DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE
REJEIÇÃO DE RECURSO
Sumário

1- Os despachos de mero expediente são aqueles que têm como finalidade dar andamento
regular a um processo e não implicam uma interferência no conflito de interesses entre as partes.
2- Tendo sido proferida anteriormente decisão sobre a mesma matéria notificada à parte recorrente nos autos, transitada a decisão em julgado, não pode a mesma agora, extemporaneamente, vir interpor recurso sobre essa mesma questão, ainda que o juiz tenha novamente reiterado o entendimento anterior em novos despachos que proferiu nos autos.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
1. Relatório
Em 27.06.2025, foi proferido despacho nos autos, nos seguintes termos:
“Requerimento de 27-05-2025 e resposta de 30-05-2025:
A ordem de pagamento dos créditos penhorados observa agora a regra da antiguidade das penhoras.
Todavia e conforme já se deixou dito no despacho de 08-11-2024, a liquidação/actualização da quantia exequenda e custas da execução não constitui uma nova penhora, mas antes a mesma que, portanto, conserva a data da sua realização.
Em consequência, deverá o Sr. administrador da insolvência ter em conta a dita actualização, de que já há muito foi notificado, aquando dos pagamentos.
Notifique, incluindo a devedora e todos os credores e sendo ainda o Sr. administrador da insolvência, com cópia do requerimento de 30-05-2025, para proceder aos respectivos pagamentos, nos termos já aprovados nos autos, e para os comprovar em dez dias.”
Inconformada com o mesmo, veio Oitante, S.A. interpor recurso em 16.07.2025.
A apelada Intrum Debt Finance AG veio, em 05.08.2025, apresentar contra-alegações, alegando, designadamente, que o despacho objeto de recurso é irrecorrível por se tratar de um despacho de mero expediente e que o recurso é extemporâneo, pretendendo a recorrente alterar decisões anteriormente transitadas em julgado.
Em 18.09.2025, foi proferido despacho de admissão do recurso interposto nos seguintes termos:
“Requerimento de interposição de recurso e alegações de 16-07-2025:
Por ser admissível, estar em tempo, a recorrente ter legitimidade e por o requerimento conter alegações e conclusões, admito o recurso interposto pela credora Oitante, S.A. do despacho proferido em 27-06-2025, para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual é de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo – arts. 9.º, n.º 1, e 14.º, n.º 5, do CIRE, 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 637.º, 638.º, n.º 1, 2.ª parte, 641.º, n.ºs 1 e 2, este a contrario, todos do CPC, aplicáveis ex vi do art. 17.º do CIRE.”
Em 22.09.2025, foi proferido despacho nos autos, pela Relatora no presente recurso, com o seguinte dispositivo:
“Assim sendo, face ao exposto, não tendo tido a recorrente oportunidade de se pronunciar sobre a questão enunciada, notifique a mesma, em cumprimento do disposto no art.º 655º, nºs 1 e 2, do CPC, para, em 10 dias, se pronunciar sobre a questão da extemporaneidade do recurso apresentado.”
A recorrente veio, em 06.10.2025, pronunciar-se concluindo no requerimento apresentado requerendo que se conheça o objeto do recurso, não se verificando a extemporaneidade do mesmo.
Diz, em síntese, que até ao despacho recorrido não foi proferida decisão desfavorável à recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal.
Diz ainda que os despachos de 15.05.2024 e 01.07.2024 são despachos de mero expediente, não havendo qualquer decisão; que não tinha fundamento para impugnar o despacho de 08.11.2024, uma vez que na sequência do mesmo foi apresentada uma proposta de pagamento com a qual a recorrente concordava; que aquando do despacho de 07.02.2025 o tribunal ordena uma clarificação, não tendo decidido a ordem de pagamentos, não tendo sido qualquer decisão desfavorável à recorrente e por último, com interesse, para a questão a decidir, que em 17.05.2025 foi proferido novo despacho, sendo que, em 27.05.2025 o administrador da insolvência apresenta a última proposta de pagamento e, em 27.06.2025, é proferido o despacho recorrido, com o qual a recorrente não concorda, sendo que ad initio discordou do critério da “antiguidade da notificação ao Sr. Administrador de Insolvência”.
           
