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CONVOCAÇÃO DE ASSEMBLEIA DE SÓCIOS
FALECIMENTO DE PARTE
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
REPRESENTANTE COMUM DE CONTITULARES DA QUOTA SOCIAL
ANULAÇÃO DE TESTAMENTO
MAIOR ACOMPANHADO
COMUNHÃO GERAL DE BENS
PRINCÍPIO DA DUALIDADE DAS PARTES
Sumário
Sumário (da relatora) – artigo 663.º, n.º 7, do CPC Por opção da relatora, o presente acórdão não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem. I. Enquanto a habilitação notarial assume a função de titular a qualidade de herdeiro de uma pessoa em relação a outra, a habilitação judicial é já susceptível de titular o reconhecimento de qualidade diversa e, tratando-se de uma habilitação-incidente, importa apurar quem tem a qualidade legitimante da substituição da parte falecida na pendência da causa, de harmonia com o direito substantivo. II. À semelhança do que ocorre quando a qualidade de herdeiro esteja dependente da decisão de uma causa, por aplicação extensiva do artigo 354.º, n.º 2, do CPC, o tribunal apenas pode julgar representante comum dos herdeiros a pessoa que no momento em que a habilitação é decidida seja designada por lei ou disposição testamentária (artigo 223.º, n.º 1, do CSC.). III. Assim sucede quando a requerente da habilitação, no momento que a deduz, detém a qualidade, não apenas de herdeira legitimária, mas também de testamenteira e representante dos herdeiros contitulares da quota do falecido na sociedade ré/requerida, para além de igualmente exercer as funções inerentes ao cargo de cabeça de casal. IV. O facto de o testamento ter sido alvo de impugnação judicial não obsta a que aquela requerente seja habilitada, tanto mais que o desfecho da acção de anulação daquele não interfere com o mérito da acção na qual foi o incidente deduzido. V. Visando-se com esta última acção o exercício de direitos sociais, sempre o seu prosseguimento implicará a substituição do primitivo autor pelos respectivos sucessores, o que tem de ocorrer por meio de habilitação incidental do representante comum – artigos 222.º, n.º 1, e 223.º, n.º 1, ambos do CPC. VI. E estando em causa o exercício de direitos que apenas pelo falecido autor poderiam ser exercidos (por ser ele quem detinha a qualidade de sócio), o facto de o mesmo ter sido casado segundo o regime de comunhão geral de bens, não torna a viúva sócia da sociedade demandada, razão pela qual sempre a mesma deverá ser habilitada juntamente com os demais herdeiros. VII. Sendo um dos réus/requeridos herdeiro do falecido autor deverão os demais sucessores serem habilitados na posição processual anteriormente assumida pelo mesmo, com exclusão daquele, o qual manterá a posição de demandado. VIII. A pendência de uma acção de acompanhamento de maior não permite concluir que a aí requerida seja desprovida de capacidade para exercer os respectivos direitos ou que não possa ser habilitada para efeitos de prosseguimento da acção, através do representante comum dos sucessores do falecido autor (nos quais a mesma se integra).
Texto Integral
Acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.
I - RELATÓRIO
FJ, nos termos previstos pelo artigo 1057.º do CPC, veio propor acção especial de convocação de assembleia de sócios contra Mira Torre – Construções Imobiliárias, Lda. e RM, todos devidamente identificados nos autos, pela qual peticionou: “(…) nos termos do art. 1057.º, n.ºs 2 a 4, do C.P.C., após proceder às necessárias averiguações, se digne: // a) designar local, dia e hora para a realização da assembleia geral da sociedade 1.ª requerida, para apreciação do relatório de gestão e das contas do exercício de 2017, com a seguinte ordem de trabalhos: Um - Deliberar sobre o relatório de gestão e as contas do exercício de 2017 e Dois - Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados do exercício de 2017; // b) designar para exercer as funções de presidente da referida assembleia geral pessoa de reconhecida idoneidade, sugerindo-se, (…)”.
Para além do mais, alegou ser pai do réu RM, sendo ambos os únicos sócios e gerentes da ré sociedade.
Pelo réu RM foi deduzida contestação, a qual terminou nos seguintes moldes: “suprida a questão prévia da legitimidade passiva da sociedade, deve a presente acção ser julgada totalmente improcedente, com as legais consequências; // Caso assim se não entenda, sem conceder, deve o tribunal escolher uma pessoa de reconhecida idoneidade, dentre terceiros equidistantes e imparciais, e nomeá-la.”.
Em virtude de o autor ter falecido em 02/12/2020, por despacho proferido no dia 15 do mesmo mês foi a instância declarada suspensa “até que sejam declarados habilitados os herdeiros do autor”.
Em 15/06/2021, por apenso aos autos principais, veio IN, invocando a qualidade de representante comum dos herdeiros contitulares da quota societária deixada pelo falecido FJ, deduzir incidente de habilitação contra os supra identificados réus, peticionando que seja “habilitada como sucessora do falecido FJ, para assumir a posição processual deste e, assim, com ela prosseguirem os termos da demanda”.
Por sentença proferida dia 19/11/2022 foi julgado procedente o incidente de habilitação, declarando IN habilitada em substituição de FJ.
Desta sentença recorreu a ré sociedade, sendo que, por acórdão proferido por esta Secção em 05/09/2023 (Apenso A), para além do mais, foi a apelação julgada “em parte procedente, no que toca à sentença recorrida, revogando-se a mesma, absolvendo-se os Requeridos da instância, por ilegitimidade passiva.”
Nessa sequência, por despacho proferido em 05/05/2024, voltou a ser determinada a suspensão da instância.
Em 10/07/2024, IN, invocando o disposto nos artigos 351.º, n.º 1, 352.º, n.º 1, e 353.º, n.º 1, todos do CPC, veio promover a habilitação dos herdeiros de FJ contra os réus Mira Torre - Construções Imobiliárias, Lda., atualmente denominada “Mira Torre - Construções Imobiliárias, Unipessoal, Lda.”, RM e ML.
Juntou a competente habilitação notarial de herdeiros celebrada em 11/02/2021, à qual se encontra anexado o testamento lavrado em 01/08/2019.
Alegou para tanto que a FJ sucederam, como seus únicos herdeiros, a própria, e, ainda, ML (viúva) e o réu RM (filho).
Que, por testamento lavrado em 01/08/2019, foi nomeada por seu pai sua testamenteira, “(…) com as atribuições previstas na lei e, ainda, designando-a como representante comum dos herdeiros contitulares da quota do testador na sociedade “Mira Torre - Construções Imobiliárias Ld.ª”, NIPC 500 193 991, por minha morte, ao abrigo do disposto no artigo 223.º, números 1 a 6, do Código das Sociedades Comerciais, podendo essa exercer perante a sociedade todos os poderes inerentes à quota indivisa, incluindo poderes de disposição, podendo, assim, praticar atos que importem a extinção, alienação ou oneração da dita quota, aumento de obrigações e renúncia ou redução dos direitos dos sócios.”
Mais alegou ter já sido habilitada: “a) por sentença proferida em 17-07-2023 (no respetivo Apenso C), já transitada em julgado, para, em substituição de FJ, prosseguir como requerente/autora na ação de suspensão e destituição de gerente n.º 4885/19.9T8LSB, deste Juiz 6, instaurada por aquele contra o ora requerido RM; // b) por sentença proferida em 09-10-2023, transitada em julgado em 20-11-2023, para, na qualidade de herdeira e sucessora de FJ, prosseguir como requerente na ação de inquérito judicial à sociedade n.º 5722/20.7T8LSB, do Juiz 4 deste Juízo de Comércio, instaurada por FJ contra a Mira Torre - Construções Imobiliárias, Lda e RM, requeridos neste incidente e na presente ação (cfr. doc. n.º 2).
