SUSPEIÇÃO
JUIZ
INDEFERIMENTO
OMISSÃO DE DECISÃO
EXTEMPORANEIDADE
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário

I. A circunstância processual de, objetivamente, o requerente da suspeição ter apresentado nos autos de regulação 4 requerimentos, ainda não apreciados e, a progenitora, 2 requerimentos, que foram apreciados e, bem assim, a circunstância de a Juíza se ter “conformado” com a pronúncia da progenitora, na sequência do 1.º despacho prolatado nos autos de regulação, não podem fazer inferir alguma inimizade do julgador para com o requerente da suspeição, nem, ao invés, qualquer amizade do julgador para com a contraparte (ou seu mandatário).
II. A procedência ou improcedência de uma pretensão não pode nunca confundir-se com uma situação de inimizade ou amizade, respeitando sempre aquela a uma fundamentação que é legalmente exigida (cfr. artigo 154.º, n.º 1 do CPC).
III. Relativamente à invocação do requerente da suspeição de que a Juíza não se pronunciou sobre os 4 requerimentos – de natureza semelhante – do requerente da suspeição, cumpre assinalar que o curso processual da tramitação do processo em questão se encontra a ser devidamente assegurado, não se revelando qualquer comportamento da Juíza no sentido de qualquer parcialidade. A ausência de seguimento de tramitação ou de resposta a solicitações de uma das partes (questões que, aliás, mereceram pronúncia da Senhora Juíza na resposta formulada no presente incidente) nunca representariam, em si mesmo, qualquer quebra da imparcialidade devida, mas, no limite, o incumprimento do dever de decisão ou de atempada decisão (o que, contudo, não revela para um juízo de procedência do incidente de suspeição requerido).
IV. Com efeito, não se insere no âmbito ou na finalidade do incidente de suspeição, a apreciação sobre a observância/inobservância, pelo julgador, dos deveres a seu cargo (em particular do dever de diligência, a que se reporta o artigo 7.º-C do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na tramitação processual), aspeto relativamente ao qual, o ordenamento jurídico estabelece meios próprios para colocar em crise uma tal conduta (ou omissão) do juiz, desde logo, de índole disciplinar.
V. O requerente conhecia e não podia deixar de conhecer – na data em que foi deduzido o incidente de suspeição - a gravidade da imputação da suspeição, fundada em “inimizade grave ou grande intimidade entre o juiz e alguma das partes ou seus mandatários” (cfr. artigo 120.º, n.º 1, al. g) do CPC), mas, com invocação da parcialidade do julgador, cerne da função de juiz e causa primeira da sua dignidade, sem qualquer substância relativamente a si, agiu, senão com dolo, pelo menos, com negligência grosseira ou grave, litigando de má fé, pois, uma outra pessoa, colocada na sua situação, não se prestaria a mostrar adesão/a mandatar advogado para a prática do ato processual – de apresentação do requerimento de suspeição - correspondentemente praticado.

Texto Integral

Processo nº 5336/23.0T8LSB-C.L1
Suspeição
2ª Secção
*
I.
1. AA, requerido no processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, que corre termos sob o n.º 5336/23.0T8LSB-A, no Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz 5, veio, por requerimento apresentado em juízo em 30-06-2025, subscrito pelo Sr. Advogado BB, deduzir incidente de suspeição, relativamente à Sra. Juíza de Direito CC, alegando, em suma, que:
- Ficou absolutamente estupefacto, profundamente revoltado e desiludido, por ter tomado conhecimento, em 16-06-2025, através de notificação de processo em curso no Supremo Tribunal do Malawi, em que a progenitora da criança DD solicita autorização excepcional e urgente para uma recolocação da criança em Portugal, usando como fundamento a necessidade imperiosa de comparência da menina na Conferência de Pais, agendada para 01-07-2025, pelas 11h45, em Lisboa, o que é mentira da progenitora;
- Apresentou em juízo – no apenso A – no dia 18-06-2025, requerimento estranhando a pendência dos autos, requerendo que a Sra. Juíza desse sem efeito a conferência de pais agendada para 01-07-2025, por inadmissível, por não considerar internacionalmente competente a jurisdição portuguesa para regular as responsabilidades da criança, residindo esta habitualmente no Malawi e por outros factos que, em seu entender, poderão merecer censura penal;
- A Sra. Juíza não se pronunciou sobre o requerimento;
- Voltou, nos dias .20-06, 23-06 e 25-06, a remeter para aqueles autos, requerimentos de natureza semelhante, alegando sensivelmente os mesmos fundamentos, reforçando até alguns deles com decisões esmagadoramente maioritárias e uniformizadas da Jurisprudência portuguesa sobre este tipo de processos de regulação de responsabilidades parentais, em que nenhum dos interessados tem residência habitual em Portugal;
- Os requerimentos estão todos sem resposta/pronúncia por parte da Sra. Juíza, sendo que, dois requerimentos apresentados nos autos pela progenitora – em 28-05-2025 e 17-06-2025 – foram respondidos com 2 despachos (em. 05-06-2025 e 21-06-2025) e decididos favoravelmente às pretensões da progenitora;
- Pelo acompanhamento que a Sra. Juíza teve e tem tido do processo de divórcio (autos principais) em curso, tinha conhecimento que todos os intervenientes residiam permanentemente no Malawi, do que deu nota no 1.º Despacho proferido nos autos de regulação das responsabilidades parentais, sendo de estranhar que, sabendo disto, se tenha bastado com a resposta que o Mandatário da Progenitora deu no requerimento de 22-05-2025, pelo qual informou que esta teria residência alternada entre Portugal e o Malawi, apenas pela necessidade de acompanhamento da menina, mas que a sua residência era em Portugal;
-- Sabendo disto tudo, não só porque teve conhecimento de muitas destas situações durante o julgamento do processo de divórcio e após denúncia específica de tudo isto naqueles 4 requerimentos, não pode conceber o Recusante, que sejam ignorados e fiquem sem resposta os factos constantes daqueles requerimentos;
- A Progenitora vê todas as suas pretensões apreciadas e decididas favoravelmente, o que denota proximidade e intimidade da Sra. Juíza com o Mandatário da Progenitora, uma vez que durante a audiência de Julgamento do processo de divórcio, quando ainda ninguém tinha falado disso, a dada altura a Meritíssima Juiz afirmou que sabia que após a acção de divórcio a progenitora daria entrada de uma acção de regulação das responsabilidades parentais, algo que efectivamente aconteceu no passado dia .14-05, sendo que esta informação havia sido prestada pelo Mandatário da progenitora, como se pode ouvir pela gravação da audiência de julgamento;
- Ora, se durante a audiência ainda ninguém tinha falado disso, como é que a Meritíssima Juiz Recusada já sabia dessa intenção da progenitora?
- A partir daqui, gerou-se desconfiança do Recusante perante a Meritíssima Juiz, agravada pelo total silêncio, indiferença e desvalorização dos requerimentos apresentados pelo Recusante nos autos do processo de regulação.
Juntou prova documental.
... Na sequência do referido em 1., a Sra. Juíza de Direito visada, por despacho de 01-07-2025, veio responder - concluindo pelo indeferimento do incidente suscitado - invocando, nomeadamente, que:
“(…) Relativamente ao que é alegado pelo ilustre mandatário do pai como fundamentos da suspeição, apenas é verdade que foi aberta conclusão no dia 18-06-2025, no âmbito dos autos principais de regulação do exercício das responsabilidades parentais e o requerido já havia apresentado o requerimento de 28-05 no sentido de ser dada sem efeito a diligência, estando ainda por apreciar o requerimento da parte contrária de 28.05.
O despacho foi proferido em 21.06 e apenas se pronunciou sobre o requerimento de 28.05 da parte contrária e não sobre o requerimento do ilustre mandatário do pai, apresentado em 17.06 e reforçado entretanto com os requerimento de 20.06 (apresentado antes de ter sido proferido despacho).
Sucede que o Tribunal entende que não se tinha que pronunciar sobre tais requerimentos na medida em que sobre os mesmos ainda não havia sido exercido o contraditório, para além de que o próprio requerido (pai) ainda não se encontrava sequer citado.
A questão suscitada da incompetência Internacional só poderá ser apreciada após o exercício do contraditório da parte contrária e parecer do MºPº, nomeadamente e eventualmente (se a prova a produzir for bastante) mesmo em sede da diligência agendada. Note-se que, tendo a progenitora alegado na petição inicial da regulação das responsabilidades parentais residir em Cascais tal como a menor e residir o progenitor em Vila Nova de Gaia, o facto de o progenitor o negar, se tratará de uma questão de prova oportunamente a produzir no âmbito da exceção invocada, a fim de a mesma ser oportunamente decidida.
Em suma, não há qualquer omissão de apreciação por parte da signatária, na medida em que os autos ainda não permitiam tal apreciação.
Quanto ao mais, parece-nos que o ilustre mandatário faz longa dissertação sobre os critérios da residência e da competência Internacional, os quais não têm qualquer relevância para o incidente de suspeição levantado.
Apenas uma nota para realçar que o ilustre mandatário do progenitor deu entrado em 26.06.2025 , por apenso à ação de regulação das responsabilidades parentais, de providência cautelar para suspender/adiar a diligência marcada nesses autos, e apesar de na PI ter invocado factos falsos e gravosos e ofensivos para a ora Signatária, alegando favorecimento do Ilustre mandatário da progenitora e relação de “intimidade” com o mesmo, o que é obviamente mentira, não conhecendo sequer a signatária, a título pessoal o ilustre mandatário da parte contrária, absteve-se de o mencionar nestes autos tais falsidades, que, contudo, convém desde já assinalar que se tratam de absolutas e completas falsidades.
Afigura-se-nos, pois, que o único intuito de o ilustre mandatário quer com a providência cautelar, quer com o presente incidente era efetivamente adiar a diligência designada, conduta que deverá ser apreciada à luz do art 542º do CPC (…)”.
3. Em 02-07-2025 foi proferido despacho pelo signatário, do seguinte teor:
“Em conformidade com o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, notifique o requerente da suspeição para, querendo e em 5 (cinco) dias, se pronunciar sobre a questão da tempestividade do incidente de suspeição deduzido e sobre a questão da litigância de má fé, cuja apreciação é de oficioso conhecimento (e a última foi suscitada pela juíza visada com a suspeição), mas sobre as quais, ainda não foi dada oportunidade, ao mesmo, de se pronunciar.”.
4. Por requerimento de 15-07-2025, o requerente da suspeição pronunciou-se, dizendo, nomeadamente, o seguinte:
“(…) A – DA INTEMPESTIVIDADE DO INCIDENTE DE SUSPEIÇÃO
(…) 3. – Ora, não pode discordar mais o aqui Recusante do que foi expresso na Resposta, uma vez que, desde logo, já desde o processo do divórcio a Meritíssima Juíza Recusada tinha total conhecimento de que todos viviam no Malawi, desde ....
4. - Aliás, tanto o aqui Recusante como a sua ainda esposa (dado que o processo de divórcio ainda não tem sentença), quando intervieram na audiência de julgamento (e ambos prestaram declarações de parte) fizeram-no por videochamada, por Webex, do Malawi, já que ambos lá residem habitualmente e lá vivem desde ..., ano da separação de facto.