2. Questão de decidir.
Cumpre conhecer se se verifica alguma circunstância que obsta ao conhecimento do recurso
interposto por Oitante, S.A.

3. Fundamentos de facto:
            Resulta dos autos que:
1 - Em 14.05.2024, apresentou o administrador da insolvência nomeado nos autos, requerimento, pedindo que o tribunal esclareça qual o entendimento para pagamento dos créditos penhorados, “estando os créditos penhorados por diferentes processos e em simultâneo aos dois credores, com notificação ao Administrador Judicial em datas distintas.”
2 - Em 15.05.2024, na sequência do requerimento apresentado, foi proferido despacho nos autos,  enunciando o seguinte:
“Informe o Sr. Administrador que deverá prevalecer o critério de antiguidade das penhoras realizadas, sendo os valores remetidos para aqueles autos em que foram realizadas primeiramente.”
3 - Em 01.07.2024, foi proferido novo despacho nos autos, dizendo o seguinte:
“Notifique o Sr. Administrador para que se pronuncie, uma vez que nos pagamentos a realizar terá de ter em conta a antiguidade e eventuais privilégios ou garantias de que tais credores sejam titulares.”.
4 - Os citados despachos foram notificados ao administrador da insolvência nomeado no processo.
5 - Os referidos despachos não foram objeto de impugnação.
6 - Em 08.11.2024, foi proferido novo despacho nos autos nos seguintes termos:
“Requerimentos de 14-05-2024, 24-05-2024, 29-05-2024, 03-06-2024, 05-06-2024, 15-07-2024, 19-07-2024, 25-07-2024, 05-08-2024 e 01-10-2024:
A proposta de rateio, validada por despacho de 12-04-2024, apenas tem como objecto determinar a ordem de pagamento dos créditos reconhecidos nos presentes autos (em conformidade com a sentença de verificação e graduação de créditos proferida no respectivo apenso) e já não a forma de pagamento de créditos que estejam penhorados à ordem de outros processos judiciais.
Em consequência e contrariamente ao afirmado pelo Sr. administrador da insolvência, irreleva para o caso que a dita proposta de rateio fizesse menção ao valor de quaisquer créditos penhorados.
As notificações efectuadas ao Sr. administrador da insolvência, para concretização das penhoras de créditos (art. 773.º, n.º 1, do CPC), ressalvavam expressamente a eventual necessidade de posterior actualização do crédito penhorado (cf. documentos juntos por requerimento de 14-05-2024), o que, de resto, está em perfeita consonância com a abrangência da penhora.
Com efeito, de acordo com o disposto no art. 735.º, n.º 2, do CPC a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20%, 10% e 5% do valor da execução, consoante, respectivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor (sublinhado e negrito nosso).
Ora, tal liquidação, face às regras do processo executivo, apenas a final e depois de apresentada a nota discriminativa de honorários e despesas do agente de execução pode ter lugar, sendo que as custas da execução, incluindo os referidos honorários e as mencionadas despesas, saem precípuas do produto dos bens penhorados (arts. 541.º, e 721.º, n.ºs 1 e 5, do CPC).
Em consequência e como é evidente, tal liquidação que, necessariamente, terá de ser feita a posteriori, não constitui uma nova penhora, tal como pretende fazer crer a credora Intrum Debt Finance AG, mas antes a mesma penhora, ainda que com o valor final da quantia exequenda e custas da execução liquidado.
De igual modo se dirá que carece de sentido afirmar que a quantia exequenda não pode ser actualizada porque os juros vencidos após a declaração da insolvência apenas podem ser pagos como créditos subordinados e depois de estarem satisfeitos todos os outros créditos. Na verdade, tal regra apenas se aplica aos créditos reclamados e reconhecidos no processo de insolvência (créditos sobre a insolvência) e não a quaisquer outros (art. 48.º, al. b), do CIRE).
Ora, o crédito sobre a insolvência é o que foi reconhecido a J…. Já a questão de saber a quem deverá o Sr. administrador da insolvência entregar  o valor que coube a esse credor – do qual, no fundo, está constituído depositário em face das penhoras que sobre ele recaem – é até, em bom rigor, questão estranha aos presentes autos. Assim sendo e no que se refere aos créditos penhorados, caberá ao Sr. administrador da insolvência dar cumprimento ao disposto no art. 777.º do CPC, sendo que, numa óptica de colaboração, o Tribunal até já determinou que, para esse efeito, observe a regra da antiguidade das penhoras, acrescentando-se agora que a liquidação/actualização da quantia exequenda e custas da execução feita a posteriori não constitui uma nova penhora, mas antes a mesma penhora que, portanto, conserva a data da sua realização.
