirmou ainda que pelo relato que o autor lhe fez, a hemorragia que sofreu no olho direito terá sido bastante densa, uma vez que o mesmo lhe afirmou que apenas via luz. Assim, ante uma hemorragia total era impossível ver qualquer rotura, rasgadura ou outro tipo de lesão da retina, o que tornava impossível a aplicação do laser. Mais salientou que para um tipo de lesão como a do autor, com hemovítreo, não há tratamento “ab initio”, havendo apenas que seguir o doente com regularidade, fazendo-lhe exames ecográficos seriados ate o sangue ser reabsorvido, o que pode durar apenas três a seis meses. Confirmou as consultas efectuadas ao autor, os custos das mesmas e os relatórios da sua autoria que se encontraram juntos aos autos. Referiu ainda que o relatório referido no quesito 53º constitui como que o historial clínico do olho direito do autor desde Dezembro de 1992, segundo os dados que o mesmo lhe forneceu, nomeadamente no que respeita ao hemovítreo.
Da testemunha (…) também médico oftalmologista que confirmou ter consultado o autor em 15.03.93, na A S M E C I , declarando que então o autor era portador de 10% de visão no olho direito tendo ainda esclarecido que em 1992 o tratamento a laser não era possível em caso de hemovítreo., sendo que o tratamento adequado à época era o de aplicar anti inflamatórios, a testemunha (….) médico oftalmologista, que observou o autor em 1993 confirmando que em 1992 a intervenção através de laser não era recomendada para casos clínicos como o do auto; a testemunha J(…), médico oftalmologista que confirmou ter consultado o autor reiterou não ser adequado o tratamento de laser a situações de hemovítreo.
. Estes depoimentos de resto não foram postos em causa pelo recorrente.
Antes o que é afirmado por este e que os mesmos são insuficientes para se ter como provado a existência das ecografias, referidas, na base instrutória já que só mediante a apresentação do documento respectivo é que o mesmo se poderia ter como existente, (discorrendo depois sobre a quem incumbia conservar tal exame muito embora se não refira à norma legal que motivou que o mesmo concluísse (erradamente porque os exames não são do médico mas do doente) que tal obrigação pertencia ao réu, que diga-se e a talhe de foice nestes autos nem se trata do réu já que este não foi o autor de tais ecografias). sendo que contudo e para o que importa aqui a questão única a resolver é a da importância do documento onde se retratou o exame.
Não tem porém razão, NO QUE RESPEITA À EXIGENCIA DA FALADA ECOGRAFIA.
Uma coisa é o facto outra é o meio pelo qual se prova o facto.
O facto neste caso que importaria a apurar e que estava em julgamento, neste ponto concreto resume-se ao tipo de lesão ocular de que o autor era portador ao tempo. Este facto pode ser provado por qualquer meio (artigoº392º do CC) .

Entendeu o tribunal que os depoimentos das testemunhas acima indicados foram por si habéis e suficientes para o convencimento que resultou das respostas afirmativas aos quesitos e foi ainda mais além tendo incluído respostas como as constantes dos pontos 81º 82º e 83º que retratam tão só a forma como foi obtido uma determinada representação do facto a ecografia.
Para a formulação de juízo positivo sobre a existência desta é bastante o depoimento testemunhal, do médico que a realizou. Não se vê por isso que assista razão ao recorrente.
Seja porque o facto em causa único relevante ---tipo de lesão sofrida pelo autor, admite qualquer meio probatório, seja porque enquanto formulação da base instrutória a existência de ecografia não é em si mesmo matéria objecto de prova mas antes um meio de prova a prova documental tendente demonstrar a existência de um facto, que admite prova por testemunho artigoº 393, Código Civil, 655ºn´º1 e 653º n2 estes do Código de Processo Civil

No domínio da prova testemunhal vigora o princípio da livre apreciação das provas – art. 396º do Código Civil - segundo a convicção que o julgador tenha formado acerca de cada facto – art. 655º, nº1, do Código de Processo Civil - sem embargo do dever de as analisar criticamente e especificar os fundamentos decisivos para a convicção adquirida – art. 653º, nº2, do citado diploma.
A Relação só deve alterar pois a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, reapreciada a matéria de facto, for evidente a grosseira apreciação e valoração que foi feita na instância recorrida, isto pelo facto de naquela 1ª Instância se dispor de um universo de elementos não apreensíveis na gravação que são decisivos para o processo íntimo de formulação da convicção que a segunda Instância não tem possibilidade de intuir ou de apreciar para lá daquilo que fica registado, o que é manifestamente redutor na formação da convicção.(9)
O terreno aqui é o da razoabilidade da convicção subjectiva, motivada no material probatório constante dos autos, não se trata de certeza matemática mas da obtenção de um juízo de probabilidade, ou para lá de qualquer dúvida razoável.