5. - Conforme se pode demonstrar pelas Actas das sessões de julgamento ora juntas, como Documentos n.ºs 1 a 4, aqui em anexo, os quais se reportam às Actas da Audiência Prévia, realizada no dia .13-01-2025, pelas 10h30, no âmbito do Processo 5336/23.0T8LSB,
6. – Bem como às sessões do Julgamento realizadas nos dias ... pretérito, pelas 10h, ... último, pelas 14h, e ... de ... de 2025, pelas 15h30, respectivamente,
7. – Sendo que, pelas 3 primeiras Actas, da Audiência Prévia e das duas primeiras sessões da Audiência do Julgamento, se pode confirmar que os ainda cônjuges participaram nas mesmas apenas por videochamada, por Webex,
8. – Para além de que, pelas actas das sessões de julgamento de 10-03-2025, constante do Documento n.º2 em anexo, aquando das declarações de parte da Autora a mesma afirmou que residia no Malawi, como se pode perceber pela transcrição daquela Acta na sua página 2, onde se expressa:
“… EE, casada, estudante e advogada-estagiária, residente em Malawi. ---
Foi advertida do dever de falar com verdade. ---
As suas declarações encontram-se registadas no módulo «H@bilus Media Studio». ---" (destaque e sublinhado nossos)
9. – Assim como pela Acta da sessão de dia ... de ... de 2025, ora junta como Documento n.º3, também em anexo, se pode verificar:
“…Logo após a Mmª. Juiz procedeu à tomada de declarações de parte do réu, o qual se identificou nos seguintes termos: ---
AA, casado, Diretor Financeiro, residente na área 10, n.º 1324, Lilongwe 3, Malawi. ---
Foi advertido do dever de falar com verdade. ---
As suas declarações encontram-se registadas no módulo «H@bilus Media Studio». ---" (realce e sublinhado nossos também)
10. – Assim se podendo perceber que, por declaração de parte de ambos os intervenientes naquele processo de divórcio, os mesmos deixaram claro que residiam no Malawi,
11. – Como aquelas Actas demonstram, claramente, mas os mesmos afirmaram até o afirmaram expressamente quando a Meritíssima Juíza Recusada os questionou sobre qual o local de residência,
12. – Para além de, por força dessa residência no Malawi ambos solicitaram a participação e intervenção na Audiência Prévia e no Julgamento, por videochamada, com recurso ao Webex, o que foi autorizado pela Recusada.
13. – Para além disto, nas sessões de julgamento e em sede de declarações de parte ambos assumiram que a menina, DD, por força de uma decisão do Child Justice Court do Malawi, que determinou uma guarda partilhada da menina, residia no Malawi, em Lilongwe, residindo alternadamente, de semana em semana, na casa de cada um dos pais.
14. – Pelo que é absolutamente incompreensível que a Meritíssima Juíza Recusada sabendo disto e tendo, no seu primeiro Despacho proferido no processo de regulação das responsabilidades parentais, questionado o Mandatário da Autora, sobre onde esta residia porque tinha conhecimento que todos viveriam no Malawi, e este ter respondido de forma falaciosa que a Autora e a menina residem em Portugal,
15. – Desde Março do corrente ano só porque esta celebrou, juntamente com o seu actual companheiro, um contrato de arrendamento 1-03-2025 de um imóvel situado em Cascais, sem que lá tivesse colocado os pés até ao final do mês de Junho pretérito,
16. – A Meritíssima Juíza Recusada tivesse aceite aquela resposta e passasse a entender que como a Requerente dizia que vivia em Portugal, não obstante tudo o que se conhecia do processo de divórcio, onde todos os intervenientes afirmaram que residiam no Malawi e que a menina, DD, vivia com eles habitualmente no Malawi, desde ...,
17. - O processo de regulação de responsabilidades parentais poderia iniciar-se, continuar e ser agendada uma Conferência de Pais, em Portugal, para o passado dia ... de ... de 2025, pelas 11h45.
18. – Quando nenhum dos progenitores cá vivia, era cá residente, inclusivamente o Requerido e Recusante ainda nem sequer teria sido citado, uma vez que como estava no Malawi teria de ser citado por via postal para aquele País,
19. – O que não viria a ser concretizado e não haveria tempo útil de citação antes de ... de ... de 2025, como veio efectivamente a suceder.
20. – A Meritíssima Juíza Recusada invoca o facto de não ter respondido aos 4 requerimentos do aqui Recusante pela falta de contraditório à contraparte e ao Ministério Público e que o mesmo apenas poderia ocorrer na Conferência de Pais. Aqui chegados,
21. – Tal não é verdade, uma vez que após o aqui Recusante ter efectuado os primeiros requerimentos no processo a solicitar o cancelamento da Conferência de Pais e a invocar a excepção dilatória de incompetência internacional absoluta dos Tribunais portugueses, para o julgamento desta regulação de responsabilidades parentais,
22. – A Meritíssima Juiz Recusada poderia ter ordenado abertura de Vista ao Ministério Público e notificado a Requerente para se pronunciar sobre essas questões suscitadas,
23. – Mas nem isso, sequer, foi efectuado, o que poderia ter permitido, por exemplo, que o Magistrado do Ministério Público pudesse considerar e promover a incompetência absoluta de Portugal para esta regulação e tivesse remetido isso aos autos do Processo de Regulação.
24. – Do mesmo modo que poderia ter notificado a Requerente para se pronunciar sobre a excepção invocada pelo aqui Recusante.
25. – O que também não foi feito e poderia tê-lo sido, já que o 1.º Despacho da Recusada, após os 2 primeiros requerimentos do Recusante, datou de ... de ... de 2025, após aqueles requerimentos e em que nos mesmos era invocada, de forma muito expressa a incompetência internacional da jurisdição portuguesa, os quais foram submetidos em ... de ... de 2025 e ... de ... de 2025.
26. – Bem como a falta de citação do Recusante.
27. – Não esclarece a Meritíssima Juíza Recusada porque é que não optou por abrir Vista ao MP e notificar a Requerente, afirmando que como era um acto que implicava contraditório antes de decisão, optou por aguardar a Conferência de Pais e nessa diligência se cumpriria o contraditório.
28. – Sucede é que não se pronuncia e nem explica porque é que a todos os requerimentos da Requerente deu sempre resposta, proferiu despachos, todos eles favoráveis e aos do Recusante nem sequer notificou o MP e a Requerente para se pronunciarem sobre as questões importantes suscitadas pelo ora Recusante.
29. – O aqui Recusante apresentou 4 requerimentos no processo de regulação de responsabilidades e a nenhum obteve respostas nem sequer se solicitou a pronuncia do MP e da Requerente para se pronunciarem sobre as questões suscitadas.
30. – Não pode ignorar o aqui Recusante toda esta diferença de tratamento e por causa disso viu-se forçado a socorrer-se de uma providência cautelar para solicitar o cancelamento daquela Conferência de Pais, dado que não existia qualquer fundamento de facto e de direito para a realização mesma, mesmo tendo noção de que poderia não ser aquele o meio processual próprio,
31. – Contudo, como não existia qualquer resposta aos Requerimentos apresentados nos autos de regulação, não restou alternativa ao aqui Recusante, do que intentar aquela Providência Cautelar visando a suspensão da aludida Conferência em razão da incompetência internacional absoluta dos tribunais portugueses, quando nenhum dos progenitores e, sobretudo, a menina DD, têm residência habitual e permanente em Portugal.
32. – A este propósito e para se perceber o cenário desta Regulação das Responsabilidades Parentais, no mesmo dia ... de ... de 2025, pelas 9h do Malawi, 8h cá em Portugal, realizou-se uma Audiência perante o Painel de 9 de Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal do Malawi,
33. – Onde estava em apreciação um pedido de recolocação em Portugal da menina DD, solicitado pela mãe, dado que pretendia vir viver para Portugal e trazer a filha de ambos os progenitores, sem o consentimento do progenitor, imagine-se…
34. – Sucede que aquele Supremo Tribunal do Malawi, no mesmo dia ..., deliberou não autorizar a recolocação da menina em Portugal e que a mãe se pretender vir viver para Portugal, pode vir, como é evidente, mas a menina DD fica com o pai, como se pode comprovar pelo Documento n.º5, aqui em anexo, o qual se refere às Decisões que foram tomadas pelo Supremo Tribunal do Malawi naquele dia ..., e que se remete a V. Ex.ª, devidamente apostilado e traduzido para português.
35. – Onde se pode perceber que a mãe fica com a menina de ...ª-... a ..., ficando o pai com a menina no fim-de-semana de 6.ª-..., às 18h, até ...ª-..., às 18h, como se pode perceber pela citação do que expressa aquele Acórdão do Supremo Tribunal do Malawi, em língua inglesa originariamente, no trecho: (…)
37. – Por aqui se percebendo que o Supremo Tribunal do Malawi, no seu painel de 9 Juízes Conselheiros, pelo que esta decisão é irrecorrível, resolveu após Recurso interposto pelo aqui Recusante que os progenitores mantêm a guarda partilhada, mas agora com a diferença que a menina durante as aulas fica com a mãe e aos fins-de-semana fica com o pai,
38. – Durante as férias escolares, a menina passa metade do período de férias com cada um dos progenitores (50/50),
39. – Quando a mãe não estiver na jurisdição, isto é, no Malawi, a menina fica com o pai.
40. – A menina DD não poderá ser levada para fora da jurisdição sem uma ordem deste Tribunal.
41. – E que esta Ordem do STM é válida até nova ordem do mesmo.
42. – Um esclarecimento apenas para salientar que quando no Acórdão se refere “child SA” ou “criança SA”, aquele se está a referir à criança “DD”, filha de ambos os progenitores.
43. – Pelo que se pode constatar que, de acordo com a Decisão tomada pelo Supremo Tribunal do Malawi, a menina DD não pode sair do Malawi com a mãe se esta pretender vir para Portugal (recorde-se que em causa estava um pedido efectuado pela progenitora de recolocação em Portugal da menina DD), ficando com o pai sempre que isso aconteça.
44. – Para a menina poder sair do Malawi terá de existir nova decisão daquele Supremo Tribunal.
45. – Importante se torna de reconhecer que esta decisão do Supremo Tribunal decorre de vários anos de discussão jurídica e contenciosa na Malawi, porque é lá que todos vivem desde ..., daqui que não se compreenda minimamente a aceitação, por parte da Meritíssima Juíza Recusada, da resposta dada pelo Mandatário da Requerente naquele processo de regulação intentado em Portugal, segundo o qual a Requerente e Progenitora residia permanentemente em Portugal e teria apenas uma residência alternada no Malawi,
46. – Quando no exacto momento em que escrevia e afirmava isso no processo de regulação de responsabilidades parentais, que a requerente residia cá, por ter celebrado um contrato de arrendamento em ... de ... de 2025, a mesma requerente estava a intervir no processo de divórcio, por Webex, já que vivia e vive no Malawi.
47. – Está outra vez lá na presente data. Apenas se deslocou a Portugal para a Conferência de Pais agendada pela Meritíssima Juíza Recusada…coincidências…
48. – É evidente que tudo isto não deixou e não deixa de causar uma enorme revolta e uma profunda desconfiança, uma vez que parece que se está a querer impor à viva força a realização de uma Conferência de Pais em Portugal, quando a nossa jurisdição não cumpre qualquer critério ou pressuposto que o permita.
49. - E é óbvio que, subjacente a esta estratégia, está a utilização da presença da menina em Portugal, sobretudo se num processo de regulação de responsabilidades parentais fosse decidida uma regulação, mesmo que provisória, que consignasse que a menina pudesse ter residência cá, para permitir a legalização da mãe e a possibilidade desta poder residir cá pela necessidade de acompanhamento da menina até aos 21 anos.
50. – Este é o objectivo que a mãe prossegue há muito tempo, uma vez que a autorização de residência obtida pelo casamento e válida até ... do ano passado caducou e não foi renovada, porque a mãe esteve 8 anos consecutivos a residir no Malawi, a partir de ..., e com isso ausentou-se mais de 2 anos consecutivos do nosso país sem motivo bastante, circunstância que determina o cancelamento da autorização de residência, como prevê o art.º85.ºn.º2 alínea b), da Lei de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional, aprovada pela Lei 23/2007, de 4 de Julho, na redacção actualizada da Lei 9/2025, de 13 de Fevereiro.
