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CASA DE HABITAÇÃO
INSOLVENTE
DIFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO
OPORTUNIDADE DO PEDIDO
ESGOTAMENTO DO PODER JURISDICIONAL
Sumário
Sumário (cf. nº 7, do art.º 663º, do CPC): I - Quando o n.º 5 do artigo 150.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas prevê a aplicação do disposto no artigo 862.º do Código de Processo Civil à desocupação de casa de habitação onde resida habitualmente o insolvente, o seu campo de aplicação é o do momento da realização da apreensão dos bens para a massa insolvente quando o administrador da insolvência pedir a entrega do bem para concretizar essa apreensão. II - A apreensão para a massa insolvente de bens sujeitos a registo realiza-se, antes de mais, pelo registo da sentença de declaração da insolvência no serviço de registo competente, registo que é obrigatório e cabe ao AI promover, conforme previsto nos arts. 2º, nº 1, al. n) e 8ºB, nº 3, al. c) do Código de Registo Predial. III. Com a prolação de despacho que teve como pressuposto a necessidade de concretização da apreensão do imóvel, nos termos previstos nos arts. 755º e 768º, nº 1 e 2 do CPC, aplicáveis ex vi art. 17º do CIRE, a qual não se mostrava evidenciada nos autos, pressuposto que se manteve no despacho subsequente, sob recurso, com aquele primeiro ficou esgotado o poder jurisdicional do tribunal nos termos do art.º 613º, n.º3 do CPC, no que contende com o momento processual (oportunidade) em que o deferimento da desocupação deveria ser apreciado – desde que concretizada a apreensão - pelo que lhe estava vedado apreciar o requerido pela apelante no despacho recorrido, sem que tal apreensão já se mostrasse concretizada, sob pena de proferir uma decisão juridicamente inexistente.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório
1. Promontoria Mars Designated Activity Compagny”, intentou processo especial de insolvência contra “AA” e mulher, “BB”, peticionando a declaração de insolvência dos requeridos, que veio a ser declarada por sentença de 29/11/2023, confirmada por Acórdão desta relação de 11/03/2025 (apenso C), transitado em julgado.
2. Em 19/01/2024 foi lavrado auto de apreensão relativo à fração autónoma designada pela letra “(…)” do prédio em regime de propriedade horizontal, destinado a habitação, T4, e com espaço para parqueamento de um veículo automóvel, designado pela letra “(…)”, na sub/cave, sito (…), descrito na Conservatória do Registo Predial (…), sob o n.º (…) e inscrito na matriz da referida freguesia sob o n.º (…), com o valor patrimonial de 151.072,60€.
3. Do teor da descrição predial relativa ao imóvel apreendido nos autos junta sob o apenso da Apreensão em 8/08/2025 resulta o seguinte:
- Ap. n.º (…) de (…) - Registos Pendentes – Declaração de Insolvência.
- Ap. (…) de (…) UTC – Declaração de Insolvência.
Provisório por natureza – art.º 92º, n.º1, al. n) (…)
- Averb. - Ap. (…) de(…) –(…) UTC – Conversão em Definitiva da APRESENT, (…) de (…) – Declaração de Insolvência.
4. Os autos prosseguiram para liquidação do ativo, conforme proposto no Relatório do Sr. Administrador da Insolvência a que alude o art.º 155º do CIRE e despacho proferido em 6/02/2024 (ref. Citius n.º ….).
5. No apenso E (reclamação de créditos) foi junta a lista definitiva de créditos reconhecidos, elaborada nos termos do artigo 129º do CIRE a qual foi objeto de impugnação pelos insolventes.
6. Em 11/07/2025 o Sr. Administrador da Insolvência informou, no apenso H (liquidação), veio informar do início da liquidação do imóvel apreendido por leilão eletrónico com data de encerramento de 6/08/2025.
7. Em 26/05/2025, nos autos principais, vieram os insolventes requerer que se determine a prorrogação da desocupação do imóvel onde a Insolvente reside, na sequência da venda judicial do seu quinhão de comproprietária sobre o mesmo, pelo período de 5 (cinco) meses, nos termos conjugados do artigo 150.º do CIRE e dos artigos 862.º, 864.º n.º 1 e n.º 2 e 865.º n.º 4, todos do CPC.
Alegaram, em síntese, que: a inflação galopante nos últimos anos, que é do conhecimento público, tem criado sérias dificuldades à obtenção de rendimentos.// têm sentido dificuldades, que resultam da necessidade de encontrar uma habitação que reúna as condições mínimas para alojar os Insolventes e da respectiva filha e da escassez de casas para arrendar no mercado, aliada às rendas elevadíssimas, na procura de uma habitação alternativa na qual possam viver dignamente, contando já com a inevitável venda judicial do imóvel que constitui a sua habitação actual, e que se encontra apreendido nestes autos// Tais dificuldades são agravadas pelos problemas de saúde dos Insolventes// o Insolvente, marido da Requerente, padece de um quadro depressivo em estado avançado// A Insolvente mulher sofre de hipertensão, bem como de severos ataques de ansiedade// O quadro factual descrito evidencia que os Insolventes se veem impossibilitados de aceder, no curto prazo, a uma habitação alternativa que permita acolher os próprios e a sua filha, que se encontram sob a sua guarda e responsabilidade// A situação de saúde da Insolvente, bem como da sua mãe (da qual a Insolvente é cuidadora) correm sério risco de agravamento, pondo mesmo em risco a sua subsistência, em caso de lhes ser imposta uma desocupação imediata, ou no curto prazo, da sua habitação actual.