Não se vê que possa justificadamente ser alterada a valoração alcançada naquele tribunal.
Só a desconformidade manifesta entre o meio probatório produzido e o facto provado é que justificará a alteração do julgamento
Esta alteração terá de partir de um erro grosseiro na valoração do material probatório
Se a conclusão tirada pelo Tribunal é porém uma das conclusões possíveis e resulta de fundamentação clara nesse sentido e que a sustenta nada haverá a alterar, por inverificação do alegado erro.
É o caso.
Improcede pois a impugnação de facto

No que toca ao enquadramento jurídico da situação nas vertentes
Repartição do ónus da prova
Natureza jurídica da responsabilidade
Requisitos
Segundo JOÃO ÁLVARO DIAS(10), «é hoje praticamente indiscutível que a responsabilidade médica tem, em princípio, natureza contratual»(11). «Médico e doente estão, no comum dos casos, ligados por um contrato marcadamente pessoal, de execução continuada e, por via de regra, sinalagmático e oneroso»(12).
«Pelo simples facto de ter o seu consultório aberto ao público e de ter colocado a sua placa, o médico encontra-se numa situação de proponente contratual»(13). «Por seu turno, o doente que aí se dirige, necessitando de cuidados médicos, está a manifestar a sua aceitação a tal proposta»(14). «Tal factualidade é, por si só, bastante para que possa dizer-se, com toda a segurança, que estamos aqui em face dum contrato consensual pois que, regra geral, não se exige qualquer forma mais ou menos solene para a celebração de tal acordo de vontades»(15). Para ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR(16), «dúvidas não restam que juridicamente a relação médico-doente haverá de enquadrar-se na figura conceitual de contrato - negócio jurídico constituído por duas ou mais declarações de vontade, de conteúdo oposto, mas convergente, ajustando-se na comum pretensão de produzir resultado unitário, embora com um significado para cada parte». «Com efeito, verificam-se aqui todos os seus elementos: de um lado a manifestação da vontade do doente no sentido de ser observado e tratado pelo médico, e de outro, a aceitação por este desse encargo, comprometendo-se a desenvolver a actividade idónea para atingir essa mesma finalidade convergente»(17). «O médico (ou o estabelecimento organizado sob forma comercial para a prestação de assistência, a clínica) aceita prestar ao doente a assistência de que necessite, mediante acordo, pagando este, de seu lado, a retribuição que for devida - muito embora este pagamento não seja elemento essencial»(18)(19).
A relutância em admitir a natureza contratual da responsabilidade civil dos médicos sustentava-se - segundo CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA(20) - nos seguintes preconceitos:
« - os direitos e deveres dos médicos resultam apenas da lei e de normas deontológicas;- a vida e saúde humanas não podem ser objecto de negócios;
- as operae liberales não podem, segundo a tradição, ser objecto de relações jurídicas, por representarem a expressão máxima da liberdade dos que as exercem;
- o exercício das profissões liberais é gratuito por natureza; os “honorários” não significariam pagamento, mas um modo de “honrar” e agradecer».
Plausivelmente, «a tradicional relutância em admitir a natureza contratual da responsabilidade civil médica estava antes ligada a uma certa repugnância em aceitar que o médico pudesse considerar-se presumidamente culpado sempre que o tratamento tivesse efeitos nefastos ou não alcançasse as metas que as expectativas do agente haviam subjectivamente fixado»(21). «Com efeito, dispondo os diversos sistemas jurídicos que “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”(22), facilmente se compreende a delicadeza de posição - sob o ponto de vista processual - em que o médico ficaria colocado, vendo-se sistematicamente obrigado a elidir a presunção de culpa que sobre ele, na qualidade de devedor, passaria a recair»(23).
Todavia, esse problema viria a ser superado com a posterior adopção da distinção entre obrigações de meios e obrigações de resultados (24). Segundo DEMOGUE( 25), «a obrigação que pode recair sobre um devedor não é sempre da mesma natureza». «Pode ser uma obrigação de resultado ou uma obrigação de meios (...)»(26). «Ao invés de prometer-se um resultado, pode ser-se obrigado legal ou convencionalmente a tomar certas medidas que por via de regra são de molde a conduzir a um certo resultado (...)»(27)(28).
Um exemplo clássico das obrigações do segundo tipo (obrigações de meios) constitui precisamente - segundo MANUEL DE ANDRADE(29) - a obrigação contratual do médico. «Embora o doente busque naturalmente, ao recorrer ao médico, a sua cura, a sua saúde perdida - ou que ele lhe evite um estado de doença -, o médico não se obriga à produção de tal resultado, mas apenas a empregar uma certa diligência para tentar curar o doente ou evitar-lhe o mal que ele receia; somente se vincula - por outras palavras - a prestar-lhe assistência, mediante uma série de cuidados ou tratamentos aptos a curar»(30). «Só a isso se obriga, só por isso responde»(31). Por isso, «se o médico tratou como devia o enfermo, sem ter, no entanto, conseguido evitar-lhe a morte, não responde pelo eventus mortalitatis, justamente porque cumpriu a sua obrigação, podendo, assim, onde seja o caso de uma relação sinalagmática, exigir ou reter a respectiva contraprestação»(32)(33)(34) (35).
