I - O direito cambiário é um direito autónomo que deixa de estar sujeito às exceções causais por força dos princípios da literalidade e da abstração.
II - Contudo, nas relações imediatas, tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstrata, ficando sujeita às exceções que nessas relações pessoais se fundamentem, sendo as exceções causais oponíveis ao portador imediato.
III - Tendo a livrança exequenda sido entregue em branco, com o propósito de servir de garantia do cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato de mútuo, estando-se no domínio das relações imediatas, a prescrição da obrigação causal determina a extinção da obrigação cartular.
IV - Prescrevem no prazo de 5 anos (prescrição de curto prazo), nos termos de especial disposição - al. e), do art. 310º, do Código Civil, a derrogar a geral, constante do art 309º - as obrigações relativas às quotas (partes/frações/prestações) em que se dividiu a prestação de amortização do capital mutuado com os juros (una);
V - Determinante na referida consagração especial, apesar de se tratar de uma obrigação unitária, é a circunstância de as prestações em que foi repartida a amortização do capital serem realizadas conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, envolvendo-se ambos (capital e juros) numa só prestação (fracionada no seu pagamento);
VI - Emergindo a obrigação exequenda do contrato de mútuo e do incumprimento de prestações, com vencimento de todas as subsequentes, o prazo de prescrição continua a ser o quinquenal.
VII - Estando subjacente à emissão da livrança, em branco, que não entrou em circulação, um crédito emergente de contrato de mútuo bancário em que se estabelecia o pagamento do montante financiado em prestações mensais que incluíam juros e capital, essas obrigações estão sujeitas ao prazo prescricional de 5 anos (al. d) e e), do art. 310º, do CC).
Relatora: Des. Eugénia Cunha
1º Adjunto: Des. Ana Olívia Esteves Silva Loureiro
2º Adjunto: Des. Ana Paula Amorim
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto
Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
………………………………
………………………………
………………………………
Recorrente: A..., S.A.
Recorrido: AA
AA, executado na ação executiva que A..., S.A. propôs contra si, veio deduzir embargos de executado, invocando, para além do mais, a prescrição, da divida exequenda.
A Exequente contestou os embargos, pugnando pela improcedência dos mesmos.
Por o processo reunir os elementos necessários foi, no despacho saneador, apreciada a questão da inexigibilidade da divida exequenda, em virtude de ter ocorrido a prescrição invocada, tendo os embargos de executado sido julgados totalmente procedentes e, em consequência, decretada a extinção da execução.
CONCLUSÕES:
(…)
(…)
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.
Assim, a questão a decidir é a seguinte:
- Saber se a dívida exequenda (titulada por livrança em branco, que veio a ser preenchida nas circunstâncias descritas, referente a prestações de mútuo bancário e juros) se extinguiu ou não por prescrição.
1. FACTOS PROVADOS
1. A. exequente, A..., S.A. intentou a execução a que estes autos se encontram apensos contra o executado, em 8.8.2024, arrogando-se portadora da livrança, que apresentou à execução.
2. E no requerimento executivo invocou o seguinte:
I - QUESTÃO PRÉVIA:
1.º
Por Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária, de 3 de Agosto de 2014, foi aprovada a aplicação de uma medida de resolução do Banco 1..., S.A., na sequência da qual foi constituído o Banco 2..., S.A., tendo-se determinado a transferência para o mesmo, dos ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais sob gestão do Banco 1..., S.A. ao abrigo do disposto no artigo 145.º -G e artigo 145.º- H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, conjugado com o artigo 17.º -A da Lei Orgânica do Banco de Portugal - cf. Deliberação do Banco de Portugal, cuja consulta poderá ser efetuada através do seguinte link:
https://www.bportugal.pt/sites/default/file/anexo3_deliberacao_3ago2014_medida_resoluca
2.º
Por contrato de cessão de créditos celebrado em 22 de Dezembro de 2018, o Banco 2..., S.A. cedeu à sociedade B..., S.À.R.L os créditos que detinha sobre o aqui Executado, bem como todas as garantias e acessórios a eles inerentes - cf. Contrato de cessão de créditos que se junta como Doc. 1, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3.º
A carteira de créditos objeto de cessão inclui o Contrato n.º ... correspondente ao ... ....
