FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REQUISITOS
PROVA INDICIÁRIA
IN DUBIO PRO REO
DIREITO À HONRA E CONSIDERAÇÃO
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Sumário

Sumário (da responsabilidade do Relator):
I. As sentenças ou acórdãos judiciais, enquanto actos decisórios, carecem necessariamente de fundamentação, através da enumeração ou especificação da matéria de facto provada e não provada, indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão - art.º 205.º, n.º 1, da CRP, 97.º, n.ºs 1, al. a) e 5, e 374º, ambos do C.P.P., sob pena de nulidade nos termos do art.º 379.º, n.º1, al. a) do CPP, imposição que foi cumprida pelo Tribunal recorrido não existindo, pois, a alegada falta de fundamentação e exame crítico.
II. Não cumprindo, no caso dos autos, a recorrente as especificações previstas no art.º 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP, não indicando de forma expressa, quais as provas concretas que em seu entender imporiam decisão diversa não fazendo a especificação previstas na alínea b) por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, não indicando concretamente as passagens em que se funda a impugnação que impunham decisão diversa, não indicando com clareza se há factos alternativos (apresentando a sua versão) a serem dados como provados ou apenas se os factos deviam passar, para o elenco dos factos não provados, face à sua leitura das provas, não sendo admissível o convite ao aperfeiçoamento, impõe-se a rejeição da impugnação alargada da decisão quanto à matéria de facto provada.
III. É consensual na doutrina e jurisprudência que, para além dos meios de prova directos, é legítimo o recurso à prova indireta, também chamada prova indiciária, por presunções ou circunstancial, podendo o tribunal socorrer-se de procedimentos lógicos de conhecimento ou dedução de factos desconhecidos (factos-consequência)a partir de factos conhecidos (factos base), existindo uma conexão racional forte entre os factos base e os factos consequência, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei, de acordo com o art.º 125.º, do Código de Processo Penal, estando conforme a constituição.
IV. No caso concreto quanto à prova da autoria das mensagens em causa nos autos o Tribunal recorrido baseou-se em prova directa de factos conhecidos (factos-base), concluindo destes, inelutavelmente, que quem escreveu e enviou as mensagens constantes do facto provado 6. foi a arguida (facto consequência).
V. Quanto à prova dos factos subjectivos do tipo de ilícito dados como provados, não sendo, em regra, apreensíveis directamente, constituem inferências que se retiram da factualidade objectiva provada, com base em presunção natural, à luz das regras da experiência comum.
VI. O uso do princípio in dubio pro reo (regra de decisão da prova) só deve ocorrer quando, após a produção e a apreciação dos meios de prova relevantes, o Julgador se defronte com a existência de uma dúvida razoável sobre a verificação dos factos e, perante ela, se lhe imponha decidir a favor do arguido. Não se trata, pois, de uma dúvida hipotética, abstrata ou de uma mera hipótese.
VII. Como princípio que se projecta em sede de apreciação da prova, no caso concreto, tendo sido rejeitada a impugnação alargada da decisão sobre a matéria de facto por não cumprimento dos requisitos legais, a violação do princípio in dubio pro reo terá que ser tratada em sede de impugnação restrita, como erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº 2, al. c) do Código de Processo Penal) e, tal como sucede com os demais vícios da sentença, tem que resultar ou decorrer do próprio texto da decisão recorrida, resultando no caso concreto que o Tribunal recorrido não manifestou qualquer dúvida razoável a respeito de quaisquer dos factos dados como provados, com apoio nos meios de prova disponíveis e lendo-os criticamente à luz das regras da experiência comum.
VIII. O Tribunal de Recurso, em sede de escolha e determinação da pena, não decide como se não existisse uma decisão de primeira instância, não se tratando de um re-julgamento, assistindo ao tribunal de primeira instância uma margem de actuação, componente do acto de julgar, podendo este Tribunal de Recurso alterar a pena, mas apenas quando são detectadas incorrecções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido pelo Tribunal de primeira instância; na interpretação e aplicação dos princípios e das normas legais e constitucionais que regem a pena; nas operações de determinação da medida da pena (indicação e consideração dos factores na fixação da pena concreta); quando sejam violadas, na fixação exacta da pena concreta, regras da experiência ou quando a mesma se revelar manifestamente desproporcionada.
IX. São elementos fundamentais da operação de escolha entre pena privativa e pena não privativa da liberdade as finalidades da punição, traduzidas na protecção de bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade (art.os 40.ºe 70.º, do Código Penal), sendo que na determinação da medida da pena deverá atender-se às exigências de prevenção especial e de prevenção geral, e à pela medida da culpa do agente, sendo que a culpa constitui o limite inultrapassável da pena (art.º 71.º, n.º1 e 40.º, do CP).
X. Optando o Tribunal pela pena de multa, a fixação do montante diário é uma operação autónoma da fixação prévia do número de dias de multa, seja como pena principal seja como pena subsidiária, que com ela não se pode confundir, é, no entanto, ainda uma operação que se insere no âmbito da aplicação concreta da pena de multa e, nessa medida, não podem colocar-se de lado as finalidades que subjazem à própria pena, nomeadamente os princípios decorrentes do artigo 40º do Código Penal, ou seja a protecção de bens jurídicos, a reintegração do arguido e a culpa que vinculam quem aplica em concreto as penas não se confundindo com a proibição da dupla valoração.
XI. O quantitativo diário da pena de multa, é fixado em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, tal como decorre do critério geral consignado no art. 47º, nº 2 do C. Penal, procurando obviar a um dos maiores inconvenientes assacados à pena de multa, a saber, o peso desigual para pobres e ricos, constituindo corolário evidente do princípio da igualdade, procurando conferir-se ao sistema elasticidade na adequação à situação económico-financeira do condenado, preservando eficácia preventiva, tanto no plano da prevenção geral positiva como da prevenção especial de integração, obrigando o condenado a genuína reflexão, através de real sacrifício, sem colocar em causa mínimos de subsistência.
XII. O direito ao bom nome e à honra e o direito à liberdade de expressão e de informação são ambos direitos constitucionalmente protegidos, respectivamente, nos art.ºs 26.º, n.º1 e 37.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que devem ser compatibilizados, não estabelecendo a CRP qualquer hierarquia entre eles, nem deve ser conferida aprioristicamente e em abstracto a precedência de qualquer um dele, importando, em caso de conflito, um balanceamento concreto e não abstracto.
XIII. No caso dos autos as expressões (imputações e juízos) insultuosas e ofensivas, em suma, injuriosas, não encontram qualquer justificação à luz da liberdade de expressão e de opinião, porquanto não foram feitas para realizar qualquer interesse legítimo ou visaram qualquer objetivo lícito prosseguido pela arguida/demandada.
XIV. O único objectivo prosseguido pela arguida foi humilhar, rebaixar, diminuir a dignidade da ofendida, na sua dimensão de pessoa, quer enquanto cidadã, por ser economicamente mais desfavorecida do que ela e de mais baixa escolaridade, quer enquanto mulher e mãe.
XV. No que respeita ao montante indemnizatório, atendendo à gravidade das expressões proferidas, atingindo a ofendida como pessoa, mulher e mãe, e os factos provados relativos aos danos não patrimoniais, consideramos que, de acordo com a equidade e a situação económica da lesante e da lesada, o montante de indemnização de € 2.000,00, mostra-se adequado, justo, proporcional e equitativo, tendo presente o disposto nos art.ºs 496.º e 563.º a 566.º, do CC atento os danos causados.
XVI. Quer a quantia indemnizatória quer a sanção penal fixadas no caso concreto, mostram-se moderadas, situadas no intervalo permitido pelo quadro legal (penal e civil), não desproporcionadas nem desadequadas, atenta a dimensão e gravidade das imputações e juízos ofensivos e dos danos causados, mesmo à luz dos eventuais constrangimentos da chilling effect doctrine de que fala o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH).

Texto Integral

Acordam os Juízes Desembargadores, em conferência, na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I- RELATÓRIO
1.
Realizado o julgamento em processo comum n.º 2886/23.1T9GMR e perante Tribunal Singular de AA, foi proferida Sentença condenatória em .../.../2025 em que foi decidido o seguinte:
III – DISPOSITIVO
III.1 – Da Acusação Particular:
Pelo exposto, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, julga-se a acusação parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condeno a arguida AA, pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 25,00 (vinte e cinco euros), o que perfaz a quantia de € 2250,00 (dois mil, duzentos e cinquenta euros), absolvendo-a da prática do crime na forma agravada do artigo 183.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal.
b) Condeno a arguida AA, no pagamento das custas processuais, que englobam taxa de justiça de 2U.C., bem como o pagamento dos encargos com o processo - artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal.
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III.2 – Pedido de Indemnização Civil
Com base nos expostos fundamentos:
c) Condeno a demandada AA a pagar à demandante BB, a título de indemnização por danos patrimoniais a quantia de € 60,00 (sessenta euros) e a título de indemnização por danos não patrimoniais a quantia de € 2500,00 (dois mil e quinhentos euros), absolvendo-se do restante pedido formulado.
d) Custas na proporão do decaimento – artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
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Notifique e deposite (cfr. artigo 372.º, n.º 5, do Código de Processo Penal).
*
Fixa-se o valor da causa civil em € 5.120,00.
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Após trânsito, envie boletim à DSIC para efeitos de registo criminal (artigo 5.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 57/98, de ...).
2.
Inconformada, a arguida veio interpor recurso em .../.../2025, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
I. O presente recurso surge na sequência da Sentença proferida nos presentes autos,
II. Sentença essa que, irrazoável e inopinadamente, condenou a Arguida, AA, pela prática de um crime de injúria, p. e p, pelo artigo 181.º n.º1 do CP, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 25,00€ (vinte e cinco euros), o que perfaz a quantia de 2250,00€ (dois mil duzentos e cinquenta euros),
III. Bem como a pagar à Demandante, a título de indeminização por danos patrimoniais quantia de 60,00€ (sessenta euros) e a título de indeminização por danos não patrimoniais a quantia de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros.
IV. A aqui Recorrente, de modo algum se pode conformar, quer por razões adjetivas, quer por razões substanciais, com a Sentença então proferida,
V. Porque a mesma vai ao total arrepio do Direito, da Lei e da Justiça,
VI. Motivo pelo qual, vem interpor, aqui e agora, o presente Recurso.
VII. A Sentença recorrida alimenta-se, pura e simplesmente, de uma requintada e inútil complicação de conceitos e teorias não apenas supérfluas, mas também demasiadamente rebuscadas.
VIII. Atenta toda a prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, jamais o Tribunal a Quo poderia julgar, como erradamente fez, que a Arguida cometeu, de forma ilícita e dolosa esse crime pelo qual vinha acusada.
IX. Em bom abono da verdade, e da justiça, a qual deve imperar em situações como a presente, não se consegue, de forma alguma, compreender a linha de raciocínio adotada pela Julgadora para extrair a conclusão que extraiu,
X. Aliás, face a toda a prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, prova documental, e ainda prova pericial,
XI. Não se entende como os factos dados como provados nos números 6), 7), 8) e 9),assim o foram,
XII. Uma vez que os mesmos deveriam ser julgados como não provados, como V/Exas., Venerandos Juízes Desembargadores decidirão,
XIII. Porquanto, resulta claro, a todas as luzes, que de toda a prova produzida, não se pode, como erradamente fez o Tribunal ad Quo, concluir que a Arguida, praticou os factos pelos quais vem injustificadamente condenada,
XIV. E muito menos que tenha dirigido à Assistente palavas que atentaram contra a sua honra e reputação.
XV. Em bom rigor, como será alegado supra, jamais poderia o tribunal ad quo, fundar a sua convicção em meros e redutores print´s de SMS alegadamente enviados pela aplicação Whastsapp,
XVI. Pois estamos perante um print retirado de um dispositivo desconhecido, onde não consta nas mensagens trocadas o número de telemóvel que enviou e o que recebeu e assim respetivamente,
XVII. Não sabendo o número do disposto que estabelece a conversa, sendo matéria desconhecida para a Arguida.
XVIII. Aliás, não é possível afirmar, com certeza, como se impõe, que aqueles print´s juntos aos autos não sejam reproduções fictícias e forjadas com o propósito criar a convicção de que foi a Arguida, ora Recorrente, a enviá-las.
XIX. Contudo, não obstante a alteração da matéria de facto dada como provada, que infra mais precisamente se abordará, sempre se dirá, de modo prévio, que a Sentença recorrida padece de nulidade,
XX. Por violar, clara e notoriamente, o número 2.º do Artigo 374.º do Código de Processo Penal,
XXI. Já que, o julgador de 1.º Instância em momento algum especificou os motivos, de facto e de direito, que fundamentam a Decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para forma a convicção do tribunal,
XXII. Conforme infra melhor se demonstrará:
XXIII. Ora, e quanto a tal matéria, não podem restar dúvidas que a Sentença proferida no âmbito dos presentes autos padece, manifesta e inequivocamente, dessa nulidade,
XXIV. Nulidade essa que se argui, expressamente, para todos os efeitos legais.
XXV. Em bom abono da verdade e da justiça, a qual deve imperar em situações como a presente, a Sentença para além de ter a obrigatoriedade de explicitar quais os factos provados e os factos não provados.
XXVI. Está ainda obrigada, na pessoa da Julgadora de 1.ª Instância, a explicitar o exame crítico das provas, que serviram para formar a convicção do Tribunal,
XXVII. O que a não acontecer, como sucedeu no caso em apreço, constitui uma inelutável e inquestionável nulidade, a qual expressamente se invoca.
XXVIII. Com efeito, ao invés do que seria natural, expectável e imperioso, a Julgadora de 1.º Instância, de forma iniqua, apenas se limitou a enumerar e explicitar os factos que julgou como provados e como não provados,
XXIX. Não tendo, em momento algum, procedido ao exame critico das provas produzidas e constantes do processo,
XXX. Designadamente e em grave prejuízo da Recorrente, a prova testemunhal produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento.
XXXI. Pois, a sentença constitui uma unidade lógica e é uma soma de segmentos autónomos não sendo por isso válida uma fragmentária menção da fundamentação.
XXXII. A esse propósito, explicita a Recorrente, retoricamente, em que consiste a fundamentação.
XXXIII. Ora, como é bem sabido, toda a norma deve ser interpretada tendo em conta o fim que a justifica e se o fim é também o de permitir a defesa através de Recurso,
XXXIV. Assim, a fundamentação há-de necessariamente conter todos os elementos que permitam o efetivo recurso da decisão proferida em processo penal
XXXV. Daí decorrendo, no que ao caso em apreço diz respeito, que a Julgadora da 1.ª Instância, ao proferir a Sentença recorrida, em vez de se preocupar com os factos descritos e com as reais inferências que esses factos fundamentam, preocupou-se com as abstratas noções de factualidade,
XXXVI. Acabando numa injusta e irrazoável decisão deliberadamente dissociada do real e da axiologia, dos valores, “maxime” do valor da honra, consideração e dignidade do aqui Recorrente como uma prestigiada pessoa humana, e que foi dolosa e criminalmente violado pelo Arguido.
XXXVII. E a aqui Recorrente foi injustiçada pela Sentença recorrida, ao ser condenada pela prática de um crime de injúria.
XXXVIII. Já que, como é bem sabido, na prática do direito não só se deve fazer justiça, mas também se deve ver que se faz justiça.
XXXIX. E aqui, no caso presente, o que se vê a todas as luzes é a injustiça,
XL. A qual V/Exas., Venerandos Juízes Desembargadores com toda a certeza afastarão, fazendo com que se decida que não é razoável, que é injusta, tal condenação.
XLI. Reiterando-se que, essa injustiça decorre, desde logo, da circunstância de na Sentença recorrida, a Julgadora de 1.ª Instância não ter cumprido o que a lei impõe em sede de motivação, máxime quanto ao exame crítico das provas, como consagra o Artigo 374.º n.º 2 do Código de Processo Penal.
XLII. O que, como é amplamente sabido, constitui uma inelutável nulidade,
XLIII. Nulidade essa que a aqui Recorrente expressamente argui e invoca para todos os efeitos legais.
XLIV. Nada dizendo sobre a razão de ciência das testemunhas ouvidas em audiência de discussão e julgamento,
XLV. Olvidando, por completo, a falácia resultante das alegadas mensagens escritas pela Arguida, ora Recorrente, e dirigidas à Assistente.
XLVI. E a análise crítica da prova produzida tem de ser necessariamente realizada em tais termos no caso presente, conduzindo à decisiva e decisória conclusão de que a Arguida não praticou, na pessoa da Assistente, o Crime de Injúria pelo qual vinha acusada,
XLVII. O que revela, de igual modo, que a sentença recorrida deve de todo o modo ser anulada, por manifestamente dissociada da real factualidade, do particular circunstancialismo, que envolve o caso “sub judice”, revelando-se também contraditória, por ofensiva de toda a lógica, de toda a lógica jurídica, de toda a lógica teleológica.
XLVIII. Mas mesmo que se entenda, o que não se concebe, que a Julgadora da 1.ª Instância nela cumpriu formalmente a análise crítica da prova, sempre tal análise é substancialmente incorreta,
XLIX. Limitando-se a ter na mesma, meras considerações genéricas, conducentes a uma violação da justiça material.
L. E, portanto, nessa conformidade, V/Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, sufragando todo estes justos entendimentos anularão, com absoluta certeza, a Sentença recorrida,
LI. No qual num geométrico e puro culto de formalismo a juíza de 1.ª Instância se desligou inteiramente da realidade da vida e do sentido desta decidindo em total violação do Direito e da Justiça o caso “sub judice”.
LII. Já que, no que ao caso em apreço diz respeito, a Julgadora da 1.ª Instância, ao proferir a Sentença recorrida, em vez de se preocupar com os factos discretos e com as reais inferências que esses factos fundamentam, preocupou-se com as abstratas noções de factualidade,
LIII. Acabando numa irrazoável decisão deliberadamente distorcida da real e da axiologia, dos valores,
LIV. Maxime da razoabilidade e da coerência.
LV. O presente recurso funda-se, desde logo, na existência de um erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, uma vez que não resultou demonstrado, com o grau de certeza exigido em processo penal, que tenha sido a arguida a autora da mensagem tida como injuriosa.
LVI. A condenação assenta unicamente na suposição de que a mensagem foi enviada a partir de um número de telemóvel alegadamente associado à arguida, sem que tenha sido produzida prova técnica, pericial ou testemunhal direta que permita concluir, para além de dúvida razoável, que foi efetivamente ela quem redigiu e enviou o conteúdo em causa.
LVII. Ora, como é consabido, no domínio penal vigora o princípio in dubio pro reo e o princípio da presunção de inocência, consagrado nos artigos 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e 6.º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos,
LVIII. Pelo que a mera possibilidade ou probabilidade de autoria nunca poderá fundamentar uma condenação.
LIX. A ausência de perícia informática ou telemática, bem como a total falta de prova direta, tornam a convicção do Tribunal manifestamente insuficiente, violando o princípio da livre apreciação da prova nos termos do artigo 127.º do CPP, quando exercida de forma arbitrária ou sem base objetiva.
LX. Acresce que, não foi apurado quem detinha o equipamento telefónico na data da alegada mensagem, nem foi demonstrado que estivesse na posse exclusiva da arguida, sendo totalmente plausível que outra pessoa tenha tido acesso ao mesmo — realidade comum e facilmente verificável em contextos familiares, informais ou de partilha de dispositivos.
LXI. Por conseguinte, não estando provada, com segurança, a autoria da mensagem, e não podendo operar-se uma presunção desfavorável à arguida num processo penal, impunha-se a sua absolvição por ausência de prova bastante da prática do crime de injúria.
LXII. A condenação da arguida assenta na convicção de que foi esta quem enviou determinada mensagem de conteúdo injurioso, através de telemóvel, dirigida à assistente.
LXIII. Porém, com o devido respeito, tal conclusão não encontra sustentação em prova objetiva ou suficiente, violando os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo.
LXIV. Desde logo, não foi realizada qualquer perícia técnica, informática ou telemática ao equipamento supostamente utilizado, nem se extrai dos autos qualquer relatório de operadora que confirme, com segurança, a titularidade ou o momento de envio da mensagem, o número de origem, a localização do envio, ou a correspondência inequívoca com um dispositivo detido exclusivamente pela arguida.
