OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
CASO JULGADO
LIVRANÇA
AVAL
PRESCRIÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ABUSO NO PREENCHIMENTO
PROTESTO
JUROS DE MORA
ABUSO DE DIREITO
Sumário

1. Nas execuções em que haja lugar a despacho liminar, o requerimento do exequente para dispensa de citação prévia, implica um enxerto de uma providência cautelar na fase liminar da acção executiva, na qual o credor visa obter o efeito de acautelamento do seu direito, provando o periculum in mora, ainda que a prova do fumus boni juris seja dispensada.
2. O portador de letra ou livrança, para fazer valer os seus direitos de acção contra o aceitante ou subscritor (no caso da livrança), bem como contra os avalistas, não carece de comprovar e certificar a falta de aceite ou de pagamento, através do acto solene e público em que se traduz o protesto.
3. Incumbe a quem apõe a sua assinatura na livrança o ónus de provar o seu preenchimento abusivo e, se tal não for demonstrado, tem de se admitir que tal preenchimento foi efectuado correctamente.
4. A livrança em branco em que falte, nomeadamente, a indicação da época de pagamento não pode ser considerada, sem mais, como pagável à vista. Tal só assim ocorrerá, na medida em que, no seguimento do respectivo contrato de preenchimento, tal ficar convencionado, ou se, aquando da sua apresentação a pagamento, dela não constar a época de pagamento.
5. A apresentação a pagamento de uma letra ou livrança tem como requisitos: i) a exibição do título perante o devedor principal; ii) a reclamação da soma na sede do pagamento; iii) estar o detentor do título a restituí-lo, com a respectiva quitação, requisitos estes que valem tanto para a hipótese de título pagável à vista, como em dia fixo ou a certo termo de data ou de vista.
6. O pagamento de uma livrança deve efectuar-se pela comparência, no lugar e data de pagamento dela constante, de quem tem por obrigação solvê-la. Mas, tratando-se de livrança emitida parcialmente em branco, e desde logo quanto à data de pagamento, sempre será necessária, pelo menos, a interpelação ao subscritor, para este se apresentar ao balcão respectivo do banco exequente, ou provisionar a conta ali existente.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. RELATÓRIO

“A”, residente na Avª …, em Lisboa, veio deduzir OPOSIÇÃO contra “Banco”, S.A., com sede na Avª …, em Lisboa, em 17.11.2008, por apenso ao processo executivo para pagamento de quantia certa, que esta interpôs contra aquele, tendente a obter a respectiva absolvição do pedido executivo, e deduziu também oposição à penhora.

Fundamentou o opoente, no essencial, a sua pretensão, na circunstância de não estarem verificados os requisitos da dispensa da citação prévia, pelo que o opoente deveria ter sido citado previamente à penhora.

Mais alegou que os direitos cambiários estão prescritos em face da data de vencimento da livrança, para além de que a falta de protesto da livrança implica a extinção do direito de acção contra os signatários do título.

Invocou ainda o preenchimento abusivo da livrança dado que o opoente não garantiu o pagamento do valor ali aposto, não tendo reafirmado a vontade de prestar aval relativamente aos aditamentos ao contrato de abertura de crédito e que nunca lhe foi dado conhecimento dos montantes em dívida, pelo que não lhe foi dada oportunidade de pagar o montante em dívida sem juros de mora.

Deduziu também oposição à penhora dos seus prédios dado que o respectivo valor é manifestamente excessivo relativamente à dívida exequenda.

Em 19-03-2009 foi proferido despacho liminar, nos seguintes termos:

Na oposição apresentada, o oponente “A”, alega, além do mais, que nunca foi citado de qualquer acto de penhora efectuado nos autos de execução principais.
Ou seja, veio o oponente alegar factos integradores da nulidade da sua citação no âmbito dos autos de execução.
Sucede porém, que a invocação da nulidade da citação do executado “A” para os termos da acção executiva não constitui fundamento de oposição, conforme decorre do disposto nos arts. 814º e 863º-A do C.P.C..
Na verdade, conforme expressamente se refere no art. 817º, nº 4 do C.P.C., a procedência da oposição à execução extingue a execução, no todo ou em parte, consequência essa que não se adequa às consequências da invocação da nulidade da citação para a execução, que a proceder, levaria à declaração de nulidade da citação e anulação do processado, com repetição dos actos de citação.
Por outro lado, no âmbito do processo executivo, existe uma norma que prevê especificamente as situações de nulidade da citação do executado para os termos da acção executiva e que consta do art. 921º, nº 1 do C.P.C..
Assim sendo, do teor do referido preceito legal conjugado com as disposições relativas aos fundamentos de oposição à execução, conclui-se que a arguição de nulidade de citação do executado para os termos da execução não constitui fundamento de oposição à execução, uma vez que o meio idóneo para tal alegação é a reclamação a deduzir no âmbito da acção executiva.
Neste sentido, leia-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/05/1996, publicado no BMJ 457, pág. 284, o qual refere que “O meio processual próprio para o executado reclamar da falta da sua citação para os termos da execução é a arguição da nulidade com pedido de a nulação do processo executivo, com excepção da petição inicial, conforme o disposto no art. 921º do C.P.C., e não o recurso aos embargos de executado.”
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no citado art. 817º, nº 1, al. c) do CPC indefiro liminar e parcialmente a oposição apresentada no tocante à nulidade da citação do oponente.
Custas pelo oponente em proporção a fixar a final.
Registe e notifique.
No mais, recebo liminarmente a oposição deduzida à execução e à penhora.
Notifique a exequente para contestar a oposição apresentada no prazo de 20 dias, bem como para, em igual prazo, impugnar, querendo, a caução oferecida.

Notificada, a exequente apresentou contestação, referindo que a oposição deve improceder, considerando que se não verifica prescrição, atenta a data em que a mesma se considera interrompida.

Alegou também que a apresentação a protesto é irrelevante pois o portador da livrança conserva os seus direitos de acção contra o subscritor e respectivos avalistas, como é o caso.

Invocou ainda que a livrança foi entregue em branco na data da assinatura do contrato e a cláusula atinente ao seu preenchimento não foi alterada nos sucessivos aditamentos, sendo certo que as alterações foram assinadas pelo opoente. A exequente preencheu a livrança pelo valor em dívida acrescido de juros e despesas, pelo que não há qualquer abuso no seu preenchimento.

Por outro lado, defendeu que a penhora efectuada não é excessiva, tendo presente a localização dos imóveis e a natureza dos direitos penhorados, pelo que também deverá improceder a oposição à penhora.

Considerou ainda que o opoente litiga de má fé, pelo que propugnou pela sua condenação como litigante de má fé.


Proferido que foi o despacho saneador, abstendo-se o Exmo. Juiz a quo de fixar, quer a matéria assente, quer a base instrutória, foi levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte:

Nestes termos, decide-se:
a) julgar parcialmente procedente a oposição à execução absolvendo-se o executado/opoente dos juros de mora contabilizados desde o vencimento da livrança até à sua citação sobre o valor nela aposto, sendo devidos juros moratórios desde a citação;
b) julgar improcedente a oposição à penhora;
c) não julgar o executado/opoente incurso em litigância de má fé.