Notifique, incluindo todos os credores e sendo ainda o Sr. administrador da insolvência para proceder aos respectivos pagamentos e para os comprovar nos autos em dez dias.”
7 - O referido despacho foi objeto de notificação, na mesma data, inclusive à credora.
8 - O despacho mencionado não foi impugnado.
9 – O administrador da insolvência apresentou proposta de pagamento em 03.12.2024.
10 -  Em 07.02.2025, foi proferido novo despacho dizendo o seguinte:
“Requerimento de 03-12-2024:
Conforme já se deixou dito nos autos, estando o Sr. administrador da insolvência constituído depositário das quantias que se encontram penhoradas à ordem de outros processos, é a si que caberá dar cumprimento ao disposto no art. 777.º do CPC, observando, para tanto, a regra da antiguidade das penhoras.
Ora, como é evidente, apenas relevam para esse efeito as penhoras de créditos que tenham sido efectuadas (i.e. as que tenham sido concretizadas através de notificação ao Sr. administrador nos termos do art. 773.º, n.º 1, do CPC) e não quaisquer outras, como as penhoras de imóveis a que o mesmo veio agora, estranhamente, fazer referência.
Em consequência, deverá o Sr. administrador da insolvência clarificar a este propósito o que tiver por conveniente.
Prazo: dez dias.
Notifique.”
11 - O referido despacho foi notificado em 10.02.2025, inclusive à recorrente.
12 – O mencionado despacho não foi impugnado.
13 - Em 17.05.2025, foi proferido outro despacho, decidindo o seguinte:
“Despacho de 07-02-2025 (parte final):
O sr. administrador da insolvência não deu cumprimento ao que lhe foi determinado, nada tendo clarificado acerca da ordem dos pagamentos dos créditos que se encontram penhorados – o que, naturalmente, deverá fazer, a fim de o Tribunal poder sindicar o raciocínio que lhe esteve subjacente, tanto mais que os credores continuam a impugnar a ordem indicada.
Na verdade, o requerimento apresentado em 11-02-2025 constitui repetição do que já havia sido apresentado em 03-12-2024, sem que tenha sido avançada qualquer explicação para esse facto e sem que o Sr. administrador da insolvência tenha clarificado o critério por si seguido – o que não é admissível, tanto mais que os autos já vão longos no que a esta questão concerne.
Assim sendo, deverá o Sr. administrador da insolvência apresentar proposta de pagamentos, na qual dê, definitivamente, cumprimento ao critério da antiguidade das penhoras dos créditos nos termos já indicados e na qual justifique a ordem seguida.
Mais deverá instruir a dita proposta com os documentos comprovativos das notificações efectuadas que concretizaram as penhoras dos créditos em causa, contendo a data dessas notificações.
Prazo: dez dias.
Notifique (incluindo os credores e a devedora).”
14 - O referido despacho foi notificado, inclusive à apelante, em 17.05.2025.
15 – O enunciado despacho não foi impugnado.
16 - Em 27.05.2025, veio o administrador da insolvência nomeado nos autos, apresentar requerimento nos seguintes termos:
“Meritíssima Juiz de Direito
B…, na qualidade de Administrador Judicial, nomeado nos autos acima identificados, vem por este meio dar resposta à Notificação de 19/05/2025, com a referência 157655217.
Em resposta ao solicitado, o Administrador Judicial aplica o “critério antiguidade das penhoras dos créditos”, momento que o Administrador Judicial foi notificado da penhora.
Seguindo o vertido pelo tribunal na notificação de 10/02/2025 (Referência 155753636)
“(..) apenas relevam para esse efeito as penhoras de créditos que tenham sido efetuadas (i.e. as que tenham sido concretizadas através de notificação ao Sr. administrador nos termos do art. 773.º, n.º 1, do CPC) e não quaisquer outras, como as penhoras de imóveis (..)”, o Administrador Judicial segue o critério da das penhoras que tenham sido concretizadas através de notificação nos termos do art. 773.º, n.º 1, do CPC.
            Seguindo o critério da data de notificação ao Administrador Judicial (critério antiguidade das penhoras dos créditos), indica a ordem dos pagamentos a efetuar, nomeadamente:



