I – A separação de bens ou de meações na sequência de penhora de bens comuns do casal ou de insolvência de um dos cônjuges quando há bens comuns, prevista no artigo 740º CPC, é exercitada mediante o procedimento de inventário previsto no artigo 1135º do CPC, denominado de “Separação de bens em casos especiais”, consistente numa partilha que visa a separação de meações, transformando o direito à meação do cônjuge não executado ou não insolvente num direito sobre bens concretos ou num crédito relativo a tornas.
II – A separação de pessoas e bens (artigo 1688º do Código Civil), implica o fim das relações patrimoniais entre os cônjuges, mas mantém-se a comunhão, que só terminará com a liquidação e partilha de bens comuns.
III – A disposição de bens do devedor por insolvente pessoa singular poderá levar à qualificação da insolvência como culposa, à luz do nº 1 do artigo 186º, uma vez verificados os demais pressupostos aí exigidos.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – RELATÓRIO
Declarada a insolvência da devedora AA, no Apenso da Liquidação do Ativo, veio a insolvente apresentar o seguinte requerimento, que assim se sintetiza:
do anúncio relativo à verba nº1, consta que se irá proceder à venda da totalidade do imóvel;
contudo, notificado nos termos do artigo 740º do CPC pelo AJ, o Sr. BB, antes de decorrido o prazo para resposta, informou o AJ de que era “sua intenção proceder à separação judicial de bens comuns com o insolvente”, tendo pedido prorrogação de prazo para o procedimento;
a ora insolvente e o seu ex-cônjuge encontram-se separados de pessoas e bens, por mutuo consentimento, desde 30-04-2024, sendo que, nessa mesmo dia, o ex-cônjuge remeteu via email, cópia da respetiva certidão para o AJ;
o anúncio padece de nulidade, uma vez que o bem não poderá ser vendido na sua totalidade visto que a ora insolvente e o seu ex-cônjuge se encontram separados de pessoas e bens, não podendo a venda incidir sobre a quota-parte titulada pelo Sr. BB, mas apenas sobre ½ pertencente à insolvente;
tendo o AJ sido informado, atempadamente, dos procedimentos encetados que resultaram na concretização da separação judicial de pessoas e bens da ora insolvente e do citado BB, a venda da totalidade do imóvel padece de vício de nulidade, o que invoca.
Conclui, pedindo o reconhecimento da invocada nulidade, devendo em conformidade ser determinado que a venda judicial incida exclusivamente sobre a quota-parte, ½ do imóvel, propriedade da insolvente.
O credor Banco 1..., S.A., veio responder, alegando que, inexistindo qualquer incidente de separação de meações apenso e sendo o prazo de 20 dias improrrogável, inexiste qualquer nulidade da venda em curso.
A convite do tribunal, o Administrador de Insolvência pronunciou-se no sentido da inexistência de qualquer nulidade da venda, com a seguinte alegação:
encontrando-se a venda ainda em curso, o meio utilizado invocando a nulidade da venda é o impróprio;
o signatário notificou o ex-cônjuge meeiro, nos termos e para os efeitos previstos no art. 740º do CPC, no dia 17-01-2024, para no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da ação em que a separação de bens já tenha sido requerida, sob pena de o património comum responder pelas dívidas reclamadas e reconhecidas nos autos de insolvência e, por conseguinte, a apreensão de bens prosseguir sobre a totalidade do imóvel”;
do requerimento junto pela insolvente, verifica-se que o casal apenas requereu a separação de bens em 30 de abril de 2024, sendo que o prazo do artigo 740º é improrrogável, sendo que o administrador, decorrido o prazo que a lei prevê, procedeu à apreensão da totalidade do bem.