Inconformados com o assim decidido, quer a exequente, quer o opoente interpuseram recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente/exequente:

i. A Apelante é portadora de uma livrança que foi entregue em branco para titulação e garantia da dívida decorrente do contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado com a executada “C”.

ii. A livrança foi preenchida respeitando escrupulosamente o pacto de preenchimento, tendo-lhe sido fixado o vencimento em 05/01/2004.

iii. A data da apresentação a pagamento da livrança a que foi aposta pela Apelante na livrança no respeito do pacto de preenchimento outorgado, vencendo-se em relação ao subscritor e ao respectivo avalista.

iv. Os executados com a entrega da livrança em branco deixaram ao critério da Apelante a escolha da data vencimento da livrança.

v. A livrança só podia ser apresentada a pagamento depois de haver incumprimento no contrato garantido, o que sucedeu, pelo que a Apelante apôs na livrança a data de vencimento de 05/01/2014, em respeito das garantias e limites do pacto de preenchimento.

vi. Assim o portador da livrança não tem de a apresentar a pagamento ao subscritor, nem de levar a mesma a uma câmara de compensação. A livrança está vencida, é pagável e exigível desde 05/01/2004.

vii. Igualmente, não tinha de apresentar ao avalista do subscritor.

viii. Desde logo, porque o avalista é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada (art. 32°, parágrafo 1 da LULL).

ix. Portanto, quer o subscritor da livrança, quer o avalista do subscritor são obrigados principais no cumprimento da promessa que a livrança contém, solidários, não tendo o avalista privilégio de excussão prévia dos seus bens.

x. Consequentemente, sendo a livrança com vencimento à vista, à simples apresentação, e ficando, como ficou, o beneficiário tomador com a possibilidade de designar a data do vencimento e a da apresentação, que coincidem, não carece o portador de apresentar as livranças a pagamento aos avalistas do subscritor.

xi. Seria inútil, para mais tendo os avalistas tido intervenção no pacto de preenchimento da livrança, como tiveram.

xii. Os avalistas ficam sujeitos a pagar a livrança ao portadora partir do momento em que este lhes tenha aposto a data do vencimento e a tenha declarado vencida. Assim, a livrança não foi apresentada a pagamento, nem tinha de o ser.

xiii. O subscritor da livrança executada foi, aliás, já condenado por sentença transitada em julgado proferida no apenso B da presente execução no pagamento da totalidade do valor inscrito na livrança, acrescido dos juros peticionados e despesas.

Pede, por isso, a apelante, que seja dado provimento ao recurso, com as requeridas consequências legais.

O recorrido apresentou contra-alegações que foram mandadas desentranhar, por despacho de 16.02.2012, por falta de pagamento da taxa de justiça e multa.

São, por seu turno, as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente/opoente:

i. A douta sentença em análise é nula por omissão de pronúncia, devendo ser apreciadas e decididas as questões da falta de citação do Oponente suscitadas nos arts. 2° a 12º da oposição, sendo certo que foi frontalmente violado o disposto no art.º 864.º/2 do CPC (arts. 660°/2, 666° e 668º/1/d) do CPC);

ii. Contrariamente ao decidido pela douta sentença recorrida, sempre teria de ser apreciada, em sede de oposição à execução a verificação ou não dos requisitos da dispensa da citação prévia, pois o ora recorrente não teve oportunidade de se pronunciar em qualquer outra sede, pelo que a douta sentença recorrida violou frontalmente, além do mais, o princípio constitucionalmente consagrado da tutela jurisdicional efectiva (art. 812°-B do CPC e arts. 2°, 9°/b) e 268°/4 da CRP);

iii. A prescrição dos pretensos direitos cambiários da recorrida já se verificou há muito, pois os referidos direitos estão sujeitos ao prazo prescricional de um ano, previsto no art. 70º da LULL, aplicável às livranças ex vi do art. 77º do mesmo diploma legal e a interrupção da prescrição da obrigação cambiária não produz efeitos em relação ao respectivo avalista, pelo que o ora recorrente deve ser absolvido do pedido (arts. 32º, 70° e 77° da LULL e arts. 466º, 493º, 496º e 816º do CPC);

iv. Ao pretender responsabilizar o recorrente por garantias prestadas no âmbito de contratos de crédito vencidos, a conduta da recorrida sempre integraria manifesto abuso dos seus pretensos direitos, pois:
§ Foi gerada uma situação de confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocarem uma crença plausível no ora recorrente, face à total inacção da ora recorrida durante anos;
§ Ao preencher a livrança-caução anos após a data de vencimento dos contratos garantidos, a ora recorrida aproveita-se da sua própria inércia para imputar ao ora recorrente o pagamento de valores que não seriam devidos caso a recorrida tivesse actuado com a diligência devida (art. 334º do C. Civil e arts. 70º e 77° da LULL);

v. A execução da livrança contra o ora recorrente dependia de acto formal de protesto, pois o ora recorrente, enquanto avalista, é responsável na mesma medida da avalizada “C” (arts. 32º, 34°, 38º, 44° e 77º da LULL);

vi. A recorrida não efectuou o protesto no prazo máximo de vencimento, nem tão pouco na data de vencimento que apôs nas livranças — 05.01.2004 —, não as tendo sequer apresentado à respectiva subscritora, perdendo assim os seus direitos de acção contra o ora recorrente, que deve ser absolvido do pedido (arts. 32º, 44º, 53º e 77º da LULL; Cf. arts. 466º, 493º, 496º e 816ºdo CPC);

vii. O ora recorrente tem legitimidade para excepcionar o preenchimento abusivo das livranças sub judice, uma vez que assinou os respectivos acordos de preenchimento na qualidade de avalista;

viii. No caso sub judice a “Banco” preencheu abusivamente a livrança pela importância de € 837.032,04 (oitocentos e trinta e sete mil e trinta e dois euros e quatro cêntimos), em clara violação do pacto de preenchimento, apondo ainda a data do seu vencimento — 05.01.2004 —, pelo que a livrança em questão é inoponível ao ora recorrente, devendo este ser absolvido do pedido (arts. 10º e 77º da LULL e arts. 466º, 493°, 496º e 816º do CPC);

ix. A sentença recorrida enferma assim de evidentes erros de julgamento, tendo violado claramente, além do mais, o disposto nos arts. 10º, 30º, 31º, 32°, 34º, 38º, 44º, 53º, 70º e 77º da LULL, nos arts. 271º, 280° e 334º do C. Civil e nos arts. 466º, 493º, 496º e 816º do CPC.

Propugna, o apelante, pela revogação da sentença recorrida, com as legais consequências.

A recorrida apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido e formulou as seguintes CONCLUSÕES:

i. A sentença recorrida não é nula, pois a questão da falta/nulidade de citação do Recorrente já havia sido apreciada pelo tribunal recorrido no seu despacho de 19/03/2009, que indeferiu liminar, e parcialmente a oposição apresentada no tocante à nulidade da citação do oponente.

ii. O Oponente notificado da referida decisão, não recorreu da mesma, conformando-se com o seu teor, pelo que esta já transitou em julgado.

iii. A sentença recorrida decidiu e bem que inexiste fundamento legal para apreciar nesta sede a verificação ou não dos requisitos da dispensa de citação prévia.

iv. Por despacho proferido pela 12ª Vara Cível – 1ª Secção, proc. 7771 /04.3.Y LSB, em 11/05/2004 foi ordenada a dispensa de citação prévia dos executados e imediata penhora dos bens e valores indicados pela exequente.

v. Assim, não cabia ao tribunal recorrido apreciar novamente a questão da verificação dos requisitos da dispensa de citação prévia,

vi. A forma de atacar tal decisão teria de ser forçosamente o recurso, o que o Recorrente não fez, pelo que tal decisão também já transitou em julgado.

vii. Conforme bem decidiu o tribunal recorrido, não ocorre a invocada prescrição da dívida exequenda.

viii. Em primeiro lugar, o prazo de prescrição não é de 1 ano, como certamente por lapso vem invocado pelo Recorrente, mas de 3 anos: o subscritor da livrança é responsável da mesma forma que o aceitante da letra e os direitos cambiários contra este — e, logo, contra aquele - apenas prescrevem em 3 anos. O avalista é responsável da mesma maneira que o avalizado, pelo que, também neste caso, o avalista pode ser accionado em 3 anos.