Ora, «bem se compreende que o ónus da prova da culpa funcione em termos diversos num e noutro tipo de situação, pois que enquanto no primeiro caso obrigações de resultado a simples constatação de que certa finalidade não foi alcançada (prova do incumprimento) faz presumir a censurabilidade ético-jurídica da conduta do devedor (podendo este todavia provar o contrário), no segundo tipo de situações caberá ao credor fazer a demonstração em juízo que a conduta do devedor não foi conforme com as regras de actuação susceptíveis de, em abstracto, virem a propiciar a produção do resultado almejado»(36). Efectivamente, segundo JOÃO ÁLVARO DIAS(37), «admitir solução diversa, isto é, fazer recair sobre o devedor (v.g., o médico) a prova de que a sua actuação não foi desconforme com certas regras de conduta (v.g., leges artis) abstractamente idóneas a favorecerem a produção de um certo resultado (a cura, p. ex.), equivaleria a uma quase autêntica impossibilidade, pois que se teria então de provar uma afirmação negativa indefinida»(38)(39).
Também para MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA(40) - Autor que, como vimos supra(41), não enfileira pela qualificação da obrigação assumida pelo médico como uma obrigação de meios, preconizando antes a qualificação dessa obrigação como uma obrigação de risco ou de resultado aleatório, por isso que, segundo ele, «o médico não se obriga apenas a usar a sua melhor diligência para obter um diagnóstico ou conseguir uma terapia adequada, antes se vincula a fazer uso da sua ciência e aptidão profissional para a realização do diagnóstico e para a definição da terapia aconselhável», de sorte que, «ainda que o médico não possa responder pela obtenção de um resultado, ele é responsável perante o paciente pelos meios que usa (ou deve usar) no diagnóstico ou no tratamento» -, muito embora «a presunção de culpa do devedor estabelecida no art. 799º, nº 1, do Código Civil se justifique plenamente na generalidade das obrigações contratuais, pois que facilmente se aceita que, perante uma situação de incumprimento ou de cumprimento defeituoso, se presuma que o devedor não usou a diligência devida para realizar a prestação a que estava obrigado»(42), «todavia, essa mesma presunção de culpa não se justifica na área da responsabilidade médica». É que «a existência de uma relação contratual entre o médico e o paciente não acrescenta, na área da responsabilidade profissional, qualquer dever específico aos deveres gerais que incumbem a esse profissional(43), pelo que parece não dever atribuir-se qualquer relevância, quanto ao ónus da prova da culpa, à eventual celebração de um contrato entre esses sujeitos»(44). «Dado que a posição do médico não deve ser sobrecarregada, através da repartição do ónus da prova, com a demonstração de resultados que não garantiu, nem podia garantir, o regime do ónus da prova da culpa deve ser sempre o da responsabilidade extracontratual»(45)(46)(47).
Superado, assim, o obstáculo no qual radicava a tradicional relutância em admitir a natureza contratual da responsabilidade civil dos médicos - a relutância em fazer recair sobre o médico a prova da conformidade da sua actuação com as leges artis -, aceita-se hoje consensualmente que a regra é a da natureza contratual da responsabilidade médica.
Casos há, porém, «em que a actuação ilícita do médico, causadora de resultados danosos para o doente, pode configurar uma situação de responsabilidade extracontratual»(48).
«Assim, p. ex., no caso de um médico prestar assistência a uma pessoa inanimada ou a um incapaz cujo representante legal não conhece ou, de todo, não pode contactar»(49)(50).