Notificada para o efeito, a insolvente veio responder, nos seguintes termos:
Na sequência da notificação que então lhe foi feita pelo AJ, o ex-cônjuge da insolvente, manifestou a sua pretensão em requerer a respetiva separação de bens, o que fez, através de comunicação dirigida ao Ilustre AJ, por carta registada;
o prazo constante no artigo 740º do CPC é um prazo meramente orientador, sendo que nestes casos, não depende dos insolventes ou cônjuges, imporem aos serviços públicos os prazos em que aqueles devem concluir os seus trabalhos.
o ex-cônjuge da insolvente, no dia 30-04-2024, comunicou e enviou ao Ilustre AJ a certidão de separação de bens;
no entanto, compulsada a certidão permanente, junta pelo Ilustre AJ, aos autos em 05-07-2024 verifica-se que o mesmo deu entrada do pedido de registo da apreensão da totalidade do imóvel na CRP no dia 15-05-2024, tendo aquele registo sido concluído como definitivo em 05-06-2024, ou seja, à data de entrada do pedido de registo, já teria conhecimento de que a referida separação de bens tinha sido requerida e estava concluída;
em suma, verifica-se que a separação de bens é anterior à data do registo de apreensão relativo à totalidade do imóvel apreendido, tendo sido disso dado conhecimento ao AJ.
nestes termos, não pode o ex-cônjuge da insolvente ver afetado o seu património com as demais consequências que resultam da venda do mesmo;
o facto de se encontrar para venda um bem, ou parte dele, que já não se encontra na esfera jurídica da insolvente, gera nulidade desse ato, ao abrigo do disposto no artigo 892º do CC.
Pelo que, deverá atender-se ao facto de ficar prejudicado o património do ex-cônjuge da insolvente, não se conformando o mesmo com o facto de se prosseguir com a liquidação da totalidade do imóvel, pelos motivos já supra aduzidos, requerendo que se proceda à retificação do auto de apreensão e subsequente anúncio de venda, ficando assim prejudicada a venda do património que não se encontra na esfera jurídica patrimonial da insolvente, o que se requer.
O AJ respondeu à insolvente, alegando, em síntese que, tendo o registo da apreensão da totalidade do imóvel sido efetuado em 15-05-2024, e junto ao apenso da apreensão de bens em 05-07-2024, a invocação das nulidades pela insolvente é extemporânea; sendo o prazo previsto no artigo 740º do CPC um prazo perentório, o ex-cônjuge no prazo de20 dias poderia ter requerido nos autos a separação de bens (o que nunca fez) ou então juntar a certidão comprovativa da existência da ação em que a separação já tenha sido requerida (que também não fez).
(…).
Para apreciação do objeto do recurso, afigura-se-nos relevante o seguinte circunstancialismo de facto:
1. Nos autos principais, foi declarada a insolvência de AA, casada com BB, no regime de comunhão de adquiridos;
2. Por carta registada com A/R, datada de 15 de janeiro de 2024 e assinada a 17-01-2024, o Administrador Judicial comunica ao cônjuge da insolvente, BB, que “Procedeu à apreensão da totalidade do seguinte imóvel , prédio urbano composto por casa de habitação, (…), notificando-o “nos termos e para os efeitos do disposto nos art. 740º do NCPC e do art. 141º do CIRE, nomeadamente para, no prazo de 20 dias a contar da receção da presente notificação, querendo, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena do património comum responder pelas dívidas reclamadas e reconhecidas nos autos de insolvência e, por conseguinte, a apreensão judicial dos bens prosseguir sobre a totalidade do imóvel.”
3. Por carta enviada a 06-02-2024, o então cônjuge comunicou ao Administrador Judicial que “é sua intenção proceder à separação judicial de bens comuns com a insolvente supra identificada, requerendo, respeitosamente, excecionalmente e por uma vez só, a prorrogação do prazo concedido, por igual período, a fim de lhe ser possível levar a efeito o sobredito processo de separação”;
4. A 30-04-2024, foi proferida sentença que declarou a separação judicial de pessoas e bens por mutuo consentimento entre os cônjuges, e nesse mesmo dia, o ex-cônjuge enviou ao AJ certidão da Acta respeitante à Conferência em que foi proferida tal decisão, bem como da relação de bens comuns aí apresentada;
5. A 11 de maio de 2024 foi elaborado auto de apreensão do imóvel, tendo a declaração de insolvência sido levada ao registo pela Ap. ...08 de 2024/05/15 (cfr. Apenso de Apreensão de Bens).