4.º
Por sua vez, por Contrato de Cessão de Créditos outorgado em 3 de Abril de 2020 e alterado em 31 de Março de 2021, a B..., S.A.R.L. cedeu-o à sociedade A..., S.A., ora Exequente, sendo por isso a atual titular do direito de crédito, tendo-lhe sido transmitidas todas as garantias e acessório do mesmo, incluindo, indemnizações e outras obrigações e, designadamente, o direito de obter o cumprimento judicial ou extrajudicial das obrigações nos termos e para efeito do disposto no artigo 582.º do Código Civil - cf. Contrato de cessão de créditos que se junta como Doc. 2, e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
…
II - DOS FACTOS
9- O aqui executado AA e BB, celebraram um contrato de mútuo com o cedente primitivo, conforme Doc. n.º 4, que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, tendo em simultâneo à assinatura do mesmo, subscrito a respetiva livrança em branco, que agora se dá como título executivo.
10- Os então mutuários, entraram em mora no cumprimento das suas obrigações, tendo, posteriormente o contrato sido resolvido em 14 de agosto de 2010.
11 – Posteriormente, a mutuária BB foi declarada Insolvente no âmbito do Processo Judicial n.º ..., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Vila Nova de Gaia – Juízo de Comércio 3.
12 - Decorrente da cessão de créditos, e pelo incumprimento definitivo do contrato de mútuo, a cessionária promoveu pelo preenchimento da Livrança dada em branco, interpelando a pagamento, conforme carta que se junta como Doc. n.º 5, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
13 - O subscritor encontra-se obrigado a pagar a Livrança à data do seu vencimento, nos termos do disposto no artigo 28.º ex vi artigo 77.º e 78.º da Lei Uniforme das Letras e Livranças.
14- Apresentado o título em apreço a pagamento na data e local do seu vencimento, a mesma não foi paga pelo Executado, pelo que, a Exequente é dona, possuidora e legitima portadora da livrança subscrita pelos mesmos, a qual se venceu em 25 de julho de 2024, no montante total de € 11.417,97 (onze mil, quatrocentos e dezassete euros e noventa e sete cêntimos), destinada a garantir o cumprimento das obrigações emergentes do contrato identificado.
15- Atualmente, o crédito da Exequente perfaz o montante total de € 11.417,97 (onze mil, quatrocentos e dezassete euros e noventa e sete cêntimos), conforme Livrança que ora se junta, como Doc. n.º 6, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
16- Ao valor referido no ponto anterior acrescem juros vincendos, contabilizados à taxa legal de 4%, até efetivo e integral pagamento à Exequente, bem como os custos legais suportados pela Exequente com a presente execução.
3. Em 22-07-2005, o Embargante e BB e o então credor Banco 1..., S.A, celebraram um acordo, denominado crédito ao consumo Banco 1..., mediante o qual o Banco 1... lhes concedeu um empréstimo no montante de € 7.000,00 (sete mil euros), que estes se comprometeram a reembolsar em 84 prestações de capital e de juros, nos termos constantes do documento junto com o requerimento executivo como documento n.º 4, e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
4. Sendo que nos termos desse contrato, para garantia do bom cumprimento das responsabilidades assumidas, o Embargante subscreveu e entregou ao Banco uma livrança, cujo montante e data de vencimento se encontravam em branco, para que o Banco os fixasse na data que julgasse conveniente e pelo montante correspondente ao saldo em divida, pois assim foi dada autorização pela Embargada a “(...) preencher a livrança com uma data de vencimento posterior ao vencimento de qualquer obrigação garantida e por uma quantia que o cliente lhe deva ao abrigo do contrata.”
5. Os mutuários não procederam ao pagamento das prestações acordadas nos termos do acordo referido em 3, pelo que o contrato em causa foi resolvido em 14 de agosto de 2010.
6. Decorrente da cessão de créditos, e pelo incumprimento definitivo do contrato de mútuo, a cessionária promoveu pelo preenchimento da Livrança dada em branco, e deu-a à execução.
Do erro da decisão de mérito:
- Da improcedência da exceção da prescrição do crédito exequendo.
A única questão a apreciar é a de saber se a dívida exequenda, titulada por livrança, se extinguiu ou não por prescrição.
E sendo o título executivo uma livrança, cabe distinguir a obrigação cambiária da obrigação subjacente, o que passamos a realizar.
i) - A obrigação cambiária
Insurge-se a embargada/exequente contra a decisão recorrida que julgou procedentes os embargos e extinta a execução por o crédito se mostrar prescrito, entendendo o recorrido bem haver sido decidido.