ix. Há novo erro do Recorrente quando apenas atende à data da sua citação, para efeitos de contagem do prazo de prescrição, pois nos termos do art. 323° do C.Civil, a prescrição interrompe-se pela citação, ou 5 dias depois de esta ter sido requerida, se não foi feita por causa não imputável ao requerente.

x. O Recorrente incorre ainda noutro erro, pois o prazo inicial da prescrição conta-se da data de vencimento da letra e não de qualquer outra data. Como são doutrina e jurisprudência pacíficas, enquanto a livrança não for preenchida, e nela inserida a respectiva data de vencimento, não se inicia a contagem de qualquer prazo de prescrição.

xi. E não há qualquer abuso de direito no que respeita à aposição da data de vencimento da livrança, questão nova, e portanto fora do objecto do presente recurso.

xii. Como consta do pacto de preenchimento, o Recorrente autorizou a Recorrida a preencher, a livrança quando tal se mostrasse necessário, a seu próprio juízo, no que concerne à data de vencimento e à importância da livrança.

xiii. Não resulta, pois, do acordo das partes que a portadora da livrança tenha um prazo para a preencher ou que na mesma tenha de ser inserida uma determinada data de vencimento.

xiv. E igualmente não resulta da LULL qualquer prazo para o preenchimento de livrança entregue sem data de vencimento preenchida. Nem poderia ser de outra forma, sob pena de a letra ou livrança em branco perder toda a sua utilidade, enquanto instrumento de titulação de créditos decorrentes de contratos do tipo em causa.

xv. Não sabendo o "quanto" e o "quando" da dívida, o montante da letra e a sua data de vencimento são os dois elementos essenciais do título que terão de ficar em branco.

xvi. "Ao dar o seu aval ao subscritor em livrança em branco, fica o avalista sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento", como escreve Paulo Melero Sendim, Letra de Câmbio, Vol. II, Almedina, s/ data, n. 14.5.

xvii. E não se diga que foi gerada uma situação de confiança, não se sabendo, porque o Recorrente o não diz, em que se confiou e com base em que comportamentos da Recorrida.

xviii. Como se salienta na sentença, o Recorrente foi Tesoureiro da Direcção da “C”, CRL, razão pela qual não pode vir invocar o

desconhecimento da existência da dívida à Recorrida, de que teve ainda conhecimento por outras vias, designadamente através de contactos com estes mantidos.

xix. Não existe igualmente qualquer venire contra factum proprium, situação que vem mal configurada pelo Recorrente, pois não vem invocado qualquer "exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exequente".

xx. Como o Recorrente apenas foi condenado no pagamento de juros desde a citação, e nunca poderia ser condenado no pagamento de juros antes do vencimento da livrança, não se vê em que foi prejudicado pelo decurso do tempo desde a entrega do título até ao seu preenchimento.

xxi. A livrança não tinha de ser apresenta a protesto.

xxii. A apresentação a protesto é, neste caso, irrelevante, pois o portador da livrança conserva os seus direitos de acção contra o subscritor e seus avalistas, independentemente da apresentação a pagamento ou a protesto (cfr. artigos 38° e 53°, aplicáveis à livrança por força do disposto no art. 77°, todos da LULL)

xxiii. A Recorrida não reconheceu qualquer necessidade do protesto da livrança, na cláusula 23.1., alínea c) do contrato de mútuo, nem tal foi acordado pelas partes.

xxiv. Em termos cambiários, Recorrente e Recorrida estão no domínio das relações imediatas, não tendo aqui aplicação o previsto no art. 17° da LULL, aplicável ex vi do art. 77°.

xxv. Em 29/05/1996, a Recorrida celebrou com a Cooperativa “C” contrato de abertura de crédito em conta corrente, ao abrigo do qual lhe concedeu um empréstimo de 100.000.000$00 (€ 498.797,90.).

xxvi. Para titulação e garantia da dívida foi entregue à Recorrida uma livrança em branco, subscrita por “C” avalizada pelo Recorrente e demais executados.

xxvii. Nos termos da cláusula contratual 23ª, a Recorrida foi autorizada a preencher tal livrança quando tal se mostrasse necessário, fixando a data de vencimento e correspondendo a importância da livrança ao total de capital, juros, comissões, despesas e encargos fiscais.

xxviii. O referido contrato foi parcialmente alterado, mantendo-se sempre o teor da cláusula 23ª — "titulação por livrança em branco".

xxix. O Recorrido assinou o contrato de abertura de crédito em conta corrente de 29/05/1996 e as referidas alterações ao mesmo, assinaturas reconhecidas presencialmente perante notário, tendo-se por verdadeiras, nos termos do art. 375° C.C, fazendo prova plena quanto às declarações atribuídas aos seus autores, conforme o disposto no art. 376°C.C.

xxx. É o Recorrido que litiga com manifesta má fé, ao invocar abuso de direito no preenchimento da livrança, pois bem sabe que autorizou e prestou consentimento às alterações ao contrato de abertura de crédito em conta corrente e que aceitou alterar o clausulado de tal contrato.

Por determinação do relator, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a arguição de nulidade da sentença deduzida pelo apelante, pugnando pela sua inexistência, nos seguintes termos:
Salvo o devido respeito, a questão da nulidade de citação foi decidida em sede de indeferimento liminar parcial da oposição.
Não se mostra, assim, em nosso entender, existir qualquer omissão de pronúncia, uma vez que, para além de tal questão se mostrar decidida foi expressamente excluída do âmbito da oposição.
Decisão liminar de indeferimento parcial, que aliás, não foi sujeita a recurso.

Foi igualmente requerido, pelo relator, ao Tribunal a quo os elementos atinentes ao despacho proferido no processo de execução que incidiu sobre o pedido de dispensa de citação prévia, constatando-se pela documentação junta a fls. 850 a 855 que:

§ Em 11 de Maio de 2004, foram ouvidas as testemunhas apresentadas pela exequente, com relação à factualidade inserta, a tal propósito, no requerimento executivo;
§ Na sequência da decisão sobre a matéria de facto, e após os esclarecimentos prestados pela exequente, a solicitação da Exma. Juíza, no que concerne aos bens nomeados à penhora, foi proferida a seguinte decisão:

Lê-se no artigo 812º-B, nº 2, alínea b) do CPC, e no que ora nos interessa, que “nas execuções em que tem lugar despacho liminar bem como nas movidas contra o devedor subsidiário, o exequente pode requerer que a penhora seja efectuada sem a citação prévia do executado, tendo para o efeito de alegar factos que justifiquem o receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito e oferecer de imediato os meios de prova,
Concretizando, e tendo a exequente alegado factos suficientes para demonstrar o seu receio de perda das garantias patrimoniais dos Executados, relativamente ao seu crédito, logrou prová-lo, conforme se exarou supra.
Importa, pois, decidir em conformidade.
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, decido:
a) Dispensar a citação prévia dos Executados:
b) Ordenar a imediata penhora dos bens e valores indicados para o efeito pela exequente (…)

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

***

II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO


Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto nos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões suscitadas nos recursos interpostos, as quais serão apreciadas tendo em consideração a sua precedência lógica:


RECURSO DO APELANTE/OPOENTE

i. DA NULIDADE DA SENTENÇA;

ii. DOS REQUISITOS DA DISPENSA DE CITAÇÃO PRÉVIA E A
FORMA DE IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO QUE A DETERMINA;

iii. DA PRESCRIÇÃO DOS TÍTULOS CAMBIÁRIOS;

iv. DO ABUSO DO DIREITO, na vertente de VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM

Ø por forma a verificar se o exercício do direito que a exequente visa exercer com a presente execução contra o opoente viola os limites impostos pela boa fé.


v. DA FALTA DE PROTESTO E SUAS CONSEQUÊNCIAS;

vi. DO PREENCHIMENTO ABUSIVO DAS LIVRANÇAS.