“NULIDADE DA VENDA DO IMÓVEL
Tal como resulta do presente apenso de liquidação, veio a insolvente arguir a nulidade da venda em curso com o fundamento de que o seu ex-marido terá manifestado a intenção de requerer a separação de bens e que terá também requerido a prorrogação do prazo de 20 dias constante no artigo 740.º do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas.
Pois bem, antes de mais, cumpre assinalar que a venda ainda não se encontra concluída e, por essa razão, não se poderia declarar nulo algo que ainda não se concretizou.
Seja como for, importa atentar no seguinte.
O Exmo. Sr. Administrador de Insolvência notificou o ex-cônjuge meeiro da insolvente nos termos e para os efeitos previstos no artigo 740.º do CPC, no dia 17 de janeiro de 2024.
Nessa mesma notificação foi aquele expressamente advertido de que a totalidade do imóvel iria ser apreendido e que “atendendo ao exposto, fica V. Exa. notificado(a) nos termos e para os efeitos do disposto nos art.° 740.° do NCPC e do art.° 141.° do CIRE, nomeadamente, para, no prazo de 20 dias a contar da receção da presente notificação, querendo, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena do património comum responder pelas dividas reclamadas e reconhecidas nos autos de insolvência e, por conseguinte, a apreensão judicial dos bens prosseguir sobre a totalidade do imóvel.”
Sucede, porém, que o casal apenas requereu a separação de bens em 30 de abril de 2024, ou seja, 101 dias depois, pelo que a separação de bens requerida (para efeitos deste processo) é totalmente extemporânea, pois que o constante no artigo 740.º do CPC é um prazo perentório, não passível de prorrogação, caso contrário ficaria nas “mãos” dos interessados a decisão de separar ou não os bens e no momento que considerassem oportuno, adiando, assim, nalguns casos ad eternum o desfecho do processo, com claro e manifesto prejuízo para todos os credores.
Não é essa, com o devido respeito, a interpretação a fazer do citado artigo, nem a mesma seria compatível com os desígnios do legislador para os processos de insolvência (que pretendeu que fossem processos céleres e expeditos - intenções essas espelhadas, além do mais, por exemplo, na circunstância de o processo não admitir sequer suspensões de instância, a não ser nos casos previstos no próprio Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas – cf. artigo 8.º, n.º1).
De modo que, assim sendo, e sem outros arrazoados, improcede a nulidade arguida pela insolvente.”
Resumindo, a decisão de “indeferimento da nulidade” invocada pela insolvente, baseou-se em dois únicos fundamentos:
1. pedindo a Insolvente a declaração de nulidade de uma venda que ainda não se encontra concluída, não se pode declarar nulo o que ainda se não concretizou;
2. notificado o ex-cônjuge meeiro, a 17-01-2024, nos termos do artigo 740º CPC e 141º CIRE, para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da ação em que a separação tenha sido requerida, e requerendo o ex-cônjuge a separação de bens em 30 de abril de 2024, a separação requerida (para efeitos deste processo) é extemporânea.
A Insolvente/Apelante insurge-se contra o decidido, apoiando-se nos seguintes fundamentos:
o artigo 740º, do CPC, não é um prazo perentório;
o processo de separação de bens foi concluído em 30 de abril de 2024, antes da formalização do pedido de registo da apreensão da totalidade do imóvel na CRP (15 de maio de 2024) e antes de o registo ter sido concluído como definitivo (05 de junho de 2024);
sendo a separação decretada em data anterior à data da apresentação do pedido de registo da apreensão da totalidade do imóvel, não podia a apreensão e a subsequente venda incidir sobre a totalidade do bem, mas apenas sobre a meação da insolvente;
a decisão de prosseguir com a apreensão e venda da totalidade do imóvel, ignorando a separação de bens ocorrida, afeta o direito de propriedade do ex-cônjuge;
a nulidade invocada não se reportou propriamente à venda do imóvel, pois inequivocamente essa venda não se verificou, pelo que o que se pretende invocar com a nulidade é quanto à forma como processou os termos da apreensão e subsequente venda, isto é, a apreensão da totalidade do prédio quando a insolvente é proprietária somente de metade, uma quota parte, e só esta poderia ser posta à venda.