E o mesmo se diga daquelas situações em que determinada actuação médica, por força da ilicitude do acto e da culpa do agente, configura determinado tipo legal de crime (v.g., ofensas corporais, homicídio negligente, prática ilegal de aborto, revelação de siligo profissional)»(51). «Isto para já não falar dos casos em que o contrato médico é nulo por ilicitude do objecto (v.g., uma intervenção experimental extremamente arriscada sem fim curativo) ou de certas situações de responsabilidade dos médicos perante terceiros(52) (v.g., emissão de um atestado que não corresponde à verdade(53)) ou, por fim, de todas aquelas situações em que os danos provocados pelo médico no decurso do tratamento nenhuma conexão funcional têm com ele (v.g., destruição dum quadro provocada pela explosão de uma mistura inflamável manipulada pelo médico, subtracção de valores aquando de uma visita ao domicílio)»(54).Segundo ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR(55), «também, e em relação ao próprio doente, o médico apenas pode ser responsabilizado extracontratualmente, se a sua actuação, violadora dos direitos do doente e culposa, se processou à margem de qualquer acordo existente entre ambos, o que acontecerá em todos os casos em que o médico actue em situações de urgência que não permitem qualquer hipótese de obter o consentimento, o acordo do doente»(56)(57).Também para CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA(58), «a responsabilidade delitual constitui meio exclusivo, quando contrato não haja, e concorre com a responsabilidade contratual, quando o médico viola um direito subjectivo absoluto incidente sobre a vida ou a saúde do paciente». Porém, «a violação de outros direitos, designadamente de natureza patrimonial, só é ressarcível em sede contratual»(59).Na mesma linha, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA(60) sustenta que a responsabilidade civil médica «é contratual quando existe um contrato, para cuja celebração não é, aliás, necessária qualquer forma especial, entre o paciente e o médico ou uma instituição hospitalar e quando, portanto, a violação dos deveres médicos gerais representa simultaneamente um incumprimento dos deveres contratuais»; «em contrapartida, aquela responsabilidade é extracontratual quando não existe qualquer contrato entre o médico e o paciente e, por isso, quando não se pode falar de qualquer incumprimento contratual, mas apenas, como se refere no art. 483º, nº 1, do Código Civil, da violação de direitos ou interesses alheios (como são o direito à vida e à saúde)».

Em conclusão: «a natureza da responsabilidade médica não é unitária e (...), ao lado de um quadro contratual que constitui a regra, deparamos com situações múltiplas, em que a natureza delitual da responsabilidade é absolutamente indiscutível»(61).

No caso dos autos, porém, dúvidas não existem de que entre o Autor, por um lado, e Réu, pelo outro, foi ajustado um verdadeiro contrato.
Provou-se, efectivamente, que:
a) O Autor acordou a prestação de actos clínicos
b) O réu prestou-lhe esses actos médicos

Houve pois um contrato, logo a eventual responsabilidade civil do segundo perante a primeira, pelos danos sobrevindos a esta em consequência da intervenção cirúrgica que aquela realizou na sua pessoa, assume natureza contratual.
Do exposto pode retirar-se e em síntese que:
A responsabilidade médica poderá surgir quando sobrevenham danos para o paciente seja perda de funções orgânicas diminuição de qualidade ou expectativa de vida dores, sofrimentos psíquicos ou outros como causa de pelo menos uma das seguintes práticas:
!- Os actos médicos sejam adequados e necessários mas tenham sido praticados de forma deficiente ou defeituosa
2- O médico tenha realizado actos necessários e inúteis perante o estado clínico do doente
3-Haja omissão de actos necessários e adequados à situação clínica do paciente.

Por outro lado tem-se já assente que nestes casos não cabe ao médico ilidir qualquer presunção legal de incumprimento, daí que o regime do ónus da prova nesta matéria deva ser o da responsabilidade extracontratual isto é ao autor(paciente) caberá provar todos os factos constitutivos da violação do dever do médico definido nos termos amplamente desenvolvidos.

Defendendo a inversão do ónus da prova a favor do paciente de iure constituendo vde Rosário Nunes in «o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil por actos médicos»

Pode pois concluir-se do exposto que não se provou a factualidade essencial à obrigação de indemnizar assacada ao réu a titulo de responsabilidade civil.
Donde que improcede a apelação

Segue deliberação:
Negada a apelação mantém-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante

Lisboa, 22 de Maio de 2007
Isoleleta Almeida e Costa
Maria Rosário Gonçalves
Eurico Reis - vencido porquanto, entendendo que a responsabilidade neste tipo de casos não é por facto ilícito mas sim contratual, opera-se uma inversão do ónus da prova já que é o devedor da prestação - o médido - que tem que demonstrar, para além de qualquer dúvida razoável (arts. 799º, nºs 1 e 2 , 344º, 346º do CCivil) que "a falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso ... não procede de culpa sua" - e aqui a obrigação é a de cumprir com as exigências das "regras de arte". A meu ver, a prova produzida é suficiente para assegurar a condenação.
_____________________________
1 O Tribunal considera como não escrita a expressão “etc.” por ser vaga e indeterminada.
2 O Tribunal considera como não escrita a expressão "horrivelmente" por se tratar de um conceito vago, indeterminado e conclusivo.
3 O Tribunal considera como não escrita a expressão "enorme" por se tratar de um conceito vago, indeterminado e conclusivo.