8. Notificada, pronunciou-se a requerente em 4/06/2025 (ref. Citius n.º…) pelo indeferimento do requerido por entender que o expediente convocado pelos insolventes apenas tem cabimento legal na fase da apreensão dos bens – não sendo, aplicável na fase da liquidação do património e bem assim, por não se verificar qualquer um dos fundamentos estipulados no artigo 864.º, n.º 2 do CPC, mais alegando que o imóvel que constitui a casa de morada de família dos insolventes encontra-se apreendido há mais de um ano, tempo mais do que suficiente para que procurassem morada alternativa, o que não fizeram, nem demonstram, devendo ter comunicado a situação às entidades sociais competentes, por forma a que lhe fosse possível arranjar uma alternativa – o que, aparentemente, nunca fizeram por inércia (negligência) sua e que não pode prejudicar o normal funcionamento do processo.
9. Em 2/07/2025, nos autos principais, (ref. Citius n.º…) foi proferido despacho com o seguinte teor: «(…) para que se prorrogue a desocupação é necessário que esta esteja em iminência, circunstância não comprovada nos autos. Sendo que o auto de apreensão junto ao apenso D data de 24-1-2024 e a certidão de apreensão para a massa insolvente ainda não se mostra comprovada título definitivo (vide menção em 1-3-2024 de “registo pendente”). // Termos em que, tal como vem requerido, se indefere, não podendo o Tribunal apreciar requerimentos eventuais.// Notifique.»
10. Em 3/07/2025 nos autos principais (ref. Citius n.º…) apresentaram os insolventes requerimento, alegando em síntese que: O mandatário subscritor recebeu, em 2/7/2025, e-mail do Sr. A.I. a dar conta da abertura de leilão eletrónico para venda do bem imóvel da propriedade dos Insolventes, melhor identificado nestes autos;// O anúncio de venda do referido imóvel, além de ter sido feito na pendência da apreciação do requerimento da Insolvente de 26/5/2025 (pedido de diferimento de desocupação do imóvel, entretanto decidido), incorre em frontal violação de regras processuais imperativas.// como consta do douto despacho de 2/7/2025, o Sr. A.I. ainda não consignou, nestes autos, a concretização da apreensão do referido bem imóvel para a massa insolvente// a apreensão dos activos dos insolventes é uma condição sine qua non para que os mesmos possam ser objecto de medidas de liquidação, como é o caso da venda em leilão – semelhantemente ao que sucede em processo de execução, no qual a penhora de um bem é pressuposto essencial da respectiva venda judicial.// o anúncio de venda do bem imóvel dos Insolventes em leilão é nulo, por preterir regras processuais imperativas de relevo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 195.º n.º 1 do CPC// admitindo por mera hipótese que a invalidade invocada acima não venha a proceder, sempre haveria que concluir que a necessidade de desocupação do referido imóvel se encontra iminente// a concretizar-se- a venda judicial na data de termo do leilão eletrónico, em 6/8/2025, ficariam os Insolventes com um período curtíssimo para encontrarem uma nova habitação para os mesmos e para o respectivo agregado familiar, tendo em conta os constrangimentos financeiros, e os advenientes do próprio mercado imobiliário, que se prefiguram// observando sempre o douto despacho de 2/7/2025, cumpre reiterar o pedido de diferimento de desocupação, reiterando os termos do requerimento de 26/5/2025.
11. Em 10/07/2025, nos autos principais, (ref. Citius n.º….) foi proferido despacho com o seguinte teor: «REFª:…: quanto á reiteração do pedido, decorrente dos pontos 1 a 4, embora a coberto de cumprimento do despacho de 2-7- o Tribunal não pode pronunciar-se de novo sobre a mesma questão, nos termos do art. 613/1 e 3 do Código de Processo Civil.// Relativamente á nulidade do anúncio: tratando-se de fase presidida pelo Administrador(a) de Insolvência, antes de mais, notifique -o para se pronunciar. Em 10 dias.// Mais o notifique para juntar o comprovativo do registo efectivo da apreensão do bem para a massa que baseia o invocado vicio de nulidade, segundo a alegação dos Insolventes.»
Notificados deste despacho, e com ele não se conformando, apelou a insolvente, pedindo a revogação do despacho recorrido e o deferimento da desocupação do Imóvel, na sequência da venda judicial do mesmo, por período não inferior a 5 (cinco) meses, nos termos conjugados do artigo 150.º do CIRE e dos artigos 862.º, 864.º n.º 1 e n.º 2 e 865.º n.º 4, todos do CPC., formulando as seguintes conclusões:
I. O objecto do presente recurso corresponde ao despacho de 10/7/2025, na parte em que indefere o pedido de diferimento da desocupação do Imóvel, constante de requerimento conjunto dos Insolventes de 3/7/2025.