51. – Sendo fundamental esclarecer, e para que o Venerando Desembargador possa analisar todas as circunstâncias desta situação, que a Progenitora da menina DD apenas pode entrar em Portugal por causa das prorrogações excepcionais de validade dos documentos caducados ou cuja validade ainda não foi objecto de renovação, previstas nos Decretos-Leis 41-A/2024, de 28 de Junho, e 85-B/2025, 30 de Junho, os quais prorrogaram até ao dia ... último a validade daqueles documentos e, mais recentemente, até ao dia ... de ... de 2025 a mesma validade, por força do diploma acima referido DL 85-B/2025, de 30 de Junho.
52. – Isto é, a progenitora já não pode residir cá por via da renovação da sua autorização de residência, que caducou por força da ausência da mesma por 8 anos do território nacional, mas apenas porque beneficia daquelas prorrogações excepcionais que o Estado português determinou por força do excesso de processos de apreciação e legalização de imigrantes,
53. – Sendo que a prorrogação presentemente em vigor já só tem como data limite ... de ... de 2025, ao contrário de prorrogações anteriores que aconteciam sempre por períodos de um ano. Aqui chegados,
54. – Foi evidente para o Recusante que toda esta insistência na realização da Conferência de Pais, na total falta de respostas da Recusada a tudo o que se requeria e expunha, sem qualquer tipo de justificação e, mesmo que fosse para assegurar o contraditório, pelo menos, suscitava o contraditório junto do MP e da Requerente para se pronunciarem sobre o que estava a ser invocado,
55. – Mas não, a opção foi deliberadamente ignorar os requerimentos do Recusante e responder a todas as solicitações da Requerente.
56. – O que a dada altura se tornou insustentável e incompreensível, mais a mais, quando tudo o que era afirmado pela Requerente a Meritíssima Juíza Recusada tinha conhecimento que não correspondia à verdade, estava a ser alertada pelo Recusante, que de uma forma até insistente e persistente procurou uma resposta em tempo útil à questão da incompetência internacional dos tribunais portugueses para esta acção de regulação e a mesma foi sendo protelada e ignorada,
57. – Não deixando outra alternativa ao aqui Recusante que não fosse interpor o presente Incidente de Suspeição porque esta postura não é nada normal.
58. – Aliás, para se ter uma ideia, a Conferência de Pais marcada pela Recusada realizou-se e terminou quando, após o mandatário do aqui Recusante ter explicado toda a situação e deixado claro que tudo o que foi requerido naqueles autos se mantinha na íntegra, ou seja, o Recusante não considerava que os tribunais portugueses fossem internacionalmente competentes para esta regulação, porque a menina nem sequer tinha residência cá em Portugal,
59. – A Meritíssima Juíza Substituta questionou directamente a mãe sobre onde residia a criança e esta respondeu que residia no Malawi, desde ..., sendo que, acto contínuo, a Meritíssima Juíza Substituta entendeu que não havia motivo para prosseguir com aquela Conferência de Pais e para determinar o que quer que fosse,
60. – Como se pode comprovar pelo Documento n.º7 aqui junto, o qual se reporta à Acta daquela Conferência de Pais realizada em Portugal, e que se considera integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos, onde na página 2 da aludida Acta, se pode verificar que a mãe assumiu que a residência da menina é no Malawi desde há já 9 anos.
61. – Na sequência disso, a Meritíssima Juíza Substituta proferiu o seguinte despacho que aqui se transcreve na íntegra: “--- Disse, a requerente, em súmula, no uso da palavra: ---
- Indica que a criança vive no Malawi desde há já 9 anos.
***
--- Seguidamente a Mmª Juiz de Direito proferiu o seguinte: ---
--- DESPACHO ---
Tendo o Tribunal tido conhecimento que existe uma decisão do Supremo Tribunal do Malawi quanto à regulação das responsabilidades parentais da menor, DD, declarando-se territorialmente competente o Tribunal do Malawi; considerando ainda que o progenitor não se encontra devidamente citado fica prejudicada a realização da presente conferência, agendada para o dia de hoje.
Tendo sido alegado pelo progenitor, na pessoa do seu mandatário, que foi proferida decisão no Supremo Tribunal do Malawi, em como se declara aquele o Tribunal competente, aguardem os presentes autos que seja junta prova documental da decisão proferida. Junta a prova documental pelo IL. Mandatário do progenitor e cumprido o contraditório, o Tribunal, oportunamente, tomará posição.
Notifique.”
62. – Daqui se podendo verificar que, bastou a progenitora ter informado que a residência habitual da menina DD é no Malawi há já 9 anos, para a Meritíssima Juíza ter proferido logo o Despacho acima referenciado, o que não deixa de ser elucidativo.
63. – Como se tudo isto já não fosse bastante, refira-se até para contrapor a alegação de que o aqui signatário, na Providência Cautelar, enunciou falsidades sobre proximidade entre a Recusada e o Mandatário da Progenitora da menina DD,
64. – O que foi afirmado pela Meritíssima Juíza Recusada, em plena sessão da audiência de julgamento do processo de divórcio, realizada em ... de ... de 2025, onde a voltas 00:57:35 a 00:58:45 a Meritíssima Juíza Recusada afirmou e passamos a citar literalmente:
“Meritíssima Juíza – A partir do momento em que esta jurisdição é competente para o divórcio, pode resolver todas as questões conexas que tenham a ver com a convolação para um divórcio por mútuo consentimento, nomeadamente a regulação das responsabilidades parentais e pelo Ilustre Mandatário da sua mulher já me foi dito que aliás era essa a intenção da senhora, que pudessem chegar a um acordo nessa matéria, esquecer de uma vez os tribunais do Malawi e fazerem vida cá em Portugal porque o senhor também é português, não é, com a filha e poderem ter uma residência alternada, se é que eu percebi bem…
Recusante – Lamento muito mas não tenho evidência nenhuma de qualquer tipo de dado nesse sentido, por tudo o que se passou nos tribunais do Malawi.
Meritíssima Juíza – Ó Sr. AA, não tem evidência mas olhe…o que eu lhe estou a dizer está a ser ouvido pela senhora, está a ver? E está aqui o advogado dela…
Mandatário da Progenitora – Confirmo.
Meritíssima Juíza – E o advogado está-me a confirmar que é isso que a senhora quer…” (citação, realce e sublinhado nossos)
65. – O que confirma claramente que existiu uma informação prestada pelo mandatário da Progenitora à Meritíssima Juíza sobre aquilo que aquela pretendia e sobre a intenção de dar entrada da acção de regulação de responsabilidades,
66. – Quando esta situação nunca havia sido suscitada durante a audiência de julgamento do processo de divórcio. Quem afirmou isto não foi o Recusante nem o seu Mandatário, como se pode demonstrar inequivocamente pela gravação da sessão da audiência realizada no dia ... de ... de 2025.
67. – Ou seja, foi afirmado pela Meritíssima Juíza Recusada que havia uma informação prestada, que não o foi durante o âmbito do processo de divórcio, já que até essa altura isso não havia sido objecto de qualquer referência, como se pode comprovar pela audição de toda a gravação daquela sessão, bem como das restantes sessões do julgamento, o que deixou o aqui Recusante absolutamente perplexo.
68. - Mas não foi só neste excerto que aqui se cita literalmente que se percebeu uma certa identificação com aquilo que pretendia a Progenitora, bem como até uma consideração como se aquilo que se estava a passar no processo de divórcio era uma espécie de castigo que o Recusante estava a impor à Progenitora, como se pode demonstrar a voltas 00:52:51 a 00:53:16, a Recusada expressou:
“Meritíssima Juíza – Ó Sr. AA, e o Sr. então, querendo a mesma coisa que a senhora, que é divorciar-se, já não quer nada com a Sr.ª EE, a Sr.ª EE já não quer nada consigo, estão separados há 9 anos e o Sr. quer castigar a Sra. EE que é para ela manter-se casada mais tempo?” (realce e sublinhado nossos)
69. – Ora, o aqui Recusante já não achou nada normal o que se passou no processo de divórcio, uma vez que a Meritíssima Juíza Recusada considera um castigo o facto de o aqui Recusante não concordar com um divórcio por mútuo consentimento, mas já não considera um castigo que o aqui Recusante tenha andado a sofrer durante 6 anos, no Malawi, em que por vontade expressa, exclusiva e reiterada da Progenitora, esta dificultou ao máximo os contactos com a filha, DD, tentando impedir qualquer contacto com o Progenitor e que apenas uma decisão do Supremo Tribunal do Malawi, de ..., permitiu àquele passar a ter uma guarda partilhada e passou a ter um acesso semanal à menina, quando durante 6 anos apenas via a filha de 3 em 3 semanas, durante umas meras horas.
70. – Mas depois de ver a postura da Meritíssima Juíza Recusada relativamente a todos os aspectos suscitados na acção de regulação, já sobejamente descritos, sobretudo, a aceitação de mentiras descaradas por parte da Progenitora e Requerente, a total ausência de respostas ao Recusante quando este efectuou 4 requerimentos no espaço de 10 dias, enquanto todas as solicitações da Progenitora tiveram resposta e aceitação por parte da Meritíssima Juíza Recusada, quando tribunais de outro país que não celebra a Convenção de Haia de 1996 já se acharam e acham competentes para esta Regulação das Responsabilidades Parentais, até porque a menor vive e reside habitualmente nesse país, e parece que estávamos perante uma situação de tornar aquela Conferência de Pais uma inevitabilidade, quando nem sequer deveria existir uma Acção de Regulação em curso em tribunais portugueses,
71. – Tudo isto, causou evidente insegurança, desconfiança, desconforto e levou o Recusante a intentar o presente incidente de suspeição.
B - DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
72. – Por tudo o que se deixou claro acima, não existe qualquer litigância de má-fé, por parte do Recusante, bem pelo contrário, o que existe sim é o legítimo exercício do seu direito em impedir que mentiras e falsidades descaradas afirmadas em processos que nem sequer deveriam ter sido intentados em Portugal ou, pelo menos, a nossa Jurisdição se deveria considerar absolutamente incompetente em termos internacionais,
73. – Consolidem situações que não existem, que não existiam apenas para criar uma aparência de situação de facto que viesse possibilitar uma
eventual competência dos tribunais portugueses e uma regulação, ainda que provisória, para permitir a prossecução de outros objectivos que nada têm a ver com o processo de regulação de responsabilidades parentais.
74. – Do mesmo modo que, o Recusante nem o seu mandatário suscitaram quaisquer falsidades, dado que, como acima se demonstra, não foram estes que proferiram certas afirmações em sede de audiência de julgamento do divórcio, que revelaram proximidade entre a Meritíssima Juíza Recusada e o mandatário da Progenitora.
75. – Circunstância diferente seria se nas peças processuais constantes do processo de divórcio ficasse claro que existiria uma intenção de avançar com um processo de regulação e que Portugal fosse claramente competente, ou que se soubesse antecipadamente que ambos os progenitores acordassem um pacto privativo de jurisdição que reconhecesse Portugal como a jurisdição competente para a acção de regulação das responsabilidades parentais, apesar de nenhum dos 3 interessados residirem cá e a residência habitual da menor ser no Malawi, mas que como pretenderiam vir para Portugal acordavam nesse pacto.
76. – Nada disto sucedeu, pelo que não se compreende como é que o advogado da Progenitora possa ter transmitido aquela informação à Meritíssima Juíza Recusada.
Termos em que, (…), reiteram-se todos os fundamentos para o Incidente de Suspeição, do mesmo modo que se demonstrou que não existiu qualquer intempestividade e extemporaneidade no mesmo, tal sucedeu porque não houve qualquer resposta ou notificação nos autos relativamente ao que foi suscitado pelo aqui Recusante, para além de que o aqui Recusante não está a litigar de má-fé, o que se requer seja reconhecido por V. Ex.ª.
Mais se requer ao Venerando Desembargador que, atenta a dimensão do ficheiro de áudio com a gravação da audiência de julgamento do processo de divórcio, realizada no dia ... de ... de 2025, que ultrapassa os 20 MB, seja ordenada por V. Ex.ª a remessa a estes autos, por parte do Tribunal de Primeira Instância, do mesmo ficheiro uma vez que com este tamanho é impossível submeter no Citius.”.