Considerou o Tribunal a quo que, vencidas todas as prestações na data que a exequente alega como a de resolução do contrato, 14/8/2010, e que quando a mesma intentou a execução, em 8/8/2024, prescrito estava o crédito, sendo de seguir a jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça do acórdão nº 6/2022 e não de aplicar o prazo prescricional ordinário, de 20 anos, previsto no art. 309º do Cód. Civil.
Conclui a apelante não se encontrar o crédito exequendo prescrito, pois a livrança tem como data de vencimento 25/7/2024, sendo essa a data relevante para a contagem do prazo de prescrição de livrança em branco e não tendo o prazo de prescrição da obrigação cambiária decorrido, devem os embargos improceder e a execução prosseguir para cobrança do crédito.
Comecemos por referir que, na verdade, o direito cartular está sujeito a prazos especiais de prescrição extintiva, previstos nos termos do art. 70.º, da LULL, sendo tais prazos diferentes consoante as posições dos sujeitos cambiários. A prescrição é uma forma de extinção dos direitos cartulares[1] e para os direitos cambiários há presunções especiais, com prazos prescricionais privativos, estando tais direitos “sujeitos a prazos de prescrição extintiva bastante curtos, que variam consoante a posição relativa dos signatários da letra: tais direitos prescrevem no prazo de 3 anos a contar da data do vencimento (contra o aceitante), de 1 ano a contar do protesto ou do vencimento se houver cláusula dispensando aquele (do portador contra os endossantes ou o sacador), ou de apenas seis meses a contar do acionamento ou pagamento do endossante (do endossante contra os demais endossantes ou o sacador) (art. 70º da LULL). Sublinhe-se que a prescrição dos direitos de um sujeito cambiário não afeta os demais – assim, o art. 71º da LULL determina que a interrupção da prescrição só opera em relação ao signatário a quem respeita (arts. 323º e segs do CCivil) – e não acarreta a extinção dos direitos subjacentes – já que, como vimos, as relações cambiárias e fundamentais coexistem, não importando a extinção prescritiva do crédito cambiário e extinção do crédito causal”[2]. Por força da regra remissiva do art. 77º, da LULL, são aplicáveis às livranças os mesmos prazos de prescrição das letras (arts 70º e 71º). O prazo de prescrição de três anos, previsto no art.º 70.º, da LULL, é, pois, aplicável ao aceitante da letra/subscritor da livrança.
Contudo, cumpre deixar claro que a prescrição de obrigação cartular, dado o princípio da autonomia, não implica a extinção da obrigação subjacente[3]; a extinção, por prescrição, da obrigação cambiária não atinge a obrigação causal ou subjacente[4], já o contrário não sucedendo.
Não podemos deixar de concordar com o entendimento de numa livrança em branco, a não se verificar violação do pacto de preenchimento, o prazo de prescrição da obrigação cambiária é de três anos, previsto no art.º 70.º “ex vi” 77.º da LULL, contando-se a partir da data de vencimento que venha a ser aposta no título pelo respetivo portador.
Porém, não tendo o título entrado em circulação, o caso, sendo os sujeitos da obrigação cambiária os da relação subjacente, estando as partes nas relações imediatas, não pode deixar de ter de se considerar e atender à relação subjacente e de, a verificar-se um facto extintivo da relação subjacente ele ser oponível e, invocado, ter de ser atendido, com extinção da obrigação cambiária.
Não se verificando prescrição da obrigação cambiária, a questão que nos cabe analisar é, contudo, a da prescrição da obrigação subjacente e respetivas consequências.
Considera-se no Acórdão deste Tribunal de 11/5/2020, proc. 56/19.2T8LOU-B.P1, acessível in dgsi.pt, que, não consagrando o legislador um limite temporal para o preenchimento da livrança em branco, “a jurisprudência nacional, depois de numa primeira fase ter perfilhado o entendimento de que a ausência de previsão legal quanto a tal limitação implicava a estrita validade da data de vencimento que o portador viesse a incluir no título, tem vindo a perfilhar, de forma que cremos ser unânime, o entendimento de que o prazo prescricional previsto no artigo 70.º da LULL corre a partir do dia do vencimento inscrito pelo portador desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento.”[5] E mais vem aí entendido “não se nos afigura sustentável que as livranças em apreço se encontram prescritas - pois que não se evidencia, à luz do pacto de preenchimento e na interpretação que dele achamos por correcta que o embargado/recorrido tivesse que nela inserir obrigatoriamente como data de vencimento a data do incumprimento e resolução contratual da relação subjacente -… ou, ainda, no máximo, a data correspondente aos três anos subsequentes a partir daquela data” e “Da mesma forma se não pode dizer que a circunstância de as livranças em apreço não se encontrarem ainda preenchidas quanto à data do seu vencimento corresponda a uma aplicação ou interpretação abusiva do pacto de preenchimento, já que como se viu, para tanto era suposto que esta conduta afrontasse o estipulado no pacto, o que também não tem fundamento, ou, ainda, que essa circunstância se traduz numa situação de abuso de direito (artigo 334.º, do Cód. Civil), na modalidade de suppressio ou venire contra factum proprium, sendo certo que, como tem sido afirmado pela jurisprudência, o mero decurso do prazo, sem mais, não permite ao devedor invocar uma legítima confiança na renúncia por parte do credor ao exercício dos direitos que lhe assistem”.