II. O recurso deverá ter efeito suspensivo nos termos do artigo 647.º n.º 3, alínea b), do CPC, por respeitar a posse do Imóvel que corresponde à habitação da família dos Insolventes, e da sua filha / dependente.
III. A Recorrente apresentara, anteriormente, um pedido de diferimento da desocupação do Imóvel, por requerimento de 26/5/2025 – o Tribunal a quo, por despacho de 2/7/2025, declarou esse requerimento processualmente inadmissível, não conhecendo o respectivo mérito, por entender que, à data, não se verificava uma condição necessária para a admissão do mesmo, qual seja a “iminência” da desocupação do Imóvel.
IV. Os Insolventes acataram o entendimento vertido no despacho de 2/7/2025 e, em data posterior, pediram o diferimento da desocupação do Imóvel, demonstrando que a mesma se tornada “iminente” em consequente do anúncio de venda do Imóvel em leilão eletrónico por parte do Sr. A.I., com data de abertura em 2/7/2025 e data de encerramento em 6/8/2025 (venda com a ref.ª LO1378342025, consultável no website da plataforma e-leilões).
V. Esse requerimento foi indeferido pelo despacho recorrido, a pretexto de que o poder jurisdicional do Tribunal a quo sobre a questão do diferimento da desocupação já se encontraria esgotado em virtude do despacho de 2/7/2025.
VI. Tendo em conta que o despacho de 2/7/2025 não se pronunciou sobre o mérito do pedido de diferimento da desocupação do Imóvel, formulado por requerimento de 26/5/2025, não pode daí resultar qualquer esgotamento do poder de pronúncia sobre essa questão.
VII. Além disso, o requerimento de 3/7/2025 assenta num fundamento de facto inovatório e superveniente – qual seja a “iminência” da desocupação, fruto da pendência de leilão eletrónico – que não foi, nem poderia ter sido, alegado no requerimento de 26/5/2025, no qual, por sua vez, se baseou a decisão tomada no despacho de 2/7/2025.
VIII. O putativo esgotamento do poder jurisdicional, eventualmente decorrente do despacho de 2/7/2025, nunca poderia abarcar o referido fundamento superveniente, que esteve na base do requerimento de 3/7/2025.
IX. Do exposto resulta que o despacho recorrido, ao rejeitar a apreciação do requerimento de 3/7/2025 (na parte em que aí se pede o diferimento da desocupação do Imóvel) assenta num erro de interpretação e aplicação do artigo 613.º do CPC, devendo ser, por isso, revogado.
X. A Recorrente é comproprietária do Imóvel, no qual reside com o Insolvente marido e a filha de ambos, que deles depende.
XI. A venda judicial do Imóvel terá lugar, muito provavelmente, aquando do encerramento do leilão eletrónico em curso, uma vez que a licitação de valor mais elevado, neste momento, já excede o valor mínimo de venda estabelecido pelo Sr. A.I., devendo considerar-se, por isso, que a desocupação do Imóvel pelos Insolventes está iminente.
XII. Os Insolventes têm tomado todas as diligências para encontrar uma habitação alternativa, o que passa necessariamente pelo arrendamento de uma casa que permita albergar o seu agregado familiar, na área metropolitana de Lisboa, onde ambos têm o seu centro de vida pessoal, familiar e profissional.
XIII. Contudo, essa procura tem sido particularmente difícil, não obstante os esforços diários dos Insolventes nesse sentido.
XIV. Essa premente dificuldade em encontrar uma solução habitacional deve-se, desde logo, à situação de graves dificuldades financeiras da Recorrente: a mesma aufere o salário mínimo nacional e vê-se obrigada a sustentar três filhos, duas das quais são menores de idade (contando com uma irrisória contribuição do pai dos mesmos, do qual é divorciada, a título de pensão de alimentos).
XV. Quer em função da grave crise habitacional que se vive em Portugal, que é do conhecimento público e se traduz na escassez de imóveis para arrendar e no aumento das rendas para valores elevadíssimos,
XVI. Quer devido aos problemas de saúde de que ambos os Insolventes padecem: a Recorrente sofre de hipertensão, bem como de severos e frequentes ataques de ansiedade e o Insolvente marido padece de um quadro depressivo em estado avançado.
XVII. Os rendimentos dos Insolventes – que em 2025 se cifraram no montante líquido de € 16.299,54 – são manifestamente insuficientes para custear uma habitação familiar na região de Lisboa.
XVIII. Fruto das actuais circunstâncias de vida dos Insolventes, a busca por uma habitação alternativa torna-se um processo especialmente árduo e moroso, não se coadunando com a imposição de desocupação do Imóvel no imediato, ou num curtíssimo prazo.
XIX. Neste contexto, impor aos Insolventes uma desocupação imediata, ou num curto prazo, do Imóvel que é a sua habitação precipitá-los-ia numa situação de desalojamento, seria desumano e contrário à tutela devida ao direito fundamental à habitação.
XX. Tanto mais porque os problemas de saúde dos Insolventes seriam, muito provavelmente, agravados por essa situação de desalojamento até ao ponto de os impediram de trabalhar, pondo em causa a sua sobrevivência e a do seu agregado familiar.