4 Por lapso escreveu-se “2003”.
5 Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
6 Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
7 O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
8 A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
9 «O controle de facto em sede de recurso para o Tribunal da Relação tendo por base a gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Na verdade, a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (.....) parcialidade, serenidade, "olhares de súplica" para alguns dos presentes," linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam na audiência, das mesmas declarações e depoimentos» (sobre a comunicação interpessoal RICCI BOTTI/BRUNA ZANI, a Comunicação como Processo Social, Editorial Estampa, Lisboa, 1997). In ac do STJ de 15.11.2005 , PR 05A3168 WWWdgsi
10 In “Procriação Assistida e Responsabilidade Médica”, Coimbra, 1996, pp. 221-222.
11 Cfr., também no sentido de que «as relações mais comuns entre médico e doente assumem precisamente natureza contratual», ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR (“A responsabilidade civil do médico”, in Colect. de Jurispª, ano III, 1978, p. 341).
12 JOÃO ÁLVARO DIAS, ibidem.
13 Ibidem.
14 Ibidem.
15 Ibidem.
16 In “A Responsabilidade...” cit., loc. cit.
17 ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, ibidem.
18 ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, ibidem.
19 «O médico desenvolverá, assim, uma actividade positiva e o doente, por seu lado, compromete-se a aceitar e a seguir o plano de tratamento e cuidados traçado pelo médico» (ibidem). «Concomitantemente o doente pode assumir o encargo de pagar e o médico adquirir o direito de receber determinada prestação pecuniária a título de honorários, muito embora, como se disse, este elemento não seja essencial ao conteúdo do contrato» (ibidem).
20 In “Os Contratos Civis de Prestação de Serviço Médico”, comunicação apresentada ao II Curso de Direito da Saúde e Bioética e publicada in “Direito da Saúde e Bioética”, Lisboa, 1996, edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, p. 80.
21 JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 223).
22 Regra que também vigora entre nós, estando consagrada no art. 799º, nº 1, do Cód. Civil.
23 Ibidem.
24 A. e ob. citt., p. 224.
25 Apud JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 224, nota 8). Contudo, segundo MANUEL DE ANDRADE (in “Teoria Geral das Obrigações”, 3ª ed., Coimbra, 1966, p. 411, nota 4), a distinção entre obrigações de resultado e obrigações de meios, conquanto muitas vezes atribuída a DEMOGUE, «em verdade, já antes dele tinha sido formulada na doutrina alemã (BERNHÖFT e FISCHER), embora sob diferente terminologia, e daí passado para a italiana, em nenhum destes países tendo, conseguido, porém, acolhimento apreciável, ao invés do que sucedeu em França».
26 Ibidem.
27 Ibidem.
28 Porém - como adverte ANTUNES VARELA (in “Das Obrigações em geral”, vol. I, 8ª ed., Coimbra, 1994, p. 87, nota 2) -, «a distinção entre obrigações de meios ou de pura diligência e obrigações de resultado «não pode ser levada demasiado longe». «Se o doente morre, porque o médico não foi assíduo ou não soube actualizar-se; se o advogado perdeu a acção, porque negligentemente perdeu um prazo ou deixou extraviar documentos, é evidente que há não cumprimento das obrigações assumidas, porque estas se encontram sujeitas, como todas as demais, ao dever geral da diligência (art. 762º, nº 2 do Código Civil )» (ibidem).
29 In “Teoria Geral das Obrigações”, 3ª ed., Coimbra, 1966, p. 414.
30 Ibidem.
31 Ibidem.
32 Ibidem.
33 «Da mesma forma, por ex., quanto à obrigação do mandatário (designadamente do mandatário judicial, maxime do advogado) ou do depositário» (MANUEL DE ANDRADE, ibidem). «Também aqui o devedor só se obriga a empregar um certo grau de diligência para gerir os negócios do mandante ou para custodiar a coisa do depositante» (ibidem).
34 Contra a qualificação como obrigação de meios ou de diligência da obrigação de tratamento que recai sobre o médico pronuncia-se, porém, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA (in “Os Contratos Civis...” cit., pp. 110-111). Segundo este autor, tal qualificação poderia, em 1º lugar, constituir elemento de perturbação, à luz do direito português, face à presunção de culpa genericamente estabelecida pelo art. 799º, nº 1, do Código Civil. Em 2º lugar, dificilmente se poderia conciliar a qualificação da obrigação de tratamento como obrigação de meios com a qualificação do contrato em que se insere como contrato de prestação de serviço, «uma vez que este se tipifica pela obrigação de “proporcionar certo (...) resultado” (art. 1154º)», sendo que «a explicação de que, neste caso, por resultado devem entender-se os próprios meios empregados envolve evidente paradoxo» (ibidem). «Por último, não deixa de ser estranho que, tendo o recurso à ideia da obrigação de meios surgido como veículo para explicar que a obrigação do médico se dirige a tratar e não a curar, a expressão se mantenha mesmo depois de ser bem claro que o conteúdo da obrigação se restringe aos tratamentos, aos cuidados de saúde, e não à cura» (ibidem). «Ninguém duvida que, na generalidade dos contratos, a prestação principal do médico se dirige a “tratar” e não a “curar”, isto é, que o “resultado” do seu serviço consiste no tratamento e não na cura» (ibidem).
