I – O regime de permanência na habitação a que alude o art. 44 do Cod. Penal constitui uma verdadeira pena de substituição da pena de prisão, sendo competente para a sua aplicação o tribunal do julgamento no momento em que o efetua. Não é um mero regime de cumprimento da pena de prisão que possa ser aplicado em momento posterior ao da condenação.
II – A competência funcional para alterar não a própria pena, mas o regime de cumprimento, nos casos previstos por lei, pertence em exclusivo ao Tribunal de Execução das Penas.
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I- Relatório
Na Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Braga, no âmbito do processo comum colectivo nº.2441/12.1 PBBRG, por acórdão de 19-4-2013 devidamente transitado em julgado, foi Ricardo M..., nascido a 27-7-1991, condenado pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º, nº1 CP (por factos ocorridos a 3-12-2012), na pena de 18 meses de prisão.
Tendo iniciado o cumprimento da pena de prisão em causa a 8-7-2013, veio o condenado Ricardo M... requerer no mesmo processo, a 17-7-2013, a alteração da prisão efectiva para o regime de permanência na habitação com sujeição a vigilância electrónica, ao abrigo do disposto no art. 44º do Código Penal.
Tal requerimento foi indeferido por despacho de 18-7-2013 do Exº Juiz de turno, por não se verificarem os pressupostos previstos no art. 44º., nºs 1, al. a) e 2 CP, uma vez que o requerente foi condenado em pena de prisão efectiva superior a 1 ano e tinha, por outro lado, mais de 21 anos de idade à data da prática dos factos.
Inconformado recorre o condenado, pugnando pela aplicação in casu da pena de substituição de permanência na habitação prevista no artigo 44.º do Código Penal, invocando, entre o mais, que “… já deu o seu consentimento para integrar o programa de desintoxicação em regime fechado … mostra-se perfeitamente adequada e suficiente a aplicação pena de prisão e remanescente até dois anos em regime de vigilância electrónica, verificados que estão os requisitos de o mesmo á pratica dos factos ter 21 anos e o limite mínimo previsto no art. 44ºno 1 do CP. Poder ser elevado para os dois anos…
De toda a exposição, entendemos que a interpretação que foi dada pelo Tribunal “a quo” das normas aplicadas, não teve em consideração o tratamento do Arguido toxicodependente fora do meio prisional, em alternativa á prisão efectiva, fazendo uma incorrecta apreciação dos factos e violando desta forma o n.º 2 do art. 32º e do art. 30 da constituição da Republica Portuguesa, e o art. 44º do Código Civil, e nos termos do art. 494º e 495º do C.P.P., pelo que deve ser substituída a prisão efectiva, por internamento em instituição referida, em regime de vigilância electrónica”.
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O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, alicerçando o seu raciocínio no facto de não se verificar o pressuposto constante da al. a) do n.º 1 do artigo 44º, do CP (estamos perante condenação superior a 1 ano) e o arguido ter mais de 21 anos à data da prática dos factos e, por outro lado, já que será em sede de sentença que deve ser apreciada a potencial aplicação do disposto no art. 44º do CP, dado tratar-se de uma pena de substituição.
Nesta Relação, o Exº. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentação
A questão a apreciar e decidir consiste em saber se no presente caso a pena de prisão efectiva pode e deve ser alterada para o regime de permanência na habitação com sujeição a vigilância electrónica, nos termos previstos no artigo 44.º do Código Penal.
E a resposta não pode deixar de ser negativa, não havendo sequer que entrar na aferição material dos pressupostos previstos no art. 44º do Código Penal que, aliás, tão pouco se verificam.
É que a presente situação reporta-se a um condenado por Tribunal Colectivo, em cumprimento de pena de prisão devidamente transitada em julgado, que sem qualquer estribo legal válido se apresenta a requerer ao Juiz singular que pura e simplesmente altere o julgado do Colectivo, o que naturalmente é inadmissível à luz dos princípios que regem o actual processo penal.
De facto o regime de permanência na habitação a que alude o art. 44º CP constitui uma verdadeira pena de substituição da pena de prisão, como bem refere o MP na respectiva resposta e tem sido salientado amiúde por doutrina e jurisprudência. Não se trata, pois, de um mero regime de cumprimento da pena de prisão, que possa ser aplicado em momento posterior ao da condenação e sendo em exclusivo competente para a respectiva aplicação o Tribunal do julgamento no preciso momento em que o efectua.