Não estando a obrigação cambiária prescrita, não podemos, contudo, deixar de ter de analisar a questão da prescrição da obrigação subjacente, pois que, estando-se nas relações imediatas, a verificar-se a prescrição da obrigação subjacente não pode tal deixar de se repercutir na obrigação cambiária e de ter o efeito de extinguir o direito do exequente e, consequentemente, a execução.
Na verdade, “os títulos de crédito não nascem “ex nihilo”, tendo a sua emissão, constitutiva do negócio cartular, normalmente subjacente um determinado negócio fundamental ou extracartular (v.g. venda, mútuo, doação). Por isso, a subscrição de um título de crédito pressupõe, via de regra, um acordo celebrado entre os respetivos emitente e destinatário justamente tendente à incorporação dos direitos e obrigações decorrentes desse negócio fundamental ou subjacente no documento abstrato: é a chamada “convenção executiva” (pactum de cambiando), a qual pode fixar para o negócio cartular uma função de pagamento (“solvendi”), de crédito (“credendi”) ou de liberalidade (“donandi”) relativamente ao negócio fundamental…”[6] . Assim, “a emissão de um título de crédito, e o conexo nascimento da relação cartular, tem em si subjacente, por regra, um determinado negócio ou relação jurídica fundamental”, “passam a existir entre aqueles sujeitos duas relações jurídicas paralelas mas distintas – a relação jurídica fundamental (“ex causa”) e a relação jurídica cartular (“ex cartula”) -, podendo então colocar-se o problema da coexistência e articulação entre ambas: nascida a relação “ex cartula” extingue-se a relação “ex causa”, ou, ao invés, subsistem as duas lado a lado?”[7].
Certo é que “visando ambas as relações a satisfação do mesmo interesse económico do credor, é obvio que o cumprimento de uma das obrigações (cartular ou causal) conduzirá, por via de regra, à extinção da outra, sob pena de o devedor ficar vinculado a uma duplicação de pagamentos ou garantias” e “frustrando-se o exercício da ação cartular (v.g., por prescrição), poderá aquele sujeito acionar o devedor com base na relação fundamental, prevalecendo-se… do respetivo regime legal (v.g. prazos de prescrição)”[8].
Com efeito, “consoante os sujeitos da relação cartular se encontram ou não ligados entre si por uma relação fundamental (e uma convenção executiva), tais relações podem classificar-se em duas grandes categorias – as relações imediatas e as relações mediatas. Ao passo que as primeiras ligam sujeitos cartulares que são simultaneamente sujeitos da relação subjacente ou convenção executiva (relações entre sacador e sacado, sacador e tomador, endossante e endossado, avalista e avalizado), as últimas são aquelas que opõem um determinado sujeito cartular a todos os demais intervenientes na circulação do título (v.g. relação entre sacador e um endossado)”[9].
“O direito cambiário é um direito autónomo, mas só deixa de estar sujeito às exceções fundadas em convenções extra-cartulares e às exceções causais através e em virtude dos princípios da literalidade e da abstração”[10]. Com efeito “as exceções decorrentes das convenções extra-cartulares em geral e as exceções causais, que são oponíveis ao portador imediato … são inoponíveis ao portador mediato”[11].
E “Como se justifica que, sendo a obrigação abstrata, as excepções ex causa sejam oponíveis a quem tiver participado na convenção causal?
É este o problema da justificação da diversidade de regimes da obrigação cambiária conforme ela seja invocada nas “relações imediatas” ou nas “relações mediatas”.
Ora, nas relações imediatas, “aquelas que se situam nas relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato, nas quais os sujeitos cambiários também o são de convenções extracartulares, tudo se passa como se a relação cambiária deixasse de ser literal e abstracta, ficando sujeita às excepções que afectem, fundamentem, essas relações pessoais – cf. Ferrer Coreia, Lições de Direito Comercial, 1994, pág. s 49/50.