1. se a pretensão exercida pela insolvente/Apelante, no seu requerimento de 20-02-2025, e nas suas subsequentes respostas, consistia na declaração de nulidade da venda do imóvel, como entendeu a decisão recorrida.
2. se, face à notificação que enviou ao então cônjuge do insolvente, nos termos dos arts. 740º CPC e 141º do CIRE, e às respostas por este dadas nos autos, o AJ poderia ter procedido à apreensão da totalidade do imóvel, prosseguindo os autos para venda do mesmo, o que implica decidir:
- se o ex-cônjuge formulou tempestivamente nos autos pedido de separação de bens capaz de sustar o prosseguimento da liquidação da totalidade do imóvel;
- se a declaração de separação judicial de pessoas e bens antes da apreensão e registo da declaração de insolvência, obsta à venda da totalidade do imóvel, só podendo os autos prosseguir para a venda da quota parte da insolvente, ou seja, sobre ½ de tal imóvel.
Da leitura do requerimento apresentado a 20-02-2025, embora nem sempre expresso da melhor forma, resulta claramente que a insolvente nele se insurge contra o facto de o imóvel ter sido apreendido para a massa na sua totalidade e de os autos estarem a prosseguir para venda da totalidade do imóvel, quando, em seu entender, apenas poderia ser apreendida e vendida a sua quota parte, ou seja, ½ do imóvel.
Invoca, assim a nulidade do processado tendente à venda da totalidade imóvel, pedindo que a venda incida apenas sobre ½ do mesmo.
Como tal, para a apreciação da nulidade do processado suscitada pela Apelante, é irrelevante que a venda não tenha ainda ocorrido.
Seja na ação executiva singular, seja na execução universal em que concretiza a insolvência, em caso de execução movida unicamente contra um dos cônjuges casados em regime de comunhão, o que se penhora ou apreende para a massa, são os concretos bens comuns que fazem parte do património comum do casal.
A apreensão dos bens próprios bens comuns – e não a “meação nos bens comuns” ou a da “meação num concreto bem comum – é a solução que melhor se coaduna com o regime processual e substantivo por dívidas dos cônjuges[1].
Em tais situações, o meio legal para acautelar a meação nos bens comuns do cônjuge do executado/insolvente é o direito que lhe é reconhecido de proceder à separação dos bens comuns.
Referindo o artigo 141º, nº1 do CIRE o direito do cônjuge a separar da massa insolvente os seus bens próprios e os seus bens comuns, a jurisprudência e a doutrina maioritárias têm entendido ser aplicável a tal direito, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 740º, do CPC (disposição aplicável subsidiariamente por força do artigo 17º do CIRE):
Penhora de bens comuns em execução movida contra um dos cônjuges
1 - Quando, em execução movida contra um só dos cônjuges, forem penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, é o cônjuge do executado citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns.
2 - Apensado o requerimento de separação ou junta a certidão, a execução fica suspensa até à partilha; se, por esta, os bens penhorados não couberem ao executado, podem ser penhorados outros que lhe tenham cabido, permanecendo a anterior penhora até à nova apreensão.
Sustenta a Apelante ter requerido tempestivamente a separação de bens, porquanto:
não sendo o prazo previsto no artigo 740º um prazo perentório, citado para tal efeito a 17.01.2024, o seu ex-cônjuge veio, ainda dentro do prazo de 20 dias, comunicar a sua intenção de proceder à separação judicial de bens comuns, tendo pedido prorrogação de prazo para o procedimento;
concluído o processo de separação de bens a 30 de abril de 2024, tendo nesse mesmo dia, o ex-cônjuge enviou ao AJ certidão da separação judicial de pessoas e bens, e respetiva relação de bens comuns, antes da formalização do pedido de registo da apreensão da totalidade do imóvel na CRP (15-05-2024) e antes de o registo ter sido concluído como definitivo (05-06-2024).