FERREIRA DE ALMEIDA considera, por isso, preferível renunciar à distinção entre obrigação de meios e obrigação de resultado, por isso que o conceito de obrigação de meios poderá gerar afinal uma ideia injustificada de responsabilidade diminuída.
35 Também para MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (in “Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica” comunicação apresentada ao II Curso de Direito da Saúde e Bioética e publicada in “Direito da Saúde e Bioética”, Lisboa, 1996, edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, pp. 121-144), melhor do que qualificar a obrigação assumida ou devida pelo médico como uma obrigação de meios «será, segundo parece, qualificar essa obrigação como uma obrigação de risco ou de resultado aleatório, porque o médico não se obriga apenas a usar a sua melhor diligência para obter um diagnóstico ou conseguir uma terapia adequada, antes se vincula a fazer uso da sua ciência e aptidão profissional para a realização do diagnóstico e para a definição da terapia aconselhável». Segundo este Autor (in loc. cit., p. 126), «ainda que o médico não possa responder pela obtenção de um resultado, ele é responsável perante o paciente pelos meios que usa (ou deve usar) no diagnóstico ou no tratamento». Ora, «a responsabilidade civil médica decorre da violação dessa obrigação e pode resultar de várias circunstâncias: - pode suceder que os actos médicos realizados sejam adequados e necessários, mas tenham sido praticados de forma deficiente ou defeituosa; - também pode acontecer que o médico tenha realizado actos desnecessários e inúteis perante o estado clínico do doente; - finalmente, pode verificar-se a omissão de actos necessários e adequados à situação clínica do paciente» (ibidem). «De qualquer destas eventualidades podem resultar danos para o paciente, como, por exemplo, a perda de funções orgânicas, a diminuição da qualidade ou da expectativa de vida ou ainda dores e outros sofrimentos psíquicos» (ibidem).
36 JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 225).
37 Ibidem.
38 Cfr., porém, no sentido de que, como «a presunção de culpa do devedor inadimplente se estende ao cumprimento defeituoso (art. 799º, nº 1)», «quem invoca tratamento defeituoso como fundamento de responsabilidade civil contratual apenas tem de provar, além do prejuízo, a desconformidade (objectiva) entre os actos praticados e as leges artes, bem como o nexo de causalidade entre defeito e dano», CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA (in “Os Contratos Civis...” cit., pp. 117-118). «Feita esta prova, o médico (ou a clínica) só se exonera de responsabilidade, se provar que a desconformidade não é devida a culpa sua» (ibidem). De modo que, segundo este Autor, «a pretensa qualificação da obrigação de tratamento como obrigação de meios não pode alterar esta repartição do ónus da prova» (ibidem). «Ainda que se aceite a distinção entre obrigações de meios e de resultado, não se evita o seguinte dilema: ou se considera que o tratamento defeituoso é desconforme com os “meios” que deveriam ter sido usados, competindo ao médico provar que não poderia ter empregue os adequados; ou se faz recair o encargo da prova da culpa sobre o lesado, violando ostensivamente a referida presunção legal de culpa» (ibidem).
39 Segundo MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (in “Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica” cit., pp. 131-132), «teoricamente, também seria possível defender que a distribuição do ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica se deveria orientar de acordo com a proximidade da parte relativamente à matéria a provar». Ora, «como nessas acções litigam um não especialista (o doente) e um especialista (o médico), poder-se-ia pensar que, em vez de ser ao doente que caberia a prova de que os deveres médicos não foram respeitados e observados, deveria antes incumbir ao médico demandado a prova do cumprimento e da observância de todos esses mesmos deveres, pois que ninguém melhor do que um especialista pode provar a adequação da sua conduta» (ibidem). «Todavia - como logo adverte o mesmo Autor (in loc. cit.) -, se, numa primeira apreciação, essa orientação parece atraente e defensável, uma melhor ponderação mostra alguns dos seus inconvenientes». «Na verdade, a oneração do médico com a prova do cumprimento dos deveres médicos significa realmente que se presume que, no caso concreto em apreciação no tribunal, esses deveres não foram observados, o que, atendendo especialmente ao carácter aleatório dos resultados do acto médico, constitui uma agravação desnecessária da posição do médico perante o doente, pois que qualquer dano ou lesão seria imputável, em princípio, a uma actuação negligente do médico e só deixaria de assim suceder quando o médico provasse o cumprimento dos seus deveres» (ibidem). «Enquanto o doente beneficiaria da presunção de que qualquer resultado indesejável tem origem num erro de diagnóstico ou de terapia, o médico deveria provar o cumprimento de todos os seus deveres ou, pelo menos, demonstrar que os danos ou lesões sofridas pelo doente resultaram de circunstâncias incontroláveis ou imprevistas» (ibidem). Ora, «se é certamente indesejável dificultar a posição probatória do paciente através da exigência de uma prova irrefutável e incontroversa da inadequação dos actos médicos, também é com certeza inconveniente partir do princípio de que qualquer dano ou lesão sofrida pelo paciente se deve a uma actuação negligente do médico» (ibidem).