LXV. Apenas se alude ao facto de a mensagem ter sido enviada a partir de um número alegadamente “associado” à arguida — expressão vaga e juridicamente insuficiente para, por si só, fundar uma condenação penal.
LXVI. A titularidade formal de um número não é equivalente à sua utilização exclusiva, nem comprova quem, efetivamente, redigiu e enviou o conteúdo em causa.
LXVII. Acresce que não ficou provado nos autos que o telemóvel ou o cartão SIM estivessem na posse exclusiva da arguida à data dos factos nem sequer que aquele número corresponde à aqui Arguida, ora Recorrente.
LXVIII. Essa prova era essencial, e a sua ausência abre espaço a diversas possibilidades alternativas, incluindo o uso por terceiros, com ou sem o consentimento da arguida.
LXIX. Em contexto familiar, social ou doméstico, é comum a partilha ou acesso informal a dispositivos móveis, pelo que a simples associação do número a uma pessoa não basta.
LXX. Sem demonstração segura da autoria material da mensagem, não pode haver condenação.
LXXI. Para além disso, o conteúdo da mensagem não contém qualquer expressão identificadora, referência pessoal ou estilo linguístico distintivo que permita relacioná-la de forma credível com a arguida, ora Recorrente.
LXXII. Em bom rigor, não foi feita qualquer comparação com comunicações anteriores, nem produzida prova testemunhal que apontasse nesse sentido.
LXXIII. Note-se que nenhuma testemunha presenciou o envio da mensagem, nem se produziu prova direta sobre os factos.
LXXIV. A autoria foi presumida, num raciocínio dedutivo assente em bases frágeis, e que viola o princípio da livre apreciação da prova nos termos do artigo 127.º do CPP, quando exercida sem base objetiva.
LXXV. Não se pode ainda excluir, em absoluto, a possibilidade de uso indevido do número por terceiros, quer por acesso não autorizado ao equipamento, quer por formas de usurpação digital (clonagem, duplicação de SIM, uso em plataformas online).
LXXVI. Num mundo digital, tais riscos são reais e conhecidos, pelo que a dúvida quanto à autoria deve beneficiar a arguida.
LXXVII. No domínio do direito penal, só pode haver condenação quando a convicção do julgador se assenta em prova segura, objetiva e concludente.
LXXVIII. O grau de certeza exigido é elevado e não pode ceder perante presunções subjetivas ou probabilidades.
LXXIX. Nestes termos, impõe-se concluir que não ficou provado, com o grau de certeza exigido, que a arguida tenha sido a autora da mensagem em causa, devendo a sentença ser revogada, com a sua consequente absolvição, por ausência de prova bastante quanto à prática do crime de injúria.
LXXX. Sendo mais do que evidente a nulidade de que decorre da violação, clara e inequívoca, do preceituado no número 2.º do Artigo 374.º do Código de Processo Penal,
LXXXI. Que resulta da ausência, por parte do Tribunal a Quo, do exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do próprio na elaboração da Sentença recorrida.
LXXXII. E a Sentença recorrida, é, além do mais, a todos os títulos, injusta, pelo que deve ser anulada,
LXXXIII. Como V/Exas., Venerandos Juízes Desembargadores certamente decidirão,
LXXXIV. Pois, tendo na devida consideração tudo o supra exposto, e sendo facto notório que não carece de alegação nem de prova, a existência da nulidade a que alude o n.º 2 do Artigo 374.º do Código de Processo Penal,
LXXXV. Dado que o Tribunal a Quo, não procedeu, como devia, exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do próprio na elaboração da Sentença,
LXXXVI. Dúvidas não restam que deve a Sentença recorrida ser imediatamente anulada,
LXXXVII. Conforme V/Exas., Venerandos Juízes Desembargadores certamente decidirão,
LXXXVIII. Fazendo, só assim, a devida, habitual e sã Justiça Material!
LXXXIX. Sem prescindir, o que apenas por mera cautela académica se admite, ainda se alega que, não foi produzida, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, prova dos factos que inusitada e surpreendentemente o Tribunal a Quo deu como provados na Sentença recorrida.
XC. A ausência de perícia informática ou telemática, bem como a total falta de prova direta, tornam a convicção do Tribunal manifestamente insuficiente, violando o princípio da livre apreciação da prova nos termos do artigo 127.º do CPP, quando exercida de forma arbitrária ou sem base objetiva.
XCI. Acresce que, não foi apurado quem detinha o equipamento telefónico na data da alegada mensagem, nem foi demonstrado que estivesse na posse exclusiva da arguida, sendo totalmente plausível que outra pessoa tenha tido acesso ao mesmo — realidade comum e facilmente verificável em contextos familiares, informais ou de partilha de dispositivos.
XCII. Por conseguinte, não estando provada, com segurança, a autoria da mensagem, e não podendo operar-se uma presunção desfavorável à arguida num processo penal, impunha-se a sua absolvição por ausência de prova bastante da prática do crime de injúria.
XCIII. A condenação da arguida assenta na convicção de que foi esta quem enviou determinada mensagem de conteúdo injurioso, através de telemóvel, dirigida à assistente.
XCIV. Porém, com o devido respeito, tal conclusão não encontra sustentação em prova objetiva ou suficiente, violando os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo.
XCV. Desde logo, não foi realizada qualquer perícia técnica, informática ou telemática ao equipamento supostamente utilizado, nem se extrai dos autos qualquer relatório de operadora que confirme, com segurança, a titularidade ou o momento de envio da mensagem, o número de origem, a localização do envio, ou a correspondência inequívoca com um dispositivo detido exclusivamente pela arguida.
XCVI. Apenas se alude ao facto de a mensagem ter sido enviada a partir de um número alegadamente “associado” à arguida — expressão vaga e juridicamente insuficiente para, por si só, fundar uma condenação penal.
XCVII. A titularidade formal de um número não é equivalente à sua utilização exclusiva, nem comprova quem, efetivamente, redigiu e enviou o conteúdo em causa.
XCVIII. Acresce que não ficou provado nos autos que o telemóvel ou o cartão SIM estivessem na posse exclusiva da arguida à data dos factos nem sequer que aquele número corresponde à aqui Arguida, ora Recorrente.
XCIX. Essa prova era essencial, e a sua ausência abre espaço a diversas possibilidades alternativas, incluindo o uso por terceiros, com ou sem o consentimento da arguida.
C. Em contexto familiar, social ou doméstico, é comum a partilha ou acesso informal a dispositivos móveis, pelo que a simples associação do número a uma pessoa não basta.
CI. Sem demonstração segura da autoria material da mensagem, não pode haver condenação.
CII. Para além disso, o conteúdo da mensagem não contém qualquer expressão identificadora, referência pessoal ou estilo linguístico distintivo que permita relacioná-la de forma credível com a arguida, ora Recorrente.
CIII. Em bom rigor, não foi feita qualquer comparação com comunicações anteriores, nem produzida prova testemunhal que apontasse nesse sentido.
CIV. Note-se que nenhuma testemunha presenciou o envio da mensagem, nem se produziu prova direta sobre os factos.
CV. A autoria foi presumida, num raciocínio dedutivo assente em bases frágeis, e que viola o princípio da livre apreciação da prova nos termos do artigo 127.º do CPP, quando exercida sem base objetiva.
CVI. Não se pode ainda excluir, em absoluto, a possibilidade de uso indevido do número por terceiros, quer por acesso não autorizado ao equipamento, quer por formas de usurpação digital (clonagem, duplicação de SIM, uso em plataformas online).
CVII. Num mundo digital, tais riscos são reais e conhecidos, pelo que a dúvida quanto à autoria deve beneficiar a arguida.
CVIII. No domínio do direito penal, só pode haver condenação quando a convicção do julgador se assenta em prova segura, objetiva e concludente.
CIX. O grau de certeza exigido é elevado e não pode ceder perante presunções subjetivas ou probabilidades.
CX. Tudo isto a significar que todos os testemunhos referidos na Sentença recorrida não podem, de forma alguma, constituir qualquer fundamento válido no sentido de serem considerados como factos provados os factos que assim foram erroneamente catalogados pela Sentença recorrida.
CXI. Pelo que, tem-se de dar como não provados tais factos, como V/Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, com toda a certeza, decidirão,
CXII. Pelo que, não se podia, nem pode, como erroneamente fez o Tribunal a Quo, ter dado como provado, como foi, os factos constantes dos pontos 6), 7), 8) e 9) da Sentença Recorrida,
CXIII. Motivo pelo qual, V/Exas., Venerandos Juízes Desembargadores tem de julgar como provados os factos que a decisão recorrida deu como provados quanto a esta matéria,
CXIV. Já que, de toda a prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, ficou claro, a todas as luzes, que a Arguida, ora Recorrente, não praticou o crime de injúria em que foi condenada,
CXV. Pelo que se impunha que o Tribunal a Quo tivesse absolvida a Arguido pela prática, em autoria material, do crime pelo qual vinha acusada,
CXVI. Sem prescindir, o que apenas por mera cautela académica se admite, ainda se alega que a Recorrente discorda, inteiramente, da medida concreta da pena que lhe foi aplicada,
CXVII. Porquanto, em boa verdade, a conduta da Arguida, a considerar-se que tenha ocorrido, o que veemente se rejeita, embora possa ser subsumível ao tipo legal de injúria, ocorreu num ambiente de tensão relacional entre as partes, motivado por divergências pessoais pré-existentes, tendo-se tratado de uma manifestação pontual e verbal, sem recurso a qualquer forma de coação, ameaça ou violência.
CXVIII. Não está em causa uma campanha persistente de ofensas nem uma exposição pública massiva da pessoa visada,
CXIX. Mas sim declarações isoladas, proferidas num momento de exaltação emocional e sem consequências materiais graves, tendo o episódio ficado circunscrito a um círculo restrito.
CXX. A arguida não tem antecedentes criminais e é socialmente integrada, tendo cooperado com o tribunal no decurso do processo, revelando atitude colaborante e respeitadora.
CXXI. À data dos factos, não apresentava qualquer intenção de causar um dano profundo ou prolongado à demandante, sendo a sua conduta mais adequada a uma censura ética do que propriamente a uma resposta penal severa.
CXXII. Todas estas circunstâncias, que deveriam ter sido devidamente ponderadas pelo tribunal recorrido, atestam que os factos apresentam um grau de ilicitude reduzido e uma intensidade de culpa diminuta, sendo o episódio mais próximo de um desentendimento verbal do que de uma conduta penalmente reprovável de modo acentuado.
CXXIII. A Arguida, ora Recorrente, proferiu as expressões em causa num contexto de conflito interpessoal, sem premeditação nem qualquer plano para atingir ou expor publicamente a demandante.
CXXIV. A atuação foi impulsiva, emocional, momentânea, sem preparação, nem repetição, o que afasta qualquer ideia de dolo intenso ou de desígnio particularmente censurável.
CXXV. Também não resulta dos autos que a Recorrente tenha insistido, reiterado ou publicamente amplificado as ofensas, ou que tenha procurado causar danos duradouros na reputação ou no bem-estar da demandante.
CXXVI. A expressão da ofensa foi limitada, com reduzido alcance e impacto social, o que reduz significativamente o grau de ilicitude do comportamento.
CXXVII. Além disso, a Arguida, ora Recorrente, manteve, durante todo o processo, uma postura de respeito institucional, apresentou-se sempre que notificada, respondeu aos factos que lhe foram imputados e não criou qualquer embaraço ao normal andamento do processo.
CXXVIII. Estes elementos devem ser considerados como atenuantes do seu comportamento e relevam para efeitos de medida da sanção penal e cível.
CXXIX. Não pode também deixar de se referir que, no âmbito das relações humanas e sociais, situações de conflito verbal são infelizmente comuns, e não devem ser automaticamente objeto de repressão penal pesada, sob pena de o direito penal ser transformado em instrumento desproporcional para regular litígios menores de foro essencialmente pessoal.
CXXX. Reforça-se, pois, que os factos, embora tipificados como crime de injúria, ocorrem num quadro de menor gravidade, que não justifica a aplicação de sanções com impacto económico elevado, tanto mais quando a arguida não beneficia de especiais recursos financeiros.
CXXXI. Face a todo o enquadramento factual e pessoal já descrito, não pode deixar de causar perplexidade a severidade da reação penal concretamente aplicada.
CXXXII. A sanção imposta — tanto na sua vertente penal— revela um claro desajuste entre os factos apurados e a resposta judicial, impondo-se uma análise crítica da medida da pena aplicada, à luz dos princípios da proporcionalidade, da culpa e da necessidade da intervenção penal.
CXXXIII. Quanto à medida da pena aplicada, a decisão recorrida padece de evidente excesso, violando os princípios fundamentais da proporcionalidade e da culpa, que norteiam o direito penal.
CXXXIV. Nos termos do artigo 71.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, a pena deve ser determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, considerando-se todas as circunstâncias que, não integrando o tipo de crime, depuserem a seu favor ou contra ele.
CXXXV. No caso vertente, não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha feito a devida ponderação desses elementos, limitando-se a aplicar, de forma automática, uma pena pecuniária de 25€ por 90 dias (Noventa), sem justificar concretamente a necessidade ou proporcionalidade de tal montante, tendo em conta a gravidade objetiva do facto e as circunstâncias subjetivas da arguida.
CXXXVI. O crime em causa — injúria — insere-se no catálogo de ilícitos de menor gravidade, sem recurso a violência ou ameaça, e cuja natureza, por definição, apela a uma resposta penal mínima, sob pena de se deturpar a função do direito penal como ultima ratio.
CXXXVII. Assim, a intervenção penal deve ser reservada a situações de manifesta necessidade, sob pena de violação do princípio da intervenção mínima consagrado constitucionalmente.
CXXXVIII. Para além disso, importa recordar que a culpa funciona, simultaneamente, como fundamento e limite da pena – nulla poena sine culpa – sendo que qualquer sanção que ultrapasse o grau de censura pessoal do agente configura uma reação penal desproporcional e ilegítima.
CXXXIX. Como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.10.2000 (Proc. n.º 2528/00), "a culpa jurídico-penal traduz-se num juízo de censura que funciona, a um tempo, como um fundamento e um limite inultrapassável da medida da pena".
CXL. No caso concreto, não se vislumbra qualquer fundamentação que justifique a imposição de uma pena pecuniária no valor total de 2.250.00€ (dois mil, duzentos e cinquenta euros), valor que é manifestamente desproporcionado para um crime de expressão (injúria), praticado sem consequências materiais objetivas e sem reincidência.
CXLI. A arguida, ademais, beneficia de bom enquadramento social e, ao tempo dos factos, não apresentava antecedentes criminais.
CXLII. A medida da pena, para ser legítima, tem de corresponder a uma resposta necessária e adequada aos fins de prevenção geral e especial, sem que se converta em uma penalização desmesurada e com efeitos práticos equivalentes a uma sanção excessivamente punitiva, de cariz retributivo, incompatível com o nosso ordenamento jurídico.
CXLIII. Por fim, cumpre lembrar que qualquer sanção penal deve respeitar os princípios da proporcionalidade e adequação.
CXLIV. No presente caso, a indemnização fixada de 2.500.00€, para além de não ter sido devidamente fundamentada, representa um valor claramente excessivo face ao contexto factual do ilícito.
CXLV. Nestes termos, e por violação dos artigos 40.º, 71.º e 75.º do Código Penal, bem como do princípio constitucional da culpa e da proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2 da CRP), deverá ser revogada a decisão recorrida quanto à medida da pena e com a consequente reapreciação da sua adequação,
CXLVI. Conforme V/Exas., Venerandos Juízes Desembargadores certamente decidirão,
CXLVII. Fazendo, só assim, a devida, habitual e sã Justiça Material!
CXLVIII. No que respeita à indemnização civil fixada em sede de sentença, impõe-se também a sua reavaliação, porquanto a quantia arbitrada a título de danos não patrimoniais — 2.500.00€ — mostra-se desproporcional face aos factos provados, e carece de fundamentação adequada, conforme exige o artigo 563.º do Código Civil e o artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
CXLIX. Nos termos do artigo 483.º e seguintes do Código Civil, o reconhecimento do direito à indemnização exige a demonstração clara de uma lesão, da sua gravidade e da ligação causal direta entre a conduta ilícita e os danos alegados.
CL. No presente caso, o Tribunal limitou-se a fixar o montante indemnizatório sem explicitar, de forma clara, quais os concretos prejuízos não patrimoniais sofridos pela demandante, em que medida foram sentidos, por quanto tempo, ou que repercussões tiveram na sua vida pessoal, profissional ou social.
CLI. O valor fixado parece antes refletir um juízo de censura penal da conduta da arguida do que uma verdadeira reparação civil pelos danos efetivamente sofridos, o que subverte a natureza própria da indemnização civil no processo penal — a qual deve ser compensatória e não punitiva.
CLII. Acresce que, tendo sido reconhecidos danos patrimoniais de apenas 60€, sem demonstração de gastos médicos, baixa laboral, ou qualquer tipo de incapacidade, não se compreende como se arbitra, sem justificação, um valor de 2,500,00€ para compensar meros danos de foro anímico ou subjetivo, cuja extensão e intensidade não foram apuradas com rigor.
CLIII. A alegação de danos não patrimoniais, por sua vez, não foi acompanhada de prova robusta que evidenciasse sofrimento de intensidade significativa ou qualquer perturbação séria da vida pessoal, social ou profissional da ofendida.
CLIV. Reforça-se que não foi produzida prova que sustentasse objetivamente o sofrimento da assistente para além do desconforto natural decorrente do episódio, nem se demonstrou qualquer consequência duradoura ou agravamento do seu estado emocional ou social.
CLV. Numa lógica de equidade, nos termos do artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil, a compensação atribuída deve respeitar critérios de razoabilidade e proporcionalidade, o que não se verifica no caso em apreço.
CLVI. Revelando-se extremamente excessiva e desproporcional.
CLVII. Pelo que, a manter-se o reconhecimento de um direito indemnizatório, deve o valor ser reduzido a um montante mais consentâneo com a realidade dos factos, os meios de prova constantes dos autos, e o grau de gravidade da conduta da arguida — uma injúria verbal isolada, sem difusão pública, nem efeitos psicológicos comprovados.
CLVIII. Nestes termos, e conforme V/Exas., Venerandos Juízes Desembargadores certamente decidirão, a Sentença recorrida deve ser revogada, determinando-se a reponderação da medida da pena e da indemnização civil arbitrada, em conformidade com os princípios da culpa, da proporcionalidade, da intervenção mínima e da adequada fundamentação.
CLIX. Conforme V/Exas., Venerandos Juízes Desembargadores certamente decidirão,
CLX. Fazendo, só assim, a devida, habitual e sã Justiça Material!
3.
Veio a ser proferido em .../.../2025 o seguinte despacho de admissão do recurso:
A arguida ora requerente tem legitimidade processual, o requerimento em apreço é tempestivo, a decisão judicial ora posta em crise admite recurso, pelo que admito o recurso interposto da sentença judicial depositada em ........2025, o qual é para a Relação, subindo em imediato e nos próprios autos, tendo efeito suspensivo, nos termos do disposto nos art.os 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 2, alínea a), 408.º, n.º 1 alínea a), e 427.º, do diploma legal supracitado.
4.
O Ministério Público veio apresentar resposta ao recurso, em .../.../2025, dela se extraindo as seguintes conclusões (transcrição).