Credor
Crédito reconhecido e graduado
Processo Executivo

Antiguidade Penhora

Valor penhora

Valor a pagar
J…
61 107,12€
2251/21.5T8CSS15/03/202252 584,95€52 584,95 €
2341/21.4T8OER12/12/2022212 098,71€8 522,17 €
Total61 107,12€




Credor
Crédito reconhecido e graduado
Processo Executivo

Antiguidade Penhora

Valor penhora

Valor a pagar
A…
1 214,41€

2341/21.4T8OER

12/12/2022

212 098,71€


1 214,41€




Credor
Crédito reconhecido e graduado
Processo Insolvência

Sentença Insolvência

Valor

Valor a pagar
P…
384,08€

7503/23.7T8SNT

08/05/2023

-------------


384,08€


Documentos em anexo:
- Documento 1: Penhora Processo 2251/21.5T8CSS;
- Documento 2: Penhora Processo 2341/21.4T8OER;
- Documento 3: Insolvência Processo 7503/23.7T8SNT;
Aguarda o Administrador Judicial validação do critério proposto, com vista a dar início aos pagamentos.
Pede deferimento,
O Administrador Judicial,”
17 - Juntou o Administrador da insolvência três documentos, dois respeitantes às notificações que lhe foram feitas por agentes de execução para penhoras de créditos e o último de um anúncio publicitando uma sentença de declaração de insolvência.
18 – Em 27.06.2025, foi proferido despacho nos autos nos seguintes termos:
“Requerimento de 27-05-2025 e resposta de 30-05-2025:
A ordem de pagamento dos créditos penhorados observa agora a regra da antiguidade das penhoras.
Todavia e conforme já se deixou dito no despacho de 08-11-2024, a liquidação/actualização da quantia exequenda e custas da execução não constitui uma nova penhora, mas antes a mesma que, portanto, conserva a data da sua realização.
Em consequência, deverá o Sr. administrador da insolvência ter em conta a dita actualização, de que já há muito foi notificado, aquando dos pagamentos.
Notifique, incluindo a devedora e todos os credores e sendo ainda o Sr. administrador
da insolvência, com cópia do requerimento de 30-05-2025, para proceder aos respectivos pagamentos, nos termos já aprovados nos autos, e para os comprovar em dez dias.”