40 In “Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica” cit., pp. 136-137.
41 In nota 26.
42 Efectivamente, «se o devedor não cumpriu, ou não cumpriu devidamente, é porque, em princípio, descurou a diligência necessária para providenciar à realização da prestação» (ibidem). «É esta circunstância, correspondente à normalidade das coisas, que justifica a inversão do ónus da prova da culpa do devedor estabelecida no art. 799º, nº 1, do Código Civil» (ibidem).
43 Na verdade, como bem observa MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (in “Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica” cit., p. 127), «os deveres contratualmente assumidos pelo médico coincidem normalmente com os deveres gerais impostos no exercício da medicina». «Isto é, esses deveres do médico não se distinguem daqueles que lhe são impostos por um adequado e correcto desempenho da sua actividade profissional» (ibidem).
44 Ibidem.
45 Ibidem.
46 De facto, segundo MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (in loc. cit.), «apesar do concurso entre a responsabilidade contratual e extracontratual, o ónus da prova da culpa do médico determina-se exclusivamente pelo regime daquela responsabilidade delitual, pelo que este último absorve a inversão característica da responsabilidade contratual».
47 De salientar, porém, que, mesmo «no regime da responsabilidade delitual, admite-se uma inversão do ónus da prova da culpa quando forem utilizados meios perigosos: nesta situação incumbe, conforme se dispõe no art. 493º, nº 2, do Código Civil, a quem os usou provar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos causados» (MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica” cit., pp. 137 in fine e 138). «Suponha-se que o médico utilizou aparelhos ou máquinas que exigem um manuseamento cuidado e atento, como, por exemplo, um aparelho de anestesia: neste caso, incumbe ao médico provar que os danos provocados por um desses aparelhos ou máquinas não são devidos a uma utilização negligente, mas a factores independentes dessa circunstância, como, por exemplo, um defeito de fabrico» (ibidem). Também para FIGUEIREDO DIAS e SINDE MONTEIRO (in “Responsabilidade Médica em Portugal”, B.M.J. nº 332, p. 53), «como no decurso de tratamentos médicos e intervenções cirúrgicas se utilizam com frequência coisas e instrumentos perigosos, tem plena aplicação esta presunção de culpa consagrada no art. 493º, nº 2, do Código Civil. Segundo estes Autores (in loc. cit.), «também no domínio contratual se aceita a ideia de uma “obrigação de segurança” no que respeita ao bom estado e correcto funcionamento das coisas e instrumentos (em especial, máquinas) empregues».
48 JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 226).
49 Ibidem.
50 Segundo JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 226 nota 13), «duas situações tipo podem ocorrer: a primeira é a de o médico se deparar face a um doente por força de circunstâncias puramente fortuitas (v.g., ocorrência de um acidente, qualquer que ele seja, no local onde o médico se encontrava); a segunda diz respeito àqueles casos em que é uma terceira pessoa que chama o médico para assistir o inconsciente ou o incapaz», sendo que, «consoante os casos, assim o tratamento jurídico será diferente». «No primeiro caso, recai sobre o médico um verdadeiro dever legal e deontológico de assistência à pessoa que se encontra em perigo, sendo tal omissão passível de procedimento criminal» (ibidem). (...) «No caso de ser uma terceira pessoa a alertar o médico para cuidar de quem se encontra em estado de inconsciência ou é incapaz poder-se-ia figurar a actuação desse terceiro como uma verdadeira gestão de negócios, que o próprio doente poderá ou não vir a ratificar» (ibidem). «Isto, claro está, na medida em que o terceiro tenha excedido o próprio dever legal que sobre ele também recai de prestar assistência ao doente suscitando a intervenção de uma pessoa qualificada (o médico)» (ibidem). «Na limitada medida, porém, em que possa falar-se aqui de uma situação de gestão de negócios, teremos que a responsabilidade do médico será contratual se a gestão for ratificada pelo paciente» (ibidem). «Em todos os outros casos (actuação por força de um dever legal ou não ratificação pelo doente) estaremos em face de uma responsabilidade de natureza delitual» (ibidem).
51 A. e ob. citt., pp. 226 in fine a 228.
52 Cfr., também no sentido de que «o médico apenas poderá ser extracontratualmente responsabilizado» «em todos aqueles casos em que, mesmo existindo contrato com o doente, da conduta ilícita e culposa do médico resultem danos para terceiros», ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR (in “A responsabilidade...” cit., p. 345). De facto, «estes, como tal, não são partes naquele contrato e daí que só possam ser ressarcidos dos danos eventualmente sofridos, fazendo apelo às regras da responsabilidade extracontratual» (ibidem).