1. Nos presentes autos, foi a arguida AA condenada, pela prática de 1 (um) crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 25,00 € (vinte e cinco euros);
2. Inconformada, a arguida recorreu da sentença proferida, impugnando a matéria de facto, por entender que que a Mmª Juíza do Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento, por terem sido indevidamente dados como provados os factos constantes nos pontos 6., 7., 8. e 9., alegando no essencial, que não foi apurado “quem detinha o equipamento telefónico na data da alegada mensagem”, bem como não foi efectuada “qualquer perícia” de onde se pudesse retirar “a titularidade” do aparelho telefónico, de onde foram remetidas à assistente as mensagens em causa nos autos e que face a tal, deveria o Tribunal a quo ter aplicado o princípio basilar “in dúbio pro reo” e consequentemente, absolver a mesma;
3. Contudo, não assiste qualquer razão à arguida, pois decorre da documentação junta aos autos, conjugada com as declarações prestadas pela assistente e demais prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, que a arguida, ora recorrente, praticou os factos em que foi condenada;
4. Deste modo, nenhuma razão assiste à recorrente, ao impugnar a matéria de facto dada como provada, quando a mesma pretende atacar a convicção do tribunal, mas apenas porque difere daquela que ela própria formou, uma vez que se constata que a decisão recorrida se mostra lógica, coerente e conforme às regras de experiência comum e é fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no art.º 127º do Código de Processo Penal;
5. Verifica-se assim que o Tribunal a quo não julgou incorrectamente os factos, porquanto, em relação aos mesmos, foi produzida, sem margem para qualquer dúvida, prova suficiente e bastante, de que a arguida, ora recorrente, praticou todos os factos por que foi condenada;
6. Inexistindo igualmente, qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova, pois a prova foi apreciada em obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica;
7. Não tendo restado dúvida que a arguida praticou os factos, atenta a prova produzida, uma vez que, da prova produzida nos autos, forçoso é conclui que a arguida praticou o crime de que vinha acusada, não tem qualquer cabimento a aplicação do princípio do “in dubio pro reo”, o qual apenas tem lugar quando existe uma dúvida insanável e ultrapassável;
8. Nenhuma censura merece a matéria de facto julgada provada e não provada, face à inexistência dos invocados vícios da sentença, nomeadamente, do aludido na alínea c), do art.º 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, uma vez que da simples leitura da sentença recorrida, verifica-se que a mesma não enferma do vício de erro notório na apreciação da prova, o qual, para ocorrer, deve resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações prestadas ou documentos juntos, ou a própria interpretação sobre tais elementos probatórios;
9. Verifica-se assim que a decisão recorrida é material e formalmente correcta, devendo merecer inteira confirmação pois não enferma de qualquer vício, deficiência, obscuridade ou contradição;
10. O enquadramento jurídico-penal, tendo em conta os factos dados como provados, mostra-se correcto e as penas aplicadas revelam-se bem doseadas, atendendo ao ilícito criminal em causa, aos bens jurídicos tutelados, à personalidade da arguida e seus antecedentes, e às necessidades de prevenção, geral e especial, que o caso reclama;
11. Atento tudo o que se deixou exposto é nosso entendimento que a douta sentença ora recorrida não violou as disposições legais invocadas pela recorrente ou quaisquer outras, mostrando-se devidamente fundamentada, justa e adequada, pelo que não merece assim a douta sentença recorrida, qualquer reparo, dado que a Mmª Juíza do Tribunal a quo, efectuou uma correcta apreciação e valoração da prova produzida, decidindo em conformidade, como é de lei e de justiça, pelo que não foi violado qualquer preceito legal.
Face ao exposto, não podemos, assim, concordar com as teses defendidas pela recorrente, dado que, a douta sentença recorrida não merece qualquer reparo, pelo que deve a mesma ser mantida, integralmente, negando-se provimento ao recurso interposto.
Porém, Vossas Excelências decidirão, como sempre, como for de lei e de JUSTIÇA
5.
Remetidos os autos a este Tribunal, nos termos e para os efeitos no art.º 416º do C.P.P., foram os autos com vista à Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, que formulou, o seguinte Parecer:
- Artigo 416.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (C.P.P.)
II. Compulsada a matéria em análise entendemos que à arguida/recorrente não assiste qualquer razão. O Ministério Público respondeu ao recurso, equacionando de forma bem estruturada e completa a matéria a resolver nesta lide, defendendo a manutenção da decisão recorrida, em termos de facto e de direito que, pelo rigor e propriedade, suscitam a mais completa adesão.
III. Assim, acompanhando os fundamentos da resposta do Ministério Público, emite-se parecer consonante, no sentido de que o recurso em apreço deve ser julgado improcedente, e, como consequência, confirmada a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo. Mas a final, não obstante, melhor se dirá.
*
No exame preliminar foi considerado que o objecto do recurso interposto deveria ser conhecido em conferência.
*
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência a que alude o artigo 419º do Código de Processo Penal, cumpre decidir.
II-DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:
Questões a decidir no recurso:
Constitui jurisprudência e doutrina assente que o objecto do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal de recurso, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 417º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP1, os quais devem resultar directamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito), ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP).2
Na Doutrina, por todos, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Volume II, 5.ª Edição atualizada, pág. 590, “As conclusões do recorrente delimitam o âmbito do poder de cognição do tribunal de recurso. Nelas o recorrente condensa os motivos da sua discordância com a decisão recorrida e com elas o recorrente fixa o objecto da discussão no tribunal de recurso… A delimitação do âmbito do recurso pelo recorrente não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente das nulidades insanáveis que afetem o recorrente… não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente dos vícios do artigo 410.º, n.º2 que afetem o recorrente…”
Estruturalmente o recurso pode ter como fundamentos concretos:
i. Questões processuais, traduzidas em nulidades ou irregularidades do processado ou nulidades ou irregularidades da sentença (art.os 379.º e 410.º, n.º3, do CPP).
ii. Questões formais que dizem respeito à patologia da sentença, traduzida em erros endógenos da sentença, resultantes sem mais da leitura da sentença, sem elementos exteriores a ela, os designados vícios da sentença-Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação, a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão ou erro notório na apreciação da prova (art.º 410.º, n.º2, do CPP) ou vício da falta de fundamentação e exame crítico da prova (art.º 374.º, n.º2, do CPP) e
iii. Questões materiais, traduzidas em erro de julgamento em matéria de facto ou erros de julgamento em matéria de direito (art.º 412.º, n.ºs 2 e 3 do CPP).
(neste sentido Fernando Gama Lobo, Código de Processo Penal Anotado, 4.ª Edição, Almedina pág. 947).
Em conformidade, atentas as conclusões formuladas pela recorrente e a resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público, as questões a decidir no presente recurso, por ordem de precedência logico-jurídica, são as seguintes:
i) Da nulidade da sentença por falta de fundamentação e de exame crítico da prova, nos termos conjugados do disposto nos arts.º 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a) do C.P.P. .
ii) Da impugnação da decisão quanto à matéria de facto/erro de julgamento, em particular, quanto aos factos provados 6 a 9.
iii) Da (in) verificação de vícios a que alude o art.º 410.º, n.º2, do CPP, e especial erro notório na apreciação da prova, por violação do princípio da livre apreciação da prova e da presunção de inocência e in dubio pro reo.
iv)Da medida da pena aplicada.
v) Da (in) verificação dos pressupostos da responsabilidade civil no que respeita ao pedido cível em especial quanto ao dano e ao valor do montante fixado a título de indemnização.
III -FUNDAMENTAÇÃO
Factos relevantes para apreciação das questões objecto do recurso:
III.1. O Tribunal recorrido deu como provados e não provados, na sentença condenatória, os seguintes factos de acordo com a seguinte Motivação de facto:
FUNDAMENTAÇÃO
II.1FACTOS PROVADOS
II.1.1 Da Acusação
1. A assistente casou com CC a ........1998.
2. Desse casamento nasceram 3 filhos, um dos quais ainda menor, o DD.
3. Este casamento foi dissolvido por divórcio, a ........2018.
4. A arguida casou com CC a ........2022.
5. A assistente e CC trocaram alguns emails, em ..., a propósito da escolha da escola do filho em comum, EE, entre os quais os seguintes:
a) No dia ........2023, pelas 19:27 a assistente enviou a CC email com o seguinte teor:
Boa tarde,
Realmente ou não me fiz entender, ou não entendeu o que na realidade se passa. Vamos por partes. O FF AINDA NÃO ESTÁ SEQUER COLOCADO EM NENHUMA ESCOLA, encontra-se em lista de espera para uma escola na rede do concelho. A vontade da criança é continuar com os seus colegas e num ambiente q para ele lhe é familiar. O FF já era e ficou ainda mais introvertido, como se lembra teve de ser seguido por uma psicóloga. Assim sendo, acho que a opinião dele é muito importante para a sua estabilidade, obviamente pensando no seu futuro.
Para mim, obviamente que a continuação do FF num privado é um encargo que para mim também não era a melhor opção.
Além de que, não nos podemos esquecer que devido ao calendário das escolas públicas (de férias fecha a ... e regressam a ..., mais dia menos dia, natal e Páscoa) também teremos de o colocar num ATL (q tem custos), além das imensas interrupções q fazem devido a greves. A estabilidade do meu filho é o mais importante e visto estar numa fase de entrada na pré-adolescência será importante pensarmos no que será o melhor para ele neste momento.
Por ele e só por ele agradeço que haja SENSIBILIDADE sobre este assunto.
b) O email descrito em a) foi respondido a ........2023, pelas 21:18, da seguinte forma:
Boa tarde
Este é um assunto encerrado para mim. (…) Levas a vida a fazer 4 coisas. Pedir-me dinheiro. Pôr-me processos. Acusar-me de mau pai. Tentar denegrir-me através das pés-descalças das tuas amigas, até na ..., uma vergonha para os nossos filhos ver o nome do pai arrastado pela lama pela própria mãe que nunca teve onde cair morta. (estou aliás ansioso que cometas outra dessas imprudências, para ser eu a sacar-te dinheiro, para variar) Pois bem. Dei-te milhões, merecias zero, a sarjeta. (…).
c) No dia ........2023, pelas 14:29, a assistente responde da seguinte forma:
Boa tarde!
Este e-mail irá ser respondido pelo meu advogado. Passaste dos limites. Sinto me altamente ofendida! No entanto , relembro, que a sarjeta é a mesma com quem tu vinhas te deitar nos hotéis em Lisboa depois do canal 11 já estando a viver com a tua atual mulher.
6. Na sequência deste último e-mail, perto das 16H00, a arguida enviou à assistente, através do número de telemóvel ..., as seguintes mensagens:
"Estimada BB,
Mesmo sabendo de todas as suas limitações intelectuais, de saber que é uma mulher de proveniência de baixa renda, de aparência duvidosa, feia, oportunista e sem qualquer atributo, espero que não seja burra suficiente para fazer acusações sem provas ao meu marido. Porque nesse caso, que terá de lhe colocar um, ou vários processos e a obrigar a deslocar-se a território hostil serei eu. (…). Caso contrário vá chatear a grande puta que a pariu e vá trabalhar a servir bifes ou limpar latrinas que não lhe vejo outra serventia. Espero que ele a tenha fodido bem fodida, porque vc a não ser puta realmente…Não sei para que mais dá.
Sou uma pessoa liberal. Esta dou-lhe de graça. Se ele a fodeu, só espero que lhe tenha rebentado bem esse cu. E tenho pena que as suas filhas não tenhas estado lá num trio, e eu a ver.
Gosto dessas coisas. E de outras mais.
Pare é de mandar emails e vá dormir com o seu filho agarrado a esse par de mamas para continuar a ser o anormal que é OK? Burra do caralho Pobretanas Pé descalça Nem escrever sabe (…) Mãe de merda Cona esgaçada.
Estávamos mesmo à espera q escorregasses no anzol puta do caralho. E tu és tão burra que foste logo laçaca Vaca Chula Bebeda Vai mas é educar os teus filhos Que tens uma ladra em casa E um bando de anormais à volt (…)
Sua puta do caralho Merdosa Tem vergonha na puta da cara E vai ser mãe Em vez de andares a foder a cabeça dos outros Putefia Nunca saíste do caralho do bairro onde nasceste puta
Agora vais ao juiz provar o que dizes. É lá que vou ter o desprazer De olhar para essa cara de vaca De puta barata De pobre De burra Ordinária E chula E agora vou beber um champagne Para comemorar”
7. O número de telemóvel ... é da arguida.
8. Com o seu comportamento, a arguida ofendeu a assistente, dirigindo-lhe palavras que atentam contra a sua honra e consideração.
9. A arguida agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei, tendo agido com intenção de ofender a assistente na sua honra e consideração.
*
II.1.2 Do Pedido de Indemnização Civil
10. Por causa dos factos descritos em 6. a assistente sentiu-se profundamente ofendida, angustiada, triste, vexada e ferida na sua dignidade.
11. Nos dias seguintes, ficou debilitada psicologicamente, sem condições de trabalhar, faltando ao trabalho, deixou de praticar desporto, de conviver com família e amigos.
12. Por causa dos factos descritos em 6. a assistente recorreu aos serviços de psicologia da Dr.ª GG, no intuito de voltar à sua rotina habitual, tendo ido a uma consulta a ........2023, que teve um custo de € 60,00.
13. No dia ........2024, a assistente foi a uma consulta de psicologia com a Dr.ª GG, a qual teve um custo de € 50,00.
*
II.1.3 Das condições pessoais e de vida da assistente
14. A assistente tem registo na segurança social como trabalhadora da ..., com uma remuneração mensal de € 1052,34.
15. Mora sozinha com os 3 filhos, sendo 2 ainda dependentes, em casa arrendada pela qual paga € 350,00 mensais de renda.
16. Aos filhos mais novos da assistente é paga uma pensão de alimentos de € 500,00 a cada um, pelo respectivo progenitor.
*
II.1.4 Das condições pessoais e de vida da arguida
17. A arguida tem registo na segurança social como trabalhadora da ... ..., com uma remuneração mensal de € 2783,00.
18. Não tem registos criminais averbados.
***
II.2FACTOS NÃO PROVADOS
II.2.1 da Acusação Particular
Inexistem.
*
II.2.2 Do Pedido de Indemnização Civil
A. Por causa dos factos descritos em 6. a assistente ficou com medo de sair à rua por temer a sua própria segurança e integridade.
B. Nos dias seguintes a assistente só saia de casa para ir levar e buscar o filho ao colégio.
C. Por causa dos factos descritos em 6. a assistente foi à consulta descrita em 13..
***
II.3 CONVICÇÃO DO TRIBUNAL
Para formar a nossa convicção sobre a matéria de facto provada e não provada baseámo-nos na análise ponderada e crítica do conjunto da prova produzida, em ordem à reconstituição da dinâmica do acontecido. Mais nos baseámos no princípio da livre apreciação da prova ínsito no art. 127.º do Código Processo Penal, o qual preceitua “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Como é sabido, a livre apreciação da prova de modo algum se confunde com a apreciação arbitrária ou com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos vários meios de prova. “A prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
Dentro destes pressupostos se deve portanto colocar o julgador ao apreciar livremente a prova”. Vejam-se, nesta orientação Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado e Comentado, III, 246; Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, II, 288; entre outros.
Vejamos.
Factos Provados
Os factos descritos em 1. e 3. decorrem da análise do assento de nascimento da assistente, junto a fls. 100, que de tais factos faz prova plena.
Para prova dos factos descritos em 2., atendeu-se ao depoimento da assistente, que os confirmou, em conjugação com a análise do acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais dos filhos da assistente e de CC, anexo à acta da conferência do divórcio, de ........2018, junto da Conservatória do Registo Civil de … (cfr. fls. 48 e ss.).
Os factos descritos em 4. decorrem da análise do assento de nascimento da arguida, junto a fls. 96, que de tais factos faz prova plena.
Da análise crítica e ponderada da informação junta aos autos pela ... a fls. 62 (onde se informa que o n.º ... é da arguida), em conjugação com a análise do convite de casamento junto aos autos a fls. 154 (onde vem identificado o número da arguida), se concluiu como em 7. dos factos provados.
A prova dos factos descritos em 5. e 6., decorre, em primeiro lugar, da análise crítica e ponderada dos documentos juntos autos, quer dos emails trocados e juntos a fls. 117 a 123, quer das mensagens recebidas e juntas a fls. 124 a 133, cujo teor se transcreveu.
Relativamente aos emails trocados, quer pela análise dos endereços de email, quer pela análise do seu conteúdo (onde se fala essencialmente da escola que o menor EE irá frequentar), o Tribunal não teve dúvidas que os mesmos foram trocados entre a assistente e o seu ex-marido CC.
No que diz respeito às mensagens recebidas no telemóvel da assistente, o Tribunal também não teve dúvidas de que as mesmas foram enviadas pela aqui arguida e na sequência do email referido em 5., alínea c) dos factos provados, não obstante a arguida ter feito uso do seu direito ao silêncio e a amiga da arguida, HH, ter referido que CC lhe disse que as mensagens tinham sido por si enviadas e não pela arguida.
Esta testemunha referiu que foi chamada a casa do casal para ajudar num conflito.
Aí foi-lhe transmitido que na sequência de um email enviado pela aqui assistente a CC, este terá pegado no telefone da arguida e terá enviado à assistente as mensagens objecto dos presentes.
Não demos credibilidade à versão dos factos apresentada por esta testemunha, por se encontrar em contradição com a demais prova produzida e com o normal acontecer.
Primeiro, as mensagens foram envidas do telemóvel da arguida (cfr. factos descritos em 7.), que é um objecto pessoal.
Depois, da análise do conteúdo das mensagens se percebe que as mesmas foram enviadas à assistente com o intuito que a mesma soubesse quem era o seu remetente (a aqui arguida), aí se utilizando expressões como “ao meu marido”.
Da leitura das mensagens se conclui que foram enviadas pela mulher de CC, aqui arguida.
As mesmas foram enviadas na sequência do email enviado pela assistente ao seu ex-marido, onde refere que os mesmos dormiram juntos mesmo depois de este se encontrar a morar com a arguida.
Em resposta a esse email a arguida escreve “Se ele a fodeu, só espero que lhe tenha rebentado bem esse cu. E tenho pena que as suas filhas não tenhas estado lé num trio e eu a ver.” Por muito mau que seja o relacionamento entre a assistente e o seu exmarido, e até mesmo entre CC e as suas filhas, não equacionamos que um pai se refira às filhas desta maneira, ainda que fazendo-se passar pela arguida, como a testemunha HH insinuou ter ocorrido.
Donde concluímos que as mensagens foram enviadas pela arguida e não pelo seu marido fazendo-se passar por si.
Acresce ainda o facto de a assistente ter esclarecido que a comunicação que tem com o seu ex-marido faz-se sempre por email, pelo que não se via por que motivo, apenas desta vez, CC tivesse optado por enviar mensagens através do telemóvel, do telemóvel da arguida e, mais, fazendo-se passar por ela.
E não infirma esta conclusão o facto de algumas expressões utilizadas pela arguida nas mensagens enviadas serem também expressões que o próprio CC utiliza nos seus emails, como, por exemplo, “pés descalços”, uma que é até natural que, sendo a arguida e CC um casal, tenham adoptado formas semelhantes de se referirem a determinadas realidades.
Atendendo ao teor das mensagens, também não restam dúvidas que a intenção da arguida foi a de achincalhar a assistente, atingindo-a na sua honra e dignidade pessoal, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, o que não poderia ignorar, atendendo até à sua escolaridade e ao contexto social e profissional onde se insere, o que motivou que se dessem como provados os factos descritos em 8. e 9..
No que às consequências para a assistente (factos descritos de 10. a 13. dos factos provados) da conduta da arguida diz respeito, o Tribunal considerou o depoimento da assistente, que se mostrou atingida relativamente ao teor das mensagens enviadas pela arguida, esclarecendo como se sentiu em consequência das mesmas e do impacto que isso teve na sua vida.
O depoimento da assistente foi ainda corroborado pelo depoimento do seu namorado, II, que é também seu empregador, o qual depôs com conhecimento directo dos factos por que depôs, uma vez que está todos os dias com a assistente, que mais não seja no seu local de trabalho e pela sua amiga JJ, que acompanhou a assistente ao longo deste processo todo, desde o momento em que a assistente recebeu as mensagens no seu telemóvel, encaminhando as para o seu telemóvel de seguida.
A prova dos factos descritos em 12. e 13. advém, ainda, da análise crítica e ponderada dos recibos juntos a fls. 155 e 156 e da declaração de acompanhamento psicológico junto a fls. 157.
Da análise do recibo junto a fls. 155 e da declaração médica de fls. 157 foi possível concluir que os factos objecto destes autos tiveram impacto na saúde mental da assistente, levando-a a procurar ajuda, dias depois, junto de um psicólogo.