XXI. É forçoso deitar mão dos mecanismos legais de tutela do direito de habitação em sede de processo de insolvência, mais especificamente da possibilidade de diferimento da desocupação da habitação do insolvente prevista nos artigos 684.º e 685.º do CPC (aplicáveis ex vi do artigo 150.º do CIRE).
XXII. A situação de grave emergência social e humana vivida pela Recorrente e reportada supra justifica que lhe seja concedido o prazo máximo de diferimento previsto no artigo 685.º do CPC, isto é, de 5 (cinco) meses.
XXIII. No quadro legal aplicável, esse prazo (máximo) é, efectivamente, o mais ajustado à tutela dos legítimos interesses da Recorrente, sendo certo que a prorrogação da liquidação do imóvel em questão por cinco meses não representa um sacrifício desproporcional dos direitos e interesses (apesar de tudo, legítimos) dos credores da insolvência.
XXIV. Conclui-se que a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por Acórdão que decrete a medida de diferimento pela duração máxima, que é de 5 meses nos termos do artigo 865.º n.º 4 do CPC, por a mesma se afigurar estritamente necessária para os Insolventes encontrarem uma solução habitacional minimamente adequada às suas necessidades familiares.
Requer, ainda, a junção de dois documentos nos termos dos artigos 425.º e 651.º do CPC.
PROMONTORIA MARS DESIGNATED ACTIVITY COMPANY, requerente nos autos, respondeu ao recurso pedindo a sua improcedência e a manutenção da decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões:
I – O presente recurso é inadmissível uma vez que a decisão sobre o objecto do mesmo – possibilidade de diferimento de desocupação do imóvel que constitui a casa de morada dos insolventes – tem força de caso julgado por via do despacho de 2/07/2025 (ref. citius…).
II – Despacho que a Apelante não impugnou ou do qual não recorreu: o prazo para o efeito terminou no passado dia 22/07/2025 – o que fez com que a referida decisão tenha transitado em julgado..
III – Por sua vez, o despacho recorrido não constitui um «novo acto judicial» na verdadeira acepção da palavra; antes se limita a reiterar uma decisão anterior.
IV – Pelo que a sentença recorrida não merece qualquer censura.
Consequentemente,
V – O referido despacho não padece de qualquer erro de julgamento.
De todo o modo, sempre se diga,
VI – O pedido de diferimento de desocupação do imóvel foi apresentado extemporaneamente uma vez que o mesmo só tem o seu campo de actuação no âmbito da fase da apreensão (e já não da liquidação).
VII – In casu, o imóvel apreendido à ordem do processo desde 1/03/2024 – ou seja, há mais de um ano e cinco meses.
VIII – Pelo que o pedido da Apelante deveria ter sido indeferido liminarmente, nos termos do disposto no artigo 865.º, n.º 1, do CPC.
Mas mesmo que assim não fosse, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, sempre se diga,
IX – No caso sub judice não se encontram verificados nenhum dos fundamentos para que seja haja lugar ao diferimento de desocupação do imóvel: os insolventes auferem rendimentos mensais na ordem dos € 2.500,00 (o que é bastante superior) ao salário mínimo e o seu agregado familiar é composto por eles e pela sua filha (que é maior de idade e não pode ser considerada sua dependente).
X – De igual modo, também não demonstram que as patologias que têm correspondem a um grau de incapacidade de 60% - tanto assim é que o insolvente marido exerce a sua actividade laboral sem qualquer limitação.
XI – Por outro lado não demonstram as diligências que fizeram para encontrar uma nova habitação – o que se lhes impunha por via do princípio do ónus da prova, não bastando a mera alegação (de forma vaga e genérica) de tal facto.
X – O que os insolventes já deviam ter feito era ter comunicado a situação às entidades sociais competentes, por forma a que lhe fosse possível arranjar uma alternativa – o que só não fizeram por inércia (negligência) sua.
XI – Pelo que o pedido da Apelante também terá de ser julgado como improcedente, por ausência de fundamento(s).
O recurso foi admitido por despacho de 10/09/2025 (ref.ª Citius….) com subida imediata, em separado, e efeito suspensivo.
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II. Objeto do recurso
Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
Consideradas as conclusões acima são as seguintes as questões a decidir:
i) como questão prévia, a admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso;
ii) se o despacho recorrido, ao considerar verificado o esgotamento do poder jurisdicional, dever ser revogado.
iii) na procedência/improcedência da questão referida em ii) quais as consequências na apreciação do pedido de deferimento da desocupação formulado pela apelante nos autos.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A) De Facto
Atentos os elementos que constam dos autos, encontram-se provados, com interesse para a decisão a proferir, os factos que constam do relatório que antecede e cujo teor se dá por reproduzido e bem assim os seguintes que resultam da consulta eletrónica dos autos:
1. Em 30/07/2025 no apenso G (Liquidação) informou o Sr. AI que a venda do imóvel, na modalidade e-leilões foi suspensa porquanto os insolventes, após solicitação do Sr. AI se opuseram a qualquer visita ao imóvel, não pretendendo colaborar com o processo, pugnando por dificultar o seu atraso, continuando a habitar o imóvel, sabendo que já não lhes pertence, terminando, reiterando que seja negado provimento ao pedido de deferimento de desocupação do imóvel e ser ordenada a sua entrega imediata, livre de pessoas e bens, no mais curto período de tempo, a fim de ser retomada a venda.