Apesar de defender ser representante ou mandatário comum dos herdeiros do falecido, nos termos dos artigos 222.º, n.º 1, e 223.º, n.º 1, ambos do CSC (em face do que consta do testamento), refere que não o poderá ser com relação a si própria e, no que concerne ao réu RM, o mesmo não poderá “ocupar simultaneamente as posições processuais de requerido e requerente na ação, tendo em conta o princípio da dualidade das partes”.
Assim, concluiu peticionando: “(…) deve o presente incidente ser julgado procedente e, portanto, serem habilitadas como herdeiras do falecido requerente da ação a sua filha, IN, e a sua Mulher, ML, para assumirem a posição processual de FJ e com elas prosseguirem os termos da demanda, sendo ML representada na ação pela sua filha e requerente do presente incidente, IN, enquanto representante comum dos herdeiros contitulares da quota deixada por FJ.”
Os réus/requeridos foram notificados e a viúva citada.
Pela sociedade ré/requerida foi deduzida oposição pela qual peticionou a improcedência do incidente de habilitação por falta de fundamento.
Alegou, para além do mais: “(…) além da habilitação de herdeiros outorgada pela própria requerente junto ao seu requerimento, foi efetuada outra habilitação de herdeiros, (…)”; o invocado testamento “está impugnado e está pedida a sua anulação na ação judicial que corre como processo nº 4453/21.5T8LSB” (sendo que esta acção não foi ainda decidida); “a validade da declaração em referência constitui o pressuposto essencial da habilitação e se o tribunal anular o testamento deixa de existir declaração de designação de representante comum dos herdeiros contitulares da quota e, consequentemente, deixa de existir fundamento para a habilitação da requerente”; “a requerente não demonstra que tenha sido habilitada no primeiro processo que refere e a sociedade requerida não foi parte no mesmo, e da segunda decisão resulta que o tribunal não tomou conhecimento da citada impugnação judicial do testamento (…) em que assenta a própria decisão de habilitação”; “FJ faleceu no estado de casado com ML no regime da comunhão geral de bens”; “Por força desse regime de bens do casamento, a quota social de FJ na sociedade MiraTorre-Construções Imobiliárias, Ldª integra a comunhão conjugal, pelo que uma parte indivisa dessa quota social pertence em exclusivo a ML, na sua qualidade de meeira”; “os herdeiros do falecido – a mulher, o filho e a filha – só receberam e se tornaram titulares da meação da quota em causa (a outra meação já pertencia a ML)”; “a requerente não representa a mãe quanto ao respetivo direito próprio (meação) de contitular da quota de FJ e, em consequência, também não pode ser habilitada para os efeitos pretendidos neste incidente”; “é absolutamente evidente o conflito existente entre os herdeiros (…), não existe acordo dos herdeiros quanto à designação de qualquer representante comum”; “Cabendo, quando muito, ao tribunal tal designação de representante comum nos termos do art.223º nº3 do CSC”. Juntou escritura pública de habilitação de herdeiros celebrada em 12/03/2021 (à qual se mostra anexado o já mencionado testamento).
Pelo réu/requerido RM foi igualmente deduzida oposição, na qual concluiu: “(…) deve ser julgado improcedente, por não provado, o presente incidente e, em consequência, ser indeferida a habilitação da requerente por falta de fundamento, renovada a suspensão dos autos (…)”.
Sustenta a sua oposição no facto de estar pendente a já mencionada acção de impugnação judicial (anulação) do testamento (para além de ter sido celebrada uma segunda habilitação notarial), bem como correr termos uma acção especial de acompanhamento de maior (Proc. n.º 3544/23.2T8LSB) referente à viúva (a qual se mantém titular da meação da quota que integra a herança do falecido, sendo que, quanto a esta, nunca a requerente poderia representar a mãe). Juntou documentação comprovativa do alegado.
Pela requerida ML não foi deduzida oposição.
A requerente exerceu o contraditório quanto a tais oposições, mais peticionando a condenação dos réus/requeridos em multa por litigância de má-fé.
Ambos os réus/requeridos exerceram o contraditório quanto a este pedido, propugnando pela improcedência do mesmo.
Em 10/04/2025, pelo tribunal a quo foi proferida a SENTENÇA, com o seguinte dispositivo final: “Em face do exposto, julgo improcedente por não provado a habilitação, absolvendo-se os Requeridos do pedido. Mais se julgando improcedente o incidente de litigância de má fé. Condena-se em custas os Requeridos - art. 539 do Código de Processo Civil (…)”.
Em 02/05/2025, invocando o disposto no artigo 616.º, n.º 1, do CPC, veio a requerida sociedade peticionar a reforma da sentença quanto a custas, designadamente a sua alteração no sentido de as mesmas ficarem a cargo da requerente.
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Inconformada com a supra mencionada sentença, a requerente dela interpôs RECURSO, tendo para tanto formulado as seguintes CONCLUSÕES: “1.ª – A pendência da ação de anulação do testamento em que a autora foi nomeada representante comum dos herdeiros contitulares da quota deixada por FJ (processo n.º 4453/21.5T8LSB do Juízo Central Cível de Lisboa, Juiz 19) não constitui fundamento de improcedência do incidente de habilitação, porquanto: (i) o testamento em apreço é válido e, sem conceder, só deixará de ser válido se e quando for judicialmente anulado; (ii) o acórdão da Relação de Lisboa de 5 de setembro de 2023, já transitado em julgado, confirmou o indeferimento da suspensão, por prejudicialidade dessa ação de anulação de testamento, do anterior incidente de habilitação (apenso A), com fundamento no disposto no n.º 2 do art. 354.º do Código de Processo Civil (por interpretação extensiva), o que constitui caso julgado formal; e (iii) não é aceitável (nem compreensível) que se julgue improcedente a habilitação com fundamento na prejudicialidade de uma causa, fazendo equivaler a sua pendência à sua procedência. 2.ª - ML, que foi casada com o falecido FJ no regime da comunhão geral, não é titular de metade da quota indivisa por este deixada e, logo, não tem um direito de ação correspondente à titularidade de uma parte dessa quota. Ou seja, não existe, nem nunca existiu, uma “meação na quota”. 3.ª – A impossibilidade de a ora apelante representar na ação o requerido RM, que também é herdeiro de FJ, não é fundamento para a improcedência da habilitação. 4.ª - Ainda não foi proferida sentença na ação de acompanhamento de maior n.º 3544/23.2T8LSB do Juízo Local Cível de Lisboa, Juiz 2; mas ainda que já tivessem sido decretadas medidas de acompanhamento e tivesse sido nomeado acompanhante a ML, a situação não se alteraria, porque a representante comum dos herdeiros contitulares da quota deixada por FJ continuaria a ser a ora apelante, e mais ninguém. 5.ª - Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou as normas dos artigos art.ºs 222.º, n.º 1, e 223.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais e dos art.ºs 353.º, n.ºs 1 e 2, e 354.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, normas essas que devem ser interpretadas e aplicadas com o sentido que resulta das conclusões anteriores. Termos em que deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente e, por via disso, ser revogada a sentença recorrida, a qual deve ser substituída por douto acórdão que julgue o incidente de habilitação procedente e, portanto, habilite como herdeiras do falecido requerente da ação a sua filha, IN, ora apelante, e a sua Mulher, ML, para assumirem a posição processual de FJ e com elas prosseguirem os termos da demanda, sendo ML representada na ação pela sua filha e requerente do incidente, IN, enquanto representante comum dos herdeiros contitulares da quota deixada por FJ, tudo com as legais consequências, assim se fazendo Justiça.”