Em idêntico sentido, Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, 2016, pág.s 66 a 69, que defende que em virtude do carácter instrumental da obrigação cambiária perante a relação fundamental, conclui que as vicissitudes que afectam a relação subjacente se refletem na pretensão cambiária, quando ali refere (pág. 69):
“…, sempre que o devedor esteja em condições de fazer valer factos impeditivos ou extintivos da pretensão fundamental do credor, o carácter instrumental da pretensão cambiária determina a sua vulneração. A circunstância de a obrigação fundamental se não haver validamente constituído ou de vir a ser extinta não pode deixar de comprometer irremediavelmente a obrigação cambiária para a solver, garantir, novar, etc.”.
A invocação da prescrição (…) é, assim, legitimada pelo carácter de instrumentalidade da relação cambiária perante a relação fundamental, tal como decorre do disposto no artigo 32.º, da LULL, ex vi seu artigo 77.º”[12].
“E na situação do portador imediato está também o possuidor da letra que a tenha recebido por título diferente do endosso: cessão, … trata-se aqui de um representante do transmitente, e portanto são-lhe oponíveis todas as exceções que seriam oponíveis a este”[13], o caso.
A “obrigação cambiária como que muda de natureza nas relações imediatas… deixando aí de ser literal e abstrata”, bem se percebendo a razão prática da diversidade de regimes “tendo presente que a disciplina jurídica especial da letra é assegurar a sua fácil circulação, através da proteção de terceiros. É bem natural, pois, que o regime cambiário normal não funcione enquanto o título não ultrapassar o círculo das relações imediatas”[14].
As exceções invocadas nas relações imediatas funcionam como “uma contra-pretensão” para “anular” a obrigação cambiária com base na relação subjacente[15].
Assim, encontrando-se as partes nas relações imediatas, extinta a obrigação fundamental por prescrição, invocada nos embargos e objeto do recurso, não pode a obrigação cambiária deixar de se considerar extinta.
O acordo de preenchimento é uma convenção extracartular, não sujeita a forma, em que as partes ajustam os termos em que deverá ser definida a obrigação cambiária, como seja o montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a data do pagamento, devendo o preenchimento do título ser efetuado em conformidade com o convencionado, sob pena de violação do pacto de preenchimento.
Ora, uma vez completado o preenchimento do título e colocado este em circulação, cabe distinguir o domínio das relações mediatas do domínio das relações imediatas e, no âmbito destas, é lícito invocar a violação do pacto de preenchimento, embora recaia sobre o obrigado cambiário o ónus da prova dos factos que a densificam (cfr. artigos 342º n.º 2 e 378º do Código Civil e artigos 10º e 17º da LULL, a contrario)[16].
No âmbito das relações imediatas, como é o caso, relevam e são oponíveis as exceções extracartulares, ou seja, as exceções pessoais e causais decorrentes da relação fundamental (art. 17º, da LULL) podendo os executados, subscritores da livrança, defender-se invocando a seu favor a prescrição do direito da exequente.
Assim considerou o STJ ao decidir “I - No caso de o título executivo ser uma livrança, estando a mesma no domínio das relações imediatas, é lícito aos obrigados cambiários invocar as excepções peremptórias inerentes à relação causal, impeditivas, modificativas ou extintivas do direito exercido, para afastar a exigência decorrente da obrigação cartular, por tudo se passar como se a relação cambiária deixasse de possuir as propriedades da literalidade e da abstracção. II - Assim, nas relações imediatas, a prescrição da obrigação causal acarreta a extinção da obrigação cambiária”[17].
Vejamos, pois, se se encontra ou não prescrita a obrigação causal.
ii) - A obrigação causal/subjacente.
Sustenta a recorrente que o prazo de prescrição da obrigação causal é de vinte anos, previsto no art. 309º, do Código Civil, diploma a que nos reportamos na falta de outra referência, e não de cinco anos, como considerou o Tribunal a quo, pois vencidas todas as prestações devido ao incumprimento definitivo verificado volta a ter a natureza de capital e de juros.