2. Em 07/08/2025 no apenso G (Liquidação) foi proferido despacho com o seguinte teor: «No que tange a este último pedido- de indeferimento do deferimento da desocupação do imóvel- uma vez que igual pedido foi efectuado nos autos principais, considere-se o ali determinado. (…)»
3. Em 8/08/2025 nos autos principais (ref. Citius n.º ….) foi proferido despacho com o seguinte teor: «(…) Aguardando que o Sr. Administrador(a) de Insolvência junte o comprovativo da apreensão do imóvel para os autos como já determinado.// Consigna-se que: - sem registo efectivo de apreensão do bem para a massa não poderá ser tomada decisão, tendo-se determinado a respectiva junção e o SR. Administrador(a) de Insolvência protestado fazê-lo; - o Requerente dá conta do cancelamento do leilão sem que se mostre comprovada nos autos;// - sem venda não pode haver lugar a deferimento da desocupação ou prorrogação daquele deferimento.»
4. Em 1/08/2025 no apenso D (Apreensão de bens) foi junto pelo Sr. AI certidão do registo definitivo da apreensão do prédio descrito em 2. a favor da massa insolvente.
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B) De Direito
I. Questão prévia – admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso.
Requer a recorrente a junção, sem qualquer fundamentação adicional, de dois documentos que consistem no anúncio da venda do imóvel apreendido nos autos e a demonstração da liquidação de IRS relativa ao ano de 2024.
Diz o art.º 651º nº. 1 do CPC que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.”
O art.º 425º do CPC, diz que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”, norma esta excecional, semelhante à prevista no nº. 3 do art.º 423º do C.P.C., no que se reporta à fase de junção de documentos em sede de aferição da prova em julgamento.
Assim sendo, é possível a junção de documentos com as alegações de recurso, dependendo a admissibilidade da sua junção de alegação por parte do apresentante de uma de duas situações:
- a impossibilidade de apresentação deste documento em momento anterior ao recurso; a superveniência em causa, pode ser objetiva ou subjetiva: é objetiva quando o documento foi produzido posteriormente ao momento do encerramento da discussão; é subjetiva quando a parte só tiver conhecimento da existência desse documento depois daquele momento;
- o julgamento efetuado na primeira instância ter introduzido na ação um elemento adicional, não expectável, que tornou necessária esta junção; pressupõe esta situação a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum. Com efeito, como refere António Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, págs. 229 e 230 da 4ª edição, “podem (…) ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.” (…) “a jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado”.
No caso concreto, visto os dois documentos cuja junção se pretende, constata-se que:
- o primeiro consubstancia o anúncio de venda do imóvel, o qual já se mostra junto ao apenso H (liquidação).
Ou seja, trata-se de documento já junto aos autos de modo que não se vislumbra a necessidade da sua junção.
- o segundo consubstancia a demonstração da liquidação de IRS da apelante e marido relativa ao período de rendimentos compreendido entre janeiro e dezembro de 2024.
Sucede, que, também neste caso, nada foi alegado pela recorrente para justificar a necessidade de junção do documento seja, por via da sua superveniência objetiva, seja por via da sua superveniência subjetiva. Não resulta, por outro lado, a necessidade da sua junção em face do julgamento efetuado em primeira instância.
Em consequência, indefere-se a consideração/junção deste documento junto com as alegações.
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II.
Passando à apreciação do mérito do despacho recorrido a questão que se coloca no presente recurso é a de saber se, aquando do seu proferimento, se mostrava esgotado o poder jurisdicional do Tribunal, como ali se entendeu, e quanto à questão que nele foi decidida, reportada ao momento processual para apreciar o pedido de deferimento da desocupação do imóvel apreendido nos autos nos termos conjugados nos arts. 150º do CIRE e 862º 864º e 865º do CPC ex vi do art.º 17º do CIRE
Importa porém, antes de avançar na apreciação da questão colocada, delimitar o objeto de recurso tendo em consideração aquilo que foi impetrado pela recorrente e aquilo que foi decidido.
Na verdade, como é sabido, os recursos destinam-se a permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, constituindo, assim, um instrumento processual para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que se consideram mal decididas e não para conhecer questões novas, não apreciadas e discutidas nas instâncias, sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso.
Entendimento, conforme com a natureza dos recursos e subjacente às regras que dimanam dos artigos 635.º e 639.º do CPC, tem sido afirmado pela doutrina e pela jurisprudência, com clareza e unanimidade.
Ora, no requerimento apresentado que foi objeto do despacho recorrido, a recorrente e o seu marido, reiteraram a pretensão de deferimento de desocupação do imóvel apreendido nos autos que haviam formulado no requerimento de 26/05/2025 (ref. Citius n.º…), e que foi objeto de apreciação no despacho de 2/07/2025 (ref. Citius n.º…) alegando, como fundamento para a renovação da pretensão a circunstância da abertura do leilão eletrónico, com termo em 6/8/2025.