Referiu juntar um documento.
Pela sociedade ré/requerida foram apresentadas Contra-Alegações, nas quais se concluiu: “deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão proferida, nos exatos termos em que foi proferida..”
Em 28/06/2025, foi proferido despacho de admissão do recurso, sem que Mma. Juíza a quo se tenha pronunciado acerca do pedido de reforma quanto a custas que havia sido formulado pela requerida sociedade.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões no mesmo formuladas, salvo no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e quando estejam em causa questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado- artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC. Não está, porém, este tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pela recorrente, desde que prejudicados pela solução dada ao litígio.
Assim, as questões a decidir são:
1. Como questão prévia: aferir da admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso;
2. Aferir de eventual erro de julgamento quanto à decisão de julgou improcedente a pretendida habilitação.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença impugnada fixaram-se os seguintes factos[1]: 1 – FJ faleceu em 2 de Dezembro de 2020, no estado de casado, sob o regime da comunhão geral de bens, com ML. 2 – IN e RM são filhos de FJ. 3 – FJ, em 01.08.2019, outorgou testamento público no Cartório Notarial de … em Lisboa, mediante o qual: - instituiu herdeira da quota disponível dos seus bens, a sua filha IN; - nomeou sua testamenteira a sua filha IN, com as atribuições previstas na lei e, ainda, designando-a como representante comum dos herdeiros contitulares da quota do testador na sociedade Mira Torre – Construções Imobiliárias, Lda., por sua morte, ao abrigo do disposto no artigo 223.º, n.º 1 a 6, do Código das Sociedade Comercias, podendo essa exercer perante a sociedade todos os poderes inerentes à quota indivisa, incluindo poderes de disposição, podendo, assim, praticar atos que importem a extinção, alineação ou oneração da dita quota, aumento de obrigações e renuncia ou redução dos direitos dos sócios. - deserdou o seu filho RM, caso venha a ser condenado pela prática do crime de difamação do testador, agravada nos termos do art. 183.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, no processo que corre sob o número 1931/18.7PULSB, que teve início com a queixa por mim apresentada em 14 de Dezembro de 2018. -a validade de tal declaração e por via dela a designação naquela arrogada qualidade mostra-se actualmente objecto de impugnação judicial no P. nº 4453/21.5T8LSB do Juízo Central Cível de Lisboa–Juiz 19 –DOC.2. -corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa –Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 2 – Processo n.º3544/23.2T8LSB, uma acção especial de acompanhamento de maior, em que é autor um dos filhos do requerido – AR, e que visa o acompanhamento da sua avó ML, requerida nos autos.
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC (cfr., ainda, artigos 663.º, n.º 2 e 607.º, n.º 4 do mesmo código), aditam-se os seguintes factos[2]:
- Em 11/02/2021, a requerente IN outorgou escritura pública de habilitação de herdeiros, no âmbito da qual referiu prestar as respectivas declarações “na qualidade de cabeça de casal, que lhe foi deferida legalmente, por sua mãe ter uma deficiência motora incapacitante e ter mais de setenta anos” (Doc. 1 junto com o requerimento apresentado em 10/07/2024 – Ref.ª/Citius 39915507);
- ML subscreveu declaração de escusa do cargo de cabeça de casal da herança aberta por óbito do marido FJ, a qual está datada de 01/03/2021 (tendo a assinatura da declarante sido reconhecida presencialmente por advogado estagiário). Dessa declaração consta: “o cargo de cabeça-de-casal da referida herança e todas as funções a ele inerentes serão exercidas pela herdeira IN (…), filha do de cujus, e por ele instituída como sua testamenteira por testamento público outorgado no dia um de Agosto de dois mil e dezanove (…). // A presente escusa produz efeitos a partir da data do óbito do de cujus (…)” (Doc. 4 junto com o requerimento apresentado em 20/10/2022 no Apenso B – Ref.ª/Citius 33932147).
- Em 12/03/2021 foi outorgada uma segunda escritura pública de habilitação de herdeiros, na qual intervieram três testemunhas (Doc. 1 junto com a resposta apresentada em 10/10/2024 – Ref.ª/Citius 40684736).
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Questão prévia - junção de documentos em sede de recurso:
Com as alegações de recurso foi junto um documento, sem que tenha sido adiantada qualquer justificação para tal junção.
A recorrida opôs-se à mesma, com fundamento na sua inadmissibilidade.
Cumpre apreciar.
Estatui o artigo 651.º, n.º 1 do CPC que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
Como decorre expressamente deste n.º 1, a possibilidade de junção de documentos às alegações reveste carácter excepcional. Para além da situação em que tal junção se mostra necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância (decisões surpresa), o que aqui não releva, uma vez encerrada a discussão e sendo interposto recurso, apenas serão admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento – como previsto no artigo 425.º.
Nesta segunda hipótese incluem-se os casos de superveniência objectiva (como sucede quando o documento se encontra em poder de terceiro, o qual só posteriormente o disponibiliza) e de superveniência subjectiva (situações nas quais, pese embora a parte tenha actuado de forma diligente, só posteriormente teve conhecimento da existência do documento).[3]
Assim, e como tem vindo a ser decidido uniformemente pela nossa jurisprudência, será de recusar a junção de um documento que, pese embora potencialmente útil à causa, esteja relacionado com factos que, já antes da decisão, a parte sabia estarem sujeitos a prova (e, como tal, que já deveriam ter sido juntos).[4]
No presente caso, a apelante juntou cópia da sentença de habilitação que foi proferida no âmbito do Proc. n.º 4885/19.9T8LSB-C (o qual correu termos por apenso à acção de suspensão e destituição de titular de órgãos sociais que foi intentada por FJ contra RM), pela qual foi habilitada, em substituição do seu pai.
Contudo, tratando-se de sentença datada de 17/07/2023 e que à mesma é referente, atendendo a que, no caso em análise, o incidente de habilitação foi deduzido em 10/07/2024, caso a recorrente entendia que aquela sentença assumia relevância (para a decisão a proferir quanto à ora pretendia habilitação), sempre lhe teria sido possível, e exigível, que a tivesse junto em momento anterior (designadamente aquando da dedução do incidente). Ter-lhe-ia, pois, sido possível carrear para os autos, em tempo útil, perante o juiz e em momento anterior ao da prolação da sentença, tal elemento de prova.
Por assim ser, não estando em causa qualquer situação enquadrável na previsão do artigo 651.º, n.º 1, do CPC, não se admite a requerida junção.
Do mérito do recurso:
O CPC consagra no artigo 260.º o princípio da estabilidade da instância, segundo o qual, uma vez citado o réu, deverá a instância manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, “salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei”.
Tal princípio comporta, no entanto, excepções, admitindo-se que a instância sofra modificações, seja no que concerne ao seu âmbito subjectivo (sujeitos processuais), seja quanto ao seu objecto (pedido ou causa de pedir).
Daí que, no artigo 262.º, al. a), do CPC se preveja expressamente que a instância se pode modificar, quanto às pessoas, em consequência da substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por acto entre vivos, na relação substantiva em litígio.