Como foi analisado pela ora relatora[18] e aqui se reafirma, a prescrição, que tanto pode ser invocada por ação como por exceção, traduz a repercussão do tempo nas relações jurídicas, consequência do caráter de ordem pública de que se reveste o instituto, destinado a tutelar a certeza do direito e a segurança do comércio jurídico[19], “é frequentemente considerada contrária à justiça e à moral, sendo muitas vezes questionada a sua necessidade e oportunidade. (…) Distintas razões concorrem para a sua justificação, conforme à constituição: probabilidade de o dever ter já sido cumprido, presunção de renúncia do titular do direito, sanção da sua negligência, consolidação de situações de facto, proteção do devedor contra dificuldades de prova, promoção do exercício oportuno de direitos, etc.” Valores essenciais de segurança e certeza jurídicas falam mais alto, prevalecendo sobre a justiça, tensão que tem de ser temperada, surgindo a prescrição, de qualquer modo, “como uma forma de sanção da inércia ou negligência injustificada do titular que não exerce o direito em período razoável. A passividade sugere que já não está interessado na invocação do direito, por isso se considera que, em tais casos, deixa de merecer a tutela jurídica”[20].
Em função de ponderações efetuadas pelo legislador, são consagrados, conforme as diversas situações, distintos prazos de prescrição, como decorre da “Subsecção II”, arts 309º e segs, sendo que aquele artigo consagra o “Prazo ordinário”, que é de “vinte anos”, aplicável, sempre, independentemente da boa ou má-fé de quem invoca a prescrição, na ausência de prazo especial.
Resulta, pois, a prescrição “de dois fatores: inércia do titular do direito e decurso do tempo. E o período necessário para produção do efeito prescricional será aquele que, para o caso, for fixado”[21].
Vejamos se a obrigação substancial se enquadra em alguma situação de prazo especial, caso em que será esse o aplicável, conforme o brocardo lex specialis derogat generalis, ou se, na falta dele, se subsume ao prazo geral, como a apelante pretende.
O artigo 310º, que os embargantes invocaram e o Tribunal convocou para a solução do caso, consagra, com a epígrafe “Prescrição de cinco anos”, casos de prescrição extintiva com prazo especial mais reduzido, prescrição de curto prazo, estatuindo
“Prescrevem no prazo de cinco anos:
a) As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias;
b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;
c) Os foros;
d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
f) As pensões alimentícias vencidas;
g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis” (negrito nosso).
O reduzido prazo justifica-se, pela ideia de tutela do devedor, nestas situações em que estão em causa direitos que têm por objeto prestações periódicas e as prescrições de curto prazo destinam-se essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor (M. de Andrade, Teoria geral, II, 1966, pág 452)[22], presidindo, pois, a esta opção do legislador dar “prevalência ao interesse do devedor em não acumular múltiplos encargos, perante a inércia do credor”, sendo que “As obrigações abrangidas por este preceito pressupõem diversos atos de execução, a satisfazer regularmente”[23](sublinhado e negrito nosso).
Ora, quanto a estas prestações periódicas e à fixação em tais casos, do prazo quinquenal de prescrição, a ratio é “atenta a autonomização promovida entre o prazo prescricional aplicável ao uno (i.e., à obrigação) – prazo ordinário de vinte anos (v. o art. 309º) – e ao múltiplo (i.e., a cada prestação singular que integra o complexo duradouro) – precisamente o prazo especial de cinco anos”[24] (negrito nosso). E “A ratio normalmente apontada para a existência destes prazos mais curtos de prescrição consiste em evitar que a inércia do credor conduza a um acumular de prestações, normalmente pecuniárias, cuja exigência poderia revelar-se extremamente onerosa para o devedor. Nas palavras sugestivas de Ana Filipa Moraes Antunes (2008:79), trata-se de “evitar a ruína do devedor pela acumulação das pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicas” (p.79)”[25]. Refere a mesma autora “julga-se que o critério que se impõe observar, na correta aplicação do artigo 310º, é precisamente o da periodicidade do direito, isto é, a circunstância de nos encontrarmos perante prestações que se constituem e se vencem, em certo e determinado tempo, levando consigo o perigo sério de acumulação de dívida. O artigo 310º não pode, nesta medida, ser dissociado da ideia de prestação periódica. Esclarecendo o conceito de prestações periódicas, o Acórdão do STJ de 3 de Fevereiro de 2009 (processo 08A3952) – “Prestações periódicas, reiteradas, repetidas ou com trato sucessivo são prestações de natureza duradoura que, não sendo de execução continuada, se renovam em prestações singulares sucessivas, em regra ao fim de períodos consecutivos – verificando-se o cumprimento através de actos sucessivos com determinados intervalos - e de formação correspondente a esses períodos, indicando-se habitualmente como exemplos da espécie as prestações do locatário, do fornecedor de bens de consumo ao respectivo estabelecimento de venda, do consumidor de água ou electricidade. Em regra, as prestações reiteradas ou repetidas são periódicas pois que se formam, como dito, com certa periodicidade, renovando-se. A prestação de obrigação periódica, quer na formação, quer na determinação do respectivo objecto, anda ligada ao factor tempo, de que depende”[26].