*
II. Considerando o que resulta dos elementos documentais dos autos, mostra-se relevante para a decisão do incidente requerido, a consideração da seguinte factualidade:
1. Em ...-...-2025, EE veio, por apenso à ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, que corre termos no Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz 5, sob o n.º 5336/23.0T8LSB, instaurar ação de regulação das responsabilidades parentais, relativamente à sua filha DD, o que fez contra AA, dando início ao apenso A àquele processo.
... Nos autos de divórcio referidos em 1. foi designado – por despacho proferido em audiência prévia – o dia ...-...-2025 para a realização de audiência de julgamento, tendo esta audiência, a que presidiu a Sra. Juíza visada com o requerimento de suspeição e onde estiveram presentes a requerente da regulação e o requerido desta, bem como, os respetivos advogados, tido sessões realizadas nesse dia (...-...-2025), a ...-...-2025 e a ...-...-2025.
3. Em ...-...-2025, a Sra. Juíza visada proferiu – no referido apenso A - o seguinte despacho:
“Sendo do nosso conhecimento oficioso- por força da prova produzida na ação de divórcio- que a requerente e a sua menor residem no Malawi, notifique a mesma para esclarecer o que tiver por conveniente nessa matéria.
Prazo: 10 (dez) dias (…)”.
4. Por requerimento apresentado no referido apenso A – em ...-...-2025 – a requerente dos autos de regulação veio pronunciar-se dizendo, nomeadamente, o seguinte:
“(…) esclarecer que a Requerente reside atualmente em Portugal, na morada indicada no requerimento inicial, ainda que mantenha, simultaneamente, residência no Malaui, por causa do acompanhamento da filha menor, cuja regulação das responsabilidades parentais se requer.
Quanto ao domicílio da menor, mantém-se a sua residência no Maláui, estando pendente no Supremo Tribunal de Justiça do Maláui, como referido no requerimento inicial, um pedido de autorização de deslocação da menor com a Requerente do Maláui para Portugal, com vista a que a menor possa iniciar o próximo ano letivo (...2...-2026) em território nacional (…)”.
5. Em ...-...-2025, a Sra. Juíza visada proferiu – no referido apenso A – o seguinte despacho:
“Instrua com CRC`s atualizados e respeitantes aos progenitores- art 3º, nº1 da Lei 113/2009, de 17.09 na redação da Lei 113/2015, de 24.09.
(…) Indague da situação laboral dos requeridos (existência de entidade empregadora e respetivo montante mensal de retribuição ou de qualquer tipo de pensão, subsídio ou prestação social auferido via Segurança Social/caixa Geral de Aposentações.
(…) Notifique os progenitores para remessa aos autos do respetivo ....
(…) Para realização da conferência a que alude o art.º 35º do RGPTC (Lei nº 141/2015, de 08.09), designo o próximo dia ........2025, pelas 11.45 horas (e não antes por total indisponibilidade de agenda, necessidade de dar prioridade a processos mais urgentes,e /ou mais antigos e interposição do período de férias judiciais).
(…) Notifique e cite, com as advertências do nº4 do art 35º da RGPTC, observando o disposto no art 151º, 2 do CPC (…)”.
6. Em ...-...-2025, a requerente da regulação apresentou, no apenso A, requerimento requerendo “que a citação do Requerido seja expedida por via DHL, disponibilizando-se a Requerente a proceder ao pagamento do respetivo encargo, mediante preparo a prestar imediatamente por simples notificação ou contacto a efetuar pela secretaria do Tribunal (…)”, requerimento que foi deferido por despacho da Sra. Juíza visada, datado de ...-...-2025.
7. Em ...-...-2025, a requerente da regulação apresentou, no apenso A, requerimento onde se lê, nomeadamente, o seguinte:
“(…) notificada da data para a realização da conferência a que alude o art. 35.º do RGPTC, para o próximo dia ... de ... de 2025, vem, com o douto suprimento de V. Exa., requerer a presença na conferência de tradutor interprete da língua portuguesa para a língua inglesa e vice-versa, considerando que a Requerente participará presencialmente, tendo, contudo, alguma dificuldade em perceber a língua portuguesa.”.
8. Em ...-...-2025, o requerido da regulação e ora requerente do incidente de suspeição apresentou em juízo, no mencionado apenso A, requerimento, onde se lê, nomeadamente, o seguinte:
“AA, progenitor da menor, DD, de 11 anos, tendo tomado conhecimento de forma absolutamente anómala e inadmissível do alegado agendamento de uma Conferência de Pais, no âmbito de um suposto processo de regulação das responsabilidades parentais, interposto pela progenitora da menor, EE, uma vez que soube desse agendamento não porque foi citado para o processo mas sim porque a progenitora da menor remeteu para os autos de um processo em curso no Malawi, no Supremo Tribunal do Malawi, com o n.º25/2024, uma notificação remetida ao mandatário da mesma no processo principal dos autos à margem referenciados, com o agendamento para o próximo dia ... de ... de 2025, pelas 11h45, nesse mesmo Juízo, de uma Conferência de Pais, conforme Documento n.º1 aqui em anexo, o qual se considera integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, e pelo qual se poderá constatar que na parte final do documento, nas páginas 16 e 17 estão a aludida notificação e um Despacho exarado por V. Ex.ª, estando todos os interessados e envolvidos nesta situação a residir permanentemente no Malawi e tendo a menor DD residência habitual no Malawi, daqui que, dada a absoluta anormalidade e evidente ausência de competência da Jurisdição de Menores de Portugal para esta regulação, vem o aqui progenitor da menor expor e requerer a V. Ex.ª o seguinte:
1. Ficou absolutamente estupefacto e atónito, para além de profundamente revoltado e desiludido, mas já lá iremos, o aqui Progenitor quando na passada segunda-feira, dia ... de ... de 2025, tomou conhecimento através de notificação no âmbito de um processo em curso no Supremo Tribunal do Malawi, no caso, em que, imagine-se, a Progenitora da menina DD solicita àquele Supremo Tribunal do Malawi autorização excepcional e urgente para uma recolocação da menor, DD, em Portugal,
... Usando como fundamento a necessidade imperiosa de comparência da menina nessa Conferência de Pais, o que desde logo é uma mentira despudorada da progenitora da menina DD (algo a que já está o aqui Progenitor habituadíssimo),
3. Uma vez que, em circunstância alguma a presença da menina é obrigatória e imprescindível, muito pelo contrário como V. Ex.ª superiormente arbitrará, mas que tem em vista de forma abjecta, imoral e ilícita, permitir que o Tribunal competente para decidir desta matéria, o Supremo Tribunal do Malawi, autorize a saída e recolocação da menina, em Portugal, com o único fito de, aproveitando a necessidade de acompanhar a menina em Portugal e ter de estar com esta, obter a tão ansiada renovação da autorização de residência, caducada em ... de ... de 2024 (conforme Documento n.º2, ora em anexo, o qual se refere ao Cartão de Residência da Progenitora, e que se considera integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos), de que beneficiava a Progenitora, em razão da celebração do casamento com o aqui Progenitor, que lhe permitiu ter um cartão de residência válido por 10 anos, desde ... de ... de 2014 até ... de ... de 2024.
4. Data em que caducou, já que não foi autorizada a sua renovação até àquela data de ... de ... de 2024, estando aquela a beneficiar, neste preciso momento, para poder entrar em território português, da prorrogação excepcional determinada pelo Decreto-Lei 41-A/2024, de ...,
5. O qual prorrogou até ao próximo dia ... de ... de 2025 os documentos e vistos relativos à permanência em território nacional, que tiverem expirado a partir de ... de ... de 2020, e que são aceites pelas autoridades públicas portuguesas até ao dia ... de ... de 2025, para todos os efeitos legais, nos termos do art.º 16.º, n.os 1 e 8, do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na redacção conferida pelo art.º...º do acima citado Decreto-Lei 41-A/2024, de 28 de Junho.
6. Esta é a verdadeira razão do desespero e pressa, bem como a forma atabalhoada e insensível com que se procura utilizar no Supremo Tribunal do Malawi um agendamento de uma Conferência de Pais em Portugal, para justificar um pedido de autorização de saída do Malawi e de recolocação urgente em Portugal da menina DD.
7. É que, para conseguir a renovação daquele cartão de residência que actualmente possui, a Progenitora tem de estar em Portugal, em presença física, para conseguir um agendamento na AIMA, I.P, sucede é que, a Progenitora ocultou das autoridades portuguesas que esteve ausente de Portugal desde ... até ..., isto é, esteve fora do País 8 anos consecutivos, sendo que com isto incorreu na situação de cancelamento da autorização de residência prevista no art.º85.ºn.º2 alínea b) da Lei 23/2007, de 4 de Julho, na redacção actual conferida pela Lei 9/2025, de 13 de Fevereiro (…)
8. Ora, como a Progenitora esteve 8 anos consecutivos sem vir a Portugal, como V. Ex.ª bem sabe, a AIMA, I.P cancelará aquela autorização de residência no próximo dia ... de ... de 2025, data em que cessa a prorrogação excepcional de que a mesma está a beneficiar, dado que tem tentado aquela renovação mas não tem conseguido porque as autoridades portugueses já são conhecedoras, neste momento, da saída em ... sem qualquer explicação, justificação ou fundamento e apenas regresso temporário em ....
9. Aliás, Meritíssima, foi precisamente esse o argumento utilizado pela Progenitora, no e-mail que a mesma remeteu ao aqui Progenitor, no dia ... de ... de 2025, às 09h17, do seu endereço de e-mail ... e dirigido ao aqui Progenitor, para o seu e-mail ..., constante da pág. 7, do documento n.º1 aqui remetido em anexo, e que corresponde ao Requerimento apresentado no dia ... de ... de 2025, pela Progenitora, junto do Supremo Tribunal do Malawi, para solicitar a recolocação da menina em Portugal e para autorizar a saída da mesma, acompanhada da mãe, do território do Malawi para viajar para Portugal.
10. Ora, nesse documento que consta da acima citada página 7 do documento remetido pela Progenitora àquele Supremo Tribunal do Malawi, a mesma solicita ao aqui Progenitor autorização para deixar a menina vir acompanhada da mãe, para Portugal, a partir de ..., em férias e aproveitando as férias escolares da menina, DD, mas e, principalmente, para tratar até ao final de Junho das questões relacionadas com a sua legalização e vistos, atente-se no ...º parágrafo do aludido e-mail, o qual está em língua inglesa e que traduzimos já aqui para português: “… Gostaria de a levar a Portugal no dia ... de ... de 2025 durante pelo menos duas semanas, pois preciso de viajar antes do final de ... para resolver os meus problemas com o visto. Escrevo-lhe para pedir a sua autorização, conforme a ordem judicial do Tribunal de Menores.” (sublinhado e destaque nossos)
11. Aqui se notando que existe um propósito e uma necessidade imperiosa de a mãe da menina DD se deslocar para Portugal, até ao final do corrente mês para tratar daquilo que aquela Progenitora denomina como “questões relacionadas com o visto”, mas não é nada disso, é apenas para tentar um agendamento presencial na AIMA para uma eventual renovação da autorização de residência, a qual caducará no dia ... próximo., dado que nesta data a AIMA, I.P e a Unidade de Controle de Estrangeiros e Fronteiras do Sistema de Segurança Interno já têm conhecimento que a Progenitora esteve fora do país, sem qualquer aviso, comunicação ou informação ao extinto SEF, mais de 8 anos consecutivos.