Aqui chegados, cumpre esclarecer que, quer a requerente/recorrente, quer o tribunal a quo, assentam as respetivas posições num pressuposto errado – o de que a “separação de meações” a que se reportam os artigos 740º, do CPC, e do artigo 141º do CIRE, corresponde ao processo de separação judicial de bens (ou de pessoas e bens), considerando exercido tal direito com a junção aos autos da certidão emitida pela Conservatória de Registo Civil ... da decisão que decretou a separação de pessoas e bens por mutuo consentimento do ex-casal constituído pela insolvente e cônjuge.
A separação de bens ou de meações na sequência de penhora de bens comuns do casal ou de insolvência de um dos cônjuges quando há bens comuns, prevista no artigo 740º CPC, é exercitada mediante o procedimento de inventário previsto no artigo 1135º do CPC, denominado de “Separação de bens em casos especiais”, consistente numa partilha que visa a separação de meações, transformando o direito à meação do cônjuge não executado ou não insolvente num direito sobre bens concretos ou num crédito relativo a tornas[2].
No sentido de que, quando a separação é requerida na sequência da citação efetuada ao cônjuge, nos termos do artigo 740º do CPC, o cônjuge se deverá socorrer dos termos do processo de inventário, se pronuncia Letícia Marques Costa: “Este será pois, o meio processual adequado a proceder à separação dos bens comuns do casal, uma vez que o fundamento de tal separação radica no processo insolvencial de um dos cônjuges, pretendendo-se então com o aludido inventário definir e concretizar os bens que, ficando a pertencer ao insolvente, ou melhor, à massa insolvente, poderão responder pelos seus débitos[3]”.
Esclarecendo tal procedimento, afirma António Lopes Cardoso: “Citado o cônjuge não executado nos termos da citada norma processual, tem ele aquele prazo de vinte dias para usar o meio competente para requerer a separação, que é o processo de inventário, com a sua normal ritologia, aí incluída a notificação do exequente em todas as fases, e também os demais credores reconhecidos, a relação de bens, etc. (…), findo o qual tudo se passa como passando a vigorar entre os cônjuges o regime de separação de bens, sem que, para tal, haja necessidade de qualquer outro processo, designadamente o de simples separação de bens[4]”.
Tal procedimento de partilha não se confunde com o processo declarativo de “separação judicial de bens” (artigo 1767º do CC) ou de “separação judicial de pessoas e bens” (artigo 1794º do Código Civil), através dos quais se reconhece a um dos cônjuges, em determinadas circunstâncias e em ação intentada contra o outro, o direito à extinção da comunhão patrimonial emergente do casamento.
No caso em apreço, tendo o cônjuge do insolvente protestado “proceder à separação judicial de bens comuns” (em data anterior à apreensão e registo para a massa de qualquer bem comum), o que ele veio a enviar ao AJ, a 30-04-2024, foi uma certidão da decisão proferida pela Conservatória de registo civil que declarou a separação de pessoas e bens por mutuo consentimento, separação esta que não se mostrava necessária para que o insolvente viesse requerer aos autos a separação de meações.
Até agora não se mostra que a separação de meações tenha sido requerida pelo ex-cônjuge, nem que este, na sequência da declaração de separação de pessoas e bens por mutuo consentimento, que promoveu junto da Conservatória de Registo Civil, tenha instaurado inventário para partilha do património comum do casal.
Como tal, a “tempestividade” de um requerimento para separação de meações que, até hoje não foi apresentado nos autos, é uma não questão, tornando inócua a discussão sobre a natureza do prazo previsto no artigo 740º do CPC.
Partindo de tais factos, sustenta a Apelante que, tendo a separação de pessoas e bens sido decretada em data anterior à data de apresentação do pedido de registo de apreensão da totalidade do imóvel, a apreensão e subsequente venda não podia incidir sobre a totalidade do bem, mas apenas sobre a sua meação, ou seja, sobre ½ de tal imóvel.