RECURSO DA APELANTE/EXEQUENTE

vii. DA APRESENTAÇÃO DA LIVRANÇA A PAGAMENTO

Ø para apurar a partir de quando se começam a contar os juros moratórios.


***

III . FUNDAMENTAÇÃO


A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


Foram dados como provados na sentença recorrida os seguintes factos:

1. Em 27/02/2004, a exequente intentou acção executiva dando à execução uma livrança no valor de €837.032,04, com data de emissão de 30/05/1996 e data de vencimento a 05/01/2004, subscrita pela “C” — Cooperativa de Habitação e Turismo da …, CRL, avalizada, além de mais, pelo executado opoente (ponto 1 da decisão de facto).

2. A livrança dada à execução não foi objecto de protesto por parte da exequente (ponto 2 da decisão de facto).

3. A livrança foi entregue à “Banco” em branco, e assim avalizada, para titulação e garantia de todas as responsabilidades da “C” — Cooperativa de Habitação e Turismo da …, CRL, no âmbito do contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado com a exequente em 29/05/1996, junto em cópia certificada a fls. 142 a 152 e cujo teor se dá por inteiramente reproduzido (ponto 3 da decisão de facto).

4. Na cláusula 23ª, n°1 al. c) do mencionado contrato pode ler-se "A “Banco” poderá inserir cláusula "sem protesto" e definir o local de pagamento" (ponto 4 da decisão de facto).

5. No contrato de abertura de crédito consta que o montante em causa seria até ao limite de 50.000.000$00, dando a mutuária o seu acordo
à elevação do montante até 100.000.000$00 (ponto 5 da decisão de facto).

6. Em 19/03/1997 foi acordado por escrito entre exequente e executados a alteração das cláusulas 5ª, 9ª e 12ª-3, do contrato de abertura de crédito, no sentido do montante emprestado ser elevado até 120.000.000$00, e alterada a taxa de juro e os movimentos a débito e a crédito, nos termos que constam de fls. 154 a 158 e se dão por inteiramente reproduzidos (ponto 6 da decisão de facto).

7. Em 13/04/1998 o contrato foi objecto de nova alteração, tendo sido ampliado o montante de empréstimo até 150.000.000$00, e alterada a taxa de juro aplicável, nos termos que constam de fls. 160 a 165 e se dão por inteiramente reproduzidos (ponto 7 da decisão de facto).

8. O opoente assinou o contrato de abertura de crédito em conta corrente de 29/05/1996 e as referidas alterações ao mesmo (ponto 8 da decisão de facto).

9. As assinaturas do opoente apostas no contrato e nas respectivas alterações, quer por si, quer na qualidade de director da Cooperativa “C”, foram reconhecidas presencialmente perante notário (ponto 9 da decisão de facto).

10. Por força do contrato de abertura de crédito em conta corrente, ao todo a “Banco” disponibilizou à Cooperativa “C” o ontante de €568.557,42, capital que não foi pago à exequente (ponto 10 da decisão de facto).

***

B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

RECURSO DO APELANTE/OPOENTE

i. DA NULIDADE DA SENTENÇA;

Invoca o recorrente a nulidade da sentença à luz do previsto na alínea d) do artigo 668º, nº 1 do Código do Processo Civil.

A sentença, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 668º do Código de Processo Civil.

A este respeito, estipula-se no apontado artigo 668º do CPC, sob a epígrafe de “Causas de nulidade da sentença”, que:

“1 - É nula a sentença:
a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.....”

O recorrente imputa à sentença a nulidade decorrente da alínea d) do citado normativo, a qual se reconduz a um vício de conteúdo, na enumeração de J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, II vol., 793 a 811, ou seja, vício que enferma a própria decisão judicial em si, nos fundamentos, na decisão, ou nos raciocínios lógicos que os ligam.

Decorre da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

E, é tendo em consideração o disposto no artigo 660.º, n.º 2 CPC, que se terá de aferir da nulidade prevista na citada alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC.
Não pode, com efeito, o Tribunal conhecer senão das questões suscitadas pelas partes, excepto se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento de outras, como decorre do preceituado no citado artigo 660º, nº 2, 2ª parte, do CPC.
Como esclarece M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, 1997, 220 e 221, está em causa “o corolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte) o que significa

que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões “.

As questões a que alude a alínea em apreciação são, como bem esclarece A. VARELA, RLJ, Ano 122.º, pág. 112, “(...) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …”.

No caso vertente, a recorrente imputa à sentença recorrida a aludida nulidade, por não conhecer de questões de que teria de tomar conhecimento.
Como escreve ALBERTO DOS REIS, CPC Anotado, Vol. V, 143, a propósito da omissão de pronúncia, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”.
No imprescindível rigor na delimitação das questões colocadas pelas partes, o que contende com os limites da sentença, é necessário atender não só ao pedido, como à causa de pedir.
Refere ALBERTO DOS REIS, ob. cit., 54, a propósito do que deverá entender-se por “questões suscitadas pelas partes”, que “para caracterizar e delimitar, com todo o rigor, as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados; é necessário atender também aos fundamentos em que elas assentam. Por outras palavras: além dos pedidos propriamente ditos, há que ter em conta a causa de pedir. Na verdade, assim como uma acção só se identifica pelos seus três elementos essenciais (sujeitos, objecto e causa de pedir), ..., também as questões suscitadas pelas partes só ficam devidamente individualizadas quando se souber não só

quem põe a questão (sujeitos) e qual o objecto dela (pedido), senão também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”.
Salienta-se, por outro lado, no Ac. do STJ de 06.05.04 (Pº 04B1409), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt, a propósito da omissão de pronúncia, que “ ... terá o julgador que identificar, caso a caso, quais as questões que lhe foram postas e que deverá decidir. .... E se, eventualmente, o juiz, ao decidir das questões suscitadas, tem por assentes factos controvertidos ou vice-versa, qualifica juridicamente mal uma determinada questão, aplica uma lei inapropriada ou interpreta mal a lei que devia aplicar, haverá erro de julgamento, mas não nulidade por omissão de pronúncia ”.
No caso em apreciação, invoca o apelante que a sentença padece de omissão de pronúncia, com relação à falta de citação invocada como fundamento de oposição à execução sendo, por isso, nula a sentença.

Ora, se é certo que o apelante invocou como fundamento de oposição à penhora a circunstância de não ter sido citado da penhora efectuada sobre o imóvel que identificou, bem como a não verificação dos requisitos da dispensa de citação prévia, a verdade é que foi proferido, em 10.03.2009, despacho de indeferimento liminar parcial, no qual se decidiu que a arguição de nulidade de citação do executado para os termos da execução, não constitui fundamento de oposição à execução, por ali se entender que essa alegação deveria ser efectuada no próprio processo executivo, ao abrigo do disposto no artigo 921º, nº 1 do C.P.C.

Como é sabido, o artigo 234º-A, nºs 2 e 3 do C.P.C. estabelece um regime especial para a impugnação do despacho de indeferimento liminar, que é sempre admissível até à Relação, independentemente do valor da causa ou da sucumbência.

E, este regime que, no âmbito do regime anterior ao Decreto-Lei nº 303/2007, de 24/8, implicava a interposição de agravo, com subida imediata, nos próprios autos com efeito suspensivo do processo, manteve-se no novo regime de recursos introduzido pelo citado diploma, estabelecendo agora o mencionado preceito um regime especial de recurso de apelação para o despacho de indeferimento liminar, seja ele total ou parcial, e prevendo-se agora na alínea n) do nº 2 do artigo 691º do CPC a modalidade do meio de impugnação imediata, por via de recurso de apelação, nos casos expressamente previstos na lei, como é o do regime especial para o despacho de indeferimento liminar contemplado pelo artigo 234º-A, nºs 2 e 3 do CPC, na redacção decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007.