Quanto às condições socioeconómicas da assistente (factos descritos em 14. A 16.), o Tribunal também teve em consideração o teor do depoimento da assistente, inexistindo nos presentes autos qualquer indício de que não corresponda à verdade, em conjugação com a análise do resultado da pesquisa realizada à base de dados da Segurança Social e junta aos autos a ........2025.
Relativamente às condições socioeconómicas da arguida (factos descritos em 17.), o Tribunal valorou o resultado da pesquisa realizada à base de dados da Segurança Social e junta aos autos a ........2025.
Relativamente à ausência de registos criminais averbados (facto descrito em 18.), o Tribunal teve em consideração o teor do certificado do registo criminal junto aos autos a fl. 176, e cujo teor atesta esse mesmo facto.
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Factos Não Provados
Relativamente aos factos não provados, os mesmos decorrem da ausência de produção de prova concludente da sua verificação.
Não se fez prova que os factos descritos em A. e B. tivessem ocorrido, até porque, tendo os factos ocorrido no mês de ..., dificilmente o filho da assistente frequentaria o colégio naquela altura. Relativamente aos factos descritos em C., os mesmos deram-se como não provados porque a consulta de psicologia teve lugar mais de um ano depois dos factos terem ocorrido e, por outro lado, porque no relatório elaborado pela Sr.ª Psicóloga que acompanhou a assistente, se faz referência a vários conflitos entre o ex-casal e entre a arguida e assistente, que não apenas o que é objeto dos presentes autos.
III.2- O Tribunal recorrido fundamentou de direito a responsabilidade criminal da seguinte forma:
II.4 DA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS
II.4.1 Do Crime
A primeira tarefa que se impõe passa por determinar se a conduta descrita e imputada à arguida, e agora dada como provada, coincide com a descrição jurídico-penal legalmente prevista, de modo a que a arguida possa ser responsabilizada pela sua infracção. Para tanto, dever-se-ão ter em conta os respectivos normativos, aos quais está subjacente a tutela de um determinado bem jurídico. Como afirma MUÑOZ CONDE, in Teoria General del Delito” (1984), pág. 9, “a norma jurídico-penal pretende a regulação de condutas humanas e tem por base a conduta humana que pretende regular”, acrescentando ainda que “a norma selecciona uma parte que valora negativamente e que comina com uma pena”.
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A arguida vem acusada de ter praticado um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, com a agravação do artigo 183.º, n.º 1, alíneas a) e b). A este respeito dispõe o artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal, que “Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra e consideração, é punido com pena de prisão até três meses ou com pena de multa até 120 dias”.
Determina o artigo 182.º, do Código Penal, que: “À difamação e à injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.” Por fim, estabelece o artigo 183.º, do Código Penal que: “1 - Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180.º, 181.º e 182.º:
a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou,
b) Tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação; as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.” Ora, os conceitos de honra e consideração têm um conteúdo de consenso generalizado quer na doutrina, quer na jurisprudência.
Desta forma, à honra, enquanto bem jurídico complexo, tem sido assinalada uma dimensão interna, fundada no valor pessoal ou interior de cada pessoa, atenta a sua dignidade enquanto pessoa, e uma dimensão externa, fundada na reputação ou consideração exterior, sendo, por isso, um bem jurídico complexo. A honra interior consiste “na opinião de uma pessoa sobre o seu próprio valor” – vide Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal – Uma Perspectiva Jurídico-Criminal, 1996, pág. 79. Trata-se, pois, de um sentimento de estima pessoal, obtido por processos de auto-reconhecimento e de auto-avaliação.
Já a honra exterior consiste na reputação ou no bom-nome ou “na representação que os outros têm sobre o valor de uma pessoa” (Costa Andrade, ob. cit., pág. 79).
A honra mais não é do que a fundada pretensão de respeito a que todas as pessoas têm direito, em nome da dignidade humana, pelo que é inelástica, ou seja, não varia de pessoa para pessoa, pois todos têm direito à honra. A honra é uma das projecções da dignidade humana, sendo, por isso, penalmente protegida.
No entanto, este conceito de honra pode ser muito vasto, pelo que o legislador delimitou o conceito introduzindo a consideração, que mais não é que o merecimento que o indivíduo tem no meio social e que leva os outros a tributarem-lhe estima, boa reputação e respeito. Desta forma, temos o núcleo duro da honra (ex: carácter, lealdade, rectidão), que é absolutamente inelástico e, a partir daqui, é necessário fazer apelo à consideração que a pessoa merece no meio onde vive (ex: bom nome, estima, reputação), ou seja, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão.
Por seu lado, a injúria, enquanto expressão puramente afectiva e quase sempre espontânea da vontade de poder do sujeito, é acto verbal (ou atitude) atirado à cara do interlocutor, a quem se nega qualquer valor, que é desprezado e desdenhado.
São inúmeros os modos como pode cometer-se o crime.
Para além da ofensa verbal, onde as palavras têm um inequívoco significado ofensivo da consideração (ladrão, gatuno, cornudo, puta, filho de puta), o crime pode cometer-se metendo a ridículo o ofendido, de maneira simbólica, mediante actos, imagens ou objectos que pelo seu significado, facilmente compreendido pelos outros, ofendem a honra (gesto de mão com o indicador e o mínimo espetados, colocação de uns chifres à porta do vizinho; fazer um manguito; mostrar o traseiro; o expelir de ventosidades anais em postura ofensiva e com desprezo do visado; atirar um balde de água suja contra uma pessoa com o propósito de a molhar). Fazer troça de alguém, mesmo em jeito de brincadeira, pode ofender se for expressão de um desvalor: por ex., tratar por “tu” de forma impertinente — acentua-se, por vezes, que a solução deve buscar-se especialmente no lado subjectivo, devendo o comportamento exprimir a intenção de desvalorizar a pessoa a quem se dirige. Ofende quem cospe no outro ou lhe lança imundícies. Ofende o puxão de orelha ou a bofetada que se dá, não para magoar fisicamente, mas para rebaixar o adversário.
Trata-se de uma infracção dolosa, mas não é necessário um particular animus injuriandi.
Tanto a doutrina com a jurisprudência concordam agora em que basta o dolo genérico. É, pois, suficiente para a realização do tipo de ilícito que o autor saiba que está a atribuir um facto ou a dirigir palavras cujo significado ofensivo do bom-nome ou consideração ele conhece, e o queira fazer.
In casu, ficou demonstrado que a arguida dirigiu à assistente as seguintes mensagens escritas por telefone: Mesmo sabendo de todas as suas limitações intelectuais, de saber que é uma mulher de proveniência de baixa renda, de aparência duvidosa, feia, oportunista e sem qualquer atributo, espero que não seja burra suficiente para fazer acusações sem provas ao meu marido. Porque nesse caso, que terá de lhe colocar um, ou vários processos e a obrigar a deslocar-se a território hostil serei eu. (…). Caso contrário vá chatear a grande puta que a pariu e vá trabalhar a servir bifes ou limpar latrinas que não lhe vejo outra serventia.
Espero que ele a tenha fodido bem fodida, porque vc a não ser puta realmente…Não sei para que mais dá. Sou uma pessoa liberal. Esta dou-lhe de graça. Se ele a fodeu, só espero que lhe tenha rebentado bem esse cu. E tenho pena que as suas filhas não tenhas estado lá num trio, e eu a ver. Gosto dessas coisas.
E de outras mais. Pare é de mandar emails e vá dormir com o seu filho agarrado a esse par de mamas para continuar a ser o anormal que é OK? Burra do caralho Pobretanas Pé descalça Nem escrever sabe (…) Mãe de merda Cona esgaçada Estávamos mesmo à espera q escorregasses no anzol puta do caralho E tu és tão burra que foste logo laçaca Vaca Chula Bebeda Vai mas é educar os teus filhos Que tens uma ladra em casa E um bando de anormais à volt (…) Sua puta do caralho Merdosa Tem vergonha na puta da cara E vai ser mãe Em vez de andares a foder a cabeça dos outros Putefia Nunca saíste do caralho do bairro onde nasceste puta Agora vais ao juiz provar o que dizes. É lá que vou ter o desprazer De olhar para essa cara de vaca De puta barata De pobre De burra Ordinária Não há qualquer dúvida que expressões como Puta, Burra, Vaca, Putefia, Merdosa, Ordinária, nem escrever sabe, oportunista, feia, todas as suas limitações intelectuais, de proveniência de baixa renda, de aparência duvidosa, sem qualquer atributo, usadas pela arguida nas suas mensagens são expressões que exprimem e carregam consigo um indesmentível desvalor objetivamente ofensivo. Assim sendo, não poderá deixar de se concluir que tendo como ponto de partida aquilo que se pretende que seja o sentido comum, consensual, dos limites do dever de respeito de cada um para com os outros, que os mesmos foram excedidos neste caso.
As palavras proferidas pela arguida assumem relevância penal por atingirem a honra pessoal da assistente.
Tratando-se de expressões injuriosas, não podem encontrar qualquer justificação à luz da liberdade de expressão e de opinião, porque procurarão diminuir ou rebaixar a dignidade da vítima. Ficou ainda demonstrado que a arguida ao proferir as palavras supra referidas e ao dirigi-las à assistente sabia que tais expressões a atingiam na sua honra e consideração, o que quis, tendo agido de forma livre e voluntária.
Ora, tendo em perspectiva os elementos típicos acima delineados, e analisando a matéria de facto apurada nos presentes autos, é de concluir que a arguida cometeu o crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181º, n.º 1, do Código Penal, que lhe era imputado.
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E o que dizer em relação à agravação do crime pelo artigo 183.º, n.º, do Código Penal?
A alínea a), do n.º 1, do artigo 183.º, do Código Penal, prevê uma agravação da moldura penal abstrata da injúria quando o crime é cometido através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação. Ora, as mensagens foram enviadas através de mensagens para o telemóvel da assistente, pelo que, não vemos que tenha sido utilizado um meio que facilita a sua divulgação, por ser um meio privado de comunicação. Também não se encontra preenchida a alínea b), do n.º 1, do artigo 183.º, do Código Penal, na medida em que, nas mensagens enviadas pela arguida e transcritas em 6. dos factos provados não se faz a imputação de qualquer facto à assistente, mas apenas juízos de valor, o que seria necessário para que esta agravante tivesse lugar.
Pelo exposto, terá a arguida de ser absolvida do crime na forma agravada do artigo 183.º, do Código Penal.
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II.4.2 Das Consequências Jurídicas do Crime
II.4.2.1 A determinação Legal da Pena “A lei penal faz corresponder à realização de cada crime uma certa pena por via de regra variável (entre um máximo e um mínimo). Determinada a autoria de um crime, verificado fica o conjunto dos pressupostos de que depende a verificação de uma consequência ou de um efeito jurídicos, o que conduz para um novo domínio: o das consequências jurídicas do crime e reacções criminais” (vide Manuel Simas Santos, Medida Concreta da Pena no Supremo Tribunal de Justiça, in Medida Concreta da Pena, Disparidades, 1998, VISLIS Editores, pág. 25). O crime de injúria é punível com pena de prisão de um mês até três meses de prisão ou com pena de multa de 10 a 120 dias (cfr. artigos 41.º, n.º 1, 47.º, n.º 1, 181.º do Código Penal).
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II.4.2.2 A determinação Judicial da Pena
O crime em apreço é punido, como vimos, em alternativa, com pena privativa da liberdade e multa. De acordo com o art. 40.º do Código Penal “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, esclarecendo o n.º 2 que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
A determinação da medida de pena deve assim operar dentro dos limites da moldura abstracta, avaliando o comportamento delituoso dentro desse enquadramento jurídico-penal, procurando adequar a sanção em função da culpa.
Ora, o princípio da culpa tem assento constitucional, decorrendo do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à liberdade (artigos 1.º e 27.º da Constituição da República Portuguesa). Tal como se referiu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 432/2002 (Publicado in DR, 1.ª série de 31 de Dezembro de 2002), “são consequências desta consagração constitucional, entre outras, a exigência de uma culpa concreta (e não ficcionada) como pressuposto necessário da aplicação de qualquer pena, e a inerente proscrição da responsabilidade objectiva; a proibição de aplicação de penas que excedem, no seu quantum, o que for permitido pela medida da culpa e a proibição das penas absolutas ou tendencialmente fixas”.
Mais, o direito à liberdade é um direito fundamental de todo o cidadão e, como tal, apenas é restringível quando a sua privação consistir na última ratio para assegurar as finalidades da punição previstas no n.º 1 do art.º 40.º do Código Penal (n.º 1 do art. 27.º da Constituição da República Portuguesa). Assim, sempre que um facto seja sancionado pela lei com pena de prisão ou pena não privativa da liberdade deve dar-se primazia a esta última, por imperativo constitucional, quando a mesma se revele adequada e proporcional às circunstâncias do caso (n.º 1 do art. 18.º da Constituição da República Portuguesa). É o que resulta, aliás, em sede de legislação ordinária, do art. 70.º do Código Penal, determinando ainda o art. 45.º, n.º 1 do mesmo Código que “a pena de prisão aplicada em medida não superior a 1 ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes”. Ora, “in casu”, não são conhecidos antecedentes criminais à arguida, pelo que consideramos que a pena de multa é ainda suficiente e satisfaz as exigências punitivas que o facto requer, servindo para consciencializar a arguida do crime cometido e para evitar que a mesma volte a cometer crimes, desta ou de outra natureza. *
II.4.2.2.1 – A medida concreta da pena
Importa ainda apurar qual a medida concreta da pena que se reputa adequada.
Os concretos factores de medida da pena, constantes do elenco, não exaustivo, do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, revelam tanto pela via da culpa como pela via da prevenção: seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança/inocuização.
Importa assim considerar todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra a arguida:
a) A ilicitude dos factos considera-se elevada, atendendo ao número e teor das expressões proferidas, e ao contexto em que as mesmas surgiram. Para além de utilizar variadíssimas expressões injuriosas, ainda se refere aos filhos da assistente da mesma forma. Não podemos esquecer que a arguida é madrasta dos filhos da assistente, devendo, por isso mesmo, ter um especial dever de respeito quer pela assistente quer pelos filhos da mesma.
b) A culpa é elevada, uma vez que se molda no dolo directo.
c) As necessidades de prevenção geral são elevadas, atenta sobretudo a frequência da prática dos crimes em discussão nos autos, justificando-se a nível da prevenção geral a aplicação de penas cujo limite mínimo vá desencorajando aqueles cuja verborreia revela total desrespeito pela honra e consideração social do seu semelhante.
d) As exigências de prevenção especial são medianas, e neste sentido temos que, apesar de a arguida não ter antecedentes criminais registados, a verdade é que, a relação conflituosa entre a arguida e a assistente ainda se mantém, e que poderá originar mais situações semelhantes à dos autos.
Como atenuante revelou ainda:
e) O facto de a arguida se encontrar pessoal, profissional e familiarmente inserida. Ponderado tudo o acima exposto, bem como a moldura penal aplicável ao crime em apreço, e sabendo que a pena a aplicar à arguida deverá ser o reflexo de todos os critérios e factores enunciados, afigura-se justo e adequado:
• Condenar a arguida na pena de 90 (noventa) dias de multa, pelo crime de injúria praticado.
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II.4.2.2.2
Do Quantitativo diário Importa agora apurar o quantitativo diário aplicável à arguida. De acordo com o artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal, a cada dia de multa corresponde uma quantia entre € 5 e € 500, devendo o tribunal atender à situação económica e financeira da arguida e aos seus encargos pessoais.
Também Figueiredo Dias define os parâmetros para a fixação do quantitativo diário, de modo a realizar a desejada igualdade de ónus e sacrifícios entre todos os indivíduos sujeitos a pena de multa. Assim dever-se-á ter em conta:
a) a situação económico-financeira do condenado;
b) os seus rendimentos e encargos;
c) os deveres e obrigações do condenado decorrente ao facto de haver praticado um facto ilícito de natureza criminal.
Do que foi possível apurar verificamos que a arguida trabalha, auferindo € 2783,00. Mora com o marido, que também trabalha. Atenta a situação económica descrita, julgamos justo e adequado fixar o quantitativo diário em € 25,00 (vinte e cinco euros).
Assim sendo, a arguida deverá ser condenada numa pena de multa de 90 (noventa) dias, à taxa diária de € 25,00 (vinte e cinco euros), perfazendo um total de € 2250,00 (dois mil, duzentos e cinquenta euros).
III.3- O Tribunal recorrido fundamentou, de direito, a responsabilidade civil, da seguinte forma:
II.5 Do pedido de indemnização civil
A assistente demandou a arguida, pedindo seja julgada e condenada a pagar-lhe uma indemnização no valor total de € 5000,00, pelos danos não patrimoniais sofridos e de € 120,00 pelos danos patrimoniais. Antes de mais, é de salientar que nos termos do artigo 71.º do Código de Processo Penal, para que se possa deduzir pedido de indemnização civil em processo penal é pressuposto que o facto gerador da responsabilidade civil constitua igualmente ilícito criminal, devendo, porém, o pedido ser apreciado de harmonia com as regras de direito civil, conforme resulta do disposto no artigo 129.º do referido acervo legal.
A sua pretensão baseia-se na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, baseada na culpa, prevista no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, que dispõe que: «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação», nos termos do disposto nos arts. 562.º e seguintes do CC.
Deste normativo sobrevêm os seguintes pressupostos da obrigação de indemnizar:
1. Facto voluntário, enquanto facto positivo ou negativo, controlável pela vontade humana.
2. Ilicitude do facto, enquanto violador de um direito subjetivo de outrem ou de disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
3. Culpa, enquanto juízo de censurabilidade pessoal pelo facto de o lesante não ter agido de acordo com o direito, quando podia e devia ter agido de outro modo.
4. Existência de danos (patrimoniais ou não patrimoniais, conforme sejam, ou não, suscetíveis de avaliação pecuniária).
5. Nexo de causalidade entre o facto praticado pelo lesante e os danos, em termos de causalidade adequada (cfr. art. 563.º do CC): o facto tem de ser causa adequada do dano e só não será vislumbrado como tal quando se mostrar completamente irrelevante para a sua verificação.
Encontrando-se verificados estes pressupostos, o lesante constitui-se na obrigação de indemnizar o lesado por todos os danos que aquele sofreu e não teria sofrido se não fosse o facto ilícito e culposo praticado pelo lesante.
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Afigura-se-nos, que se encontram preenchidos, todos os pressupostos deste tipo de responsabilidade, relativamente aos danos sofridos em consequências das palavras injuriosas utilizadas pela arguida.
Senão vejamos: Na verdade, estamos, desde logo, perante um facto voluntário da arguida, que quis dirigir-se à assistente da forma com o fez, tal como descrito no ponto 6. dos factos provados, sabendo que com tal conduta ofendia a honra e consideração do assistente, o previu e quis. Ressalta, assim, impressivamente o carácter ilícito de tal acção, porquanto violou vários direitos da assistente: o seu direito absoluto à honra e consideração pessoal. E tendo a arguida agido de forma dolosa, dúvidas não restam quanto ao juízo de censura ou reprovabilidade que sobre si impende, designadamente assacando-lhe uma acção de natureza culposa.
Mas para haver obrigação de indemnizar necessário se torna que exista um dano, isto é, que o facto ilícito e culposo tenha causado um prejuízo ao ofendido. Neste caso resultou provado que com a conduta da arguida a assistente se sentiu profundamente ofendida, angustiada, triste, vexada e ferida na sua dignidade.
Nos dias seguintes, ficou debilitada psicologicamente, sem condições de trabalhar, faltando ao trabalho, deixou de praticar desporto, de conviver com família e amigos. Por causa dos factos descritos em 6. a assistente recorreu aos serviços de psicologia da Dr.ª GG, no intuito de voltar à sua rotina habitual, tendo ido a uma consulta a ........2023, que teve um custo de € 60,00. Para além do prejuízo patrimonial no valor de € 60,00 com o pagamento da consulta, que é ressarcível, todos os outros factos também consubstanciam danos morais ressarcíveis segundo o nosso ordenamento jurídico.