Não é de dar razão à Apelante.
O processo de insolvência ou o processo de execução podem prosseguir para venda de bens comuns, desde que, devidamente citado nos termos do artigo 740º, o cônjuge não executado ou (ex)cônjuge não insolvente, não requeira a separação de meações.
Tal preceito aplica-se, também, nos casos em que a penhora ou apreensão ocorra posteriormente ao divórcio ou separação judicial de bens ou separação judicial de pessoas e bens, desde que não tenha sido ainda efetuada a partilha de bens entre os cônjuges[5].
No caso em apreço, conforme o acima exposto, essa “separação de meações” não foi requerida nos autos, nem se mostra que qualquer dos cônjuges tenha instaurado processo de inventário para partilha de bens comuns, pelo que, o imóvel apreendido para a massa continua a ter a natureza de bem comum do ex-casal.
O nosso sistema de divórcio ou separação não abrange a liquidação do regime de bens e a divisão do património. Existindo património comum, o modo de proceder à sua divisão designa-se por “partilha”, na qual cada um dos cônjuges recebe os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns (artigo 1689, nº1 do CC)[6].
A separação de pessoas e bens (artigo 1688º do Código Civil), implica o fim das relações patrimoniais entre os cônjuges, gerando um estado de indivisão pós-comunhão que só terminará com a liquidação e partilha dos bens comuns[7].
O regime de bens termina com a dissolução do casamento, mas mantém-se a comunhão. A natureza do património comum só termina com a respetiva partilha dos bens comuns, mantendo os bens essa qualidade até ocorrer a sua divisão e partilha, sendo que, antes da partilha não se sabe com que bens será preenchida a meação de cada um dos cônjuges[8].
Não é pelo simples facto de ter sido declarada a separação judicial de pessoas e bens entre a insolvente e o seu ex-cônjuge, que a insolvente passa automaticamente a ser proprietária de ½ do imóvel que integra o património comum do casal, sendo que a sua meação e a determinação dos bens que a compõem, apenas será determinada no momento da liquidação e partilha.
Como tal, não em fundamento legal a pretensão da apelante a que a apreensão da totalidade do imóvel seja substituída pela apreensão de ½ do imóvel, como efeito automático do decretamento da separação de pessoas e bens respeitante à insolvente e ex-marido.
A Apelação é de improceder, confirmando a decisão recorrida, embora por diferentes fundamentos.
Coimbra, 14 de outubro de 2025
V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7, do CPC.
(…).
[1] Para maiores desenvolvimentos cfr., “Insolvência de pessoa casada num dos regimes de comunhão – Sua articulação com o regime da responsabilidade por dívidas dos cônjuges”, artigo da autoria da aqui relatora, publicado na Revista de Direito da Insolvência, Nº1 - 2017, Almedina, pp. 109 a 113; em igual sentido, José Lebre de Freitas, “Apreensão, separação, restituição e venda”, in I Congresso de Direito da Insolvência, Catarina Serra (coord.), p. 237, e Letícia Marques Costa, “A Insolvência de pessoas singulares”, Coleção Teses, Almedina, pp. 314 e 315.
[2] Cfr., António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Vol. II, Almedina, p. 634.
[3] Obra citada, pp. 319-320.
[4] Partilhas Judiciais, Vol. III, 6ª ed., Almedina, pp. 382-383.
[5] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, Almedina, pp.111.
[6] Rita Lobo Xavier, “Recentes Alterações ao Regime Jurídico do Divórcio e das Responsabilidades Parentais, Lei nº 61/2008, de 31 de outubro”, Almedina, p. 53.”
[7] Cristina M. Araújo Dias, “Do Regime da Responsabilidade por Dívidas dos Cônjuges, Problemas, Críticas e Sugestões”, Coimbra Editora, pp. 789-790 e 886.
[8] Cristina M. Araújo Dias, obra citada, pp. 919-926.