12. Para se perceber como é falaciosa a justificação da Progenitora da menina, temos que, se fosse para tratar de assuntos de vistos, a Progenitora não precisaria de se deslocar a Portugal presencialmente, desde logo, porque os vistos são obtidos previamente nos países de origem, junto dos nossos Consulados ou Embaixadas espalhadas pelo Mundo,
13. Depois, se fosse uma estrita questão de vistos não existiria qualquer limitação de duração ou validade dos mesmos pré-definida por determinação legal, muito menos com limite temporal até ao final do mês de Junho, porque estaria relacionado com a validade do próprio visto e este poderia ser renovado junto da Secção Consular da Embaixada de Portugal no Zimbabwe, não necessitaria de estar presencialmente em Portugal.
14. Daqui que se perceba claramente, atentas as diligências que têm sido feitas junto da AIMA, I.P, que o que a Progenitora necessita é de um agendamento presencial urgente para solicitar a renovação da autorização de residência caducada em 17 de Agosto de 2024, mas que por determinação legal e para garantir igualdade de tratamento, o Governo prorrogou até ao dia ... próximo o prazo de validade daqueles títulos, atenta a incapacidade de resposta dos serviços da AIMA, I.P para responder em tempo útil a todas as solicitações a que aquela Agência e o extinto SEF estiveram sujeitos nos últimos anos.
15. Outra questão gravíssima e que o aqui Progenitor não pode deixar passar em claro, tem a ver com o facto de, mais uma vez, a Sr.ª FF não ser séria e leal com o ora Progenitor, dado que, mais uma vez mente de forma clara ao dizer que pretendia autorização para a saída da menina do Malawi para gozo de férias e resolução de problemas legais, quando o objectivo era a putativa realização de uma Regulação de Responsabilidades Parentais já perante um Tribunal português, dado que, coincidentemente com estas datas dos e-mails remetidos ao Progenitor, dias ... pretérito, aquela Progenitora deu entrada já antes de ... dessa Acção de Regulação, agora junto do Tribunal de Família e Menores de Lisboa – Juiz 5.
16. – Mentindo declaradamente nos presentes autos, já que após um Despacho exarado por V. Ex.ª a questionar qual a residência habitual e actual dos interessados, respondeu, com toda a lata e falta de pudor, que eram residentes em Portugal, quando como é evidente são todos residentes no Malawi…
17. Que tenhamos de contar com a falta de colaboração, lealdade, integridade e chico-espertice da Progenitora, o aqui Progenitor já está absolutamente mentalizado e adaptado a tal, agora que seja utilizado um TRIBUNAL PORTUGUÊS DE FAMÍLIA E MENORES, como objecto e alegado fundamento para convencer o Supreme Court do Malawi da necessidade imperiosa de participação e presença física da menor, DD, numa Conferência de Pais, quando todos sabemos que na esmagadora maioria das vezes os menores não estão presentes e em muitos casos até é,
18. Vivamente aconselhada a não presença dos mesmos, pelo que esta utilização despudorada é absolutamente ultrajante e inadmissível.
19. -Em face do que, jamais o aqui Progenitor poderia concordar com todo este procedimento anómalo e poderia deixar passar isto em claro, nada mais restando ao mesmo do que deixar desde já expresso que não aceita que possa ser realizada uma Conferência de Pais no dia ..., a mesma é ilegal e extravasa as competências da Jurisdição portuguesa de menores, como a partir daqui detalharemos.
Na verdade, e aqui chegados, questiona-se:
20. Os tribunais portugueses podem ter jurisdição internacional em matéria de regulação das responsabilidades parentais, para decidir sobre um processo de regulação instaurado em Portugal, no âmbito de um processo de divórcio que se encontre em curso em Portugal, sendo a residência habitual do menor no Malawi?
21. Situações como a que é objeto do presente são cada vez mais frequentes porque, devido a diversos fatores, como os fenómenos migratórios e a liberdade de circulação de pessoas, as relações jurídicas têm pontos de contacto com outros Estados;
22. Estas relações, em particular as relações familiares transnacionais, colocam dois problemas específicos: determinar o direito aplicável e, em caso de litígio ou de necessidade de protecção da criança, determinar as autoridades internacionalmente competentes;
23. Por outras palavras, perante um litígio ou conflito de natureza multilocal, a questão a resolver consiste em determinar qual o tribunal internacionalmente competente para o resolver.
24. Assim, a jurisdição internacional dos tribunais de um determinado país em relação a qualquer caso implica que esteja ligada ao Estado e ao seu ordenamento jurídico por uma conexão relevante.
25. Aqui com uma especificidade adicional, dado que estamos a falar de responsabilidades parentais como o conjunto de direitos e deveres que os pais têm em relação aos seus filhos menores, visando o seu desenvolvimento e bem-estar.
26. As questões como a custódia, os acordos de visita, o sustento, a educação e a monitorização do desenvolvimento da criança devem sempre a prioridade. Esta é a pedra basilar que perpassa toda a legislação nacional, internacional ou convencional: o superior interesse da criança, que, apesar de ser um conceito jurídico indeterminado, deve ser interpretado de forma a assegurar “a solução mais adequada à criança, de modo a promover o seu harmonioso desenvolvimento físico, psicológico, intelectual e moral, especialmente no seio familiar, sendo, por isso, avaliável em função das circunstâncias de cada caso” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 19384/16.2T8LSB-A.L1.S1, de 27.01.2022, disponível em www.dgsi.pt.
27. Chegados a este ponto, a questão que se coloca é a de saber se os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes para regular o exercício das responsabilidades parentais da menor DD, tendo em conta que estão envolvidos na situação dois Estados soberanos com ordenamentos jurídicos distintos: Portugal e Malawi.
28. A resposta é, salvo melhor entendimento, não.
I - (IN)COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES (…)
(…)
57. Do mesmo modo que, esperamos, não seja caucionado por V. Ex.ª, mantendo-se agendada uma Conferência de Pais que é inadmissível, para a qual a Jurisdição Portuguesa não é competente internacionalmente e em que a Progenitora já mentiu despudoramente a V. Ex.ª afirmando que todos residem em Portugal.
58. Ora, desde logo, e uma vez que V. Ex.ªs até estão a necessitar de citar, por DHL, no Malawi, as partes, se demonstra onde as mesmas residem, onde a menina reside habitualmente e que tudo isto não passa de uma manobra fraudulenta, grave e potencialmente ilícita que terá de ser analisada pelo Ministério Público Português.
59. Em face do que, concluímos reafirmando que são as autoridades e os tribunais do Malawi que, por razões de proximidade, estarão melhor posicionados para instruir, avaliar e decidir sobre questões relativas à regulação das responsabilidades parentais e, nessa medida, decidir a acção de acordo com o superior interesse da criança.
Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Ex.ª doutamente suprirá, se requer a V. Ex.ª, se digne dar sem efeito a Conferência de Pais alegadamente agendada para o próximo dia ... de ... de 2025, pelas 11h45, dado que a mesma é inadmissível, a jurisdição portuguesa de família e menores não é internacionalmente competente para regular as responsabilidades parentais da menina, DD, e porque em causa está a prática já consolidada de factos que poderão merecer a competente censura penal, objecto de denúncia, desde já, junto de V. Ex.ª, para todos os devidos e legais efeitos.
Prova: Documental – 7 documentos – alguns deles em língua inglesa e que se protestam juntar nos próximos 7 dias após a competente tradução para língua portuguesa e aposição de Apostilas internacionais.
Junta: Duplicados legais, procuração forense e 7 (sete) documentos em anexo (…)”.
9. Em ...-...-2025, o requerido da regulação e ora requerente do incidente de suspeição apresentou em juízo, no mencionado apenso A, requerimento, onde se lê, nomeadamente, o seguinte:
“(…) tendo submetido ontem Requerimento dirigido a V. Ex.ª e uma vez que não foi possível remeter todos os documentos anexos àquele requerimento em face da dimensão dos mesmos, os quais ultrapassavam os 20 MB, vem pelo presente remeter os documentos que ainda não haviam sido enviados, no caso, a procuração forense e os documentos n.ºs 2 a 7 em anexo àquele requerimento (…)”.
10. Em ...-...-2025, a Sra. Juíza visada proferiu despacho do seguinte teor:
“Diligencie pela presença de intérprete, conforme requerido.”.
11. Em ...-...-2025, o requerente da suspeição apresentou no apenso A requerimento no qual concluiu o seguinte:
“Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Ex.ª doutamente suprirá, se requer a V. Ex.ª, se digne, efectivamente, a dar sem efeito a Conferência de Pais alegadamente agendada para o próximo dia ... de ... de 2025, pelas 11h45, dado que a mesma é inadmissível, a jurisdição portuguesa de família e menores não é internacionalmente competente para regular as responsabilidades parentais da menina, DD;
Bem como se requer a V. Ex.ª a condenação, por parte da Progenitora, no pagamento de uma indemnização ao ora Progenitor, a título de litigância de má-fé, num valor nunca inferior a 10.000,00 € (dez mil euros), como determinam as disposições conjugadas dos art.ºs 542.ºn.º2 alíneas a), b) e d) e 543.ºn.º2 ambos do C.P.C. (…)”.
12. Em ...-...-2025, o requerente da suspeição apresentou no apenso A requerimento no qual concluiu o seguinte:
“Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Ex.ª doutamente suprirá, se reitera e requer a V. Ex.ª, como já solicitado e requerido pelo aqui Progenitor, se digne dar sem efeito a Conferência de Pais alegadamente agendada para o próximo dia ... de ... de 2025, pelas 11h45, dado que a mesma é inadmissível, a jurisdição portuguesa de família e menores não é internacionalmente competente para regular as responsabilidades parentais da menina, DD, e porque em causa está também a prática já consolidada de factos que poderão merecer a competente censura penal, objecto de denúncia, desde já, junto de V. Ex.ª, para todos os devidos e legais efeitos (…)”.
*
III. Nos termos do disposto no nº. 1 do artigo 120.º do CPC, as partes podem opôr suspeição ao juiz quando ocorrer motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, o que ocorrerá, nomeadamente, nas situações elencadas nas suas alíneas a) a g).
Com efeito, o juiz natural, consagrado na CRP (cfr. artigos 32.º, n.º 9 e 203.º), só pode ser recusado quando se verifiquem circunstâncias assertivas, sérias e graves.
E os motivos sérios e graves, tendentes a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, resultarão da avaliação das circunstâncias invocadas.
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) – na interpretação do segmento inicial do §1 do art.º 6.º da CEDH, (“qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei”) - desde o acórdão Piersack v. Bélgica (8692/79), de ...-...-82 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57557) tem trilhado o caminho da determinação da imparcialidade pela sujeição a um “teste subjetivo”, incidindo sobre a convicção pessoal e o comportamento do concreto juiz, sobre a existência de preconceito (na expressão anglo-saxónica, “bias”) face a determinado caso, e a um “teste objetivo” que atenda à perceção ou dúvida externa legítima sobre a garantia de imparcialidade (cfr., também, os acórdãos Cubber v. Bélgica, de 26-10-84 (https://hudoc.echr.coe.int/ukr?i=001-57465), Borgers v. Bélgica, de 30-10-91, (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57720) e Micallef v. Malte, de 15-10-2009 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-95031) ).
Assim, o TEDH tem vindo a entender que um juiz deve ser e parecer imparcial, devendo abster-se de intervir num assunto, quando existam dúvidas razoáveis da sua imparcialidade, ou porque tenha exteriorizado relativamente ao demandante, juízos antecipados desfavoráveis, ou no processo, tenha emitido algum juízo antecipado de culpabilidade.
A dedução de um incidente de suspeição, pelo que sugere ou implica, deve ser resguardado para casos evidentes que o legislador espelhou no artigo 120.º do CPC, em reforço dos motivos de escusa do juiz, a que se refere o artigo 119.º do CPC.
A imparcialidade do Tribunal constitui um requisito fundamental do processo justo.
“A imparcialidade, como exigência específica de uma verdadeira decisão judicial, define-se, por via de regra, como ausência de qualquer prejuízo ou preconceito, em relação à matéria a decidir ou às pessoas afectadas pela decisão” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-02-2013, Pº 1475/11.8TAMTS.P1-A.S1, rel. SANTOS CABRAL).