3. Fundamentos de Direito.
Tal como já enunciado anteriormente, uma das funções do Relator, nos termos do art.º 652º, n.º 1, al. b), do CPC, é a de verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso.
Uma das situações referentes ao não conhecimento do objeto do recurso é a da verificação da extemporaneidade do recurso, por se constatar que a decisão impugnada já transitou em julgado.
Na espécie, constata-se que a recorrente Oitante, S.A., veio interpor o presente recurso, em 16.07.2025, impugnando o despacho proferido em 27.06.2025.
Na espécie, a apelada Intrum Debt Finance AG veio suscitar a questão da irrecorribilidade do despacho por se tratar de um despacho de mero expediente  e ainda a questão da extemporaneidade do recurso, dizendo que a recorrente pretende alterar decisões anteriormente transitadas em julgado.
Foi ouvida recorrente.
Vejamos em primeiro lugar a questão de estar em causa um despacho de mero expediente.
Diz-nos o art.º 152º, n.º 4, do CPC, que: “Os despachos de mero expediente destinam-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes.”.
Ou seja, este despacho, como salientam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, têm uma finalidade – prover ao andamento regular do processo e um pressuposto – sem interferir no conflito de interesses entre as partes.[1] Ou, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 18.09.2025: “… constitui despacho de mero expediente aquele que, proferido pelo juiz, não decidindo qualquer questão de forma ou de fundo, se destina principalmente a regular o andamento do processo. Caracteriza-se, assim, pela sua natureza de se limitar a dar cumprimento aos legais trâmites que devem nortear esse andamento do processo, sem envolver uma apreciação concreta que se projecte nos direitos dos intervenientes.”.[2]
Ora, na espécie, um despacho no qual se enuncia que:
“A ordem de pagamento dos créditos penhorados observa agora a regra de antiguidade das penhoras.”, não se pode considerar em rigor um despacho de mero expediente, uma vez que o mesmo desde logo interfere no “conflito entre as partes”, regulando a forma da ordem de pagamentos dos créditos penhorados.
Quanto à questão desse despacho reproduzir o anteriormente decidido, trata-se esta de uma questão diferente que analisaremos de seguida.
Não se verifica, pois, ao contrário do referido pela apelada, a irrecorribilidade da decisão em referência, por se tratar a mesma de um despacho de mero expediente.
Vejamos agora a questão igualmente suscitada pela apelada da extemporaneidade do recurso.
Analisemos, em primeiro lugar, o teor das alegações e das conclusões apresentadas pela recorrente, sendo certo que as conclusões definem e delimitam o objeto de recurso (arts. 635º, nºs 3 a 5 e 639º, nºs 1 e 2, do CPC).
Vem a recorrente impugnar o despacho objeto de recurso, dizendo que entende que não foi respeitado o critério de antiguidade, esclarecendo mais à frente que considera que deve ser respeitada a antiguidade do processo judicial e não o critério de notificações da penhora, ou, caso assim não se entenda, o crédito deve ser rateado, devendo todos os credores/ exequentes serem ressarcidos de forma proporcional.
Feita esta análise concluímos que a recorrente impugna a parte do despacho já enunciado no qual se menciona que:
            “A ordem de pagamento dos créditos penhorados observa agora a regra de antiguidade das penhoras.”
            No entanto, compulsados os autos, constata-se que esta menção não é de forma alguma uma “nova decisão”, por parte do tribunal.
            De facto, começou o tribunal por enunciar, no despacho datado de 15.05.2024, não impugnado, precisamente, que “… deve prevalecer o critério de antiguidades das penhoras”, esclarecendo o administrador da insolvência relativamente à questão colocada quanto aos pagamentos dos créditos penhorados, com notificação ao mesmo em datas distintas.
Posteriormente veio novamente o tribunal dizer, em 01.07.2024, em despacho dirigido ao administrador da insolvência que “… nos pagamentos a realizar terá de ter em conta a antiguidade e eventuais privilégios ou garantias de que tais credores seja titulares.”.
Também este despacho não foi objeto de impugnação.