Mas, pese embora o exposto verifica-se que o opoente/apelante, apesar de ter sido notificado do despacho de indeferimento liminar parcial, não o impugnou por via de recurso, com ele se tendo conformado.

Preceitua o artigo 672.º do Código de Processo Civil que «Os despachos, bem como as sentenças, que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo (…)».

Como salienta JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, 681, o despacho que recai unicamente sobre a relação processual é todo aquele que, em qualquer momento do processo, decide uma questão que não é de mérito.

Por outro lado, o artigo 673.º do Código de Processo Civil define genericamente o alcance do caso julgado, tanto do caso julgado material, como do caso julgado formal, aí se estatuindo que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.

O caso julgado formal ou processual e o caso julgado material ou substancial são, com efeito, duas realidades diferentes. Se a

decisão recai unicamente sobre a relação jurídica processual, há caso julgado formal; se recai sobre o mérito da causa e, portanto, sobre a relação jurídica substancial, estamos perante o caso julgado material.

Mas, o caso julgado, seja material ou simplesmente formal, imprime à decisão carácter definitivo, e uma vez transitada em julgado, a decisão não pode ser alterada.

No caso em apreciação, a decisão proferida no processo, de indeferimento parcial da oposição, porque não impugnada por meio de recurso, constitui caso julgado formal, tendo força obrigatória dentro do processo, razão pela qual nunca a questão da nulidade da citação poderia ser de novo apreciada na sentença recorrida.

Assim, o alegado vício de conteúdo a que se refere o artigo 668º, n.º 1, alínea d) do Código do Processo Civil, não se verifica na sentença recorrida, pelo que improcede o alegado a tal propósito nas Conclusões do recurso do apelante.

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ii. DOS REQUISITOS DA DISPENSA DE CITAÇÃO PRÉVIA E A FORMA DE IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO QUE A DETERMINA


Nos termos do artigo 812º-B do Código de Processo Civil, nas execuções em que haja lugar a despacho liminar, o exequente pode requerer que a penhora seja efectuada sem a citação prévia do executado.

Para tanto, necessário se torna que o exequente alegue factos que justifiquem o receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito e ofereça, de imediato, os meios de prova.

Após a produção das provas oferecidas pelo exequente, se o juiz entender que se justifica o alegado receio de perda da garantia patrimonial do crédito exequendo, defere o requerido, determinando a dispensa da citação prévia.

Trata-se como que um enxerto de uma providência cautelar na fase liminar da acção executiva, i.e., o credor serve-se da própria execução para conseguir o efeito de acautelamento do seu direito, obstando à dissipação do património com a citação do devedor. Há periculum in mora, ainda que a prova do fumus boni juris seja dispensada.

No caso vertente, invocou a exequente, no ponto 13 do requerimento executivo, factualidade destinada a justificar a sua pretensão, identificando, no Anexo C, a prova testemunhal visando a prova dos factos alegados.

E, por decisão de 11.04.2004, a Exma. Juíza, por ter entendido ter a exequente demonstrado o seu receio de perda das garantias patrimoniais dos executados, relativamente ao crédito por aquele invocado, decidiu dispensar a citação prévia dos executados – v. parte final do relatório desde acórdão.

Por tal motivo, a citação do executado apenas foi efectuada em momento posterior á efectivação das penhoras.

Após a citação, e tendo o executado sido igualmente notificado do despacho proferido no incidente de dispensa da citação prévia, teria o executado de impugnar essa decisão mediante o adequado recurso de agravo, o que este não fez.

É que, como é sabido a oposição fundamenta-se em qualquer circunstância susceptível de afectar a exequibilidade do título executivo


ou da obrigação exequenda, visando a extinção da execução ou a sua redução, como justamente se afirma na sentença recorrida.

De resto, razão igualmente assiste à sentença recorrida quando salienta que a existência de citação prévia nunca obstaria à subsequente penhora de bens, invocando a esse propósito o preceituado no artigo 818º, nº 1 do C.P.C.

E, assim sendo, corrobora-se, nessa parte, a decisão recorrida, razão pela qual improcede o que a este propósito consta da alegação do recorrente (CONCLUSÃO ii.).

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iii. PRESCRIÇÃO DOS TÍTULOS CAMBIÁRIOS


No caso vertente estamos perante uma livrança que foi dada à execução como título executivo.

A livrança é um título de crédito à ordem cujo conteúdo envolve, além do mais, a promessa pura e simples por uma pessoa de pagar a outra determinada quantia (artigo 75º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças - LULL).

Pela aposição da assinatura na livrança, o emitente desta obriga-se a pagá-la na data do vencimento. E, segundo o artigo 78º da L.U.L.L., o subscritor de uma livrança é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra.

Há, porém, uma diferença fundamental neste aspecto entre a letra e a livrança. Enquanto naquela, o emitente (sacador) se obriga a fazer pagar, porque delega o pagamento no sacado e, só se responsabiliza

como obrigado suplente, i.e., como obrigado em via de regresso se, o sacado, a não pagar; nesta, é o próprio emitente que se obriga a pagar na época do vencimento.

Na livrança o emitente é, pois, o obrigado principal. Daí a equiparação expressa, no artigo 78º do LULL, ao aceitante de uma letra.

O negócio subjacente da emissão da livrança é simplesmente a soma de dinheiro que o emitente reconhece ter recebido do tomador.

No caso da livrança que serve de título executivo, a executada “C” — Cooperativa de Habitação e Turismo da …, CRL foi a subscritora da mesma, e o executado/apelante nela apôs, entre outros, o seu aval, sendo o exequente o portador da dita livrança.

Dúvidas não há que o opoente é obrigado cambiário. Este, apôs a respectiva assinatura no verso da livrança dada à execução, o que significa que se obrigou ao pagamento da livrança, de harmonia com o disposto nos artigos 28º e 31º, aplicáveis "ex vi" dos artigos 78º e 77º, ambos da LULL, como avalista.

Estamos, portanto, no domínio das chamadas relações imediatas, porque estabelecidas entre os sujeitos cambiários, isto é, sem intermediação de outros intervenientes cambiários.

Tudo se passa, neste caso, em princípio, como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta, passando a relevar o conteúdo da convenção extra-cartular.

O regime jurídico do aval encontra-se estabelecido nos artigos 30.º a 32.º da Lei Uniforme de Letras e Livranças.


O aval, nos termos do artigo 30º da LULL, é o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra ou de uma livrança garante o pagamento desse título, por parte de um dos respectivos subscritores - v. F. CORREIA, Letra de Câmbio, 198.

A função do aval é uma função de garantia, inserida ao lado da obrigação de um certo subscritor cambiário, a cobri-la ou caucioná-la, sendo o dador de aval, nos termos do artigo 32º, nº 1, da LULL, responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, o que significa que a medida da responsabilidade do avalista é a do avalizado.

Com efeito, estatui o artigo 32º da LULL que O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada. A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.

Por força do disposto nos artigos 43º a 48º da LULL., aplicável ex vi do artigo 77º do mesmo diploma, o portador pode exercer o seu direito de acção contra qualquer obrigado cambiário, reclamando o pagamento da livrança não paga e juros, despesas de protesto, avisos dados e outras despesas.

Diz-se no artigo 47º do mesmo diploma que Os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador.

Esta solidariedade é uma solidariedade imprópria pois que aqueles não se encontram vinculados nos termos em que o estão os devedores na solidariedade passiva (v. artigo 512º e segts do C.C.).