A modificação subjectiva concretizar-se-á através da dedução do incidente de habilitação, o qual vem regulado nos artigos 351.º e ss. do CPC.
Enquanto a habilitação notarial assume a função de titular a qualidade de herdeiro de uma pessoa em relação a outra, a habilitação judicial é já susceptível de titular o reconhecimento de qualidade diversa (nessa medida, a junção aos autos de certidão de habilitação notarial dos herdeiros da parte falecida, sem que seja requerida a habilitação, não acarreta a cessação da suspensão da instância a que alude a al. a) do n.º 1 do artigo 269.º do CPC). E, estando em causa uma habilitação-incidente, importa apurar “quem tem a qualidade legitimante da substituição da parte falecida na pendência da causa, de harmonia com o direito substantivo”.[5]
Prescreve o n.º 1 do citado artigo 351.º que “A habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa, para com eles prosseguirem os termos da demanda, pode ser promovida tanto por qualquer das partes que sobreviverem como por qualquer dos sucessores e deve ser promovida contra as partes sobrevivas e contra os sucessores do falecido que não forem requerentes.”
Mostrando-se devidamente demonstrado que a requerente é filha de FJ, em face do disposto nos artigos 2132.º e 2133.º, n.º 1, al. a), ambos do CC, sempre a mesma assume a qualidade de sua sucessora, enquanto herdeira legitimária.
Sucede que, para além de assim ser, alega ainda a recorrente ter requerido a sua habilitação por ter sido nomeada (por testamento) representante comum dos herdeiros contitulares da quota deixada pelo seu pai, invocando para tanto o disposto nos artigos 222.º, n.º 1 – “Os contitulares de quota devem exercer os direitos a ela inerentes através de representante comum” - e 223.º, n.º 1 – “O representante comum, quando não for designado por lei ou disposição testamentária, é nomeado e pode ser destituído pelos contitulares. A respectiva deliberação é tomada por maioria, nos termos do artigo 1407.º, n.º 1, do Código Civil, salvo se outra regra se convencionar e for comunicada à sociedade” -, ambos do CSC.
Mais refere ter já sido habilitada anteriormente, em substituição do falecido FJ, no âmbito dos Procs. n.º 4885/19.9T8LSB (acção de suspensão e destituição de gerente instaurada pelo falecido contra RM) e n.º 5722/20.7T8LSB (acção de inquérito judicial intentada pelo falecido contra a sociedade Mira Torre e RM), ambas propostas no Juízo de Comércio de Lisboa.
Na sentença recorrida decidiu-se pela improcedência do incidente de habilitação, tendo a mesma sido sustentada nos seguintes fundamentos:
1. Assentando a pretensão da requerente na escritura de habilitação de herdeiros datada de 11/02/2021, a qual tem por base o testamento de 01/08/2019, e estando este judicialmente impugnado (no âmbito do Proc. n.º 4453/21.5T8LSB), na eventualidade de vir o mesmo a ser anulado, “deixa de existir a declaração de designação de representante comum dos herdeiros contitulares da quota e, consequentemente, extingue-se o fundamento para a habilitação da requerente”;
2. Ser inócua a prolação de outras decisões de habilitação da requerente;
3. A questão da sucessão só se suscita quanto à meação da quota social que integra a herança de FJ (porquanto apenas essa meação foi transmitida aos sucessores e herdeiros do falecido), pertencendo a outra meação à viúva ML, não sendo esta última representada pela requerente no que respeita ao seu “direito próprio (meação) de contitular da quota de FJ”;
4. O réu/requerido RM é herdeiro contitular da quota, não sendo possível que a requerente seja sua representante para contra ele litigar;
5. Contra a requerida ML corre termos uma acção especial de acompanhamento de maior (Proc. n.º 3544/23.2T8LSB), pelo que a requerente não a poderá representar.
→ Analisemos cada um destes fundamentos, começando por aferir qual a relevância que assume a pendência da acção pela qual é peticionada a anulação do testamento.
Alega a recorrente que a acção de anulação do testamento em que foi nomeada representante comum dos herdeiros contitulares da quota deixada por FJ (Proc. n.º 4453/21.5T8LSB) foi julgada improcedente na 1.ª instância, estando pendente o recurso dessa sentença. E, acrescenta: (i) sempre o testamento manterá a sua validade até que seja judicialmente anulado; (ii) o acórdão da Relação de Lisboa de 05/09/2023 (proferido no Apenso A), já transitado em julgado, confirmou o indeferimento da suspensão do anterior incidente de habilitação com fundamento na prejudicialidade da referida acção de anulação de testamento (o constitui caso julgado formal); e (iii) ser inaceitável que se julgue improcedente a habilitação com fundamento na prejudicialidade de uma causa, fazendo equivaler a sua pendência à sua procedência.
Contrapõe a recorrida que, sendo o testamento o documento base que conferirá à requerente a qualidade de representante comum dos herdeiros, caso o mesmo seja anulado deixa de poder ser invocada essa qualidade (deixando a requerente de ter legitimidade para, a esse título, intervir na lide). Conclui não poder a habilitação assentar num documento cuja validade está a ser questionada, ao que acresce a instabilidade processual que daí poderá decorrer (a anulação do testamento põe em causa os actos que entretanto a requerente pudesse vir a praticar).
Ou seja,
Está em causa saber se poderá a recorrente ser habilitada na posição anteriormente assumida por FJ, enquanto representante comum dos seus sucessores, quando foi impugnado o testamento pelo qual a mesma adquiriu tal qualidade.
Desde já se adianta não se poder corroborar o que, nesta parte, na sentença foi defendido.
Prescreve o n.º 2 do artigo 354.º do CPC que “Quando a qualidade de herdeiro esteja dependente da decisão de alguma causa ou de questões que devam ser resolvidas noutro processo, a habilitação é requerida contra todos os que disputam a herança e todos são citados, mas o tribunal só julga habilitadas as pessoas que, no momento em que a habilitação seja decidida, devam considerar-se como herdeiras; os outros interessados, a quem a decisão é notificada, são admitidos a intervir na causa como litisconsortes dos habilitados, observando-se o disposto nos artigos 313.º e seguintes.”
Quando assim sucede, a decisão a proferir no incidente de habilitação será provisória até ao desfecho da causa prejudicial.[6]
Citando Salvador da Costa[7], “Este normativo tem essencialmente a ver com o facto de ao aquando a prolação da decisão do incidente de habilitação ainda estar pendente a causa de cujo desfecho depende a qualidade de herdeiro, pois se nessa altura já tiver atingido o seu termo, a habilitação tem de ser decidida de harmonia com o disposto do nº 1, ou seja, em termos definitivos. // Visa evitar a discussão simultânea no incidente e na própria ação da mesma questão de saber se uma pessoa é ou não herdeira de outra, pelo que só é aplicável quando aquela ação esteja proposta, isto é, quando estiver pendente ao tempo da dedução do incidente de habilitação provisória. // Face à estrutura do incidente de habilitação, são as ações de petição de herança (…), ou de anulação de testamento (…), os meios mais adequados à resolução da questão de saber quem são os sucessores da parte falecida em causa. // Todavia, qualquer das pessoas que disputam a herança pode requerer a sua habilitação provisória na ação principal onde ela é necessária.”