Os danos não patrimoniais correspondem a lesões que não acarretam directamente consequências patrimoniais imediatamente valoráveis em termos económicos, porquanto se tratam de lesões que redundam, neste caso, em sofrimento psicológico, mas que, ao fim e ao cabo, constituem num injusto turbamento de ânimo na vítima.
No que tange a este tipo de danos, importante não é verificar quanto as coisas valem, mas sim, ao invés, encontrar um “quantum” necessário para obter aquelas satisfações que constituem a reparação indirecta possível. Na verdade, o dinheiro não tem a virtualidade de apagar o dano, mas pode este ser contrabalançado, “mediante uma soma capaz de proporcionar prazeres ou satisfações à vítima, que de algum modo atenuem ou, em todo o caso, compensem esse dano” (Pinto Monteiro, in “Sobre a reparação de danos morais”, Revista Portuguesa do Dano corporal, Setembro 1992, n.º 1, APADAC, pág. 20).
Com efeito, e como se disse no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Abril de 1991, o art. 496.º fixou “não uma concepção materialista da vida, mas um critério que consiste em que se conceda ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada adequada a proporcionar-lhe alegrias ou satisfações que, de algum modo, contrabalancem as dores, desilusões, desgostos, ou outros sofrimentos que o ofensor tenha provocado” (publicado no BMJ n.º 406, pág. 618).
Tudo isto é conseguido através dos juízos de equidade referidos no art. 496.º, n.º 3, o que, evidentemente, importará uma certa dificuldade de cálculo, mas que não poderá servir de desculpa para uma falta de decisão: é um risco assumido pelo sistema judicial. Ora, o chamado dano de cálculo não serve para aqui.
É que, atenta a impossibilidade de recorrer a meros critérios aritméticos para o quantificar da compensação a arbitrar, a lei lançou mão de uma fórmula genérica, mandando atender só àqueles danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (artigo 496.º, n.º 1), devendo esta gravidade ser apreciada objectivamente (cfr. Antunes Varela, ob. cit. pp. 628).
A lei remete, então, a fixação do montante indemnizatório por tais danos para juízos de equidade, atento o teor do artigo 496º, n.º 3 (e ainda a alínea a) do art. 4º), tendo presentes os factores referidos no artigo 494.º: grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, sem se perder de vista que os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podendo ser reintegrados, mesmo por equivalência, ou seja, não visam reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento, mas sim compensar o lesado pelas dores e, em menor medida, também sancionar a conduta do lesante.
Deve ainda ter-se em conta na sua fixação todas as regras da experiência da vida, as que comportam a prudência, o bom senso, a ponderação ou ainda os padrões de indemnização geralmente arbitrados pela jurisprudência.
Como refere De Cupis, “tendo aqui especial aplicação o critério equitativo do juiz, já que pode não ser possível demonstrar a existência ou o montante deste dano, deve esse critério ser usado com singular prudência, em particular quando se trate de dor psíquica” (in “ Il Danno, Teoria Generale della Responsabilitá Civile, 2.ª Ed., Milão, 1966, pp. 128).
Como acima se deixou dito, a indemnização, nestes casos, não é mais que uma compensação, que procura viabilizar utilidades ou prazeres que possam servir, de algum modo, como sucedâneos daquilo que se perdeu. Mas esta sua natureza compensatória não exclui, antes pressupõe, que se considere na sua medida a gravidade do dano causado. Atento o que supra se expôs consideramos que o dano causado é médio. Por outro lado, o quadro de sofrimento psíquico assume uma gravidade mediana.
Mais se provou que a arguida se encontra numa situação económica estável, auferindo muito acima da média nacional. Relativamente à situação económica da assistente verificamos que tem uma situação económica estável, mas com rendimento perto do ordenado mínimo nacional. Assim sendo, recorrendo à equidade ou justiça do caso concreto, de harmonia com o que se estabelece no artigo 496.º, n.º 3, 1.ª parte, do Código Civil, atendendo à situação económica da demandante e da demandada, entende-se adequada uma indemnização pecuniária, a pagar pela demandada tendo em conta a culpa desta e considerando os danos relevantes, tendo ainda em conta o circunstancialismo em que as expressões tiveram lugar e as repercussões destas na assistente, julga-se adequado fixar-lhe, a título de compensação, pelos danos morais sofridos, a quantia de € 2500,00 (dois mil e quinhentos).”(fim de transcrição)
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IV- FUNDAMENTOS DO RECURSO E RESPECTIVA APRECIAÇÃO
Apreciemos agora, as questões a decidir:
IV.1-Da nulidade da Sentença por falta de fundamentação e de exame crítico da prova, nos termos conjugados do disposto nos arts.º 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a) do C.P.P. .
Vem a arguida recorrer, com fundamento na falta de fundamentação e de exame crítico das provas, pelo Tribunal recorrido, alegando, além do mais, que:
- o julgador de 1.º Instância em momento algum especificou os motivos, de facto e de direito, que fundamentam a Decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para forma a convicção do tribunal, e que apenas se limitou a enumerar e explicitar os factos que julgou como provados e como não provados, não tendo, em momento algum, procedido ao exame critico das provas produzidas e constantes do processo, designadamente e em grave prejuízo da Recorrente, a prova testemunhal produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento. Nada dizendo sobre a razão de ciência das testemunhas ouvidas em audiência de discussão e julgamento.
Analisemos então se ocorre omissão de fundamentação e do exame crítico da prova, no que respeita aos factos provados pelo Tribunal recorrido, em sede de motivação da decisão de facto.
Invoca a arguida o vício da nulidade da sentença, previsto na alínea a) do n.º1, do artigo 379º, do C.P.P. que remete para o disposto no artigo 374º, nº 2, do citado diploma, o qual é um dos regimes especiais - exclusivo das sentenças, como alude o art.º 97º, nº 1 a) e 2 do citado diploma, - que estabelecem consequências para este tipo de actos, para além do regime regra das nulidades, previsto nos artigos 119º e 120º, do CP.P.
As nulidades aqui previstas referem-se a questões nucleares ou estruturais, destes actos decisórios, desde logo a omissão ou insuficiência da fundamentação ou do dispositivo da sentença.
Assim, preceitua o art.º 379º, do C.P.P, sob a epígrafe à “nulidade da sentença”, que:
1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
(…)
2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º
De acordo com o n.º 3, do art.º 410º, do C.P.P, “o recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal à matéria de direito, e inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.”
Dispõe o art.º 374º, n.º 2, do C.P.P, referente aos “requisitos da sentença” que ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
O dever de fundamentação tem natureza constitucional, encontrando-se plasmada no art.º 205.º, da CRP e do art.º 97.º, n.º5, do CPP.
As sentenças ou acórdãos judiciais, enquanto actos decisórios, carecem necessariamente de fundamentação, através da enumeração ou especificação da matéria de facto provada e não provada (reportada pelo menos à factualidade constante da acusação e/ou da pronúncia, da contestação do arguido, do pedido cível do demandante) e da motivação explícita do processo de convencimento ou da convicção do julgador - art.º 205.º, n.º 1, da CRP, 97.º, n.ºs 1, al. a) e 5, e 374º, ambos do C.P.P.O dever de fundamentação abarca todos os vectores da decisão judicial, de facto e de direito ( da matéria de facto à medida concreta da pena e ao pedido de indemnização civil, caso exista).
Na elaboração da sentença, após o primeiro momento de enumeração dos factos provados e não provados que fundamentam a decisão, segue o segundo momento que compreende o exame crítico da prova que deve fazer-se através de uma exposição tanto quanto possível completa, mas concisa dos motivos de facto e de direito que levaram à convicção do Tribunal, expondo as razões que em função das regras da experiência comum e ou da lógica, que constituem o substracto racional que levou a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou que valorasse de determinada forma os meios de prova, sendo certo que os motivos de facto que fundamentam a decisão não são os factos provado, mas sim as razões de ciência reveladas extraídas das provas, a razão de determinada opção relevante por um ou por outro meio de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, valor de documentos e exames que o tribunal privilegiou na formação da convicção. Em ordem a que os destinatários fiquem cientes do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
A obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e do seu exame crítico garante que a sentença seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas e que não foi arbitrária, não impondo, porém, a lei a menção a inferências indutivas levadas a cabo pelo tribunal ou a critérios de valoração da prova (neste sentido Fernando Gama Lobo, Código de Processo penal, em anotação ao art.º 374.º, do CPP Anotado, citando o Ac. STJ de 09/01/1997 in CJ-V-I-172.)
Não esclarece a lei processual, a profundidade exigível a esse exame crítico, que terá de ser ajustada às necessidades de cada caso, porquanto essa tarefa será em princípio, e de acordo com as regras da normalidade, mais sumária se por exemplo o julgador se fundou numa confissão integral e sem reservas do arguido, e terá, naturalmente, de ser mais profunda quando sobre a mesma materialidade exista prova entre si contraditória.
Esse exame crítico não tem, naturalmente, de reproduzir por escrito o teor de cada depoimento, assim como não tem, necessariamente, de se reportar a cada facto concreto de forma individualizada, porém, terá de, pelo menos, dar nota explicativa das provas que recaíram sobre os factos e das razões pelas quais se conferiu maior credibilidade e/ou peso probatório comparativo a uma prova, em detrimento da outra.
A crítica é a afirmação da sua credibilidade ou incredibilidade, ou seja, em derradeira operação valorativa, a afirmação das provas que que lhe merecem aceitação e das que lhe merecem rejeição, a razão porque umas são elegíveis e outras não, não enfermando de contradições ou lacunas de pensamento, não violadora das regras da experiência e do bom senso (neste sentido por todos Fernando Gama Lobo, Código de Processo penal Anotado, Maia Gonçalves, Código de Processo penal Anotado, Ac. STJ de 23/04/2008 proc. 05P662, de 21/03/2007 proc. 07PO24, de 26/10/2000, proc. 2528/2000 in www.dgsi.pt e Ac. STJ de 09/01/1997 in CJ V-I, pág. 172.).
Como ressalta da leitura da norma referida, a fundamentação não se satisfaz com a mera indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, nem com a súmula dos depoimentos/declarações que fundaram a convicção, exigindo-se, ao invés, um exame crítico dessas mesmas provas, o que se encontra em correspondência lógica com o processo mental desenvolvido pelo julgador na análise da prova que determinou a formação da sua convicção. Este é um processo complexo porquanto implica o convencimento ou não da ocorrência de factos, convencimento que não pode ter por fundamento ou justificação senão a prova produzida e avaliada de harmonia com regras da experiência e da lógica, exame crítico esse que é exigido pelo princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do CPP ( veja-se por todos JOSÉ MOURAZ LOPES, Gestão Processual: tópicos para um incremento da qualidade da decisão judicial, JULGAR - N.º 10 – 2010, disponível in julgar.pt; no mesmo sentido v. SARA M. RODRIGUES, in O dever de fundamentação das decisões proferidas pela Autoridade da Concorrência em Processo Sancionatório, in Revista Julgar, julgar.pt e, entre outros).
O Tribunal Constitucional nos Acórdãos n.ºs 172/94, Diário da República, 2.ª série, de 19 de Julho de 1994 e n.º 573/98, Diário da República, 2.ª série, de 13 de Novembro de 1998, já se pronunciou no sentido da inconstitucionalidade da interpretação do art.º 374.º, n.º 2 do CPP segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1.ª instância.
O Julgador deverá explanar qual o entendimento de que se serviu para os factos serem julgados provados ou não provados com base naquele meio de prova a razão pela qual o tribunal valorou aquele meio de prova e não outro.
Porém, fundamentar não significa uma exposição exaustivamente, o que decorre, desde logo, da leitura do preceito em análise por referência à expressão “concisa” aí contemplada, mas que se quer completa, sendo a absoluta falta de fundamentação cominada com nulidade, por força do art.º 379.º, n.º1, al. a), do CPP.
Volvendo ao caso dos autos é a seguinte a motivação da decisão de facto do Tribunal recorrido:
Em jeito de introito refere que:
Para formar a nossa convicção sobre a matéria de facto provada e não provada baseámo-nos na análise ponderada e crítica do conjunto da prova produzida, em ordem à reconstituição da dinâmica do acontecido. Mais nos baseámos no princípio da livre apreciação da prova ínsito no art. 127.º do Código Processo Penal, o qual preceitua “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Como é sabido, a livre apreciação da prova de modo algum se confunde com a apreciação arbitrária ou com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos vários meios de prova. “A prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
Dentro destes pressupostos se deve portanto colocar o julgador ao apreciar livremente a prova”. Vejam-se, nesta orientação Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado e Comentado, III, 246; Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, II, 288; entre outros.
Continua, agrupando logicamente conjuntos de factos e motivando-os da seguinte forma:
Os factos descritos em 1. e 3. decorrem da análise do assento de nascimento da assistente, junto a fls. 100, que de tais factos faz prova plena.
Para prova dos factos descritos em 2., atendeu-se ao depoimento da assistente, que os confirmou, em conjugação com a análise do acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais dos filhos da assistente e de CC, anexo à acta da conferência do divórcio, de ........2018, junto da Conservatória do Registo Civil de … (cfr. fls. 48 e ss.).
Os factos descritos em 4. decorrem da análise do assento de nascimento da arguida, junto a fls. 96, que de tais factos faz prova plena.
Em especial quanto aos factos 6) a 9):
Da análise crítica e ponderada da informação junta aos autos pela ... a fls. 62 (onde se informa que o n.º ... é da arguida), em conjugação com a análise do convite de casamento junto aos autos a fls. 154 (onde vem identificado o número da arguida), se concluiu como em 7. dos factos provados.
A prova dos factos descritos em 5. e 6., decorre, em primeiro lugar, da análise crítica e ponderada dos documentos juntos autos, quer dos emails trocados e juntos a fls. 117 a 123, quer das mensagens recebidas e juntas a fls. 124 a 133, cujo teor se transcreveu.
Relativamente aos emails trocados, quer pela análise dos endereços de email, quer pela análise do seu conteúdo (onde se fala essencialmente da escola que o menor EE irá frequentar), o Tribunal não teve dúvidas que os mesmos foram trocados entre a assistente e o seu ex-marido CC.
No que diz respeito às mensagens recebidas no telemóvel da assistente, o Tribunal também não teve dúvidas de que as mesmas foram enviadas pela aqui arguida e na sequência do email referido em 5., alínea c) dos factos provados, não obstante a arguida ter feito uso do seu direito ao silêncio e a amiga da arguida, HH, ter referido que CC lhe disse que as mensagens tinham sido por si enviadas e não pela arguida.
Esta testemunha referiu que foi chamada a casa do casal para ajudar num conflito.
Aí foi-lhe transmitido que na sequência de um email enviado pela aqui assistente a CC, este terá pegado no telefone da arguida e terá enviado à assistente as mensagens objecto dos presentes.
Não demos credibilidade à versão dos factos apresentada por esta testemunha, por se encontrar em contradição com a demais prova produzida e com o normal acontecer.
Primeiro, as mensagens foram envidas do telemóvel da arguida (cfr. factos descritos em 7.), que é um objecto pessoal.
Depois, da análise do conteúdo das mensagens se percebe que as mesmas foram enviadas à assistente com o intuito que a mesma soubesse quem era o seu remetente (a aqui arguida), aí se utilizando expressões como “ao meu marido”.
Da leitura das mensagens se conclui que foram enviadas pela mulher de CC, aqui arguida.
As mesmas foram enviadas na sequência do email enviado pela assistente ao seu ex-marido, onde refere que os mesmos dormiram juntos mesmo depois de este se encontrar a morar com a arguida.
Em resposta a esse email a arguida escreve “Se ele a fodeu, só espero que lhe tenha rebentado bem esse cu. E tenho pena que as suas filhas não tenhas estado lé num trio e eu a ver.” Por muito mau que seja o relacionamento entre a assistente e o seu exmarido, e até mesmo entre CC e as suas filhas, não equacionamos que um pai se refira às filhas desta maneira, ainda que fazendo-se passar pela arguida, como a testemunha HH insinuou ter ocorrido.
Donde concluímos que as mensagens foram enviadas pela arguida e não pelo seu marido fazendo-se passar por si.
Acresce ainda o facto de a assistente ter esclarecido que a comunicação que tem com o seu ex-marido faz-se sempre por email, pelo que não se via por que motivo, apenas desta vez, CC tivesse optado por enviar mensagens através do telemóvel, do telemóvel da arguida e, mais, fazendo-se passar por ela.
E não infirma esta conclusão o facto de algumas expressões utilizadas pela arguida nas mensagens enviadas serem também expressões que o próprio CC utiliza nos seus emails, como, por exemplo, “pés descalços”, uma que é até natural que, sendo a arguida e CC um casal, tenham adoptado formas semelhantes de se referirem a determinadas realidades.
Atendendo ao teor das mensagens, também não restam dúvidas que a intenção da arguida foi a de achincalhar a assistente, atingindo-a na sua honra e dignidade pessoal, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, o que não poderia ignorar, atendendo até à sua escolaridade e ao contexto social e profissional onde se insere, o que motivou que se dessem como provados os factos descritos em 8. e 9..
Mais, quanto à prova dos factos descritos em 12. a 16. considerou que:
“No que às consequências para a assistente (factos descritos de 10. a 13. dos factos provados) da conduta da arguida diz respeito, o Tribunal considerou o depoimento da assistente, que se mostrou atingida relativamente ao teor das mensagens enviadas pela arguida, esclarecendo como se sentiu em consequência das mesmas e do impacto que isso teve na sua vida.
O depoimento da assistente foi ainda corroborado pelo depoimento do seu namorado, II, que é também seu empregador, o qual depôs com conhecimento directo dos factos por que depôs, uma vez que está todos os dias com a assistente, que mais não seja no seu local de trabalho e pela sua amiga JJ, que acompanhou a assistente ao longo deste processo todo, desde o momento em que a assistente recebeu as mensagens no seu telemóvel, encaminhandoas para o seu telemóvel de seguida.
advém, ainda, da análise crítica e ponderada dos recibos juntos a fls. 155 e 156 e da declaração de acompanhamento psicológico junto a fls. 157.
Da análise do recibo junto a fls. 155 e da declaração médica de fls. 157 foi possível concluir que os factos objecto destes autos tiveram impacto na saúde mental da assistente, levando-a a procurar ajuda, dias depois, junto de um psicólogo.
Quanto às condições socioeconómicas da assistente (factos descritos em 14. a 16.), o Tribunal também teve em consideração o teor do depoimento da assistente, inexistindo nos presentes autos qualquer indício de que não corresponda à verdade, em conjugação com a análise do resultado da pesquisa realizada à base de dados da Segurança Social e junta aos autos a ........2025.
Finalmente, no que respeita aos factos descritos em 17 e 18, ateve-se o Tribunal recorrido no seguinte:
Relativamente às condições socioeconómicas da arguida (factos descritos em 17.), o Tribunal valorou o resultado da pesquisa realizada à base de dados da Segurança Social e junta aos autos a ........2025.
Relativamente à ausência de registos criminais averbados (facto descrito em 18.), o Tribunal teve em consideração o teor do certificado do registo criminal junto aos autos a fl. 176, e cujo teor atesta esse mesmo facto.
Analisada a fundamentação de facto realizada pelo Tribunal recorrido, após elencar os factos provados e não provados, seguiu-se a motivação da matéria de facto provada e não provada, com realização de exame crítico da prova, explicando quais os meios de prova em que se baseou e porque não deu credibilidade ao depoimento da testemunha arrolada pela arguida KK, perante os depoimentos da assistente e dos demais meios de prova que refere na motivação.
Quanto à autoria das mensagens a convicção do Julgador mostra-se clara precisa e num raciocínio lógico e estruturado, baseando-se nomeadamente na titularidade do n.º de telemóvel de onde provieram as mensagens constante da informação da operadora, da análise das mensagens em si de cujo conteúdo concluiu só poder provir da arguida, afirmando, perceber-se que as mesmas foram enviadas à assistente com o intuito que a mesma soubesse quem era o seu remetente (a aqui arguida), aí se utilizando expressões como “ao meu marido”, sendo a arguida mulher de CC. E de que foram enviadas na sequência do email enviado pela assistente ao seu ex-marido, onde refere que os mesmos dormiram juntos mesmo depois de este se encontrar a morar com a arguida.