A solidariedade dos obrigados cambiários significa apenas que o portador do título pode exigir de qualquer dos responsáveis, individual ou colectivamente, a totalidade da letra ou de livrança, sendo

o aceitante ou o subscritor o único obrigado directo, o devedor principal da prestação cambiária e, o sacador, endossante e respectivos avalistas são os obrigados indirectos.

Resulta do disposto no artigo 70º, aplicável ex vi do artigo 77º, ambos da LULL Todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento.

É verdade que o avalista do subscritor da livrança responde perante o portador do título nos termos em que este responde, podendo ser accionado pelo portador, individualmente ou juntamente com os demais subscritores.

Resulta, por outro lado, do disposto no artigo 323º do Código Civil que: A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que a exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

E, de harmonia com o disposto no nº 2 do citado normativo, se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.

Mas, decorre do artigo 71º da LULL que A interrupção da prescrição só produz efeito em relação à pessoa para quem a interrupção foi feita, preceito que não tem qualquer restrição, sendo aplicável em relação a todos os obrigados cambiários, inclusive ao avalista.

A interrupção da prescrição vale, consequentemente, contra aquele a respeito do qual foi praticado o acto interruptivo – v. entre muitos, Ac. R. L de 04.01.83, V.J. VIII, t. 1, pg. 89; Ac. R. L. de 26.01.89, C.J. XIV, t. 1, pg. 115, Ac. STJ de 11.06.87, BMJ 368, 543 .

No caso em apreço, a data de vencimento aposta na livrança é de 05.01.2004 e o requerimento executivo foi apresentado em tribunal em 27.02.2004, o que significa que a prescrição se interrompeu cinco dias após.

E, não se argumente que o executado apenas foi citado em 04 de Março de 2009.

É que, se a lei substantiva estabelece a regra de que para efeitos de interrupção da prescrição, se deve considerar como efectuada a citação decorridos cinco dias após a instauração da acção, salvo se a omissão for imputável ao autor, e se a lei processual prevê uma tramitação processual que inviabiliza a realização da citação naquele prazo, pois que admite – como sucede in casu - que a mesma só ocorra após a penhora, estamos perante uma circunstância não imputável ao autor, de acordo com o critério enunciado no artigo 323º, nº 2 do C.C.

Nesses termos, tendo a execução sido instaurada em data muito anterior ao prazo de prescrição, não pode considerar-se como imputável ao autor o facto de a citação só vir a ocorrer muito depois daquele prazo, em virtude de a lei processual determinar que a mesma só ocorra depois da penhora. Tem-se, pois, por interrompida a prescrição – v. neste sentido, Ac. R.C. de 13.06.06 (Pº 1471/06) e Ac. R. L. de 13.01.2009 (Pº 9584/2008-1), acessíveis na Internet, no sítio www.dgsi.pt.

Improcede, também nesta parte, o que a este propósito consta da alegação do recorrente (CONCLUSÃO iii.).

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iv. DO ABUSO DO DIREITO, na vertente de VENIRE CONTRA
FACTUM PROPRIUM

Invoca o apelante que a conduta da recorrida/exequente excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim económico do seu direito, integrando abuso do direito.

Por seu turno, a apelada contrapõe que estamos perante uma questão nova, pois nunca antes o recorrente a invocara.

É certo que o apelante nunca antes invocou tal questão e, efectivamente, os tribunais de recurso só apreciam as questões decididas pelos tribunais inferiores que as partes hajam suscitado, excepto se as mesmas foram de conhecimento oficioso.

Mas, como tem sido entendimento jurisprudencial pacífico o abuso de direito é de conhecimento oficioso – v. neste sentido e entre muitos Acs. STJ de 21.09.1993 (Pº 083983) e de 03.02.2005 (Pº 04B4671), acessíveis em www.dgsi.pt. – o que significa que nada impede este Tribunal de recurso de apreciar tal questão.

É consabido que existem no Direito conceitos indeterminados, moderadores, extraídos de princípios gerais que percorrem e iluminam todo o sistema jurídico e que funcionam como sua válvula de segurança, adaptando a lei ao facto, quando se chocam. Tal é o caso do abuso de direito.

O abuso de direito, como figura geral, está consagrado no artigo 334º do Código Civil que preceitua “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico desse direito”.


A complexa figura do abuso do direito é, portanto, uma cláusula geral, uma válvula de segurança, que visa obstar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico que prevalece na comunidade social em que, por circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito, pese embora validamente conferido por lei.

O princípio enunciado neste preceito legal é um princípio geral que domina todo o direito, já que no moderno pensamento jurídico os direitos subjectivos sofrem vários limites - de ordem moral, teológica e social - sendo a ofensa destes que constitui o abuso de direito.

Como esclarece ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, 436-438, para que o exercício do direito seja abusivo, é preciso que o titular exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar. E, para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, há que atender às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade, à consideração do fim económico ou social do direito, fazendo apelo aos juízos de valor positivamente consagrados na lei.

Não basta, pois, que o titular do direito exceda os limites referidos, sendo necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório daqueles valores.

Como tem sido entendimento jurisprudencial, há abuso de direito quando, suposta a sua existência, ele é exercido com clamorosa ofensa da justiça, em termos que manifesta e intoleravelmente brigam com o sentimento jurídico dominante na colectividade, o que torna ilegítimo o seu exercício - v. Acs. STJ de 08.11.84, BMJ 341, 418; de 25.06.86, 358, 470 e de 20.10.87, BMJ 370, 559.

Também MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral das Obrigações, 64 e 65 considera abusivo o exercício de um direito sempre que

o comportamento do respectivo titular se mostre, no caso concreto, gravemente chocante e reprovável para o sentimento prevalecente da colectividade.

Refere ainda ANTUNES VARELA, RLJ 114, 75, que o abuso de direito é o exercício do poder formal realmente conferido pela ordem jurídica a certa pessoa, em aberta contradição seja com o fim económico e social a que esse poder se encontra adstrito, seja com o condicionalismo ético-jurídico – boa fé, bons costumes - que em cada época histórica se reconheça.

Em tais casos, a proibição com base no abuso de direito obsta a injustiças “que o próprio legislador não hesitaria em repudiar se as tivesse vislumbrado” - v. MANUEL DE ANDRADE, RLJ 87º, 307.

Adoptou a lei, no citado artigo 334º do Código Civil, uma concepção objectiva de abuso de direito, uma vez que não é necessário que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito conferido, bastando que se excedam esses limites – v. PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., 289 e MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 69 e ss.

O abuso de direito existe, portanto, quando admitido um certo direito como válido em tese geral, no caso concreto, o mesmo é exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça.

Agir de boa fé, no contexto do citado normativo, significa agir com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, e ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança e expectativa dos outros.


Como refere MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, ob. cit., 76, por bons costumes há-de entender-se um conjunto de regras de convivência que, num dado ambiente e em certo momento, as pessoas honestas e correctas aceitam comummente. Logo, o exercício de um direito apresenta-se contrário aos bons costumes quando tiver conotações de imoralidade ou de violação das normas elementares impostas pelo decoro social.

O fim social ou económico do direito corresponde ao interesse ou interesses que o legislador visou proteger através do reconhecimento do direito em causa.

A censura do exercício abusivo do direito não pretende, em certos casos e circunstâncias, suprimir ou extinguir o direito, mas apenas impedir que o seu titular use tal direito. Pretende-se, ao cabo e ao resto que, em certas circunstâncias concretas, um direito não seja exercido de forma a ofender gravemente o sentimento de justiça dominante na sociedade.

São variadas as formas através das quais se pode manifestar o abuso de direito.