O direito a um julgamento justo, não se trata de uma prerrogativa concedida no interesse dos juízes, mas antes, uma garantia de respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, de modo a que, qualquer pessoa tenha confiança no sistema de Justiça.
Do ponto de vista dos intervenientes nos processos, é relevante saber da neutralidade dos juízes face ao objeto da causa.
Com efeito, os motivos sérios e válidos atinentes à imparcialidade de um juiz terão de ser apreciados de um ponto de vista subjetivo e objetivo.
“De acordo com o entendimento uniforme da jurisprudência (…), a imparcialidade pode ser avaliada sob duas vertentes, a subjetiva e a objetiva, radicando a primeira na posição pessoal do juiz perante a causa, caracterizada pela inexistência de qualquer predisposição no sentido de beneficiar ou de prejudicar qualquer das partes, e consistindo a segunda na ausência de circunstâncias externas, no sentido de aparentes, que revelem que o juiz tem um pendor a favor ou contra qualquer das partes, afectando a confiança que os cidadãos depositam nos tribunais” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-05-2024, Pº 5423/22.1JAPRT-A.P1, rel. PAULA PIRES).
Por outra parte, a consideração da existência de motivo sério e grave adequado a pôr em causa a imparcialidade do julgador, há-de fundar-se em concretas circunstâncias e não em juízos ou conjeturas genéricas e imprecisas.
Conforme se referiu na decisão do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Évora de 08-05-2024 (Pº 254/22.1T8LGS.E1, rel. TOMÉ DE CARVALHO):
“Para que se possa suscitar eficazmente a suspeição de um juiz não basta invocar o receio da existência de uma falta de imparcialidade é necessário que esse receio nasça de alguma das circunstâncias integradas na esfera de protecção da norma.
A aferição da suspeição deve ser extraída de factos ou eventos concretos, inequívocos e concludentes que sejam susceptíveis de colocar em causa a independência e a imparcialidade do julgador e a objectividade do julgamento”.
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IV. Colocados os parâmetros enunciados que importa observar, analisemos a situação concreta apreciando se o incidente de suspeição deverá proceder ou improceder.
Previamente, porém, cumpre aferir da respetiva tempestividade na sua dedução.
O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem (cfr. artigo 3.º, n.º 3, do CPC).
Nessa medida, foi o requerente da suspeição notificado para, querendo, se pronunciar sobre a questão da extemporaneidade.
Vejamos:
O incidente de suspeição deve ser deduzido desde o dia em que, depois de o juiz ter despachado ou intervindo no processo, nos termos do artigo 119.º, n.º 2, do CPC, a parte for citada ou notificada para qualquer termo ou intervier em algum ato do processo, sendo que, o réu citado pode deduzir a suspeição no mesmo prazo que lhe é concedido para a defesa – cfr. artigo 121.º, n.º 1, do CPC.
O pedido de suspeição contém a indicação precisa dos factos que o justificam (cfr. artigo 119.º, n.º 3, do CPC).
Pela regra geral sobre os prazos para a prática de atos processuais (cfr. artigo 149.º, n.º 1, do CPC), o prazo para deduzir o incidente de suspeição é de 10 dias, conforme ao estatuído no artigo 149.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (assim, a decisão individual do Tribunal da Relação de Évora de 22-03-2021, Pº 75/14.5T8OLH-DJ.E1, rel. CANELAS BRÁS).
O prazo de 10 dias para suscitar a suspeição, conta-se a partir do conhecimento do alegado facto que a fundamenta.
O fundamento de suspeição pode, contudo, ser superveniente, devendo a parte denunciar o facto logo que tenha conhecimento dele, sob pena de não poder, mais tarde, arguir a suspeição – cfr. artigo 121.º, n.º 3, do CPC.
Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-11-2023 (Pº 1812/18.4T8BRR-H.L1-4, rel. ALVES DUARTE), “cabe ao presidente da Relação territorialmente competente para conhecer desse incidente apreciar a tempestividade da sua dedução”, constituindo tal tempestividade uma questão de oficioso conhecimento.
No requerimento de suspeição em apreço, o respetivo requerente invocou diversas circunstâncias inerentes à tramitação do processo em questão e às vicissitudes do mesmo, concluindo que, em face de tal exposição, se verificam os fundamentos para a suspeição.
Enunciou, em particular, o requerente da suspeição que:
- Pelo acompanhamento que a Sra. Juíza teve e tem tido do processo de divórcio (autos principais) em curso, tinha conhecimento que todos os intervenientes residiam permanentemente no Malawi, do que deu nota no 1.º Despacho proferido nos autos de regulação das responsabilidades parentais, sendo de estranhar que, sabendo disto, se tenha bastado com a resposta que o Mandatário da Progenitora deu no requerimento de ...-...-2025, pelo qual informou que esta teria residência alternada entre Portugal e o Malawi, apenas pela necessidade de acompanhamento da menina, mas que a sua residência era em Portugal;
-- Sabendo disto tudo, não só porque teve conhecimento de muitas destas situações durante o julgamento do processo de divórcio (…), não pode conceber o Recusante, que sejam ignorados e fiquem sem resposta os factos constantes dos requerimentos apresentados;
- A Progenitora vê todas as suas pretensões apreciadas e decididas favoravelmente, o que denota proximidade e intimidade da Sra. Juíza com o Mandatário da Progenitora, uma vez que durante a audiência de Julgamento do processo de divórcio, quando ainda ninguém tinha falado disso, a dada altura a Meritíssima Juiz afirmou que sabia que após a acção de divórcio a progenitora daria entrada de uma acção de regulação das responsabilidades parentais, algo que efectivamente aconteceu no passado dia ..., sendo que esta informação havia sido prestada pelo Mandatário da progenitora, como se pode ouvir pela gravação da audiência de julgamento;
- Ora, se durante a audiência ainda ninguém tinha falado disso, como é que a Meritíssima Juiz Recusada já sabia dessa intenção da progenitora?
- A partir daqui, gerou-se desconfiança do Recusante perante a Meritíssima Juiz, agravada pelo total silêncio, indiferença e desvalorização dos requerimentos apresentados pelo Recusante nos autos do processo de regulação.
Conforme decorre do que vem sendo referido, no caso em apreço, a suspeição deduzida sobre a Sra. Juíza respeita, em assinalável medida (conforme deriva do respetivo requerimento) a circunstâncias relacionadas com a intervenção desta, na tramitação que efetuou na audiência de julgamento da ação de divórcio (autos principais).
Como resulta do supra exposto, as sessões desta audiência de julgamento, nos autos de divórcio, tiveram lugar em 10-03-2025, 02-04-2025 e 12-05-2025, tendo nelas estado presentes, nomeadamente, o requerente da suspeição e o seu Advogado.
Ora, relativamente aos atos processuais levados a efeito, em tais autos - que foram dados a conhecer ao requerente da suspeição ou que o mesmo (ou o seu advogado) neles teve participação e deles conheceu - o requerente da suspeição, tendo tomando conhecimento dos factos que, em seu entender, justificariam a suspeição, poderia suscitar a suspeição com tal fundamento até 10 dias após o conhecimento dos referidos atos processuais (o último dos quais teve lugar em 12-05-2025, data em que a Sra. Juíza presidiu à última sessão de tal julgamento) ou, então, em conformidade com o disposto no artigo 139.º, n.º 5, do CPC, até 3 dias úteis posteriores ao termos dos referidos prazos, o que, contudo, não ocorreu.
De facto, o presente incidente de suspeição apenas foi deduzido em 30-06-2025, ou seja, muito depois de decorrido o prazo de 10 dias em que tal dedução poderia, tempestivamente, ser efetuada, relativamente aos mencionados atos processuais.
Ora, o decurso do prazo perentório – salvo situação de justo impedimento, a que se reporta o artigo 140.º do CPC (não invocada) – extingue o direito de praticar o ato (cfr. artigo 139.º, n.º 3, do CPC) – pelo que, atento igualmente o disposto no artigo 121.º, n.º 3, do CPC, terá de considerar-se, neste conspecto, extemporânea a dedução da suspeição com arrimo ou fundamento em atos processuais praticados na ação de divórcio.
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V. Já quanto à demais matéria alegada no requerimento de suspeição, haverá que apreciar o mérito do incidente deduzido.
Importa considerar que, de acordo com os elementos constantes dos autos – e considerando a intempestividade do incidente deduzido no que concerne à intervenção da Sra. Juíza de Direito visada, no âmbito da ação de divórcio – mostra-se irrelevante para a decisão da questão remanescente – e nessa medida, impertinente - a determinação de junção de gravação de sessão da respetiva audiência de julgamento no processo de divórcio, requerida pelo requerente da suspeição, pretensão assim indeferida..
Em face do exposto, cumpre assinalar que não se justificam, nem se mostram pertinentes ou necessárias outras diligências, cumprindo julgar o incidente – cfr. artigo 123.º, n.º 3, do CPC.
O princípio da independência dos tribunais, consagrado no artigo 203.º da Constituição (“os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei”), implica uma exigência de imparcialidade.
A Justiça é feita caso a caso, tendo em consideração a real e objetiva situação a dirimir.
O Juiz não é parte nos processos, devendo exercer as suas funções com a maior objetividade e imparcialidade.
Com efeito, os juízes têm por função ser imparciais e objetivos, fundando as suas decisões na lei e na sua consciência.
Como dispõe o artigo 4.º, n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, os juízes julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores.
De acordo com o n.º 2 do artigo 4.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, a independência dos magistrados judiciais manifesta-se na função de julgar, na direção da marcha do processo e na gestão dos processos que lhes forem aleatoriamente atribuídos.
O legislador preocupou-se em identificar os casos em que razões de ética jurídica impõem que o Juiz não deva intervir em determinada causa, condensadas no princípio de que não pode ser levantada contra o Juiz da causa a mais ténue desconfiança orientada no sentido de que, o juízo que vai fazer sobre a questão posta pelas partes, poderá estar envolto em interesses sombrios e difusos e, por isso, passível de estar eivado de imperfeições que condicionem a sua liberdade de decisão.
“Para tanto, foi preciso estabelecer um regime legal que fizesse o necessário equilíbrio entre um possível posicionamento de puro absentismo - declarar a sua parcialidade para se eximir ao julgamento de um intrincado litígio (era este um sistema possível nas Ordenações, porquanto permitia que o juiz fosse afastado do pleito desde que, mesmo sem adiantar qualquer razão, mediante juramento asseverasse a sua suspeição) - e a situação, deveras desprestigiante, de o Juiz ter de esperar que algum dos litigantes viesse trazer este dado ao Tribunal, circunstancialismo que ele já havia conjecturado e ao qual nunca poderia deixar de dar o seu assentimento” (assim, a decisão do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2004, Pº 329/04-1, em http://www.dgsi.pt).
Assim, no n.º 1 do artigo 120.º do CPC consagram-se diversas situações em que, as partes podem invocar a suspeição do juiz, por ocorrer motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, o que ocorrerá, nomeadamente:
a) Se existir parentesco ou afinidade, não compreendidos no artigo 115.º, em linha reta ou até ao 4.º grau da linha colateral, entre o juiz ou o seu cônjuge e alguma das partes ou pessoa que tenha, em relação ao objeto da causa, interesse que lhe permitisse ser nela parte principal;
b) Se houver causa em que seja parte o juiz ou o seu cônjuge ou unido de facto ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta e alguma das partes for juiz nessa causa;
c) Se houver, ou tiver havido nos três anos antecedentes, qualquer causa, não compreendida na alínea g) do n.º 1 do artigo 115.º, entre alguma das partes ou o seu cônjuge e o juiz ou seu cônjuge ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta;
d) Se o juiz ou o seu cônjuge, ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta, for credor ou devedor de alguma das partes, ou tiver interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável a uma das partes;
e) Se o juiz for protutor, herdeiro presumido, donatário ou patrão de alguma das partes, ou membro da direção ou administração de qualquer pessoa coletiva parte na causa;
f) Se o juiz tiver recebido dádivas antes ou depois de instaurado o processo e por causa dele, ou se tiver fornecido meios para as despesas do processo;
g) Se houver inimizade grave ou grande intimidade entre o juiz e alguma das partes ou seus mandatários.