Tratam-se estes despachos, ao contrário do que refere a recorrente na pronúncia de 06.10.2025, de despachos decisórios e não de mero expediente como pretende a recorrente, uma vez que, repetindo-se o anteriormente mencionado, interferem no “conflito entre as partes”, regulando a forma da ordem de pagamentos dos créditos penhorados, esclarecendo claramente qual o critério a ter em consideração, sendo esse o critério da antiguidade das penhoras, não se limitando, como refere a recorrente, a determinar a mera audição do administrador da insolvência.
Se é certo que estes primeiros despachos não foram objeto de notificação à ora recorrente, os seguintes, já o foram.
O despacho de 08.11.2024, no qual é reiterado, de forma clara,  que: “Assim sendo e no que se refere aos créditos penhorados, caberá ao Sr. administrador da insolvência dar cumprimento ao disposto no art. 777.º do CPC, sendo que, numa óptica de colaboração, o Tribunal até já determinou que, para esse efeito, observe a regra da antiguidade das penhoras, acrescentando-se agora que a liquidação/actualização da quantia exequenda e custas da execução feita a posteriori não constitui uma nova penhora, mas antes a mesma penhora que, portanto, conserva a data da sua realização.
Notifique, incluindo todos os credores e sendo ainda o Sr. administrador da insolvência para proceder aos respectivos pagamentos e para os comprovar nos autos em dez dias.”
Notificado, inclusive, como dissemos, à recorrente, não foi impugnado.
Importa aqui esclarecer que a impugnação a realizar através de recurso, a acontecer teria de ser da própria decisão proferida, não estando em causa a interpretação que o administrador da insolvência posteriormente fez da mesma. A impugnação de uma decisão e a recorribilidade da mesma não dependem a sua “execução”, nem devem aguardar pela mesma, ou da interpretação que outrem faz dessa decisão, desde logo uma interpretação claramente imperfeita, não sendo procedente o argumento da recorrente de que não tinha fundamento para impugnar o despacho de 08.11.2024 e isto tanto mais tendo em atenção que quando essa proposta é apresentada pelo administrador da insolvência em 03.12.2024 já tinha decorrido o prazo para a recorrente interpor recurso do despacho em apreço, que lhe tinha sido notificado com data de 08.11.2024.
Posteriormente, se dúvidas ainda subsistissem, esclareceu o tribunal, em 07.02.2025, que:
“Conforme já se deixou dito nos autos, estando o Sr. administrador da insolvência constituído depositário das quantias que se encontram penhoradas à ordem de outros processos, é a si que caberá dar cumprimento ao disposto no art. 777.º do CPC, observando, para tanto, a regra da antiguidade das penhoras.
Ora, como é evidente, apenas relevam para esse efeito as penhoras de créditos que tenham sido efectuadas (i.e. as que tenham sido concretizadas através de notificação ao Sr. administrador nos termos do art. 773.º, n.º 1, do CPC) e não quaisquer outras, como as penhoras de imóveis a que o mesmo veio agora, estranhamente, fazer referência.”
Mais uma vez este despacho foi objeto de notificação (em 10.02.2025), inclusive à recorrente, não tendo sido impugnado.
Neste último despacho o tribunal para além de vir reiterar aquilo que já largamente tinha dito antes, ainda esclarece quanto “as penhoras de créditos que tenham sido efetuadas” o critério de “interpretação” da já mencionada antiguidade “i.e as que tenham sido concretizadas através de notificação nos termos do art. 773º, n.º1, do CPC). Não está pois, em causa como refere a recorrente um despacho que nada decide, pelo contrário, podemos dizer que se trata sim de um despacho que volta a “reiterar” o já anteriormente decidido.
Também em 17.05.2025, volta o tribunal a dizer:
“Assim sendo, deverá o Sr. administrador da insolvência apresentar proposta de pagamentos, na qual dê, definitivamente, cumprimento ao critério da antiguidade das penhoras dos créditos nos termos já indicados e na qual justifique a ordem seguida.
Mais deverá instruir a dita proposta com os documentos comprovativos das notificações efectuadas que concretizaram as penhoras dos créditos em causa, contendo a data dessas notificações.”
Despacho mais uma vez notificado, inclusive à recorrente, não impugnado.
Assim sendo, não pode agora a recorrente defender que está perante uma posição do tribunal, que constitui uma decisão ”nova “, pelo mesmo tomada no despacho ora em crise.