Ademais, não se vê que qualquer dos factos provados estivesse dependente de perícia informática ou telemática, os quais foram assim respondidos com base em prova que se valorou sem violação das regras sobre a sua força legal, formando a sua convicção com provas não proibidas por lei, estando ainda, ao contrário do afirmado pela recorrente, bem expressa a razão de ciência nomeadamente da assistente e das testemunhas II e JJ.
Dos referidos excertos da decisão recorrida, na parte relativa à motivação da decisão de facto, decorre que o Tribunal recorrido, além de indicar as provas que serviram para formar a convicção do tribunal no que respeita quer aos factos provados que foram agrupados, examinou criticamente as provas produzidas, em especial os meios de prova oral, que serviram para formar a convicção do tribunal quanto a esses factos, denotando-se que realizou um raciocínio mental e critico de conjugação e complementação entre todos os meios de prova que indica, evidenciando que realizou criticamente uma operação de selecção dos meios probatórios em que se baseou e considerou relevantes para a decisão da causa, referiu igualmente quais os meios de prova que lhe mereceram credibilidade em detrimento de outros, explicando de forma compreensível e coerente porque desacreditou no depoimento da testemunha arrolada pela arguida. De todas estas operações e raciocínios concluiu pela prova dos factos provados e pela não prova dos factos não provados.
Não existe, pois, a alegada falta de fundamentação e exame crítico, à luz da livre convicção, o que é evidenciado pelas passagens por nós destacadas supra, que não enfermam de contradições de pensamento, não se inferindo qualquer violação de regras da experiência e do bom senso.
Resulta, pois, da fundamentação em análise que o tribunal a quo cumpriu as exigências previstas no artigo 374.º, n.º 2, do CPP, de acordo com a sua valoração da prova, expondo a conclusão a que chegou do raciocínio empreendido na valoração da prova que encetou, não deixando de se pronunciar quanto às questões que devesse apreciar fundamentando de forma adequada a subsunção dos factos ao crime pelo qual a arguida vinha acusada, a medida da pena e o apuramento da responsabilidade civil e respectiva fixação do montante indemnizatório.
Nessa medida, improcede o recurso nesta parte.
IV.2- Da impugnação ampla da matéria de facto/erro de julgamento em particular quanto aos factos provados constantes dos pontos 6 a 9 (art.º 412.º, n.ºs 3, 4 e 6 do CPP).
O ordenamento jurídico-processual-penal consagra duas formas de impugnação da matéria de facto.
Uma designada por impugnação ampla, que consiste na reapreciação da prova gravada e que tem de ser invocada pelo recorrente, pois não é de conhecimento oficioso, recaindo sobre o recorrente o duplo ónus de especificação previsto no art.º412º, nº3, 4 e 6 do CPP que dispõe que:
3-Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
(…)
6 - No caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
Outra, designada por impugnação restrita, que consiste na invocação dos vícios previstos nas alíneas a), b) e c) do nº2 do art.410º, do CPP que, aliás, são de conhecimento oficioso.
Dispõe o referido n.º 2 que:
“ 2- Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a)A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.”
As duas formas distintas de “atacar” a matéria de facto, estão por isso sujeitas a regimes processuais diferentes.
O erro de julgamento (em sentido amplo) e o erro notório na apreciação da prova são institutos distintos e como tal não devem ser confundidas.
Assim, enquanto o erro notório na apreciação da prova, constitui um vício intrínseco da sentença, e por isso, tem de resultar por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum do respectivo texto (art.410º, nº2, do CPP), o erro de julgamento não se confina a esse domínio, tratando-se de uma forma ampla de impugnação da matéria de facto, que todavia, deve ser exercida com observância do disposto no art.412º, nºs 3 e 4 do CPP, o que aqui não acontece.(Cf. Acórdão da Relação de Évora de 19/12/2019 processo 572/16.8T9TMR.E2, Relator GILBERTO CUNHA).
O erro de julgamento, ínsito no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Nesta situação, de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância. Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4, do artigo 412º, do Código de Processo Penal, embora não vise a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, mas um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, isto é, erros in judicando (violação de normas de direito substantivo) ou in procedendo (violação de normas de direito processual), que o recorrente deverá expressamente indicar e se lhe impõe o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos constantes do nº 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal.
Neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-2021, proferido no Processo n.º 797/14.0TAPTM.E2.S1 (Relator: NUNO GONÇALVES): No nosso sistema, o objeto do recurso ordinário é a sindicância da decisão impugnada, constituindo um remédio processual que permite a reapreciação, por um tribunal superior das questões que a decisão recorrida apreciou ou deveria ter conhecido e decidido. No julgamento do recurso não se decide, com rigor, uma causa, mas apenas questões específicas e delimitadas, que tenham sido objeto de decisão anterior pelo tribunal recorrido.
Assim, impõe-se ao recorrente:
-a especificação dos “concretos pontos de facto” que considera incorrectamente julgados, especificação esta que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado;
-a especificação das “concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida”, especificação esta que só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida, acrescendo que o recorrente deve explicitar por que razão essa prova impõe decisão diversa.
-a especificação, se for caso disso, das “provas que devem ser renovadas”, que só se satisfaz com a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento no tribunal de primeira instância e das razões para crer que aquela renovação da prova permitirá evitar o reenvio do processo – cfr. artigo 430º, nº 1, do citado diploma.
- Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação (n.º4 do art.º 412.º, do CPP).
No fundo, o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla da matéria de facto é que o recorrente indique a sua decisão de facto, em alternativa à decisão de facto que consta da decisão recorrida, justificando, em relação a cada facto alternativo, que propõe porque deveria o Tribunal ter decidido de forma diferente.
Como se afirma no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nº 3/2012 de 08.03.2012, publicado no D.R. I Série, nº 77, de 18.04.2012, “Impõe-se ao recorrente a necessidade de observância de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso. Esta exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exacto sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser exercido o contraditório.
A reapreciação por esta via não é global, antes sendo um reexame parcelar, restrito aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas.
O especial/acrescido ónus de alegação/especificação dos concretos pontos de discórdia do recorrente (seja ele arguido, ou assistente), em relação à fixação da facticidade impugnada, bem como das concretas provas, que, em seu entendimento, imporão (iam) uma outra, diversa, solução ao nível da definição do campo temático factual, proposto a subsequente tratamento subsuntivo, justifica-se plenamente, se tivermos em vista que a reapreciação da matéria de facto não é, não pode ser, um segundo, um novo, um outro integral, julgamento da matéria de facto.
Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.”.
Tal como entendimento exarado no seguinte aresto do TRL de 02.12.2020 proc. 3606/15.0T9SNT.L15 (in www.dgsi.pt):
“para dar cumprimento às exigências legais da impugnação ampla tem o recorrente nas suas conclusões de especificar quais os pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, quais as provas (específicas) que impõe decisão diversa da recorrida, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as(…) ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportem entendimento divergente, com indicação de início e termo desses segmentos”.
No mesmo sentido, pronunciou-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-04-2021, proferido no Processo n.º 522/18.7PBELV.E1 (Relator: Paulo Ferreira da Cunha): O ónus que recai sobre o recorrente é de uma impugnação especificada, impugnatória de factos concretos, fazendo em cada ponto referência aos meios de prova que considere relevantes. A lei é exigente quanto ao modo de impugnação do recurso em matéria de facto, de harmonia com o disposto no art.º 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, sendo que a modificabilidade da decisão da 1.ª instância apenas ocorre nos termos apontados no art. 431º do CPP, entre os quais a impugnação da matéria de facto nos termos do art. 412.º, n.º 3, do mesmo diploma. Na impugnação da matéria fáctica não basta mera referência ou indicação genérica dos pontos de facto e das provas dissonantes, mas deve especificar-se os concretos pontos de facto e as concretas provas que impõem decisão diversa. (…) Torna-se necessário a indicação expressa dos concretos pontos de facto e das concretas provas que para esses concretos pontos de facto, impõem solução diversa. (destaques nossos).
Ademais, em caso de impugnação alargada e reapreciação da matéria de facto, o tribunal ad quem deverá avaliar “se a convicção expressa pelo Tribunal recorrido tem suporte adequado naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si e, consequentemente, a Relação só pode alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excepcionais, de manifesto erro na apreciação da prova. O controlo da matéria de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída, dialecticamente, na base da imediação e da oralidade. (...) Por outro lado, a reapreciação só pode determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão (Acórdão da Relação de Coimbra de 12-09-2012, proferido no processo n.º 245/09.8 GBACB.C1) (destaque nosso) e o Acórdão deste TRL de 11.03.2021, Proc. nº 179/19.8JDLSB.L1-9 relator ABRUNHOSA DE CARVALHO.
Volvendo ao caso dos autos, examinadas as conclusões de recurso, secundadas pelas motivações, não obstante a recorrente aflorar os requisitos legais, nomeadamente em sede de motivação, não cumpre as exigências previstas nos n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º, do CPP não especificando , quais as provas concretas que em seu entender imporiam decisão diversa não fazendo a especificação previstas na alínea b) por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, não indicando concretamente as passagens em que se funda a impugnação que impunham decisão diversa. Mais não indica, com clareza, se se há factos alternativos (apresentando a sua versão) a serem dados como provados ou apenas se os factos deviam passar, para o elenco dos factos não provados, face à sua leitura das provas.
Estando a prova gravada, não satisfaz essa exigência a remissão feita em termos genéricos para determinados meios de prova, como por exemplo, depoimentos ou declarações, sem precisar nos termos atrás mencionados as passagens concretas dos mesmos em que se funda a impugnação, mesmo no sentido de pretender que se deem como não provados.
Não visando o recurso da decisão da matéria de facto a a reapreciação de toda a prova produzida, não constitui um segundo julgamento mas, apenas, a detecção e correcção de erros de julgamento, a recorrente teriam de indicar, com toda a clareza e precisão, o que é que, na matéria de facto, concretamente, quer ver modificado, apresentando a sua versão probatória e factual oposta à decisão de facto exarada na sentença que impugna, e quais os motivos exatos para tal modificação, o que exige que os recorrentes apresentem o conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida e o correlacione comparativamente com o facto individualizado que considera erradamente julgado.
No caso concreto, resulta à evidência da peça recursiva, que a recorrente, não impugna de forma válida, amplamente a decisão da matéria de facto.
Nestas circunstâncias, na esteira do douto acórdão da Relação do Porto, de 28/05/2003, acessível em www.dgsi.pt entendemos que este Tribunal só pode sindicar a decisão em matéria de facto no âmbito do art.º 410º, nº2 do CPP, e não amplamente, não havendo sequer lugar a convite à recorrente para apresentar as especificações em falta.
Efectivamente, a falta das referidas especificações compromete a possibilidade do Tribunal de recurso sindicar a matéria de facto fixada no acórdão recorrido, tornando inviável a modificação da decisão sobre a matéria de facto, e, não contendo também o corpo das motivações essa especificação, não se trata de insuficiência das conclusões, mas sim de deficiência substancial da própria motivação ou de insuficiência do próprio recurso, insusceptível de aperfeiçoamento, com a consequência de nesta parte o recurso não poder ser conhecido (neste sentido Ac. TRG de 14.04.2020, proc. 621/19.8T9VNF.G1 in www.dgsi.pt.)
Ademais, um qualquer convite ao aperfeiçoamento, redundaria na concessão de um alargamento do prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso (neste sentido Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 07.10.2004, 05/07/2007, 04/10/2006, Ac TRL de 24.01.2012, in proc. 708/07.0JDLSB.L1 e os Ac TC n.º 259/2002, de 18.06.2002, e 140/2004, de 10.03.2004, in www.tribunalconstitucional.pt.).
Na verdade, é lapidar a afirmação nesse aresto e no acórdão do Tribunal Constitucional nº259/2002, de 18/6/2002, publicado no D.R. II Série, de 13/12/2002, que aí se cita, quando a deficiência de não se ter concretizado as especificações previstas nas alíneas a), b) e c), do nº3 do art.412º, do CPP, reside tanto na fundamentação como nas conclusões, não assiste à recorrente o direito de apresentar uma segunda motivação, quando na primeira não indicou os fundamentos do recurso ou a completar a primeira, caso nesta não tivesse indicado todos os seus possíveis fundamentos.
O Tribunal Constitucional posteriormente no acórdão nº140/2004, de 10/3/2004, publicado no D. R. II Série, nº91 de 17/4/2004, veio uma vez mais proclamar que não é inconstitucional a norma do art.412º, nºs 3, al.b), e nº4, do CPP quando interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se impugne matéria de facto, da especificação nele exigida tem como efeito o não conhecimento desta matéria e a rejeição do recurso, sem que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências.
Rejeita-se assim, a impugnação alargada da decisão quanto à matéria de facto, dada a impossibilidade de se proceder à sindicância da matéria de facto por essa via.
IV.3. Da (in) verificação de vícios a que alude o art.º 410.º, n.º2, do CPP, e especial erro notório na apreciação da prova, por violação do princípio da livre apreciação da prova e da presunção de inocência e in dubio pro reo.
Analisando os fundamentos do recurso em termos de impugnação restrita da matéria de facto a fim de concluir se ocorre algum dos vícios de erro notório na apreciação da prova ou de insuficiência para a decisão da matéria de facto, aliás de conhecimento oficioso (Cfr. Jurisprudência uniformizadora: Ac. Do STJ n.º 7/95 de 19/10/95, in DR de 28/12/1995), previstos no n.º2 do art.º 410.º, do CPP, em especial o “erro notório” na apreciação da prova, traduzido na violação do princípio da livre convicção e do in dubio pro reo diremos que em comum aos três vícios aí previstos, o vício que inquina a sentença ou o acórdão em crise tem que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum (parte final do n.º2 do referido art.º). Quer isto significar que não é possível o apelo a elementos estranhos à decisão, como por exemplo quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento, só sendo de ter em conta os vícios intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma – cfr. Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal Anotado”, Almedina, 16ª ed., pág. 871.
Em especial o erro notório na apreciação da prova (vício a que alude a alínea c), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), constituiu uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Ou, dito de outro modo, há tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.” – cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, ob. e loc. citados.
O erro notório na apreciação da prova constitui vício intrínseco e endógeno da decisão, independente de qualquer elemento que lhe seja exterior, designadamente de meios de prova produzidos [ressalvada a desconsideração de prova de valor legalmente vinculado] ou que o deveriam ter sido, e que decorre de aquela assentar em premissas ou chegar a conclusões entre si excludentes ou frontalmente contrariadas por regras científicas ou por qualquer regra da normalidade e experiência.
Um tal vício de erro notório na apreciação da prova não se verifica quando a discordância resulta da forma como o tribunal apreciou a prova produzida. O simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal e expressa na decisão recorrida não conduz ao aludido vício.
Se os factos descritos na decisão e considerados provados e não provados se apresentam, aos olhos de um homem dotado de mediana inteligência e experiência da vida, contraditórios ou de verificação impossível, no contexto daquela descrição e a respectiva análise crítica pelo Juiz não obedece a claros princípios de racionalidade, ou viola regras de prova vinculada ou conhecimentos comuns inquestionáveis. (cfr. Fernando Gama Lobo, Código de Processo Penal Anotado, 4.ª edição, Almedina, pág. 958.)
Veja-se o Ac. STJ datado de 09/05/2024 no processo 54/22.9PEBRR.S1 relator Jorge Gonçalves:
“Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal, podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto relevante, acarretando a normal consequência de uma decisão de direito viciada por falta de suficiente base factual, ou seja, os factos dados como provados não permitem, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do julgador. Dito de outra forma, este vício ocorre quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto contida no objeto do processo e com relevo para a decisão, cujo apuramento conduziria à solução legal.
Quanto à contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação da convicção conduz a uma decisão sobre a matéria de facto provada e não provada contrária àquela que foi tomada – e assim é porque, como já se disse, todos os vícios elencados no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P., reportam-se à decisão de facto e consubstanciam anomalias decisórias, ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto.
Finalmente, o vício do erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a alínea c) do n.º2 do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se apercebe de que o tribunal, na análise da prova, violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, verificando-se, igualmente, este vício quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis. O requisito da notoriedade afere-se, como se referiu, pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio - ou, talvez melhor dito (se partirmos de um critério menos restritivo, na senda do entendimento do Conselheiro José de Sousa Brito, na declaração de voto no Acórdão n.º 322/93, in www.tribunalconstitucional.pt, ou do entendimento do acórdão do STJ, de 30.01.2002, Proc. n.º 3264/01 - 3.ª Secção, sumariado em SASTJ), ao juiz “normal”, dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, desde que seja segura a verificação da sua existência -, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente, consistindo, basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido.”
Ora, o vício de erro notório na apreciação da prova não se verifica quando a discordância resulta da forma como o tribunal apreciou a prova produzida. O simples facto de a versão da recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal e expressa na decisão recorrida não conduz ao aludido vício.
Retornando ao caso dos autos, alega a arguida/recorrente que:
“LV.O presente recurso funda-se, desde logo, na existência de um erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, uma vez que não resultou demonstrado, com o grau de certeza exigido em processo penal, que tenha sido a arguida a autora da mensagem tida como injuriosa.
LVI. A condenação assenta unicamente na suposição de que a mensagem foi enviada a partir de um número de telemóvel alegadamente associado à arguida, sem que tenha sido produzida prova técnica, pericial ou testemunhal direta que permita concluir, para além de dúvida razoável, que foi efetivamente ela quem redigiu e enviou o conteúdo em causa.
LVII. Ora, como é consabido, no domínio penal vigora o princípio in dubio pro reo e o princípio da presunção de inocência, consagrado nos artigos 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e 6.º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos,
LVIII. Pelo que a mera possibilidade ou probabilidade de autoria nunca poderá fundamentar uma condenação.
Em especial, considera a arguida o erro notório na apreciação da prova quanto aos factos 6 a 9 que são os seguintes:
6. Na sequência deste último e-mail, perto das 16H00, a arguida enviou à assistente, através do número de telemóvel ..., as seguintes mensagens:
"Estimada BB,
Mesmo sabendo de todas as suas limitações intelectuais, de saber que é uma mulher de proveniência de baixa renda, de aparência duvidosa, feia, oportunista e sem qualquer atributo, espero que não seja burra suficiente para fazer acusações sem provas ao meu marido. Porque nesse caso, que terá de lhe colocar um, ou vários processos e a obrigar a deslocar-se a território hostil serei eu. (…). Caso contrário vá chatear a grande puta que a pariu e vá trabalhar a servir bifes ou limpar latrinas que não lhe vejo outra serventia. Espero que ele a tenha fodido bem fodida, porque vc a não ser puta realmente…Não sei para que mais dá. Sou uma pessoa liberal. Esta dou-lhe de graça. Se ele a fodeu, só espero que lhe tenha rebentado bem esse cu. E tenho pena que as suas filhas não tenhas estado lá num trio, e eu a ver. Gosto dessas coisas. E de outras mais. Pare é de mandar emails e vá dormir com o seu filho agarrado a esse par de mamas para continuar a ser o anormal que é OK? Burra do caralho Pobretanas Pé descalça Nem escrever sabe (…) Mãe de merda Cona esgaçada. Estávamos mesmo à espera q escorregasses no anzol puta do caralho. E tu és tão burra que foste logo laçaca Vaca Chula Bebeda Vai mas é educar os teus filhos Que tens uma ladra em casa E um bando de anormais à volt (…) Sua puta do caralho Merdosa Tem vergonha na puta da cara E vai ser mãe Em vez de andares a foder a cabeça dos outros Putefia Nunca saíste do caralho do bairro onde nasceste puta Agora vais ao juiz provar o que dizes. É lá que vou ter o desprazer De olhar para essa cara de vaca De puta barata De pobre De burra Ordinária E chula E agora vou beber um champagne Para comemorar”
7. O número de telemóvel ... é da arguida.
8. Com o seu comportamento, a arguida ofendeu a assistente, dirigindo-lhe palavras que atentam contra a sua honra e consideração.
9. A arguida agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei, tendo agido com intenção de ofender a assistente na sua honra e consideração.