O tribunal a quo, considerou tratar-se da reiteração de pedido anterior, julgando esgotado o poder jurisdicional, nos termos do disposto no art.º 613º do CPC, mais nada tendo apreciado ou decidido, máxime quanto aos fundamentos do pedido de deferimento da desocupação.
Tendo sido sobre tal normativo que se moveu o despacho recorrido, nada mais tendo sido decidido ou apreciado, não pode esta Relação conhecer de qualquer outra questão, mormente, da verificação ou não dos fundamentos para apreciação do pedido de deferimento da desocupação.
Vejamos então.
A apelante e o seu marido foram declarados insolventes por sentença transitada em julgado, na sequência do que foi lavrado auto de apreensão para a massa insolvente, em 19/01/2024, a fração autónoma designada pela letra “(…)” do prédio em regime de propriedade horizontal, destinado a habitação, T4, e com espaço para parqueamento de um veículo automóvel, designado pela letra “(..)”, na sub/cave, sito (…), descrito na Conservatória do Registo Predial (…), sob o n.º (…) e inscrito na matriz da referida freguesia sob o n.º (…).
Com efeito, e como é sabido, «O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.» – art. 1º nº1 do CIRE.
É um processo especial que, quanto à sua natureza, pode ser considerado misto, com uma fase marcadamente declarativa (até à declaração de insolvência) e outra claramente executiva (após a declaração de insolvência com liquidação de todo o património do devedor que integra a massa insolvente para satisfação dos credores ou através da aprovação de um plano de insolvência. (cf. Maria do Rosário, Epifânio em Manual de Direito da Insolvência, 8ª edição, Almedina, 2019, pg. 19).
Nos termos do nº1 do art.º 17º do CIRE, o processo de insolvência é regido pelas regras deste código e, subsidiariamente pelo Código de Processo Civil.
Sem prejuízo, ao longo do CIRE, o legislador remeteu especificamente para algumas regras do CPC, em especial para as normas que regulam o processo executivo na parte relativa à tramitação de feição “executiva”, ou seja, a apreensão e liquidação. A regra geral do art.º 17º, no entanto vale também para as remissões expressas, ou seja, a aplicação dos preceitos do CPC dá-se enquanto os mesmos não contrariem disposições do CIRE.
Decretada a insolvência, prescreve o art.º 149º nº1 do CIRE, procede-se à imediata apreensão da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolventes, ainda que penhorados, arrestados ou por qualquer forma apreendidos ou objeto de cessão aos credores.
Nos termos do nº1 do art.º 150º do CIRE, o poder de apreensão resulta da declaração de insolvência, devendo o administrador da insolvência diligenciar, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 756.º do Código de Processo Civil, no sentido de os bens lhe serem imediatamente entregues, para que deles fique depositário, regendo-se o depósito pelas normas gerais e, em especial, pelas que disciplinam o depósito judicial de bens penhorados.
Da análise do despacho recorrido, conjugado com o precedente de 2/07/2025 (ref. Citius n.º…) e com aquele que se lhe sucedeu, já depois de interposto o recurso em apreço – despacho de 08/08/2025 (ref. Citius n.º…) nos termos do qual a Mma. Juiz a quo fez consignar que «sem registo efectivo de apreensão do bem para a massa não poderá ser tomada decisão, tendo-se determinado a respectiva junção e o SR. Administrador(a) de Insolvência protestado fazê-lo», alcança-se qual o entendimento do Tribunal recorrido quanto à oportunidade do pedido de desocupação, ou seja, que este pedido está dependente da efetiva apreensão do bem.
Este entendimento vem convocar a jurisprudência, que cremos maioritária nesta matéria, designadamente a desta secção - vide o Acórdão de 16/01/2024, proferido no processo n.º 587/19.4T8VFX-E.L1-1, relatora Fátima Reis Silva, em cujo sumário se lê que “A tempestividade da formulação de pedido de diferimento de desocupação pelo insolvente é feita em função da fase em que o processo de insolvência se encontra, afigurando-se evidente, atenta a inserção sistemática do preceito, no Capítulo I, que o pedido de diferimento da desocupação só pode/deve ser formulado na fase da apreensão de bens; ultrapassada essa fase e abrindo-se a fase da liquidação, com as diligências encetadas pelo administrador da insolvência com vista à venda do imóvel habitado pelo insolvente, não mais tem cabimento, nem oportunidade, a dedução do pedido de diferimento da desocupação do imóvel habitado pelo insolvente.”, o acórdão de 28/02/2023, proferido no processo n.º 2160/22.0T8SNT-E.L1-1), relatora Isabel Fonseca, em cujo sumário se pode ler que “Tendo o pedido de diferimento da desocupação da casa de habitação dos insolventes sido formulado por estes ao abrigo do disposto no art.º 864.º do CPC, invocando “razões sociais imperiosas”, na sequência do que dispõe o art.150.º nº5 do CIRE, o pedido só é oportuno quando formulado na fase da apreensão de bens, a que aludem os art.ºs 149.º a 152.º, do CIRE, preceitos inseridos no Capítulo I (“[p]rovidências conservatórias) do Título VI desse diploma.” E de 16/05/2023, proferido no processo n.º 701/14.6T8SNT-I.L1-1, relatora Isabel Fonseca, entendimento igualmente seguido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/05/2020, proferido no processo n.º 3910/06.8TBSTS-L.P1, relator Aristides Rodrigues de Almeida.