E, como já Alberto dos Reis[8] ensinava, “devem ser habilitados aqueles que, no momento da habilitação, são os herdeiros, embora possam a vir a perder essa qualidade. E os que porventura lha tirarão são admitidos a acompanhar o processo. (…) “Nem pode admitir-se que o incidente de habilitação fique suspenso até que se julguem as acções; nem pode pretender-se que o juiz haja de atender, na decisão do incidente, ao pedido que se formula nas acções referidas” (aludindo, entre outras, à acção de anulação de testamento). Concluindo o ilustre Professor: “A única solução aceitável é esta: o juiz decide o incidente em harmonia com o status quo, quer dizer, atribui a qualidade de herdeiros às pessoas que no momento a têm, aos herdeiros instituídos em testamento, se há sucessão testamentária, aos herdeiros legítimos, se a sucessão é legítima. Por outras palavras, o juiz abstrai dos pleitos que estejam pendentes e habilita como sucessores as pessoas que naquele momento devam ser considerados os herdeiros do falecido. (…) Os «outros interessados» são evidentemente aqueles que disputam a qualidade de herdeiros e aspiram a ela.”
Ora, a solução prevista pelo transcrito n.º 2 (para os casos nos quais esteja em discussão a qualidade de herdeiro do habilitado), deverá igualmente ser aplicável àquelas situações nas quais se discute a qualidade de representante comum dos sucessores do falecido (primitiva parte).
Nesse sentido decidiu, o que se subscreve, o acórdão proferido no Apenso A, no qual se consignou: “à semelhança do que ocorre quando a qualidade de herdeiro esteja dependente da decisão de uma causa, por aplicação extensiva do art. 354º, n.º 2, do CPC, o tribunal apenas pode julgar representante comum dos herdeiros a pessoa que no momento em que a habilitação é decidida seja designado por lei ou disposição testamentária (art. 223º, n.º 1, do CSC.). // E se, já depois da prolação da sentença de habilitação, vier a proceder a acção de anulação do testamento, deverá proceder-se, se for caso disso, à substituição do representante comum dos herdeiros.”[9][10]
Não obstante este segmento tenha sido escrito em sede de apreciação da questão de ser ou não de suspender os autos principais com fundamento na pendência da acção de anulação, o defendido mantém plena aplicação ao que agora se decide.
Tanto mais que o incidente de habilitação visa unicamente a substituição de uma das partes no âmbito de uma relação jurídica processual (modificação subjectiva da instância), ou seja, aferir quem tem legitimidade para ocupar na lide a posição anteriormente assumida pela falecida parte, por forma a que a acção prossiga os seus termos. Ao habilitado não é atribuída a titularidade da relação material controvertida em causa (o mesmo limitar-se-á a exercer os direitos e a cumprir as obrigações que ao falecido competiam, ficando vinculado à actuação processual que este último tenha até então desenvolvido, ou seja, o habilitado tem que aceitar o processo no estado em que o mesmo se encontra).
Reportando ao caso, é a requerente/recorrente quem, no momento, detém a qualidade, não apenas de herdeira legitimária, mas também de testamenteira e representante dos herdeiros contitulares da quota do falecido na sociedade ré/requerida, para além de igualmente exercer as funções inerentes ao cargo de cabeça de casal – seja em face do que estatui a al. c) do artigo 2326.º do CC, seja em face do que resulta da declaração de escusa da viúva.
Inexiste nos autos qualquer comprovativo de o testamento outorgado pelo falecido FJ ter sido anulado pelo que, como bem refere a recorrente, o mesmo ter-se-á de ter por válido.[11]
Ora, em face do que do mesmo consta, a representação dos herdeiros contitulares da quota do falecido pertence à requerente IN. Nessa medida, ao contrário do decidido pela 1.ª instância, o facto de o testamento ter sido alvo de impugnação judicial não obsta a que a recorrente seja habilitada nos termos e para os efeitos pretendidos, tanto mais que o desfecho da acção de anulação do testamento não interfere com o mérito da acção na qual a recorrente pretende ser habilitada (considerando que não é questionada a qualidade de sócio de FJ, nunca o testamento pelo mesmo outorgado assumirá relevância para o conhecimento e apreciação da pretensão que o mesmo formulou e inerente direito material em discussão naquela acção).[12]
Isto posto, Visando-se com a acção da qual a presente habilitação é incidente o exercício de direitos sociais, sempre o seu prosseguimento implicará a substituição do primitivo requerente pelos respectivos sucessores. Tal substituição ocorrerá precisamente por meio de habilitação incidental, sendo que terá que ser habilitado quem for representante comum desses sucessores – artigos 222.º, n.º 1 (norma com natureza imperativa), e 223.º, n.º 1, ambos do CPC .
E tendo a habilitação que ser decidida de harmonia com o “status quo”, ter-se-á de atender a quem é herdeiro, e a quem é representante comum dos sucessores, no momento em que tal decisão seja tomada.
Ora, no presente caso, até prova em contrário, a representante comum é a recorrente (uma vez que foi para tanto designada por testamento), a qual actuará como um gestora ou mandatária dos herdeiros (não sendo ela o titular do direito que se pretende fazer valer na acção), devendo essa qualidade ser reconhecida para efeitos processuais.[13]
A recorrente detém, não apenas legitimidade substantiva, mas também legitimidade processual, para prosseguir com a acção (em substituição de FJ).
Citando novamente o acórdão desta Secção de 10/12/2024, “Os intervenientes não discutem a outorga do testamento – negócio jurídico unilateral (artº. 2179.º, nº. 1, do Cód. Civil) – e que este está em vigor na ordem jurídica pelo que, até que seja judicialmente declarada a sua invalidade, com a retroatividade inerente a essa declaração (art. 289.º do Cód. Civil) a autora tem legitimidade (…) para o exercício dos direitos sociais inerentes à titularidade da quota que pertencia ao de cujus e na situação de representante comum.” → Já no que concerne à existência de outras decisões judiciais pelas quais foi a recorrente habilitada a prosseguir concretas acções em substituição do seu falecido pai, dir-se-á que, como tem vindo a ser consensual, não será questão que assuma preponderância para a decisão a tomar.
Com efeito, a habilitação-incidente tem efeitos reportados e limitados à acção na qual é deduzida, sendo que, citando Alberto dos Reis[14], neste caso, a sentença que seja proferida “não tem alcance geral; o seu efeito é limitado ao processo em que surge como incidente, visto que o sucessor habilitou-se ou foi habilitado, não erga omnes, mas perante o litigante com o qual pleiteava o falecido (…)”.
Sem prejuízo de assim ser, não se deixará de dar nota da posição defendida por Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa[15], os quais entendem que a habilitação poderá ser demonstrada se tiver sido já declarada num outro processo em que se realizou a habilitação incidente desde que se trate de processo “em que hajam sido partes as pessoas a quem se opõe a habilitação”.
Ora, a sentença cuja certidão foi junta pela requerente em 10/07/2024 (sentença de habilitação proferida em 09/10/2023, já transitada em julgado, proferida no âmbito do incidente deduzido no Proc. de Inquérito Judicial n.º 5722/20.7T8LSB), teve como partes processuais da acção e do incidente as mesmas que aqui têm intervenção (IN, do lado activo, e a sociedade Mira Torre e RM, do lado passivo, sendo que, na habilitação, foi também demandada ML).
Passemos à apreciação dos demais fundamentos em que assentou a decisão recorrida, por forma a indagar se os mesmos poderão obstar ao entendimento que supra se defendeu.
→ Considerou a 1.ª instância que a apelante não representa a sua mãe ML quanto à meação desta na quota deixada pelo falecido (com quem foi casada segundo o regime de comunhão geral de bens).