Da tipologia de actos abusivos enumerada por MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo 1, 198-213 encontram-se a exceptio doli, o venire contra factum proprium, as inalegabilidades formais, a supressio e a surrectio, o tu quoque e o desequilíbrio no exercício.

A probição de venire contra factum proprium radica numa situação de aparência jurídica que é criada em termos tais que suscita a confiança das pessoas.

A invocação do venire contra factum proprium pressupõe:


§ Uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa-fé subjectiva;
§ Uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocarem uma crença plausível;
§ Um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada;
§ A imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante – v. neste sentido MENEZES CORDEIRO, ob.cit., 186.

É ainda necessário que a segunda conduta, contraditória do factum proprium, seja reprovável por violação dos deveres de lealdade e correcção, ultrapassando os limites impostos pela boa fé.

Nessa vertente, de venire contra factum proprium, o abuso do direito traduz-se, precisamente, na conduta contraditória, i.e., na conduta anterior do seu titular que, objectivamente interpretada no confronto da lei, da boa fé e dos bons costumes, gerou a convicção na outra parte de que o direito não seria por aquele exercido.

Abordando as duas teorias que alicerçam a proibição desta categoria de atitude abusiva – teoria da confiança e teoria negocial - MENEZES CORDEIRO refere que a jurisprudência portuguesa acolheu a proibição de venire contra factum proprium assente na boa fé com grande amplitude, destacando acórdão que ilustram essa sua afirmação – v. ob. cit., 202.

Há então que aplicar estes ensinamentos ao caso em apreço e em função dos factos provados, por forma a apurar se a exequente/apelada, com a sua actuação, excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé.

A este propósito alega o apelante que ao pretender responsabilizar o recorrente por garantias prestadas no âmbito de contratos de crédito vencidos, a conduta da recorrida sempre integraria manifesto abuso dos seus pretensos direitos pois foi gerada uma situação de confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocarem uma crença plausível no ora recorrente, face à total inacção da ora recorrida durante anos. Ao preencher a livrança-caução anos após a data de vencimento dos contratos garantidos, a ora recorrida aproveita-se da sua própria inércia para imputar ao ora recorrente o pagamento de valores que não seriam devidos caso tivesse actuado com a diligência devida.

Como se esclarece no supra mencionado Ac. STJ de 03.02.2005, a conclusão jurídica sobre a verificação da excepção peremptória do abuso do direito em qualquer das suas modalidades deve resultar, naturalmente, da existência de factos provados que a revelem.

Sucede que, dos factos dados como provados, não resulta que a conduta da exequente/apelada, ao pretender a cobrança coerciva do montante titulado pela livrança que o apelante avalizou, haja excedido manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico e social do direito.

De resto, a circunstância de a exequente apenas ter interposto a devida acção executiva alguns anos depois do vencimento da dívida decorrente do contrato de abertura de crédito em conta corrente e dos financiamentos efectuado ao abrigo desse contrato (a última alteração do contrato no sentido da ampliação do empréstimo data de 13.04.1998 e a acção executiva deu entrada em Tribunal em 27.02.2004, apresentando a livrança a data de vencimento de 05.01.2004), em nada releva no sentido de ser enquadrável na supra enunciada tipologia de actos abusivos, na vertente, de venire contra factum proprium.


Nenhuma conduta da exequente/apelada poderá, objectivamente ser interpretada, no confronto da lei, da boa fé e dos bons costumes, como susceptível de gerar a convicção do apelante de que o direito que àquela assiste não seria por ela exercido.

Do que fica dito, desde logo resulta que a exequente/apelada, ao exercer o seu direito não excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé, o que acarreta, também nesta parte, a improcedência da apelação (Conclusões xiv. a xviii. ).

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v. DA FALTA DE PROTESTO E SUAS CONSEQUÊNCIAS

A natureza jurídica e o fim específico do aval é o de garantia de cumprimento pontual do direito de crédito cambiário. É uma garantia prestada à obrigação cartular do avalizado e não à obrigação fundamental decorrente do saque e aceite, que pode ou não existir - Cfr. Ac. STJ de 25.07.72, BMJ 279, 214.

Como obrigação de garantia que é, o aval não tem subjacente a ele qualquer relação fundamental entre o dador do aval e a pessoa a favor de quem é prestado.

O aval tem a natureza de declaração pessoal de confiança. Fundamenta-se, em regra, na confiança que o avalizado merece. Constitui, por isso, uma garantia prestada por mero favor, uma vez que o avalista fica obrigado apenas pelo favor e não porque já o fosse em virtude de uma relação extra-cartular - v. neste sentido PAULO SENDIM, Letra de Câmbio, II, pg. 728 e ss.

A obrigação do avalista é autónoma, o que implica para este a obrigação de pagar a letra ou a livrança, não obstante a nulidade da obrigação avalizada, excluída a hipótese de a nulidade desta obrigação provir de vício de forma.

A autonomia entre as duas obrigações é evidente quando o avalista é compelido ao pagamento da letra/livrança antes do avalizado, porquanto fica em tal caso com um direito autónomo e originário, não se verificando com esse pagamento nem a sucessão do direito cambiário do portador, nem a sub-rogação regulada pelo artigo 644º do Código Civil, nem tão pouco pode invocar o benefício de excussão referido no artigo 638º, nº 2 do Código Civil - v. Ac. STJ de 8.01.87, T.J., 27º, 24.

Decorre, aliás, do disposto no artigo 32º da LULL., aplicável à livrança, por força do já citado artigo 77º do mesmo diploma, que o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, mantendo-se a sua obrigação, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.

Ocupa, assim, o avalista no contexto cambiário a mesma posição objectiva que o obrigado e isto sem prejuízo para a independência das respectivas obrigações.

Por outro lado, como resulta do artigo 44º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, aplicável à livrança, ex vi do artigo 77º do mesmo diploma, o protesto é um acto solene e público pelo qual se faz comprovar e certificar a falta de aceite ou de pagamento de uma letra/livrança.

E, nos termos do artigo 53º/77º da aludida LULL, para que se não perca o direito de acção cambiária, forçoso se torna protestar a letra/livrança quando não paga no seu vencimento.
Porém, o portador da letra ou livrança, para fazer valer os seus direitos de acção contra o aceitante ou subscritor (no caso da livrança), bem como contra os avalistas, não carece de fazer o respectivo protesto.

No caso sub judice, e como ficou provado – v. Nº 2 da Fundamentação de Facto - a livrança dada à execução não foi protestada.

Mas, tendo o opoente aposto a respectiva assinatura no verso da livrança, na qualidade de avalista, vinculou-se ao seu pagamento ao portador da mesma, na data da respectiva apresentação a pagamento.

E, assim sendo, o portador da livrança que serve de título à execução, a exequente, pode exercer os seus direitos contra o opoente, na qualidade de avalista, independentemente do protesto, já que este não beneficia da falta de oportuno protesto - v. entre muitos, Ac. R.C. de 27.10.87, BMJ 370, 626.

De resto, doutrina e jurisprudência são, de há muito, unânimes na interpretação do artigo 53º da LULL, que a falta de protesto não conduz à perda do direito de acção do portador da livrança contra os avalistas do subscritor da mesma - v. entre muitos, Ac. STJ de 12.05.88, in T.J. 43/44, pg. 42; Acs. R.Lx. de 9.01.74, BMJ 233, 236 e de 19.10.77, C.J. II, 5, 1019 e ainda Acs. STJ de 17.12.91 e de 07.01.93, BMJ 412 e 423, pg. 504 e 554, respectivamente.

É, portanto, manifesto que, com tal fundamento – necessidade de protesto para accionar o avalista da subscritora – a oposição sempre teria de improceder, como bem se decidiu na sentença recorrida.

Improcede, também nesta parte, o que a este propósito consta da alegação do recorrente (CONCLUSÔES v. e vi.).