Entende-se, portanto, que quando o n.º 5 do artigo 150.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas prevê a aplicação do disposto no artigo 862.º do Código de Processo Civil à desocupação de casa de habitação onde resida habitualmente o insolvente, o seu campo de aplicação é o do momento da realização da apreensão dos bens para a massa insolvente quando o administrador da insolvência pedir a entrega do bem para concretizar essa apreensão.
Ora, a apreensão que, por regra, relativamente aos bens corpóreos de natureza mobiliária não dispensa a respetiva entrega ao AI para que deles fique depositário (cfr. art.º 150º, nº 1), é formalmente comprovada nos autos através da junção do correspetivo auto de arrolamento contendo a descrição dos bens apreendidos (cfr. arts. 152º, nº 4 e 152º). Mas, sem prejuízo do disposto no art.º 150º, conforme dispõem os art. 755º e 768º, nº 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 17º do CIRE, a apreensão para a massa insolvente de bens sujeitos a registo realiza-se, antes de mais, pelo registo da sentença de declaração da insolvência no serviço de registo competente, registo que é obrigatório e cabe ao AI promover, conforme previsto nos arts. 2º, nº 1, al. n) e 8ºB, nº 3, al. c) do Código de Registo Predial (cf. Acórdão desta secção de 23/07/2023, proferido no processo n.º 8952/17.5T8LSB-F.L1-1, relatora Amélia Sofia Rebelo).
À data em que o despacho recorrido (e o que lhe antecedeu de 2/07/2025) foi proferido, a informação que constava do processo e que serviu de base a ambos os despachos – veja-se a menção que no primeiro é feita a esta circunstância - era a de que o registo da declaração de insolvência na descrição predial do imóvel em causa se encontrava “pendente”, tendo, por isso, a Mma. Juiz a quo entendido que a apreensão ainda não se encontrava efetivada, razão pela qual, indeferiu o requerido.
Sem excluir a possibilidade de o despacho ter sido proferido com base em pressupostos errados – uma vez que a certidão junta aos autos, tendo em conta o tempo entretanto decorrido, poder estar desatualizada e o registo pendente já ter sido realizado (como efetivamente se verificou, conforme consta da certidão junta ao apenso de liquidação) adianta-se que, tal obstáculo, poderia ser transposto sem grande dificuldade. Para tanto, bastaria que se tivesse sido ordenada junção de certidão atualizada.
Não obstante, certo é que tal informação seria de fácil acesso à apelante, através da consulta da respetiva certidão permanente, e invocando-o no requerimento aduzido aos autos e sob recurso, essa nova circunstância configuraria, então, face ao entendimento pugnado pelo Tribunal a quo quanto ao momento adequado para apreciar o pedido de deferimento da desocupação, facto novo e superveniente.
Porém, a apelante não tendo interposto recurso do despacho proferido em 2/07/2025, nem invocado o eventual novo estado registral do imóvel – apreensão concretizada – nada de novo alegou no que diz respeito à etapa processual adequada à apreciação do deferimento da desocupação do imóvel tal qual vertido nos autos pelo Tribunal a quo no primeiro despacho proferido, pelo que, de facto, ao ser proferido o despacho sob recurso, mostrava-se, quanto à concreta questão da efetivação da apreensão, esgotado o poder jurisdicional do Tribunal, como ali se entendeu.
É que, sendo certo que o despacho de 2/07/2025 não se pronunciou sobre o mérito do pedido de desocupação – não o indeferiu liminarmente com base em qualquer dos fundamentos previstos no art.º 865º do CPC, nem o indeferiu por não verificação dos pressupostos que lhe serviam de fundamento (art.º 864º do CPC), emitiu pronúncia sobre o momento adequado para que tal pedido fosse concretizado nos autos, - a reportar-se não com a respetiva tempestividade, por, designadamente, já estar em curso a liquidação, mas antes com a sua oportunidade/pertinência, conceito relacionado com a lógica do procedimento, isto é, o momento adequado ou apropriado dentro do processo para praticar o ato, no caso, por não estar concretizada a apreensão -, considerando que, sem que a apreensão se mostrasse concretizada, não poderia pronunciar-se quanto ao requerido deferimento da desocupação, entendimento que manteve no despacho sob recurso, entendendo-se que o pedido formulado era prematuro.
Aquele primeiro despacho (de 2/07/202025) foi devidamente notificado ao Ilustre mandatário da apelante e, ao contrário do que vem alegado em sede de recurso, emerge nos autos com força de caso julgado formal – artigo 628.º do CPC - posto que dele não foi interposto recurso e desse modo, aquela decisão (que decidiu que não estando a apreensão concretizada, não haveria, ainda que, apreciar o pedido deduzido), transitada em julgado, impede a possibilidade de, novamente, vir a ser apreciada a questão, sem que, face ao entendimento pugnado pelo Tribunal a quo, se mostrasse concretizada a apreensão, situação que, nos autos, e aquando da emissão de pronuncia no despacho recorrido, se mantinha sem alteração.