Contrapõe aquela que, na comunhão conjugal, os bens comuns constituem uma massa patrimonial pertencente aos dois cônjuges em bloco, sendo os dois titulares de um único direito sobre ela: metade do valor do património comum e não metade de cada bem em concreto. E, cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges por morte de um deles, a divisão do património comum conjugal faz-se por partilha e não através de acção de divisão dos bens comuns do dissolvido casal (artigo 1689.º do CC). Neste caso, acrescenta, existirão duas partilhas no mesmo acto: a partilha dos bens comuns (em que o cônjuge sobrevivo preencherá a sua meação com determinados bens concretos preexistentes no património comum) e a subsequente partilha da herança do cônjuge falecido. Conclui, assim, que a requerida viúva não é titular de metade da quota indivisa por este deixada (“logo, não tem um direito de ação correspondente à titularidade de uma parte dessa quota. Ou seja, não existe, nem nunca existiu, uma “meação na quota””).
Já a recorrida, sustentando-se na sentença proferida, realça que a viúva tem um direito próprio (enquanto meeira da quota social), nessa parte não podendo ser representada pela recorrente. E, defende: “[p]ara exercer direitos sobre a quota completa, precisaria de ter simultaneamente: (i) legitimidade sobre a parte herdada (50%); (ii) representação ou acordo da viúva sobre sua meação (50%), situações jurídicas que não se verificam no caso concreto. (…) não tem legitimidade processual completa para assumir a posição do sócio falecido, que detinha direitos sobre a totalidade da quota”.
Uma vez que FJ e ML foram casados segundo o regime de comunhão geral de bens, o património do casal era comum (na proporção de metade para cada um). Por assim ser, a quota detida pelo falecido é igualmente um bem comum – cfr. artigos 1732.º e 1733.º, a contrario, ambos do CC. Com o óbito de um dos cônjuges, a comunhão conjugal termina, dando lugar à comunhão hereditária. E, o cônjuge sobrevivo, para além de ter direito à sua meação no património, integrará, ainda, juntamente com os demais herdeiros, o direito à meação do falecido.
Sucede que, como resulta da certidão permanente da sociedade ré/requerida e do contrato/estatutos de constituição da mesma (ambos juntos com a p.i. apresentada na acção), apenas o falecido era sócio da recorrida (e já não a sua mulher, a qual nem sequer outorgou aquele contrato), pelo que só ao mesmo incumbia o exercício dos respectivos direitos e deveres perante a sociedade (só o mesmo detendo legitimidade para tanto) – artigo 8.º, n.º 2, do CSC.
Claro está que, com o seu falecimento, os direitos que a viúva tenha com relação à participação terão que ser salvaguardados – n.º 3 do mesmo artigo 8.º. Porém, tal salvaguarda terá de ter subjacente as disposições legais e estatutárias relativas à sucessão na participação.[16]
E, para efeitos de habilitação incidental – substituição do autor FJ na acção -, releva a sua qualidade de sócio (não estando, pois, em causa a titularidade da participação social).[17] Ora, a viúva não é sócia (nem essa qualidade se transmite por sucessão), mas tão somente co-titular da quota por força do regime de bens que vigorou no casamento.[18]
Por outras palavras, estando em causa o exercício de direitos societários que apenas pelo falecido autor poderiam ser exercidos, o facto de o mesmo ter sido casado segundo o regime de comunhão geral de bens, não torna a viúva sócia da sociedade demandada, razão pela qual sempre a mesma deverá ser habilitada juntamente com os demais herdeiros, nada obstando a que seja representada pela recorrente.
A exigência de existir um representante comum dos contitulares, como refere Alexandre Soveral Martins[19], “é uma solução que visa, acima de tudo, proteger os interesses da sociedade. Evitam-se atuações contraditórias por parte do contitulares, torna-se claro o sentido do exercício dos direitos”, acrescentando ainda: “O representante comum é necessário para o exercício dos direitos inerentes à quota. São, pois, os direitos que integram a quota enquanto participação social que devem ser exercidos pelo representante comum. Os direitos inerentes à quota não se confundem, por exemplo, com os direitos sobre a quota.”
→ A Mma. Juíza a quo sustenta também a sua decisão na impossibilidade de a apelante representar o réu/requerido RM (seu irmão e igualmente herdeiro de FJ), para contra ele litigar na acção.
Contrapõe a recorrente que, para além de não ser essa a sua pretensão, sempre tal impossibilidade não será fundamento para a improcedência da habilitação.
Já a recorrida insiste que a recorrente não poderá ser representante do irmão para contra ele litigar, o que resultaria em conflito de interesses e confusão de posições processuais (por força do princípio da dualidade das partes, RM “não pode ocupar simultaneamente as posições processuais de requerido e requerente na acção”).
Dúvidas inexistem quanto a não ser processualmente admissível que RM esteja a ser demandado na acção e, simultaneamente, possa ser representado pela recorrente na posição de demandante, o que efectivamente sucederia, já que, representando todos os sucessores do falecido autor, estaria a também representar o referido réu/requerido (que é herdeiro). Aliás, nessa parte, recorrente, recorrida e 1.ª instância estão em sintonia, como não podia deixar de ser.
Acerca desta questão, defende Salvador da Costa[20]: “Em regra, todos os herdeiros da parte falecida na pendência da causa devem ser habilitados para que com eles prossiga. Mas há exceções, por exemplo no de no lado passivo figurar co-herdeiro do falecido autor. Assim, falecido o autor na pendência da ação intentada contra a sua mãe, esta não pode substituir o autor nessa posição, sob pena de figurar como autora e ré, em quadro de confusão legalmente inadmissível. Numa situação deste tipo, quem pode ser habilitado a fim de substituir a parte falecida é o seu pai como co-herdeiro e cabeça de casal (…)”.
E também esse foi o entendimento desta Relação de Lisboa, no acórdão proferido em 21/09/2017 (Proc. n.º 2467/13.8TBCSC.L1-8, relator António Valente) - “– Falecendo o autor da acção em que é Ré a sua mãe, a habilitação desta para com ela prosseguir a causa não é possível, já que passaria a ser simultaneamente Autora e Ré na mesma acção. – Mas nada impede a habilitação do pai, a título incidental, para substituir o falecido na posição activa do litígio.”
Mais se podendo ler no mesmo, após se invocar o acórdão da mesma Relação de 02/11/2010 (a que já aludimos na nota 13): “a habilitação-incidental tem como desiderato promover a substituição da parte primitiva pelo sucessor na situação jurídica litigiosa, ocorrendo uma modificação subjectiva da instância (…), mediante a legitimação sucessiva do sucessor, enquanto tal e para a causa, ficando o seu efeito limitado a esta última, pois que o sucessor é habilitado não erga omnes, mas perante o litigante com o qual pleiteava o falecido. // (…) nada obsta a que um dos sucessores seja habilitado para ocupar a posição processual da parte falecida, desacompanhado do outro sucessor. Isto porque a legitimidade do sucessor se afere nos termos da relação material controvertida como a configurou o falecido autor.”[21]
Podemos então afirmar: Por um lado, no caso, a habilitação é legalmente imposta/necessária para que a acção possa prosseguir, por outro lado, quando deduzida em sede incidental, a mesma respeitará apenas “à transmissão da posição jurídica litigiosa, a qual não tem que coincidir com a transmissão universal dos direitos do falecido”(como defendido no acórdão do STJ de 02/06/1964 o qual, não obstante a data na qual foi proferido, mantém plena actualidade).[22]
Logo, O facto de RM ser herdeiro do falecido FJ e também réu na acção, não inviabiliza que os demais sucessores sejam habilitados na posição processual do primitivo autor. O que sucede é que, dessa habilitação, o mesmo será excluído, mantendo-se unicamente na posição de demandado (que ab inicio assumiu).