E cumpre deixar claro que, no enquadramento jurídico do caso, dentro deste preceito, se deve verificar, em primeiro lugar, se o mesmo cabe “nalguma das primeiras alíneas de tal preceito legal – máxime na situação prevista na al. e) – só depois se passando, se necessário, à interpretação da norma residual que consta da al. g): ou seja, há, em primeiro lugar, que verificar se, na situação litigiosa, o crédito feito valer pelo exequente se consubstancia em quotas de amortização do capital pagáveis com os juros; e só no caso de a resposta a esta questão ser negativa cumprirá verificar se o crédito feito valer pela entidade exequente se pode configurar como conjunto de prestações periodicamente renováveis, susceptível de caber na norma residual constante da citada al. g)”[27].
E o prazo de cinco anos começa a contar-se, segundo a regra do artigo 306º, a partir da exigibilidade da obrigação[28], valendo tal prazo para cada uma das prestações que se vai vencendo e não para a obrigação no seu todo[29].
Ora, o enquadramento na situação consagrada na al. e), do art. 310º, exige uma análise das circunstâncias do caso concreto, sendo que o curto prazo de prescrição de cinco anos é o que se aplica a um crédito proveniente de prestações de um mútuo pagáveis com os juros. Na “situação prevista na al. e) não está em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizado num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração”[30].
E o prazo prescricional de cinco anos inicia-se para cada uma das quotas que se vencer e não para o todo. Na linha do sustentado por Vaz Serra, nos Trabalhos Preparatórios, o C.C. vigente impõe um prazo prescricional único, de curta duração, aplicável a capital e aos juros correspondentes, que devam ser pagos de forma conjunta. Releva, pois, uma perspectiva de análise atomística[31].
Destarte, a prestações do contrato de mútuo de amortização do capital pagáveis com os juros é aplicável o prazo especial de cinco anos, assim o consagrando expressamente a lei (referida al. e)) e sendo essa, como vimos, a interpretação que dela é feita, quer pela Doutrina quer pela Jurisprudência, na sua aplicação casuística, conforme aos princípios constitucionais, atento o referido.
Invoca a apelante o incumprimento do devedor e a resolução em 14/8/2010 e vencimento de todas as prestações passando, nessa data, a obrigação a única.
Ora, o que a exequente pretende é o pagamento coercivo das prestações do mútuo não pagas (parte do capital e juros).
E, na verdade, “Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos” e “neste caso – apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, - a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição”[32].
Assim decidiu o STJ, no citado Acórdão, onde convoca a Jurisprudência daquele Supremo Tribunal[33] (Ac. de 27/3/14, proferido por esta mesma Secção no P. 189/12.6TBHRT-A.L1.S1), em que se entendeu, em caso em que estava igualmente em causa a efectivação de direitos emergentes de um mútuo bancário, que:
1. O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (art.º 309.º do C.Civil); todavia, prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros - art.º 310.º, alínea e), do C. Civil.
2. O débito concretizado numa quota de amortização mensal de 24 prestações (iguais, mensais e sucessivas) referentemente ao capital de 7.326.147$00, enquadra -se na previsão legal do disposto no art.º 310.º, alínea e), do C. Civil[34],
aí se reforçando, o mesmo sucedendo no presente caso, que “no caso do débito do capital mutuado, estamos confrontados com uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais; ou seja, em bom rigor, não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações.
Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que - por explicita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.
Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310º.
Ora, no caso dos autos, como decorre da matéria de facto apurada, as partes estipularam efectivamente, no âmbito da operação de crédito que gerou a dívida da executada, o pagamento da mesma em … prestações mensais sucessivas, de montante predeterminado, que incluíam, quer a amortização fraccionada do capital mutuado, quer o pagamento dos respectivos juros remuneratórios, o que dita a aplicação do estatuído na referida al. e) do art. 310º - e, consequentemente, do prazo prescricional de 5 anos à totalidade de tais prestações globais e parceladas[35].