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vi. DO PREENCHIMENTO ABUSIVO DAS LIVRANÇAS


Ficou provado que a livrança dada à execução foi entregue à exequente, com as assinaturas dos executados, e com montante e data de vencimento em branco – v. Nº 3 da Fundamentação de Facto.

Admite a lei, no artigo 10º da L.U.L.L., aplicável à livrança ex vi do artigo 77º da LULL, a emissão de livranças incompletas, devendo o seu preenchimento ser efectuado nos limites e termos ajustados, mediante o que se designa por contrato ou pacto de preenchimento. Este, é o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento.

Provado ficou que a exequente estava autorizada a preencher a livrança entregue em branco apenas com as assinaturas da subscritora e dos avalistas, conforme decorre da cláusula 23º, nº 1 alínea c) do contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado com a exequente, mediante a aposição da data de vencimento, e do valor correspondente ao montante que se encontrar em dívida, decorrente do contrato de abertura de crédito, sendo certo que, como se salienta, e bem, na sentença recorrida, as posteriores alterações atinentes à ampliação do montante emprestado mereceram a anuência do opoente – v. Nºs 5 a 9 da Fundamentação de Facto.

Considerando que é aquele que apõe a sua assinatura na livrança que incumbe o ónus de provar o preenchimento abusivo, se este não for demonstrado, tem de se admitir que tal preenchimento foi efectuado correctamente.


Com efeito, e como se refere no Ac. STJ de 01.10.98, BMJ 480, 482, O preenchimento abusivo da letra em branco na qual se funda a acção executiva constitui facto impeditivo do direito do portador exequente, cuja prova, nos termos do artigo 342º, nº 2, do Código Civil, compete ao executado opoente.

Estando provado o pacto de preenchimento, tem de entender-se que o mesmo foi efectuado correctamente, tanto mais que se não provou que o valor aposto na livrança não fosse devido, ou que já tivesse sido pago, total ou parcialmente, o montante disponibilizado pela exequente à subscritora da livrança e que consta do Nº 10 da Fundamentação de Facto.

Em consonância com os termos acordados no contrato de abertura de crédito, forçoso é concluir que inexiste qualquer abuso no preenchimento da livrança que implique a inexequibilidade da livrança dada à execução. E, face às características de literalidade e abstracção, a livrança vale por aquilo que nela está escrito, o que leva à improcedência do que se mostra alegado no recurso do opoente (CONCLUSÔES vii. E viii.).

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RECURSO DA APELANTE/EXEQUENTE


vii. DA APRESENTAÇÃO DA LIVRANÇA A PAGAMENTO

Insurge-se a exequente/apelante com a sentença recorrida, na parte em que absolveu o executado/opoente relativamente aos juros de mora contabilizados desde o vencimento da livrança até à sua citação sobre o valor nela aposto.

Entende a apelante, em suma, que a livrança tinha vencimento à vista e, porque foi preenchida respeitando o pacto de preenchimento, depois de haver incumprimento do contrato garantido, tendo sido fixada a data de vencimento de 05.01.2004, não teria a mesma de ser apresentada a pagamento, pelo que são devidos juros de mora desde a data de vencimento aposta na livrança.

A livrança considera-se pagável à vista sempre que no momento da sua apresentação a pagamento, dependendo o seu vencimento da vontade do portador.

Só com o preenchimento da livrança, designadamente do montante a pagar (artigo 75º da LULL), a mesma passará a valer como tal e, eventualmente também, como pagável à vista, caso, aquando da sua apresentação a pagamento, não tivesse a menção da indicação da época de pagamento – v., neste sentido o Ac. do STJ de 01.07.2003 (Pº 03A1943), disponível em www.dgsi.pt.

A livrança em branco em que falte, nomeadamente, a indicação da época de pagamento não pode ser considerada, sem mais, como pagável à vista. Tal só assim ocorrerá, na medida em que, no seguimento do respectivo contrato de preenchimento, tal ficar convencionado, ou até se, aquando da sua apresentação a pagamento, dela não constar a época de pagamento – v. neste sentido o cit. Ac. do STJ, de 01.07.2003 e ainda Ac. da RL, de 20.4.89, in CJ/89, tomo 2, pág. 149.

Não será manifestamente esta última situação que ocorre na situação que vimos analisando, posto que, face ao acordo de preenchimento, não resulta que tal título seria pagável à vista, nem está demonstrado que, aquando da sua apresentação a pagamento, nele não vinha indicada a data do seu vencimento.

Como analisámos supra, resulta do contrato celebrado entre as partes, que foi estipulada uma cláusula através da qual foi concedida ao credor, em caso de incumprimento, a liberdade de aposição da quantia em dívida e a fixação do vencimento da livrança, o que é legalmente válido, face ao disposto na parte final do primeiro parágrafo do artigo 34º da LULL.

Todavia, a apresentação a pagamento integra um ónus do portador do título – JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENÇÃO, Direito Comercial, Vol. III, Títulos de Crédito, Lisboa, 1992, Ed. da FDL, 187.

É que, são requisitos da apresentação a pagamento de uma letra ou livrança:

a) a exibição do título perante o devedor principal;
b) a reclamação da soma na sede do pagamento;
c) estar o detentor do título a restituí-lo, com a respectiva quitação - v. Abel Delgado, LULL Anot., 5ª ed., 235.

O que vale tanto para a hipótese de título pagável à vista, como em dia fixo ou a certo termo de data ou de vista - cfr. artigos 34º e 38º, da LULL.

E se, como se disse, não é exigível, quanto ao avalista, a declaração formal de que não houve pagamento, em que se traduz o protesto, já não se pode conceder que o pacto de preenchimento implique a ausência do ónus da apresentação a pagamento, ou mesmo de uma mera interpelação/comunicação dos elementos que o portador apôs na livrança, designadamente a respectiva data de vencimento

Como já se entendeu na jurisprudência esta comunicação deve ser efectuado ao avalista, tendo em consideração a autonomia da obrigação deste - v. Ac. R.L. de 20.01.2011 (Pº 1847/08.5TBBRR-A.L1), acessível em www.dgsi.pt.


Mas, ainda que assim se não entenda, por se considerar que a medida da responsabilidade do avalista é a do avalizado, sempre tal interpelação deverá ser efectuada, pelo menos, ao devedor principal, já que este nunca poderá ser surpreendido com um pedido de pagamento numa data por ele completamente desconhecida.

Não resulta da factualidade apurada que a livrança haja sido apresentada a pagamento à subscritora, indicando a data e o local em que deveria ser paga.

E, se é certo que o pagamento de uma livrança deve efectuar-se pela comparência, no lugar e data de pagamento dela constante, de quem tem por obrigação solvê-la – artigo 75º, n.ºs 3 e 4, da LULL – também é verdade que tratando-se, como se trata, de livrança emitida parcialmente em branco, e desde logo quanto à data de pagamento, sempre seria necessária, pelo menos, a interpelação ao subscritor, a que se reconduz tal apresentação, para que este pudesse apresentar-se, consequentemente, ao balcão respectivo da exequente, ou provisionar a conta que ali tivesse, visto que, no caso vertente, a livrança está domiciliada no banco exequente, conforme se infere da fotocópia junta aos autos a fls. 806.

Neste conspectu, bem andou o Tribunal a quo ao considerar que somente após a citação seriam devidos os juros de mora peticionados.

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Vencidos são os recorrentes responsáveis pelas custas respectivas - artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

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IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedentes os recursos, confirmando-se a decisão recorrida e em condenar os recorrentes no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 6 de Dezembro de 2012

Ondina Carmo Alves - Relatora
Pedro Maria Martin Martins
Eduardo José Oliveira Azevedo