A prova do facto 7, de que se valeu o Tribunal recorrido, adveio:
- da análise crítica e ponderada da informação junta aos autos pela ... a fls. 62 (onde se informa que o n.º ... é da arguida), em conjugação com a análise do convite de casamento junto aos autos a fls. 154 (onde vem identificado o número da arguida.
Da motivação da decisão de facto resulta que a prova do facto 6. decorre da seguinte conjugação de elementos probatórios e seu exame crítico:
- em primeiro lugar, da análise crítica e ponderada das mensagens recebidas e juntas a fls. 124 a 133, cujo teor se transcreveu.
No que diz respeito às mensagens recebidas no telemóvel da assistente, o Tribunal não teve dúvidas de que as mesmas foram enviadas pela aqui arguida e na sequência do email referido em 5., alínea c) dos factos provados, não obstante a arguida ter feito uso do seu direito ao silêncio e a amiga da arguida, HH, ter referido que CC lhe disse que as mensagens tinham sido por si enviadas e não pela arguida.
Esta testemunha referiu que foi chamada a casa do casal para ajudar num conflito.
Aí foi-lhe transmitido que na sequência de um email enviado pela aqui assistente a CC, este terá pegado no telefone da arguida e terá enviado à assistente as mensagens objecto dos presentes.
Não demos credibilidade à versão dos factos apresentada por esta testemunha, por se encontrar em contradição com a demais prova produzida e com o normal acontecer.
Primeiro, as mensagens foram envidas do telemóvel da arguida (cfr. factos descritos em 7.), que é um objecto pessoal.
Depois, da análise do conteúdo das mensagens se percebe que as mesmas foram enviadas à assistente com o intuito que a mesma soubesse quem era o seu remetente (a aqui arguida), aí se utilizando expressões como “ao meu marido”.
Da leitura das mensagens se conclui que foram enviadas pela mulher de CC, aqui arguida.
As mesmas foram enviadas na sequência do email enviado pela assistente ao seu ex-marido, onde refere que os mesmos dormiram juntos mesmo depois de este se encontrar a morar com a arguida.
Em resposta a esse email a arguida escreve “Se ele a fodeu, só espero que lhe tenha rebentado bem esse cu. E tenho pena que as suas filhas não tenhas estado lé num trio e eu a ver.” Por muito mau que seja o relacionamento entre a assistente e o seu ex-marido, e até mesmo entre CC e as suas filhas, não equacionamos que um pai se refira às filhas desta maneira, ainda que fazendo-se passar pela arguida, como a testemunha HH insinuou ter ocorrido.
Donde concluímos que as mensagens foram enviadas pela arguida e não pelo seu marido fazendo-se passar por si.
Acresce ainda o facto de a assistente ter esclarecido que a comunicação que tem com o seu ex-marido faz-se sempre por email, pelo que não se via por que motivo, apenas desta vez, CC tivesse optado por enviar mensagens através do telemóvel, do telemóvel da arguida e, mais, fazendo-se passar por ela.
E não infirma esta conclusão o facto de algumas expressões utilizadas pela arguida nas mensagens enviadas serem também expressões que o próprio CC utiliza nos seus emails, como, por exemplo, “pés descalços”, uma que é até natural que, sendo a arguida e CC um casal, tenham adoptado formas semelhantes de se referirem a determinadas realidades.
Quanto aos factos 8 e 9 o Tribunal ateve-se aos seguintes meios probatórios:
Atendendo ao teor das mensagens, também não restam dúvidas que a intenção da arguida foi a de achincalhar a assistente, atingindo-a na sua honra e dignidade pessoal, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, o que não poderia ignorar, atendendo até à sua escolaridade e ao contexto social e profissional onde se insere.
Invoca a recorrente que a autoria da mensagens se baseia numa probabilidade e não certeza, considerando que a ausência de perícia informática e a falta de prova directa, inquina a convicção do Tribunal por violar o princípio da livre apreciação da prova nos termos do artigo 127.º do CPP, quando exercida de forma arbitrária ou sem base objectiva.
Mais alega que a convicção se baseou numa presunção subjectiva desfavorável à arguida num processo penal, impunha-se a sua absolvição por ausência de prova bastante da prática do crime de injúria, considerando que a titularidade formal de um número não é equivalente à sua utilização exclusiva, nem comprova quem, efetivamente, redigiu e enviou o conteúdo em causa e que não ficou provado nos autos que o telemóvel ou o cartão SIM estivessem na posse exclusiva da arguida à data dos factos nem sequer que aquele número corresponde à aqui Arguida, ora Recorrente e que o conteúdo da mensagem não contém qualquer expressão identificadora, referência pessoal ou estilo linguístico distintivo que permita relacioná-la de forma credível com a arguida, ora Recorrente.
Ora, decorre da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o princípio inserto no art.º 127.º, do CPP estabelece três critérios para a apreciação da prova:
1. O primeiro é a apreciação da prova meramente objectiva quando a lei o determina (por exemplo na apreciação do caso julgado (art.º 84.º) na apreciação da prova pericial (art.º 163ª) na apreciação do valor probatório de alguns documentos (art.º 169.º) na confissão integral e sem reservas (art.º 344.º);
2. O segundo também objectivo advém de conhecimentos científicos genéricos e das regras da experiência comum, da normalidade do pensar e agir humano;
3. O terceiro será eminentemente subjectivo que resulta da livre convicção objectivável e motivável do julgador (neste sentido Acórdão do STJ de 18/01/2010, processo 3105/00, in www.dgsi.pt. e Fernando Gama Lobo, Código de Processo penal Anotado, Almedina, 4.ª Edição)
É certo que, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, inserto no art.º 127.º, do CPP, o julgador é livre ao apreciar as provas, estando tal apreciação apenas vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório sendo que “A livre convicção não pode ser vista em função de qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, mas antes deve perspetivar-se segundo as regras da experiência comum, num complexo de motivos, referências e raciocínio, de cariz intelectual e de consciência, que deve de todo em todo ficar de fora a qualquer intromissão interna em sede de conhecimento. Isto é, na outorga, não de um poder arbitrário, mas antes de um dever de perseguir a chamada verdade material, verdade prático-jurídica, segundo critérios objectivos e susceptíveis de motivação racional.” – cfr. Professor Figueiredo Dias, ob. e loc. citados e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08.02.2012, proferido no processo nº 38/10.0 TAFIG.C1, disponível in www.dgsi.pt/jtrc.
Adianta-se desde já, como já referido a propósito da falta de fundamentação e exame crítico que a lei não determina a realização de qualquer prova objectiva, nomeadamente pericial, nem cientifica para demonstração dos factos 6 a 9, vigorando, no caso, a livre convicção objectivável e motivável, motivação que foi realizada pelo Tribunal recorrido.
Ademais, é consensual na doutrina e jurisprudência que, para além dos meios de prova directos, o tribunal pode socorrer-se de procedimentos lógicos de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido, válidos também no processo penal, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei, de acordo com o art.º 125.º, do Código de Processo Penal estando conforme a constituição.
Saliente-se que o Tribunal Constitucional no Acórdão 521/2018 de 17/10/2018 (Processo n.º 321/2018 3ª Secção Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro)(in www.tribunalconstitucional.pt) decidiu mesmo não julgar inconstitucional, por violação dos princípios da presunção de inocência e da estrutura acusatória do processo penal, consagrados nos n.ºs 2 e 5 do artigo 32.º, da constituição, o art.º 125.º, do CPP , na interpretação de que a prova indiciária e a prova por presunções judiciais são admissíveis em direito penal e em direito processual penal. A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros.
Veja-se por todos, também o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-01-2023 processo 1197/07.4PBMTS.P1, in www.dgsi.pt:
“IV – Encontra-se consolidado o entendimento de que para a prova dos factos em processo penal é perfeitamente legítimo o recurso à prova indireta, também chamada prova indiciária, por presunções ou circunstancial.
V – Acresce que a nossa lei adjetiva penal não estabelece requisitos especiais sobre a apreciação da prova indiciária, pelo que o fundamento da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objetivável, nada impedindo que, devidamente valorada, por si e na conjugação dos vários indícios e de acordo com as regras da experiência, permita fundamentar a condenação.
VI – Naturalmente, quando a base do juízo de facto é indireta, impõe-se um particular rigor na análise dos elementos que sustentam tal juízo, a fim de evitar erros, pois que a presunção de inocência que impera em direito processual penal exige que não seja afetada pela utilização de presunções judiciais.
VII – Assim sendo, a utilização de uma presunção judicial para determinar a culpa pela prática de um ilícito criminal deve ser particularmente sólida, bem fundamentada, não dando margem para o erro judiciário, ou seja, além da prova fundamentada dos factos básicos deve existir uma conexão racional forte entre esses factos e o facto consequência.”
A prova indirecta (ou indiciária) não é um “minus” relativamente à prova directa. Pelo contrário, pois se é certo que na prova indirecta intervêm a inteligência e a lógica do julgador que associa o facto indício a uma regra da experiência que vai permitir alcançar a convicção sobre o facto a provar, na prova directa intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será muito mais perigoso de determinar, como é o caso da credibilidade do testemunho. No entanto, a prova indirecta exige um particular cuidado na sua apreciação, uma vez que apenas se pode extrair o facto probando do facto indiciário quando tal seja corroborado por outros elementos de prova, por forma a que sejam afastadas outras hipóteses igualmente possíveis.
A nossa lei processual penal não estabelece requisitos especiais sobre a apreciação da prova, quer a directa, quer a indiciária, pelo que o fundamento da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável, valorada por si e na conjugação dos vários elementos de prova, analisados de acordo com as regras da experiência.
É certo que, no caso em análise, quer a prova da autoria, quer a prova dos factos subjectivos se baseou quer em prova directa de factos base quer em prova indirecta.
Quanto à prova da autoria o Tribunal recorrido baseou-se em prova directa de factos conhecidos, concluindo destes, inelutavelmente, que quem escreveu e enviou as mensagens constantes do facto provado 6 foi a arguida.
Efectivamente são estes os factos conhecidos e provados:
- O número de telemóvel ... é da arguida, o que decorre em conjugação com a análise do convite de casamento junto aos autos a fls. 154 (onde vem identificado o número da arguida, da informação junta aos autos pela ... a fls. 62;
- as mensagens foram envidas de um objecto pessoal que é o telemóvel da arguida.
- O conteúdo das mensagens recebidas e juntas a fls. 124 a 133, efectivamente, da análise do conteúdo das mensagens se percebe que as mesmas foram enviadas à assistente com o intuito que a mesma soubesse que era a arguida o seu remetente, aí se utilizando expressões como “ao meu marido” quem era à data CC. (facto provado 4.).
-percebe-se que foram enviadas na sequência do email enviado pela assistente ao seu ex-marido no dia ........2023, pelas 14:29, onde refere que os mesmos dormiram juntos mesmo depois de este se encontrar a morar com a arguida.(facto provado 5.);
E destes factos se conclui, na convicção, determinada pelas regras da experiência, do que é normal e tipico, que as mensagens foram enviadas pela arguida e não pelo seu marido fazendo-se passar por si, como aventou a testemunha KK, e cujo depoimento não mereceu credibilidade, pelas razões apontadas no exame crítico do Tribunal recorrido. Não dando margem para o erro judiciário, existindo entre os factos base e o facto consequência uma conexão racional forte.
Quanto aos factos subjectivos foram dados como provados porque resultaram da factualidade objectiva provada e que, com segurança permite inferir, com base em presunção natural essa motivação, não se vendo na operação qualquer violação do art.º 127.º, porquanto os factos atinentes ao elemento subjectivo, não são, em regra, apreensível directamente, decorrendo antes da materialidade dos restantes factos, analisada à luz das regras da experiência comum, constituindo inferências que se retiram dos restantes factos provados, das circunstancias objetivas, idóneas claras no que respeita ao grau de representação, previsão e conformação ou não do agente.
Assim, na análise desta prova que fundou a resposta positiva aos factos 6 a 9 não se vê que tenham sido violadas, pelo Tribunal recorrido, as regras da experiência ou que a apreciação seja manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, ou que tenham sido violadas as regras sobre prova vinculada ou das leges artis.
Alega, não obstante, a recorrente, a violação do in dubio pro reo, ao dar o Tribunal como provados esses factos, considerando a prova existente nos autos e a produzida em julgamento, não concretizando, porém, quais os meios de prova a que se refere.
É certo que o princípio in dubio pro reo, emanado do princípio político-jurídico da presunção de inocência, até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (art. 32.°, n.° 2, da CRP), vem sendo assumido, genericamente, que se encontra, intimamente ligado ao da livre apreciação da prova (art. 127.º do CPP), do qual constitui faceta, e este último apenas comporta as excepções integradas no princípio da prova legal, ou tarifada, ou as que derivem de uma apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova produzida e ofensiva das regras da experiência comum.O princípio in dubio não é uma regra para a apreciação da prova, pois que apenas se aplica depois de finalizada a valoração e apreciação crítica da prova. O princípio in dubio pro reo é, assim, apenas uma regra de decisão da prova.
O uso do princípio in dubio pro reo só deve ocorrer quando, após a produção e a apreciação dos meios de prova relevantes, o julgador se defronte com a existência de uma dúvida razoável sobre a verificação dos factos e, perante ela, se lhe imponha decidir a favor do arguido. Não se trata, pois, de uma dúvida hipotética, abstrata ou de uma mera hipótese.
Como princípio que se projecta em sede de apreciação da prova, muito embora também se possa colocar em sede de impugnação ampla da matéria de facto e de reapreciação da prova pelo Tribunal de recurso, o que no caso não se operou, atenta rejeição por falta de cumprimento dos requisitos, a sua violação é também tradicionalmente tratada como erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº 2, al. c) do Código de Processo Penal), e, por isso, tal como sucede com os demais vícios da sentença, tem que resultar ou decorrer do próprio texto da decisão recorrida.
O princípio in dubio pro reo resulta, igualmente, do princípio da culpa, que se retira dos artigos 18º n.º 2 e 27º da CRP. Com efeito, o princípio da culpa, é um princípio material de direito penal substantivo e sem determinação da culpa, não pode recair sobre quem quer que seja um juízo de censurabilidade. (neste sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de novembro de 2002, Proc. nº 3316/02-5ª in www.dgsi.pt).
Se o juiz não lograr tal convicção, isso equivale a duvidar. Na dúvida in dubio pro reo. A dúvida que fundamenta o apelo ao princípio in dubio pro reo deve ser insanável, razoável e objetivável. (neste sentido Ac. STJ de 12/01/2023 processo n.º 569/20.3JAAVR.P1.S1 relatora LEONOR FURTADO in www.dgsi.pt).
Como escreve FERNANDO GAMA LOBO “O princípio in dubio pro reo não é mais do que um corolário da presunção de inocência, consagrado constitucionalmente no art.º 32.º, n.º2 da CRP. Produto da Revolução Francesa, repousa na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art.º 11.º) e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art.º 6.º). Tem na apreciação da prova o seu campo jurídico de aplicação natural e lógico, a qual é da competência do Juiz. Com efeito enquanto não for demonstrada a culpabilidade do arguido, não é admissível a sua condenação. Tal princípio, serve para resolver a dúvida que surjam numa situação probatória incerta. Mas a dúvida tem que ser do juiz e não dos restantes intervenientes processuais(…).” in Código de Processo Penal Anotado, 4.ª edição.
Porém, o Tribunal de recurso, em sede de impugnação restrita da decisão sobre as matéria de facto, apenas pode censurar o uso feito desse princípio se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo - e não os sujeitos processuais ou algum deles - chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável à arguida.
Ora, no caso concreto, o Tribunal de 1ª Instância não manifestou qualquer dúvida a respeito de qualquer dos factos dados como provados, nomeadamente, os 6 a 9 impugnados expressamente pela recorrente, com apoio nos meios de prova disponíveis e lendo-os criticamente à luz das regras da experiência comum, justificando devidamente a versão que acolheu, como se denota da motivação.
Logo, é patente a falta de fundamento legal para a invocada violação do princípio in dubio pro reo, (art.º 32.º, n.º2, da CRP) nem ocorrendo erro notório a que alude no art.º 410.º, n.º2, al. c), do CPP no que a esse princípio concerne, nem qualquer outros dos vícios a que se reporta o mesmo art.º nas alíneas a) e b) do n.º2, que é lícito ao Tribunal de recurso conhecer mesmo oficiosamente, porquanto a matéria de facto provada é suficiente para a decisão condenatória, encontrando-se correctamente enquadrada no crime de injúria, p.º e p.º pelo art.º 181.º, n.º1, do CP , não existindo contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
Em suma, no caso dos autos e analisado o texto do Acórdão recorrido, na fundamentação de facto e supra transcrita, é notório que o Tribunal evidencia, na sua exposição motivacional uma posição segura e inequívoca em especial relativamente aos factos dados como provados traduzida em fundamentação lógica e escorreita, despida de contradições, sem vícios de raciocínio, ou erro crasso, insuficiência ou contradição, e a decisão encontra-se escorada no circunstancialismo fundamentador absolutamente conforme às regras da experiência comum.
Está assim, definitivamente fixada a matéria de facto provada tal qual realizada pelo tribunal da primeira instância.
Consequentemente, improcede também este segmento do recurso.
IV.4. Da medida da pena aplicada.
Quanto à medida da pena aplicada, defende a arguida que a decisão recorrida padece de evidente excesso, violando os princípios fundamentais da proporcionalidade e da culpa, que norteiam o direito penal, que não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha feito a devida ponderação desses elementos, limitando-se a aplicar, de forma automática, uma pena pecuniária de 25€ por 90 dias, sem justificar concretamente a necessidade ou proporcionalidade de tal montante, tendo em conta a gravidade objectiva do facto e as circunstâncias subjectivas da arguida, tratando-se de ilícitos de menor gravidade, sem recurso a violência ou ameaça, e cuja natureza, por definição, apela a uma resposta penal mínima, sob pena de se deturpar a função do direito penal como ultima ratio.
Vejamos:
É lapidar o Acórdão do STJ de 19.05.2021, relatado por Ana Barata Brito, in www.dgsi.ptNo que respeita à decisão sobre a pena, mormente à sua medida, começa por lembrar-se que os recursos não são re-julgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos. Assim, também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico.
Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém na pena, alterando-a, quando detecta incorrecções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar.
A sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso, abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197).” No mesmo sentido Acórdão da Relação de Lisboa de 20/02/2025, processo 538/23.1 SXLSB.L1-9, relator JORGE ROSAS DE CASTRO e, na doutrina, entre outros Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197.
Para apreciação da questão da determinação da medida concreta da pena importa considerar o disposto nos art.s 40º e 71º do Código Penal.
Responde o art.º 40º do C. Penal, à questão de saber quais são as finalidades, dispondo no seu nº 1 que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, acrescentando no seu nº 2 que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, em concordância com o que estabelece o art.º 71º, nº 1 do mesmo código.
Com a inserção deste dispositivo estiveram no pensamento legislativo somente razões pragmáticas. Tratou-se tão só de dar ao interprete e ao aplicador do direito criminal critérios de escolha e medida das penas e das medidas de segurança, em vista de serem atingidos os fins últimos para os quais todos os outros convergem, que são a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que a medida da culpa condiciona a própria medida da pena, sendo assim um limite inultrapassável desta (neste sentido Maia Gonçalves, Código penal Português anotado e comentado, 8.ª Edição Almedina Coimbra pág. 291).
Dispõe o art.º 71.º do C. Penal (Determinação da medida da pena) que:
“1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c)Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.” (destaque nosso)
Deste modo, são elementos fundamentais da operação da escolha e determinação da pena, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente, logo, fins de prevenção – geral e especial – por um lado, e a sua limitação pela medida da culpa do agente, por outro.
A prevenção geral reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto e a culpa, dirigida ao agente do crime, constitui o limite inultrapassável da pena (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 214 e ss.).
É sabido que a determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização (de harmonia com o disposto nos art.º 71.º, n.º 1 e 40.º do CP), deve, no caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão.
Para que se possa determinar o substrato da medida concreta da pena, dever-se-ão ter em conta todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido, nomeadamente, os fatores de determinação da pena elencados no art.º 71.º, n.º 2, do CP.