A posição do tribunal já foi tomada largamente em datas anteriores e esclarecido o critério entendido de “antiguidade de penhoras realizadas”, face às dificuldades em que incorreu o administrador da insolvência em cumprir o despacho inicial proferido em 15.05.2024, através do despacho de 07.02.2025, não sendo defensável que no despacho de 27.06.2025 algo de novo tenha sido decidido, quando se afirma que: “A ordem de pagamentos dos créditos penhorados observa agora a regra da antiguidade das penhoras.”
Este despacho apenas se limita a constatar que o administrador da insolvência deu cumprimento ao ordenado anteriormente e como tal está em condições de efetuar os pagamentos em falta, e não a emitir uma nova “ordem” ou decisão diferente ou “nova”, permitindo que o ora recorrente venha agora por em causa o critério adotado pelo tribunal quanto à ordem de pagamentos, dizendo que este deveria ser diferente, por antiguidade de processo executivos, ou, assim não se entendendo, rateando o pagamentos entre os diferentes credores/exequentes.
Aliás o próprio administrador da insolvência no requerimento que apresentou em 27.05.2025, “finalmente” cumprindo o ordenado pelo tribunal, refere que:
“Em resposta ao solicitado, o Administrador Judicial aplica o “critério antiguidade das penhoras dos créditos”, momento que o Administrador Judicial foi notificado da penhora.
Seguindo o vertido pelo tribunal na notificação de 10/02/2025 (Referência 155753636)
“(..) apenas relevam para esse efeito as penhoras de créditos que tenham sido efetuadas (i.e. as que tenham sido concretizadas através de notificação ao Sr. administrador nos termos do art. 773.º, n.º 1, do CPC) e não quaisquer outras, como as penhoras de imóveis (..)”, o Administrador Judicial segue o critério da das penhoras que tenham sido concretizadas através de notificação nos termos do art. 773.º, n.º 1, do CPC.
Seguindo o critério da data de notificação ao Administrador Judicial (critério antiguidade das penhoras dos créditos), indica a ordem dos pagamentos a efetuar, nomeadamente:
(…)”
Assim a decisão do tribunal de que prevalece para a ordem de pagamentos aos credores a regra da antiguidade das penhoras, entendida esta como “as penhoras de créditos que tenham sido efectuadas (i.e. as que tenham sido concretizadas através de notificação ao Sr. administrador nos termos do art. 773.º, n.º 1, do CPC)” já anteriormente transitou em julgado, não tendo sido impugnadas qualquer uma das decisões enunciadas anteriores à ora em crise nos autos.
Concluísse, pois, que essa decisão ficou a ter força obrigatória nomeadamente dentro do processo nos termos do art.º 619º, n.º 1, do CPC.
Dado que, mesmo tendo em consideração que a decisão supra enunciada, que esclareceu o anteriormente referido pelo tribunal, foi proferida em 07.02.2025,  e notificada com data de 10.02.2025, sendo de 15 dias, o prazo para interposição de recurso em processos urgentes, nos termos do art.º 638º, n.º 1, 2ª parte, do CPC, aplicável por via do disposto no art.º 17º, n.º 1, do CIRE,  importa concluir que o exercício do direito de recorrer, por requerimento de recurso apresentado em 16.07.2025, é manifestamente extemporâneo, obstando assim ao conhecimento do recurso.
Quanto ao argumento da recorrente de que “até ao despacho recorrido não foi proferida decisão desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal.”, o mesmo não colhe, o despacho ora objeto de recurso não tem um “valor” diferente dos despachos anteriores, nem lhe foi atribuído um valor diferente, não é este despacho ora objeto de recurso que é desfavorável à recorrente, sendo que quanto à questão em apreço o tribunal já tinha há muito decidido o critério a adotar.
Assim sendo, importa não conhecer do recurso interposto por manifesta extemporaneidade na interposição do mesmo.
A apelante deverá suportar as custas devidas, face ao seu decaimento (art.º 527º, nºs 1 e 2, CPC).
4.
Pelo exposto, por manifesta extemporaneidade, na interposição do mesmo, não se não se conhece do recurso interposto por Oitante. S.A.
Custas pela apelante.

Lisboa, 24-10-2025,
Elisabete Assunção
_______________________________________________________
[1] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, Almedina, pág. 207.
[2] Proc. n.º 576/23.4T8ABT.E1, Relator Tomé de Carvalho, disponível em www.dgsi.pt.