O trânsito em julgado fixa o momento a partir do qual a decisão passa a revestir de certeza e de segurança jurídica, como decorre dos artigos 619.º, n.º 1 (alusivo ao caso julgado material ) – “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º” – e 620.º, n.º 1 (alusivo ao caso julgado formal) – “As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo” –, ambos do CPC.
Assim, qualquer decisão judicial transita em julgado quando deixa de ser suscetível de recurso ordinário ou de reclamação, levando a que uma mesma questão não possa vir a ser objeto de nova apreciação judicial - cfr. artigos 627º, nº 1 e 628º do CPC. O caso julgado pode ser material (quando existe uma apreciação do mérito da causa, com eficácia intraprocessual e extraprocessual - artigo 619º, nº 1 do CPC) ou formal (quando se aprecia matéria de direito adjetivo, sendo os seus efeitos limitados ao próprio processo - artigo 620º, nº 1 do CPC). A partir do momento em que o tribunal toma posição sobre determinada questão, esgotado fica o seu poder jurisdicional - artigo 613.º, n.ºs 1 e 3 do CPC - norma é aplicável aos despachos, com as necessárias adaptações, por força do estatuído no nº 3 do art. 613º.
Da “extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão decorrem dois efeitos: um positivo, que se traduz na vinculação do tribunal à decisão que proferiu; outro negativo, consistente na insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar” (cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa in CPC Anotado, 2ª ed., Vol. I, pág. 762). Se o tribunal, em desrespeito do comando ínsito no art.º 613º, nº 1 (e fora dos ressalvados casos de retificação, reforma ou suprimento de nulidades) proferir outra decisão que incida sobre a mesma matéria que já foi anteriormente apreciada, a nova decisão que padeça de tal vício é juridicamente inexistente e não vale como decisão jurisdicional por ter sido proferida em momento e circunstâncias em que o aludido poder jurisdicional já se tinha esgotado (cf. neste sentido, Acórdão do STJ, de 6.5.2010, Relator Álvaro Rodrigues, in www.dgsi.pt).
A intangibilidade da decisão proferida é, naturalmente, limitada pelo respetivo objeto no sentido de que a extinção do poder jurisdicional só se verifica relativamente às concretas questões sobre que incidiu a decisão.
E é este, precisamente, o sentido do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2/03/2023, proferido no processo n.º 120724/15.0YIPRT.1.G1-A, convocado pela apelante nas alegações de recurso em cujo sumário se pode ler: II- Da “extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão decorrem dois efeitos: um positivo, que se traduz na vinculação do tribunal à decisão que proferiu; outro negativo, consistente na insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar”. III - A intangibilidade da decisão proferida é, naturalmente, limitada pelo respetivo objeto no sentido de que a extinção do poder jurisdicional só se verifica relativamente às concretas questões sobre que incidiu a decisão» e o do Acórdão do mesmo Tribunal da Relação de 02/05/2024, proc. 2851/14.0T8VNF.G1.
Aplicando-se este pressuposto ao caso concreto, temos que o despacho proferido em 2/07/2025, nos autos principais (ref. Citius n.º…) teve como premissa a necessidade de concretização da apreensão do imóvel que não se mostrava evidenciada nos autos, fundamento que se manteve no despacho de 10/07/2025, sob recurso.
Deste modo, e pelas razões expostas, entendemos que efetivamente com a prolação do despacho de 2.07.2025 ficou esgotado o poder jurisdicional do tribunal no que concerne ao momento processual (oportunidade) em que o deferimento da desocupação deveria ser apreciado – desde que concretizada a apreensão nos termos previstos nos arts. 755º e 768º, nº 1 e 2 do CPC, aplicáveis ex vi art. 17º do CIRE - pelo que lhe estava vedado apreciar o requerido pela apelante no despacho recorrido, sem que tal apreensão já se mostrasse concretizada, sob pena de proferir uma decisão juridicamente inexistente.
Improcede, deste modo, esta questão recursória, ficando prejudicado o conhecimento de tudo o mais que vem alegado, precisamente, porquanto, e quanto à questão do deferimento da desocupação ainda não foi proferida decisão de mérito, - de resto, como deixou o tribunal a quo plasmado no despacho proferido em 8/08/2025 (ref. Citius n.º …) ali se consignando que «sem registo efectivo de apreensão do bem para a massa não poderá ser tomada decisão, tendo-se determinado a respectiva junção e o SR. Administrador(a) de Insolvência protestado fazê-lo», certidão que, como evidenciam os autos, foi já junta no apenso D (Apreensão de bens) - não podendo este Tribunal pronunciar-se sobre questões ainda não decididas em primeira instância.
Consequentemente improcedem as alegações de recurso, mantendo-se o despacho recorrido, sem prejuízo da apreciação que venha a ser feita pelo Tribunal a quo sobre o pedido formulado de deferimento da desocupação do imóvel, uma vez verificado o pressuposto da concretização da apreensão a favor da massa insolvente.
*
IV – Decisão
Em conformidade com o exposto, decide-se pela improcedência do recurso, com consequente manutenção da decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo da apelante.
Lisboa, 28-10-2025,
Susana Santos Silva
Amélia Sofia Rebelo
Nuno Teixeira