De todo o modo, importa salientar que a apreciação sobre se a situação invocada pela requerente da suspeição se enquadra, ou não, na previsão legal do artigo 120.º do CPC, prende-se, tão só, com a materialização - ou não - dos requisitos do incidente, e não, com qualquer apreciação de natureza jurisdicional ou substantiva, relativamente ao mérito da posição esgrimida pela referida requerente da suspeição no processo em questão, o qual, não nos incumbe decidir, nem poderemos efetuar.
A este propósito não poderá, pois, consistir em objeto da apreciação a efetuar neste incidente qualquer questão de natureza substantiva, como seja a da procedência ou não da invocada exceção de incompetência internacional dos tribunais portugueses.
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VI. Colocados os parâmetros enunciados que importa observar, analisemos a situação concreta, apreciando se o incidente de suspeição deverá proceder ou improceder.
O fundamento apresentado pelo requerente da suspeição é sustentado no disposto no artigo 120.º, n.º 1, al. g) do CPC (cfr. ponto 127 do requerimento de suspeição), em suma, com arrimo nas seguintes circunstâncias:
1ª- A ausência de pronúncia da Sra. Juíza sobre os requerimentos de 18-06-2025, 20-06-2025, 23-06-2025 e 25-06-2025 (segundo o próprio requerente da suspeição, “de natureza semelhante”, com alegação de “sensivelmente os mesmos fundamentos”);
2ª- A “estranheza” do requerente da suspeição referindo que a Sra. Juíza se bastou com a resposta do Mandatário da progenitora no requerimento de 22-05-2025; e
3ª – A resposta pela Sra. Juíza a 2 requerimentos – de 28-05-2025 e de 17-06-2025 – da progenitora, decididos favoravelmente às pretensões desta e se esta circunstância “denota proximidade e intimidade da Sra. Juíza com o Mandatário da Progenitora”.
A Sra. Juíza pronunciou-se, relativamente a cada um destes pontos, dizendo, o seguinte:
Quanto à 1.ª – O despacho de 21-06-2025 só se pronunciou sobre o requerimento de 17-06-2025 da progenitora e não sobre os requerimentos de 18-06-2025 e de 20-06-2025 do progenitor, porque sobre estes requerimentos ainda não havia sido “exercido o contraditório , para além de que o próprio requerido (pai) ainda não se encontrava sequer citado”, considerando, por isso, não haver omissão de apreciação, na medida em que os autos ainda não a permitiam;
Quanto à 2.ª – “(…) tendo a progenitora alegado na petição inicial da regulação das responsabilidades parentais residir em Cascais tal como a menor e residir o progenitor em Vila Nova de Gaia, o facto de o progenitor o negar, se tratará de uma questão de prova oportunamente a produzir no âmbito da exceção invocada, a fim de a mesma ser oportunamente decidida”; e
Quanto à 3.ª – O alegado “favorecimento do Ilustre mandatário da progenitora e relação de “intimidade” com o mesmo, (…) é obviamente mentira”, não conhecendo a Sra. Juíza “a título pessoal o ilustre mandatário da parte contrária”.
Vejamos:
Liminarmente, cumpre salientar que não se patenteia no caso dos autos, nem se integra na respetiva previsão normativa, qualquer das circunstâncias a que se referem as alíneas a) a f) do n.º 1, do artigo 120.º do CPC, como justificativas de suspeição do julgador.
Aliás, o requerente da suspeição requer a suspeição ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 120.º do CPC.
Quanto a esta alínea g) – existência de inimizade grave ou grande intimidade entre o juiz e alguma das partes ou seus mandatários – tem-se entendido que “não constitui fundamento específico de suspeição o mero indeferimento de requerimento probatório (RL, 7-11-12, 5275/09) nem a inoportuna expressão pelo juiz sobre a credibilidade das testemunhas (RG 20-3-06, 458/06)” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 148).
Por outro lado, do facto de um juiz ter proferido decisões desfavoráveis a uma das partes não pode extrair-se qualquer ilação quanto a eventuais sentimentos de amizade ou inimizade ou, até, de mera simpatia ou antipatia por uma delas, ou ainda de parcialidade (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-05-2002, Pº 01P3914, rel. SIMAS SANTOS).
Efetivamente, a função jurisdicional “implica, pela sua própria natureza e quase sem excepções, a necessidade de dar razão a uma das partes e negá-la à outra, rejeitando as suas pretensões e sacrificando os seus interesses concretos. Daí que não seja possível retirar do facto de alguma, ou algumas, das pretensões formuladas por uma das partes terem sido rejeitadas a conclusão de que o julgador está a ser parcial ou a revelar qualquer inimizade contra a parte que viu tais pretensões indeferidas" (despacho do Presidente da Relação de Lisboa de 14-06-1999, in CJ, XXIV, 3.º, p. 75).
O processo civil, em geral, e o processo tutelar cível, em particular (cfr. artigos 1.º, 3.º, al. c), 4.º, 12.º e 33.º do RGPTC), compreende a prática de diversos atos processuais, praticados em ordem à respetiva finalidade, sendo que, ao julgador cumpre, desde logo, “sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável” (cfr. artigo 6.º, n.º 1, do CPC) e, bem assim, devendo o tribunal “assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais” (cfr. artigo 4.º do CPC).
Ora, da mera circunstância de, num determinado contexto de tramitação, o requerente da suspeição ter deduzido 4 requerimentos ao Tribunal – sendo que, aliás, entre o primeiro deles e o último mediaram apenas 8 dias - e de não ter sido emitida pronúncia sobre os mesmos, quando o foi relativamente a 2 requerimentos da contraparte , não se afere algum tratamento desigualitário ou violador da igualdade, menos da imparcialidade devida pelo julgador ou de alguma inimizade.
Conforme se referiu na decisão individual deste Tribunal da Relação de Lisboa de 03-10-2018 (Pº 11664/16.3T8LSB-A.L1-7, rel. ORLANDO NASCIMENTO): “(…) Os atos processuais da Mm.ª Juíza no processo, praticados no exercício do seu múnus de “gestão processual”, consagrado no art.º 6.º, do C. P. Civil, segundo o qual a condução do processo é um poder/dever do Juiz, não permitem qualquer aproximação a esse conceito de “inimizade” (…).
Tratam-se de circunstâncias decorrentes da própria tramitação, aliás, cabalmente explicadas pela Sra. Juíza visada, que a levaram a não tomar posição, proferindo despacho, sobre os primeiros requerimentos apresentados pelo requerente da suspeição.
De todo o modo, mesmo que o requerente da suspeição assim não o entendesse – e discordasse da explicação ou da forma como o tribunal procedeu – sempre estaria aberto o caminho de impugnação recursória (ou a arguição de nulidade, o protesto, a reclamação, etc.), mas não, o do incidente de suspeição, reservado para situações de quebra da imparcialidade devida, a qual não se vislumbra minimamente.
O incidente de suspeição não é, de facto, o mecanismo adequado para expressar a discordância jurídica ou processual de uma parte sobre o curso processual de uma diligência ou sobre os atos jurisdicionais levados a efeito pelo julgador. A jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem, de forma constante, evidenciado esta asserção (disso são exemplo as decisões expressas nos seguintes acórdãos: STJ de 09-12-2004, Pº 04P4308, rel. SIMAS SANTOS; STJ de 09-03-2022, Pº 5/22.0YFLSB, rel. HELENA FAZENDA; STJ de 23-09-2020, Pº 685/13.8JACBR.C1-A.S1, rel. MANUEL AUGUSTO DE MATOS; TRL de 11-10-2017, Pº 6300/12.0TDLSB-A-3, rel. JOÃO LEE FERREIRA; TRP de 21-02-2018, Pº 406/15.0GAVFR-A.P1, rel. ELSA PAIXÃO; TRP de 11-11-2020, Pº 1155/18.3T9AVR-A.P1, rel. JOSÉ CARRETO; TRE de 07-01-2014, Pº91/10.6TDEVR-A.E1, rel. MARIA LEONOR ESTEVES; TRE de 08-03-2018, Pº 13/18.6YREVR, rel. JOÃO AMARO).
Ou seja: Todas as considerações que se possam tecer acerca da circunstância processual de, objetivamente, o requerente da suspeição ter apresentado nos autos de regulação 4 requerimentos, ainda não apreciados e, a progenitora, 2 requerimentos, que foram apreciados e, bem assim, no que se reporta à circunstância de a Sra. Juíza se ter “conformado” com a pronúncia da progenitora, na sequência do 1.º despacho prolatado nos autos de regulação, não podem fazer inferir alguma inimizade do julgador para com o requerente da suspeição, nem, ao invés, qualquer amizade do julgador para com a contraparte (ou seu mandatário).
A procedência ou improcedência de uma pretensão não pode nunca confundir-se com uma situação de inimizade ou amizade, respeitando sempre aquela a uma fundamentação que é legalmente exigida (cfr. artigo 154.º, n.º 1 do CPC).
Estas considerações são igualmente válidas para a circunstância objetiva de a Sra. Juíza não ter proferido decisão sobre os requerimentos do requerente da suspeição.
De facto, no que respeita à invocação do requerente da suspeição de que a Sra. Juíza não se pronunciou sobre os 4 requerimentos – de natureza semelhante – do requerente da suspeição, cumpre assinalar que o curso processual da tramitação do processo em questão encontra-se a ser devidamente assegurado, não se revelando qualquer comportamento da Sra. Juíza no sentido de qualquer parcialidade. A ausência de seguimento de tramitação ou de resposta a solicitações de uma das partes (questões que, aliás, mereceram pronúncia da Senhora Juíza na resposta formulada no presente incidente) nunca representariam, em si mesmo, qualquer quebra da imparcialidade devida, mas, no limite, o incumprimento do dever de decisão ou de atempada decisão (o que, contudo, não revela para um juízo de procedência do incidente de suspeição requerido).
Com efeito, não se insere no âmbito ou na finalidade do incidente de suspeição, a apreciação sobre a observância/inobservância, pelo julgador, dos deveres a seu cargo (em particular do dever de diligência, a que se reporta o artigo 7.º-C do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na tramitação processual), aspeto relativamente ao qual, o ordenamento jurídico estabelece meios próprios para colocar em crise uma tal conduta (ou omissão) do juiz, desde logo, de índole disciplinar.
Observando os factos tal como o faria um cidadão médio, não se deteta, todavia, no contexto de tramitação processual havido e acima descrito, qualquer atitude pessoal reveladora de suspeita de quebra da sua imparcialidade ou reveladora de alguma inimizade grave para com o requerente da suspeição.
Assim sendo, entendemos não se encontrarem reunidos os pressupostos que materializam o incidente, o que conduz à sua improcedência.
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VII. A responsabilidade tributária incidirá sobre o requerente – vencido (cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC) – da suspeição.
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VIII. Nos termos do disposto no art.º 123.º, n.º 3, do CPC, quando o incidente de suspeição for julgado improcedente, dever-se-á apreciar se o recusante procedeu de má-fé.
No caso, a Sra. Juíza invocou que o comportamento do requerente da suspeição deve ser sancionado no quadro deste instituto processual.