Assim, por exemplo, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Dez. 2008, notas ao art.44º, págs. 182-183:
“1- O regime de permanência na habitação é uma verdadeira pena de substituição da pena de prisão (ver expressamente neste sentido a exposição de motivos da proposta de lei n." 98/X, que esteve na base da Lei n.º 59/2007). Não se trata, pois, de um mero regime de cumprimento da pena de prisão, que possa ser aplicado em momento posterior ao da condenação. A configuração da permanência na habitação como uma verdadeira pena de substituição é rica em consequências substantivas e processuais.
2- Desde logo, compete ao tribunal de julgamento ordenar a substituição, em função da situação pessoal e familiar do condenado "à data da condenação", como se diz expressamente no n.º 2. O termo de referência temporal à data da condenação deixa absolutamente claro o propósito do legislador sobre a natureza desta pena de substituição e, portanto, também sobre a competência exclusiva do tribunal de julgamento para a sua aplicação”.
Ou Ac. Rel. Guimarães de 29-3-2011, pr. 1507/09.0 TABRG.G1, rel. Fernando Chaves, no qual pode ler-se:
“… Este preceito (referindo-se ao art. 44º. CP), com a epígrafe “Regime de permanência na habitação”, veio estabelecer uma nova pena de substituição (em sentido impróprio), a aplicar-se como alternativa ao cumprimento da prisão nos estabelecimentos prisionais, em condenações até um ano, ou quando estejam em causa condenações superiores, mas em que o remanescente a cumprir não exceda um ano, descontado o tempo de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação. Excepcionalmente, pode ser uma alternativa em penas até dois anos.
O regime de permanência na habitação, dependente do consentimento do condenado, tem a particularidade de associar ao cumprimento domiciliário a vigilância electrónica que, anteriormente, estava prevista apenas como mecanismo de fiscalização do cumprimento da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação.
O momento em que a aplicação das penas de substituição em sentido próprio deve ser decidida é o da sentença condenatória, enquanto momento da escolha, determinação e aplicação da pena correspondente ao facto.
Nas Jornadas sobre a revisão do Código Penal, Jorge Gonçalves sustentou que o regime de permanência na habitação constitui uma nova pena de substituição, pelo menos em sentido impróprio, sendo a sentença condenatória o momento para decidir da sua aplicação, no mesmo sentido em que se consideram como penas de substituição a prisão por dias livres e o regime de semidetenção…”.
Já, por outro lado, a competência funcional para alterar não a própria pena mas o respectivo regime de cumprimento nos casos previstos na lei pertence em exclusivo ao Tribunal de Execução das Penas, por força do disposto no artigo 138.º, nº.2 do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro:
“Artigo 138.º
Competência material
1- …
2 - Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal…”.
Assim, por exemplo, no Ac. Rel. Guimarães de 5-11-2012, pr. 1316/09.0 JABRG-E.G1, rel. Lee Ferreira, ponderou-se que:
“I-A competência funcional para a decisão quanto ao pedido de alteração do regime de cumprimento da pena pertence ao Tribunal de Execução das Penas;
II- Não se vislumbra princípio ou norma legal que autorize ou permita ao tribunal da condenação decretar o “protelamento” ou “suspensão” do início de cumprimento efectivo de pena de prisão, ainda que por motivos de saúde do condenado”.
Resulta assim destituída de qualquer fundamento válido a pretensão do recorrente no presente caso.
Finalmente, dir-se-à que resulta totalmente desconexa e despropositada a referência efectuada no recurso, aliás de forma manifestamente conclusiva, a diversos dispositivos legais que nada têm que ver com o presente caso, sejam os arts. 494 e 495 CPP que se reportam à execução da pena suspensa, ou os arts. 30 (limites das penas e das medidas de segurança) e 32, nº2 (presunção de inocência e celeridade processual) CRP.
Improcede, consequentemente, o recurso, mantendo-se incólume o despacho recorrido ainda que por distintas razões.
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III- Decisão
Nos termos expostos, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs., sem prejuízo de decisões relativas a apoio judiciário.