→ Por fim, como bem defende a recorrente, e ao contrário do defendido na sentença recorrida, também não colhe o argumento de obstar à pretendida habilitação o facto de pender contra a requerida ML uma acção de acompanhamento de maior.
Segundo o artigo 138.º do CC, “O maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código.”
No caso, para além de não constar dos autos que tenha já sido proferida decisão no âmbito de tal acção (Proc. n.º 3544/23.2T8LSB), nem sequer resulta que a requerida ML padeça de qualquer incapacidade referente ao exercício dos respectivos direitos (incapacidade que pode não existir mesmo nos casos em que é decretada uma medida de acompanhamento - nomeação pelo tribunal de um acompanhante -, porquanto sempre implicará que seja efectuada uma análise casuística).[23]
Como se defende no acórdão da Relação do Porto de 20/03/2025 (Proc. n.º 865/23.8T8ILH.P1, relator Paulo Dias Silva), “I - O novo regime do maior acompanhado garante à pessoa acompanhada a sua autodeterminação e promove, na medida do possível, a sua vida autónoma e independente de acordo com o princípio da máxima preservação da capacidade do sujeito. II - A matéria das restrições judiciais dos direitos do acompanhado é de natureza estritamente casuística, sujeita aos princípios da necessidade, proporcionalidade e flexibilidade de acordo com o critério da imprescindibilidade individual e da vontade esclarecida do beneficiário. (…)”. A pendência de tal acção não permite, pois, extrair a conclusão a que chegou o tribunal a quo.
Seja como for, nem assim a recorrente perderia a qualidade de representante comum, já que a sua designação resulta do testamento outorgado pelo seu pai e tal circunstância acarreta que assuma igualmente funções de cabeça de casal (sendo que é a este último que compete actuar como representante comum[24]), o que, no caso, se mostra reforçado pela declaração de escusa subscrita pela viúva ML (ao que acresce que esta última nem sequer deduziu oposição ao presente incidente, tudo indiciando que seja sua vontade que a filha, aqui recorrente, a represente).
A alegação da recorrida de que, enquanto esse processo estiver pendente “existe incerteza sobre se ML tem capacidade para: outorgar procurações; ser representada validamente; e, tomar decisões sobre os seus direitos”, por si só, não permite concluir pela improcedência do incidente, assim como não colhe a invocação da salvaguarda do princípio da segurança jurídica já que, como supra referido, a habilitação terá que ser decidida em face dos factos que existem à data em que é requerida.
Reafirma-se, assim, que a pendência de uma acção de acompanhamento de maior (a qual nem sequer se mostra decidida) não permite concluir que a aí requerida seja desprovida de capacidade para exercer os respectivos direitos ou que não possa ser habilitada para efeitos de prosseguimento da acção, através do representante comum dos sucessores do falecido autor.
Como nota final, cumpre ainda frisar que, o objecto do presente recurso é unicamente aferir se a sentença que julgou improcedente o incidente de habilitação deveria ou não ser revogada.
Nessa medida, todas as demais questões que se prendam com o mérito da acção extravasam o âmbito de tal recurso.
É o que sucede com os demais argumentos que a recorrida invocou nas suas contra-alegações, a saber: (i) inutilidade da lide por terem já sido aprovadas as contas relativas aos exercícios de 2017 a 2022 (refere que, tendo sido peticionada a convocação judicial de assembleia de sócios para ser deliberada a aprovação de contas relativas ao exercício de 2017, e estando as mesmas aprovadas desde março de 2021, o prazo para a propositura de acção de anulação da deliberação social que as aprovou já caducou); e (ii) ter já sido amortizada a quota do falecido (estando a decisão de amortização registada) e ter a requerida sido transformada numa sociedade unipessoal limitada, cuja única quota é detida pelo requerido RM (e, tendo essa amortização ocorrido em momento prévio ao da prolação da decisão cautelar que a suspendeu, “o direito dos herdeiros sobre a sociedade aqui 1.ª Requerida incide sobre o valor da amortização da quota”, mais acrescentando que “durante a pendência da ação de anulação da referida deliberação social, só é admissível que os herdeiros proponham ação social para situações particulares e extremas, o que não é o caso destes autos”).[25]
Em síntese,
Considerando o supra exposto, impõe-se revogar a decisão recorrida, a qual terá que ser substituída por outra que declare a recorrente habilitada a prosseguir na acção (seja qual for o desfecho que a mesma venha a merecer), na posição anteriormente assumida por FJ (apenas com a ressalva feita com relação ao requerido RM o qual, por ser réu, não poderá ser por aquela representado).
Termos em que se conclui pela procedência da apelação.
*
IV - DECISÃO
Perante o exposto, acordam as Juízas da Secção do Comércio deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar a decisão recorrida a qual se substitui por outra a habilitar IN, na qualidade de herdeira e de representante comum dos sucessores de FJ (com exclusão de RM), para que prossiga como autora na acção na qual o presente incidente foi deduzido.
Custas pela recorrida.
Lisboa, 28 de Outubro de 2025
Renata Linhares de Castro
Isabel Maria Brás Fonseca
Manuela Espadaneira Lopes
_______________________________________________________ [1] Oficiosamente, procedeu-se à rectificação dos factos 1, 2 e 3 (porquanto o falecido estava identificado como …, quando o nome correcto é FJ), bem como do item referente à acção de acompanhamento de maior (a qual foi proposta pelo filho do requerido RM, e não pelo filho “do requerente”). Presume-se que tais lapsos tenham tido subjacente a circunstância de a factualidade provada ser uma reprodução daquela que foi fixada no acórdão proferido no Apenso A (a qual, por seu turno, teve subjacente, em parte, o que então havia sido fixado pela 1.ª instância). [2] Factualidade extraída não apenas dos autos de habilitação aos quais se reporta o presente recurso, mas também obtida através da consulta informática do Apenso A (documentação junta e não impugnada). [3] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A acção declarativa comum, Almedina, 4ª edição, pág. 291. [4] ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Vol I, Almedina, 2.ª edição, reimpressão, 2020, pág. 813. [5] SALVADOR DA COSTA, Incidentes da Instância, Almedina, 11.º edição, 2020, pág. 191-192. [6] ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/PIRES DE SOUSA, obra citada, pág. 430. [7] Obra citada, págs. 211-212. [8]Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 3.ª edição, 1982, pág. 596. [9] Razão pela qual não colhe o argumento invocado pela recorrida segundo o qual, na hipótese de o testamento ser anulado, tendo tal decisão efeito ex tunc, nunca poderia a recorrente requerer a pretendida convocação por carecer de legitimidade processual e substantiva para o efeito (perdendo “a sua qualidade de representante comum dos herdeiros, de testamenteira e de cabeça de casal na herança aberta por decesso de FJ”). [10] Igualmente assim o entendeu o acórdão desta Secção de 10/12/2024 (Proc. n.º 6144/22.0T8LSB.L1, relatora Isabel Maria Brás Fonseca): “(…) 4. Concluindo-se que nos casos de habilitação incidental regulada no art. 354.º, n.