O requerente da suspeição negou tal modo de litigância, referindo exercer legítimo direito a “impedir que mentiras e falsidades descaradas afirmadas em processos que nem sequer deveriam ter sido intentados em Portugal ou, pelo menos, a nossa Jurisdição se deveria considerar absolutamente incompetente em termos internacionais, (…) Consolidem situações que não existem, que não existiam apenas para criar uma aparência de situação de facto que viesse possibilitar uma eventual competência dos tribunais portugueses e uma regulação, ainda que provisória, para permitir a prossecução de outros objectivos que nada têm a ver com o processo de regulação de responsabilidades parentais”. Mais referiu que, nem “o Recusante nem o seu mandatário suscitaram quaisquer falsidades, dado que, como acima se demonstra, não foram estes que proferiram certas afirmações em sede de audiência de julgamento do divórcio, que revelaram proximidade entre a Meritíssima Juíza Recusada e o mandatário da Progenitora”.
Vejamos:
O apuramento da má fé deve ser operado de harmonia com os critérios e pressupostos referenciais plasmados no nº. 2 do artigo 542.º do CPC.
O artigo 8.º do CPC enuncia que “as partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado” no artigo 7.º do mesmo Código.
“A litigância de má-fé surge (…) como um instituto processual, de tipo público e que visa o imediato policiamento do processo. Não se trata de uma manifestação de responsabilidade civil, que pretenda suprimir danos, ilícita e culposamente causados a outrem, através de actuações processuais” (assim, Menezes Cordeiro; Litigância de Má Fé, Abuso de Direito de Acção e Culpa «In Agendo», 2006; Almedina, 2006, p. 26, nota 2).
A particular gravidade que assume o abuso processual acontece porque lesa, não apenas a contra-parte, mas, devido ao carácter publicístico do processo, também e sobretudo, a própria administração da Justiça.
O artigo 542.º do CPC censura três comportamentos substantivos contrários à boa fé e um comportamento processual do litigante violador da boa fé devida:
A conduta substantiva sancionável pode consistir:
1) Na dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento se não deva ignorar (artigo 542.º, n.º 2, alínea a));
2) Na alteração da verdade dos factos ou na omissão de factos relevantes para a decisão da causa (artigo 542.º, n.º 2, alínea b));
3) Na grave omissão do dever de cooperação (artigo 542º, n.º 2, alínea c)).
Em termos de atuação processual sanciona-se o uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais, por qualquer das partes, a fim de:
i) conseguir um objetivo ilegal;
ii) impedir a descoberta da verdade; ou
iii) protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (artigo 542, n.º .2 alínea d)).
A delimitação da responsabilização por litigância de má fé impõe sempre uma apreciação casuística sobre a integração dos comportamentos sinalizados no âmbito de alguma das previsões contidas no mencionado n.º 2 do artigo 542.º.
A ilicitude pressuposta pela litigância de má-fé distancia-se da ilicitude civil (artigo 483º CC) não apenas porque se apresenta como um ilícito típico (descrevendo-se no artigo 542.º do CPC, analiticamente, as condutas que o integram), mas também porque, ao contrário do que sucede com o ilícito civil, se encontra dependente da verificação de um elemento subjectivo, sem o qual o comportamento da parte não pode ser tido como típico e, consequentemente, como ilícito, aproximando-se nesta medida muito mais do ilícito penal (assim, Paula Costa e Silva; A litigância de má-fé, Almedina, 2008, p. 620).
O litigante tem de atuar imbuído de dolo ou culpa grave. O elemento subjetivo será então considerado não apenas ao nível da culpa, mas também, em sede de tipicidade.
Releva a má-fé subjetiva - quando a parte que atua de má-fé tem consciência de que lhe não assiste razão - e, em face das dificuldades em apurar a verdadeira intenção do litigante, essa consciência deve manifestar-se perante a violação ou inobservância das mais elementares regras de prudência.
Se o comportamento da parte preencher objetivamente a previsão de alguma das alíneas do artigo 542º, nº 2, do CPC, mas não se patentear o elemento subjetivo, o mesmo não poderá ser qualificado como litigância de má fé. Não haverá lide dolosa nem temerária.
Refira-se, a este propósito, que a reforma do processo civil de 1995-1996 (operada pelo Decreto-Lei n.º. 329-A/95, de 12 de dezembro, Lei n.º 6/96, de 29 de fevereiro e Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de setembro) veio alargar a figura da litigância de má-fé, passando a abarcar não só a lide dolosa, mas também, a lide temerária (esta última ocorrerá quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro – assim, José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto; Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pp. 194-195, dando conta de que a lide temerária constitui um “mais” relativamente à lide meramente imprudente, que se verifica quando a parte excede os limites da prudência normal, atuando culposamente, mas apenas com culpa leve).
A lide temerária pode, pois, ser sancionada como litigância de má fé.
Assim, “hoje (…), a condenação como litigante de má fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição " cuja falta de fundamento não devia ignorar", ou seja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte como litigante de má fé, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão", pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização” (nesta linha, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-03-2014, Processo 1063/11.9TVLSB.L1.S1, rel. SALAZAR CASANOVA).
O dolo supõe o conhecimento da falta de fundamento da pretensão ou oposição deduzida – dolo substancial direto – ou a consciente alteração da verdade dos factos ou omissão de um elemento essencial – dolo substancial indireto – podendo ainda traduzir-se no uso manifestamente reprovável dos meios e poderes processuais (cfr. Menezes Cordeiro; Da Boa Fé no Direito Civil, 2ª Reimpressão, Colecção Teses, Almedina, 2001, p. 380).
Por seu turno, “há negligência grave, fundamentadora de um juízo de litigância de má-fé, quando o litigante procede com imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um” (assim, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2001, Processo 01A3692, rel. AFONSO DE MELO).
Finalmente, diga-se que “a lei processual castiga a litigância de má-fé, independentemente do resultado. Apenas releva o próprio comportamento, mesmo que, pelo prisma do prevaricador, ele não tenha conduzido a nada. O dano não é pressuposto da litigância de má-fé” (cfr. Menezes Cordeiro; Litigância de Má Fé, Abuso de Direito de Acção e Culpa «In Agendo», 2006, p. 26, nota 2). Assim, a condenação não depende dos resultados com a conduta reprovável do tipo das referidas no artigo 542.º, n.º 2, do CPC, serem ou não atingidos (cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-05-2019, Processo 6646/04.0TBCSC.L1.S2, rel. CATARINA SERRA).
Contudo, o julgador deve ser especialmente cauteloso e prudente na aferição das situações passíveis de constituírem litigância de má fé, apenas devendo determinar a condenação se se patentearem as condutas típicas e, bem assim, o dolo ou a grave negligência na sua prática.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-12-2018 (Processo 280/18.5T8OAZ.P1, rel. RITA ROMEIRA): “A responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, com dolo ou negligência grave, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça, ou, a deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; O autor deve ser condenado como litigante de má-fé se nega factos pessoais que vieram a ser declarados provados”.
Ou seja: “(…) a ousadia de apresentação duma determinada construção jurídica, julgada manifestamente errada, não revela, por si só, que o seu autor a apresentou em violação dos princípios da boa fé e da cooperação, havendo por isso que ser-se prudente no juízo a fazer sobre a má fé processual” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-11-2015, Processo 3067/12.5TBTVD.L1-2, rel. SOUSA PINTO).
No caso da alínea a) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC - “Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar”, como refere Susana Teresa Moreira Vilaça da Silva Barroso (O Abuso de Direito de Ação; Faculdade de Direito da Universidade do Porto, julho de 2016, p. 40), “o conceito de “não devia ignorar” tem uma carga demasiado subjetiva e demasiado pessoal que impossibilita a sua aplicação direta.
É que o enfoque da norma não está na manifesta falta de fundamento, critério mais ou menos objetivo se entendido na perspetiva do “homem médio”, “bonus pater família” etc., mas sim no facto da falta de fundamento “não dever ser ignorada”. Ora esta nuance devolve à norma um caráter de subjetividade que lhe vem introduzir dificuldades interpretativas. Onde está a linha que separa até onde é “aceitável ignorar” e a partir de onde deixa de o ser.
Dito de outra forma, até onde é razoável aceitar estarmos perante o exercício genuíno do direito de ação ou do direito de defesa, e a partir de onde se pode razoavelmente assumir que o agente conhecia (ou devia conhecer) a falta de fundamento?”.
Paula Costa e Silva (Responsabilidade por Conduta Processual – Litigância de Má Fé e Tipos Especiais; Almedina, 2022, pp. 389-390) procura responder a estas questões, nos seguintes termos:
“(…) a parte actuará ilicitamente se souber ou se devia saber que a sua pretensão, quer atendendo aos aspectos de facto, quer integradores da potencial causa de pedir, quer atendendo aos efeitos que deles são retirados, através da formulação de um pedido, não é compatível com aquilo que o sistema dita. Com origem localizável em GAIO e com assento no sistema nacional nas diversas fases da sua evolução, identifica-se, através deste tipo, o dever da parte de indagar, antes de propor a acção, da fundamentação da sua pretensão (…).
Assim, relevará uma ligeireza particularmente grosseira quanto ao modo como a parte configura a sua pretensão ou defesa, omitindo, nesta sua atuação, os mais elementares deveres de cuidado e de indagação.
Revertendo ao caso dos autos, na atuação do requerente da suspeição – a parte do processo – verifica-se que, não dispondo de qualquer fundamento objetivo que lhe permitisse suspeitar da imparcialidade do julgador, por razões que desconhecemos, mas revelando grave desalinho, o requerente da suspeição veio invocar circunstâncias processuais – não assentes em qualquer elemento plausível, mas apenas na prolação e sentido decisórios de dois despachos (inábeis para concluir do modo que concluiu) – para fundamentar uma indemonstrada “proximidade e intimidade da Sra. Juíza com o Mandatário da Progenitora” não podendo desconhecer, por isso, a falsidade do invocado e fazendo, nessa medida – pela forma ligeira e insustentada - uma utilização desviante do instituto da suspeição.
A imputação de falta de imparcialidade é uma das acusações mais graves que se pode fazer a um juiz no exercício das suas funções, porque a imparcialidade é a primeira condição para o exercício dessas mesmas funções.
Quem não é imparcial não pode ser juiz.
O requerente conhecia e não podia deixar de conhecer – na data em que foi deduzido o incidente de suspeição - a gravidade da imputação da suspeição, fundada em “inimizade grave ou grande intimidade entre o juiz e alguma das partes ou seus mandatários” (cfr. artigo 120.º, n.º 1, al. g) do CPC), mas, com invocação da parcialidade do julgador, cerne da função de juiz e causa primeira da sua dignidade, sem qualquer substância relativamente a si, tendo agido, senão com dolo, pelo menos, com negligência grosseira ou grave, pois, uma outra pessoa, colocada na sua situação, não se prestaria a mostrar adesão/a mandatar advogado para a prática do ato processual – de apresentação do requerimento de suspeição - correspondentemente praticado.
Afigura-se-nos, pois, que. ao suscitar o presente incidente da forma como o fez, o requerente da suspeição agiu de má-fé.
Atento o disposto no art.º 27.º, n.º 3, do Regulamento de Custas Processuais, que estabelece a moldura da respetiva multa, por litigância de má fé, entre 2 e 100 UC, e a natureza do processo, bem como, a conduta verificada, afigura-se-nos adequado fixar a multa à requerente em 5 (cinco) U.C.’s.
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IX. Face ao exposto:
a) Julgo extemporâneo o incidente de suspeição deduzido, com fundamento em atos processuais praticados pela Sra. Juíza de Direito CC, na ação de divórcio;
b) Quanto aos demais fundamentos invocados no incidente em apreço, indefiro a suspeição deduzida relativamente à Sra. Juíza de Direito o Juiz de Direito CC;
c) Tendo a requerente deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar (art.º 542.º, n.º 2, al. a) do C. P. Civil), condeno-a, como litigante de má-fé, em multa que fixo em 5 (cinco) U.C.’s.
Custas a cargo da requerente do incidente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) U.C.’s.
Notifique.

Lisboa, 15-07-2025,
Carlos Castelo Branco.