Vencidas todas as prestações em 14/10/2010 proposta a ação executiva apenas em 8/8/2024, não pode deixar de se ter por verificada a exceção de prescrição, em meados de outubro de 2015, sendo que continua a respeitar a frações/quotas/prestações de amortização da prestação (una[36] – obrigação de prestação fracionada ou repartida) de capital e juros, pelo que, contrariamente ao que a apelante pretende, se não pode deixar de falar em ser aplicável o prazo especial de prescrição de 5 (cinco) anos, explicitamente consagrado na al. e), do art. 310º, do Código Civil, o que afasta o prazo geral de prescrição, estatuído no artigo 309º do mesmo diplomo legal, estando prescritas todas as prestações (de capital e juros) e mesmo de juros posteriores também prescritos, na totalidade, nos termos do referido artigo (cfr. als d) e e).
Bem conclui o Tribunal a quo não poder o prazo de prescrição deixar de ser o de cinco anos (alínea e), do artigo 310.º do Código Civil), encontrando-se, até, a jurisprudência pacificada, pois no dia 30/06/2022, o “Supremo, em Pleno das Seções Cíveis, em Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, uniformizou, a seguinte jurisprudência:
“I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.”
“II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”.
E “Como resulta da jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 6/2022, o prazo de prescrição quinquenal (previsto no artigo 310, alínea e) do CC) continua a ser o prazo de prescrição aplicável no caso de vencimento antecipado das quotas de amortização"[37].
Entendeu o Tribunal a quo e bem, verificada a prescrição, dado o vencimento ocorrido e considerando a data de incumprimento, 14.08.2010, e a de instauração da execução (em 8/8/2024), momento este em que tinha já decorrido o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artº 310º do Código Civil.
Na verdade, resultando provado que o contrato de mútuo, celebrado entre os Executados e o Banco 1..., SA em 22/07/2005 e subjacente à emissão da livrança, previa o prazo de reembolso do capital e juros do mesmo em 84 prestações e que os mutuários deixaram de pagar as prestações, mostrando-se o contrato definitivamente incumprido em 14/8/2010, verifica-se que ocorreu o vencimento de toda a dívidaantecipado e à data da propositura da execução (em 2024), decorrido estava o prazo de prescrição especial de curto prazo (5 anos).
Assim, garantindo a livrança capital e juros emergentes do contrato de mútuo (cfr. f.p.s 4 e 6), a única questão que cumpria resolver era a de saber se o prazo de prescrição do capital e dos juros peticionados na execução é o geral, de 20 anos, ou se preenchidos estão os pressupostos da aplicação da prescrição especial de curto prazo (5 anos).
E bem resultando provado que a livrança entregue em branco se destinava a garantir as obrigações de capital e respetivos juros do contrato de mútuo, estando tal crédito prescrito, como bem sustenta o apelado nas conclusões supra exaradas, não pode a execução prosseguir contra o executado/embargante.
Neste conspecto, não pode deixar de se entender: “Estando subjacente à emissão da livrança um crédito emergente de contrato de mútuo bancário em que se estabelecia o pagamento do montante financiado em prestações mensais que incluíam juros remuneratórios e amortização do capital, essas obrigações estão sujeitas ao prazo prescricional de 5 anos”; “Nas relações imediatas, tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta, ficando sujeita às excepções que nessas relações pessoais se fundamentem” e “Tendo a livrança exequenda sido entregue em branco com o propósito de servir de garantia do cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato de mútuo, a prescrição da obrigação causal determina, no domínio das relações imediatas, a necessária extinção da obrigação cartular”[38], sendo os embargos de executado uma verdadeira ação declarativa, uma contra ação dos executados à ação executiva do exequente, com vista a extinguir a execução ou a obstar à produção dos efeitos do título executivo, recaindo sobre o embargante o ónus de alegação e o de prova da inexistência de causa debendi ou do direito do exequente, de factos que, em processo declarativo, constituiriam matéria de exceção, densificando causa impeditiva, modificativa ou extintiva daquele direito (nº2, do art. 342º), tendo-o o embargante satisfeito bem foram os embargos julgados procedentes.
Refira-se, por fim, que, para que a prescrição possa ser conhecida tem de ser invocada (cf. artigo 303.º), tendo de ser densificados os factos relativos à prescrição da obrigação cambiária e/ou os relativos à prescrição da obrigação subjacente, dela não podendo haver apreciação oficiosa, e tendo-o, no caso, sido relativamente à obrigação subjacente, não pode a exceção da prescrição da relação subjacente deixar de ser apreciada e de proceder.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
Porto, 10 de novembro de 2025