º2 do CPC, foi consagrada solução normativa que não passa pela suspensão da instância em virtude da existência de ação em que se discute, já não a título incidental mas a título principal, questão atinente à delimitação dos herdeiros do de cujus mas, ao invés, pela tramitação do incidente a par da tramitação daquela ação então, por identidade de razões, tem de entender-se que nas situações em que o demandante, na petição inicial, aduz os factos pertinentes a justificar a sua posição, em substituição do de cujus e como sucessor, na posição jurídica do falecido (habilitação-legitimidade), igualmente não se justifica a suspensão da causa por prejudicialidade, em face da constatação da pendência de ação tendente à anulação do testamento (causa prejudicial), ao abrigo do disposto na primeira parte do número 1 do art. 272.º do CPC. 5. Efetivamente, não faria sentido que se adotasse solução jurídica diferenciada para situações que, materialmente, são similares porquanto o interesse jurídico protegido é o mesmo, a saber, em caso de óbito do titular do direito ou da obrigação, assegurar que o processo judicial seja instaurado e/ou prossiga com os intervenientes que têm legitimidade para tal, na aceção que decorre do art. 30.º do CPC.” (disponível in www.dgsi.pt, como todos os demais que vierem a ser citados, sem menção à respectiva fonte). [11] Porém, não se poderá deixar de referir ser do nosso conhecimento que a acção de anulação em apreço foi julgada improcedente, tendo tal decisão sido confirmada por acórdão de 10/07/2025 desta Relação de Lisboa, ainda não transitado em julgado (2.ª Secção Cível - Proc. n.º 4453/21.5T8LSB.L1, relator Pedro Martins), em cujo sumário se pode ler: “(…) II – Não provados quaisquer factos que permitam a conclusão de que o testamento impugnado foi determinado por dolo ou por coacção moral da beneficiária ré, não há razão para pôr em causa a improcedência dessa impugnação.” (sumário disponível na página oficial desta Relação). [12] Como realça o acórdão desta Relação de 02/11/2010 (Proc. n.º 90/08.8TBSCG-A.L1-1, relator António Santos), “a substituição (modificação subjectiva da instância) de uma das partes opera-se no âmbito de uma relação jurídica processual complexa, que é independente da relação material e que se estabelece sempre entre determinados sujeitos [as partes, a saber, autor/s e réu/s) , tendo um objecto (o pedido) e uma causa de pedir (…).” [13] Inexiste qualquer controvérsia quanto à identificação dos herdeiros do falecido, como resulta das certidões de habilitação notarial juntas aos autos (sendo eles a requerente IN, o requerido RM e a mãe de ambos, ML). Refira-se que a habilitação notarial consiste na declaração feita em escritura pública por três pessoas que o notário considere dignas de crédito (como sucedeu com a que foi junta na oposição), ou por quem desempenhe as funções de cabeça de casal (como ocorreu com a que foi junta pela recorrente), de que os habilitandos são herdeiros do falecido e não há quem lhes prefira na sucessão ou concorra com eles – artigos 83.º, n.ºs 1 e 2, 84.º e 97.º do CNotariado. [14]Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 3.ª edição, 1982, pág. 575.
Também SALVADOR DA COSTA, obra citada, pág. 192, refere que “No caso de pluralidade de demandas autónomas, o incidente de habilitação deve ser implementado em cada uma delas”. [15]Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL editora, 2022, pág. 384. [16] Como referido na dissertação da autoria de MARIA INÊS GAMA FERREIRA DOS SANTOS, Participação dos cônjuges em sociedades (por quotas) e a posição do cônjuge meeiro, Repositório das Universidades Lusíada, Porto, 2021, págs. 23-24, disponível in http://repositorio.ulusiada.pt, “tanto podendo acontecer que o cônjuge e demais herdeiros sejam admitidos a continuar a titularidade daquela, como dela sejam excluídos”. [17] A habilitação foi deduzida como incidente de uma acção societária, proposta por um sócio contra a sociedade e o outro sócio (não integrando o objecto do litígio quaisquer relações externas à sociedade). [18] Nesse sentido, entre outros, REMÉDIO MARQUES, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. I, Almedina, 2.ª edição, 2021, págs. 165-166, e MENEZES CORDEIRO, Código das Sociedades Comerciais Anotado, Almedina. 4.ª edição, 2021, pág. 133.
Veja-se, ainda, MARIA INÊS GAMA FERREIRA DOS SANTOS, obra citada, fls. 29-31, onde se cita mais doutrina que defende esta posição, a saber: FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Vol. II, Universidade de Coimbra, 1968, pág. 28, PINTO FURTADO, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, artigo 1º ao 19º, âmbito de aplicação, Almedina, 2009, págs. 333-334, REMÉDIO MARQUES, Comentário ao art. 8º do CSC, Almedina, 2010, págs. 149 e ss. e COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Almedina, 2009, pág. 97, bem como, ao nível jurisprudencial, o acórdão da Relação do Porto de 22/10/2019 (Proc. n.º 325/18.9T8VNG.P1, relatora Alexandra Pelayo). [19]Código das Sociedades Comerciais em Comentário, coordenação Coutinho de Abreu, Almedina, Vol. III, 3.ª edição, 2023, págs. 418 e 420. [20] Obra citada, págs. 194-195. [21] JOÃO DE CASTRO MENDES/MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, obra citada, pág. 287, após aludir que, em nome do princípio da dualidade das partes, o autor e o réu não podem ser a mesma pessoa, o que também sucederá quando uma das partes se torna sucessora da outra, não deixam de afirmar que já assim não será quando “houver outros sucessores que não sejam partes na acção e que possam substituir a parte falecida”. [22] BMJ, 138-298. [23] Como decidido no acórdão desta Relação de Lisboa de 03/12/2024 (Proc. n.º 2537/18.6T8CSC-A.L1, relator Luís Filipe Pires de Sousa), “I. A limitação voluntária dos direitos de personalidade pode ser exercida livremente pelo maior acompanhado, exceto se a decisão judicial decretar o contrário ou a lei dispuser de outro modo; II. No atual regime do maior acompanhado, parte-se da ideia de que o acompanhado mantém a sua capacidade de exercício (regra), sem prejuízo da decisão judicial poder modelar ou limitar a capacidade de exercício (exceção); (…)”. [24] Nesse sentido, ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, obra citada, pág. 434. [25] Porém, como defendido no acórdão proferido no Apenso A, tendo a deliberação de amortização da quota do falecido (tomada na assembleia geral realizada dia 22/02/2021) sido judicialmente impugnada, nessa sequência tendo sido decretada, com trânsito em julgado, a suspensão da execução da mesma, “[a]té ao trânsito em julgado da decisão a proferir na acção definitiva (a qual acarretará a extinção da quota, por amortização, com o inerente pagamento da contrapartida devida aos herdeiros, em caso de improcedência dessa acção, ou a transmissão definitiva para a herança da quota, em caso de procedência da acção), e de acordo com o disposto no art. 227 n.ºs 2 e 3 do CSC, encontram-se suspensos temporariamente os direitos inerentes à quota. // (…) Ainda assim, a quota encontra-se integrada, precária e provisoriamente (ad tempus ou sob condição resolutiva), no património indiviso do de cujus (…) // Ora, havendo pluralidade de herdeiros e enquanto a herança permanecer indivisa, passa naturalmente a verificar-se a contitularidade da participação social. // É essa a situação que se verifica no caso em apreciação, posto que resulta do alegado (e provado) nos autos serem herdeiros do falecido FJ, a sua mulher ML e os seus dois filhos, IN, nascida a 25/03/1965, e RM, nascido a 5/10/1959.”