53 Segundo ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR (in “A responsabilidade...” cit., p. 345), «estão neste caso os terceiros a que se referem os arts. 495º e 496º do Cód. Civil - designadamente os referidos no art. 495º, nº 3, os que poderiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem este os prestava no cumprimento de uma obrigação natural - e os familiares referidos no art. 496º, titulares de um direito a indemnização por danos não patrimoniais». «Mas, já diversamente, os familiares do doente que, em caso de morte deste, pretendam, como seus sucessores, a reparação dos danos sofridos por ele em consequência da conduta do médico violadora do contrato, podem socorrer-se dos princípios próprios da responsabilidade contratual» (ibidem).
54 JOÃO ÁLVARO DIAS in ob. citt., p. 228.
55 In “A responsabilidade civil...” cit., p. 345.
56 Para este autor, «diferente é a situação em que, apesar da urgência da actuação do médico e da falta de acordo do próprio doente, porque não está em condições de o manifestar, aquele actua, incumbido por parentes ou amigos próximos do doente, que em nome deste contratam com o médico» (loc. cit., nota 35). «Neste caso, a falta de prestação de cuidados gerará responsabilidade contratual» (ibidem).
57 Ao contrário de MOITINHO DE ALMEIDA - que qualifica esta situação como gestão de negócios, daí fazendo derivar as consequências respectvas em matéria de responsabilidade, porquanto considera que, em tais casos, o médico «actua para proteger a vida de terceiros sem que para tal se encontre autorizado» -, ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR sustenta não ser «necessário, nem mesmo muito adequado recorrer a esta qualificação» (ibidem). «Desde logo porque, contrariamente às hipóteses de gestão de negócios, não se verifica com a intervenção do médico a assunção da direcção de qualquer negócio alheio» (ibidem). «Muito diversamente, assume o médico, por via de uma imperiosa determinação legal, imediata e directamente, uma tarefa própria da sua função, e é o cumprimento do dever imposto que preside à sua actuação» (ibidem). «Portanto, é por via desse dever legal, e no seu cumprimento, de que se não pode libertar sem sanção, que o médico intervém e não (ou não directamente) no interesse e por conta do doente - muito embora este possa, como reflexo da actuação imposta ao médico, colher os seus benefícios» (ibidem). «Como a gestão de negócios, na sua noção legal (art. 464º do Cód. Civil) e doutrinal pressupõe a intervenção espontânea, não autorizada, em princípio mesmo ilícita, pois constitui uma intromissão na esfera jurídica alheia, não pode constituir gestão a intervenção do médico, que lhe é imposta por lei, em que ele tem a obrigação legal de praticar todos os actos exigíveis e possíveis em relação a um doente em perigo» (ibidem). «Este dever geral imposto ao médico corporiza-se em forma de lei no art. 66º do EOM Estatuto da Ordem dos Médicos aprovado pelo Decreto-Lei nº 40 651, de 21 de Junho de 1956, cujo capítulo IV - arts. 66º a 113º - se considera ainda em vigor, apesar da revogação daquele diploma pelo Decreto-Lei nº 282/77, de 5 de Julho, visto que, muito embora o art. 2º deste diploma disponha que “fica revogado o Estatuto da Ordem dos Médicos aprovado pelo Decreto-Lei nº 40 651, de 21 de Junho de 1956”, o novo Estatuto - que contém apenas matéria relativa ao próprio organismo Ordem dos Médicos, como tal - incorpora, nas suas disposições transitórias, um preceito - o art. 104º - determinando que “enquanto não forem aprovados os regulamentos e o Código de Deontologia Médica, mantêm-se as disposições legais que regulam a matéria” - que são precisamente aqueles arts. 66º a 113ºº do Estatuto anterior, ora revogado em bloco : “seja qual for a sua função ou a sua especialidade, todo o médico deve, salvo caso de força maior, prestar socorros de extrema urgência a um doente ou sinistrado em perigo imediato se outros cuidados médicos lhe não puderem ser facilmente assegurados”» (ibidem). «Daqui resulta que, nestas situações de urgência em que o médico actua sem o acordo do doente, por imposição de um dever legal, se causar qualquer dano por facto seu, apenas poderá ser chamado a responder civilmente se se verificarem os requisitos e pressupostos próprios da responsabilidade civil extracontratual» (ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, loc. cit., p. 346). «A própria não actuação, a omissão, em si mesma, poderá determinar, verificados os restantes requisitos, a responsabilização do médico» (ibidem).
58 In “Os Contratos Civis...” cit., loc. cit., pp. 81 in fine e 82.
59 Ibidem.
60 In “O Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil Médica”, comunicação apresentada ao II Curso de Direito da Saúde e Bioética e publicada in “Direito da Saúde e Bioética”, Lisboa, 1996, edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, p. 127.
61 JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. e loc. ultim. citt.)