Da análise conjugada de tais normativos e como é jurisprudência firmada, a medida da culpa constituirá o limite máximo da medida da pena concreta, funcionando as exigências de prevenção geral como seu limite mínimo, dentro da moldura abstracta aplicável ao tipo de crime, necessário à reafirmação da norma jurídico-penal violada pela conduta do agente.
Por outro lado, concretizando os critérios enunciados no citado art.º 71º, os mesmos poderão ser perspectivados como:
- os atinentes ao grau de ilicitude e que contendem com as referidas exigências de prevenção geral (como sejam o grau de violação ou perigo de violação do interesse ofendido; o número de interesses ofendidos e suas consequências, a eficácia dos meios de agressão utilizados),
- os reportados ao grau de culpa (designadamente, o grau de violação dos deveres impostos ao agente; o grau de intensidade da vontade criminosa; os sentimentos manifestados no cometimento do crime; os fins ou motivos determinantes; a conduta anterior e posterior; a personalidade do agente),
- e os que se referem à influência da aplicação da pena sobre a pessoa do agente, ou seja, às exigências de prevenção especial, mormente, as condições pessoais do agente e a sua situação económica.
Volvendo ao caso dos autos, considerando que o crime de injúria é punível com pena de prisão de um mês até três meses de prisão ou com pena de multa de 10 a 120 dias (cfr. artigos 41.º, n.º 1, 47.º, n.º 1, 181.º do Código Penal), prevendo em alternativa, a punição com pena privativa da liberdade e multa, o Tribunal recorrido optou pela pena de multa o que não se mostra posto em causa no recurso.
Considerou o Tribunal recorrido quanto à sua determinação concreta, no que respeita em especial, à fixação dos dias de multa, que:
“Importa assim considerar todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra a arguida:
a) A ilicitude dos factos considera-se elevada, atendendo ao número e teor das expressões proferidas, e ao contexto em que as mesmas surgiram. Para além de utilizar variadíssimas expressões injuriosas, ainda se refere aos filhos da assistente da mesma forma. Não podemos esquecer que a arguida é madrasta dos filhos da assistente, devendo, por isso mesmo, ter um especial dever de respeito quer pela assistente quer pelos filhos da mesma.
b) A culpa é elevada, uma vez que se molda no dolo directo.
c) As necessidades de prevenção geral são elevadas, atenta sobretudo a frequência da prática dos crimes em discussão nos autos, justificando-se a nível da prevenção geral a aplicação de penas cujo limite mínimo vá desencorajando aqueles cuja verborreia revela total desrespeito pela honra e consideração social do seu semelhante.
d) As exigências de prevenção especial são medianas, e neste sentido temos que, apesar de a arguida não ter antecedentes criminais registados, a verdade é que, a relação conflituosa entre a arguida e a assistente ainda se mantém, e que poderá originar mais situações semelhantes à dos autos.
Como atenuante revelou ainda:
e) O facto de a arguida se encontrar pessoal, profissional e familiarmente inserida.
Ponderado tudo o acima exposto, bem como a moldura penal aplicável ao crime em apreço, e sabendo que a pena a aplicar à arguida deverá ser o reflexo de todos os critérios e factores enunciados, afigura-se justo e adequado:
• Condenar a arguida na pena de 90 (noventa) dias de multa, pelo crime de injúria praticado.”
Analisados os fundamentos do Tribunal recorrido na operação de determinação da medida concreta da pena de multa, conclui-se que o mesmo observou o disposto nos art.s 40º e 71º do Código Penal, mormente os fins das penas e os critérios enunciados neste último normativo.
Louvámo-nos na fundamentação do Tribunal recorrido, que se mostra correcta quer na operação pela escolha da pena multa quer na determinação concreta da pena, no que respeita aos dias de multa (90), porquanto foram tidos em conta todos os factores pertinentes e não ocorrem quaisquer incorreções ou distorções no processo aplicativo ou na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena, não sendo desrespeitados os princípios gerais e as operações de determinação impostas por lei, nem foram violadas regras da experiência.
Assim, não se vê, na ponderação e conjugação dos vários factores e princípios que concorrem na operação de determinação concreta dos dias de multa, que o tribunal recorrido tenha revelado desproporção ou inadequação ou incorrido em violação de qualquer preceito, nomeadamente, os art.ºs 40.º, 70.º e 71.º do CP.
No que respeita ao quantitativo diário, o mesmo corresponde a quantia que pode ir desde os €5 até aos €500, como decorre do n.º2 do art.º 47.º, do CP.
A fixação do montante diário da multa é uma operação autónoma da fixação prévia do número de dias de multa, seja como pena principal seja como pena subsidiária, que com ela se não pode confundir, nomeadamente pelo facto de se proibir a dupla valoração de circunstâncias sendo, no entanto, ainda uma operação que se insere no âmbito da aplicação concreta da pena de multa e nessa medida não podem colocar-se de lado as finalidades que subjazem à própria pena, nomeadamente os princípios decorrentes do artigo 40º do Código Penal, ou seja a protecção de bens jurídicos, a reintegração do arguido e a culpa que vinculam quem aplica em concreto as penas não se confunde com a proibição da dupla valoração. (neste sentido Ac. TRC de 03/03/2010, Processo: 484/06.3PAMRG.C1, relator Mouraz Lopes, in www.dgsi.pt)
O quantitativo diário da pena de multa, é fixado em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, tal como decorre do critério geral consignado no art. 47º, nº 2 do C. Penal. (cfr. Ac. do TRC de 04/02/2015 proc. 194/13.5IDLRA.C1 in www.dgsi.pt).
Na verdade, o sistema de sanção pecuniária diária em montante variável acolhido no nosso ordenamento penal procura obviar a um dos maiores inconvenientes assacados à pena de multa, a saber, o peso desigual para pobres e ricos, e constitui corolário evidente do princípio da igualdade, impondo o mesmo sacrifício qualquer que sejam os meios de fortuna. Através da autonomização da operação de determinação da pena da definição do quantitativo diário da pena procura conferir-se ao sistema elasticidade na adequação à situação económico-financeira do condenado, preservando eficácia preventiva, tanto no plano da prevenção geral positiva – contrariando a percepção comunitária de que a sanção pecuniária não é dissuasora – como da prevenção especial de integração – obrigando o condenado a genuína reflexão, através de real sacrifício, sem colocar em causa mínimos de subsistência. (neste sentido Acórdão do TRC de 05/11/2008329/06.4TAMLD.C1. in www.dgsi.pt).
Os parâmetros referenciais, ainda contido nos limites da norma aplicável (art.º 47.º, n.º2, do CP), deve, em obediência à ratio do sistema, nortear a fixação do quantitativo diário da multa.
Ora, o Tribunal recorrido, na fixação do quantitativo diário considerou o seguinte.
II.4.2.2.2
Do Quantitativo diário Importa agora apurar o quantitativo diário aplicável à arguida. De acordo com o artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal, a cada dia de multa corresponde uma quantia entre € 5 e € 500, devendo o tribunal atender à situação económica e financeira da arguida e aos seus encargos pessoais.
Também Figueiredo Dias define os parâmetros para a fixação do quantitativo diário, de modo a realizar a desejada igualdade de ónus e sacrifícios entre todos os indivíduos sujeitos a pena de multa. Assim dever-se-á ter em conta:
a) a situação económico-financeira do condenado;
b) os seus rendimentos e encargos;
c) os deveres e obrigações do condenado decorrente ao facto de haver praticado um facto ilícito de natureza criminal.
Do que foi possível apurar verificamos que a arguida trabalha, auferindo € 2783,00. Mora com o marido, que também trabalha. Atenta a situação económica descrita, julgamos justo e adequado fixar o quantitativo diário em € 25,00 (vinte e cinco euros).
Ficou, efectivamente provado relativamente à situação patrimonial de arguida que:
II.1.4 Das condições pessoais e de vida da arguida
17. A arguida tem registo na segurança social como trabalhadora da ... ..., com uma remuneração mensal de € 2783,00.
Mais, resulta provado que a arguida é casada com CC desde ........2022.
Considerando os factos provados e atendidos pelo Tribunal recorrido, consideramos razoável, justo proporcional e adequado o valor do quantitativo diário de €20,00, reduzindo o fixado em primeira instância para esse valor.
Destarte, fixar no caso dos autos o montante diário da multa abaixo disto equivaleria a colocar em risco os efeitos preventivos gerais e especiais que cabem à pena, considerando o circunstancialismo que envolveu os factos provados, frustrando a intenção político criminal do legislador de reforço da confiança da generalidade dos cidadãos na norma violada e não contribuindo para a arguida, no futuro conduzir a sua vida sem cometer crimes, considerando, a ligação existente entre as partes, sendo a arguida actual mulher do ex marido da ofendida, com quem tem filhos menores, e como referido pelo Tribunal recorrido, a relação conflituosa entre a arguida e a assistente mantém-se, e poderá originar mais situações semelhantes à dos autos.
Pelo que consideramos adequada e proporcional a pena fixada de 90 dias de multa mantendo-se a condenação realizada pelo Tribunal a quo nesta parte, e, quanto ao quantitativo diário, reduz-se para o montante de €20 euros, o que perfaz o valor de €1.800,00.
Procede, assim parcialmente, este segmento do recurso.
IV.5. Da (in) verificação dos pressupostos da responsabilidade civil no que respeita ao pedido cível em especial quanto ao dano e ao valor do montante fixado a título de indemnização.
Refere a recorrente, além do mais, que:
CL.No presente caso, o Tribunal limitou-se a fixar o montante indemnizatório sem explicitar, de forma clara, quais os concretos prejuízos não patrimoniais sofridos pela demandante, em que medida foram sentidos, por quanto tempo, ou que repercussões tiveram na sua vida pessoal, profissional ou social.
CLI. O valor fixado parece antes refletir um juízo de censura penal da conduta da arguida do que uma verdadeira reparação civil pelos danos efetivamente sofridos, o que subverte a natureza própria da indemnização civil no processo penal — a qual deve ser compensatória e não punitiva.
CLII. Acresce que, tendo sido reconhecidos danos patrimoniais de apenas 60€, sem demonstração de gastos médicos, baixa laboral, ou qualquer tipo de incapacidade, não se compreende como se arbitra, sem justificação, um valor de 2,500,00€ para compensar meros danos de foro anímico ou subjetivo, cuja extensão e intensidade não foram apuradas com rigor.
CLIII. A alegação de danos não patrimoniais, por sua vez, não foi acompanhada de prova robusta que evidenciasse sofrimento de intensidade significativa ou qualquer perturbação séria da vida pessoal, social ou profissional da ofendida.
CLIV. Reforça-se que não foi produzida prova que sustentasse objetivamente o sofrimento da assistente para além do desconforto natural decorrente do episódio, nem se demonstrou qualquer consequência duradoura ou agravamento do seu estado emocional ou social.
Como resulta do disposto no artigo 129º do CP, o pagamento a que o demandado cível pode ser condenado em processo penal é sempre uma indemnização, que se funda na prática de um facto ilícito, sendo formulado ao abrigo do princípio da adesão previsto no art.º 71.º, do CPP.
Nos termos do disposto no art.º 129º do CP, “A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.” Sendo a norma jurídica basilar aplicável à situação «sub judice» do disposto no art.º 483.º, do CC,
O Tribunal de 1ª Instância julgou procedente o pedido de indemnização civil, condenando a demandada/arguida a pagar à Demandante/assistente a quantia de € 2.500, a título de danos não patrimoniais, o que a arguida considera excessivo.
Fundou a primeira instância a condenação nas seguintes considerações, no que respeita à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil no caso concreto:
“Afigura-se-nos, que se encontram preenchidos, todos os pressupostos deste tipo de responsabilidade, relativamente aos danos sofridos em consequências das palavras injuriosas utilizadas pela arguida.
Senão vejamos: Na verdade, estamos, desde logo, perante um facto voluntário da arguida, que quis dirigir-se à assistente da forma com o fez, tal como descrito no ponto 6. dos factos provados, sabendo que com tal conduta ofendia a honra e consideração do assistente, o previu e quis. Ressalta, assim, impressivamente o carácter ilícito de tal acção, porquanto violou vários direitos da assistente: o seu direito absoluto à honra e consideração pessoal. E tendo a arguida agido de forma dolosa, dúvidas não restam quanto ao juízo de censura ou reprovabilidade que sobre si impende, designadamente assacando-lhe uma acção de natureza culposa.
Mas para haver obrigação de indemnizar necessário se torna que exista um dano, isto é, que o facto ilícito e culposo tenha causado um prejuízo ao ofendido.
E quanto ao dano e fixação do quantitativo indemnizatório considerou ainda que:
Neste caso resultou provado que com a conduta da arguida a assistente se sentiu profundamente ofendida, angustiada, triste, vexada e ferida na sua dignidade.
Nos dias seguintes, ficou debilitada psicologicamente, sem condições de trabalhar, faltando ao trabalho, deixou de praticar desporto, de conviver com família e amigos. Por causa dos factos descritos em 6. a assistente recorreu aos serviços de psicologia da Dr.ª GG, no intuito de voltar à sua rotina habitual, tendo ido a uma consulta a ........2023, que teve um custo de € 60,00. Para além do prejuízo patrimonial no valor de € 60,00 com o pagamento da consulta, que é ressarcível, todos os outros factos também consubstanciam danos morais ressarcíveis segundo o nosso ordenamento jurídico.
Os danos não patrimoniais correspondem a lesões que não acarretam directamente consequências patrimoniais imediatamente valoráveis em termos económicos, porquanto se tratam de lesões que redundam, neste caso, em sofrimento psicológico, mas que, ao fim e ao cabo, constituem num injusto turbamento de ânimo na vítima.
No que tange a este tipo de danos, importante não é verificar quanto as coisas valem, mas sim, ao invés, encontrar um “quantum” necessário para obter aquelas satisfações que constituem a reparação indirecta possível. Na verdade, o dinheiro não tem a virtualidade de apagar o dano, mas pode este ser contrabalançado, “mediante uma soma capaz de proporcionar prazeres ou satisfações à vítima, que de algum modo atenuem ou, em todo o caso, compensem esse dano” (Pinto Monteiro, in “Sobre a reparação de danos morais”, Revista Portuguesa do Dano corporal, Setembro 1992, n.º 1, APADAC, pág. 20).
Com efeito, e como se disse no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Abril de 1991, o art. 496.º fixou “não uma concepção materialista da vida, mas um critério que consiste em que se conceda ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada adequada a proporcionar-lhe alegrias ou satisfações que, de algum modo, contrabalancem as dores, desilusões, desgostos, ou outros sofrimentos que o ofensor tenha provocado” (publicado no BMJ n.º 406, pág. 618).
Tudo isto é conseguido através dos juízos de equidade referidos no art. 496.º, n.º 3, o que, evidentemente, importará uma certa dificuldade de cálculo, mas que não poderá servir de desculpa para uma falta de decisão: é um risco assumido pelo sistema judicial. Ora, o chamado dano de cálculo não serve para aqui.
Como acima se deixou dito, a indemnização, nestes casos, não é mais que uma compensação, que procura viabilizar utilidades ou prazeres que possam servir, de algum modo, como sucedâneos daquilo que se perdeu. Mas esta sua natureza compensatória não exclui, antes pressupõe, que se considere na sua medida a gravidade do dano causado. Atento o que supra se expôs consideramos que o dano causado é médio. Por outro lado, o quadro de sofrimento psíquico assume uma gravidade mediana.
Mais se provou que a arguida se encontra numa situação económica estável, auferindo muito acima da média nacional. Relativamente à situação económica da assistente verificamos que tem uma situação económica estável, mas com rendimento perto do ordenado mínimo nacional. Assim sendo, recorrendo à equidade ou justiça do caso concreto, de harmonia com o que se estabelece no artigo 496.º, n.º 3, 1.ª parte, do Código Civil, atendendo à situação económica da demandante e da demandada, entende-se adequada uma indemnização pecuniária, a pagar pela demandada tendo em conta a culpa desta e considerando os danos relevantes, tendo ainda em conta o circunstancialismo em que as expressões tiveram lugar e as repercussões destas na assistente, julga-se adequado fixar-lhe, a título de compensação, pelos danos morais sofridos, a quantia de € 2500,00 (dois mil e quinhentos).
Consignou o legislador Constitucional, no art. 26º, nº 1, que «A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.»
A Constituição da República Portuguesa estabelece logo no seu art.º 1º que a República Portuguesa baseia-se na dignidade da pessoa humana.
O direito ao bom-nome e reputação “consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação3.
Também para a lei ordinária a personalidade moral, o bom-nome e consideração social das pessoas, são valores tutelados, conforme resulta dos artigos 180.º a 184.º, do CP, 70º e 484º do Código Civil.
No art.º 70º, do Código Civil, a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. E independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida (Cfr. nºs 1 e 2).
Já no art. 484º, do Código Civil, estatuiu-se que quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados. Ao proteger-se o bom-nome de qualquer pessoa, está-se a tutelar um dos elementos essenciais da dignidade humana, a qual é inata a todos os seres humanos: a sua honra.
Pode dizer-se que o direito à honra, enquanto bem jurídico a proteger, é uma das mais importantes concretizações da tutela dos direitos de personalidade. “A honra é a dignidade pessoal pertencente à pessoa enquanto tal, e reconhecida na comunidade em que se insere e em que coabita e convive com as outras pessoa. A perda ou lesão da honra – a desonra – resulta, ao nível pessoal, subjectivo, na perda e no respeito que a pessoa tem por si própria. (…) A honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale, e que a consideração é aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal forma que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa ao desprezo público4.
No dizer de Rabindrath Capelo de Sousa, a honra “abrange desde logo a projecção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela natureza igualmente para todos os seres humanos, insusceptível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância… Em sentido amplo inclui também o bom nome e reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político” - O Direito Geral da Personalidade, pp. 303-304 apud acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-05-2002, relator Ferreira Ramos, CJ (STJ), II, pág. 65.
O art. 12º da Declaração Universal dos Direitos Humanos dispõe que “Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei.
É certo que dispõe-se o art. 19º, da Declaração Universal dos Direitos Humanos que «Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e da procurar, receber e difundir, sem considerações de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão».
A Convenção Europeia dos Direitos do Humanos, prevê no seu art. 10º, que « (n.º 1) Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem consideração de fronteiras. (n.º 2) O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas na lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde e da moral, a protecção da honra e dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial».
Na lei interna, encontramos o direito à liberdade de expressão no art.º 37º da CRP, sob a epígrafe de Liberdade de expressão e informação que dispõe que:
“1.– Todos têm direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
2.– O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
3.– As infrações cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respetivamente da competência dos Tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei.
4.– A todas as pessoas, singulares ou coletivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de retificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.”
A liberdade de expressão não é um direito absoluto, e deve ser compatibilizada nomeadamente com o direito à honra, que assume relevância idêntica na hierarquia dos direitos que têm tutela constitucional, questão esta que nos reconduz à problemática da conflitualidade entre direitos fundamentais.
No seu Acórdão nº 81/84, D.R., II Série, de 31-01-1985, do Tribunal Constitucional, Relator: Conselheiro MESSIAS BENTO, considerou que:
“a liberdade de expressão ― como, de resto, os demais direitos fundamentais ― não é um direito absoluto, nem ilimitado. Desde logo, a proteção constitucional de um tal direito não abrange todas as situações, formas ou modos pensáveis do seu exercício. Tem, antes, limites imanentes. O seu domínio de proteção para ali onde ele possa pôr em causa o conteúdo essencial de outro direito ou atingir intoleravelmente a moral social ou os valores e princípios fundamentais da ordem constitucional. (...) Depois, movendo-se num contexto social e tendo, por isso, que conviver com os direitos de outros titulares, há de ele sofrer as limitações impostas pela necessidade de realização destes. E, então, em caso de colisão ou conflito com outros direitos ― designadamente com aqueles que se acham também diretamente vinculados à dignidade da pessoa humana [v.g. o direito à integridade moral (artigo 25º, nº 1) e o direito ao bom nome e reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26º, nº 1)]―, haverá que limitar-se em termos de deixar que esses outros direitos encontrem também formas de realização”.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/09/2021 processo 8777/21.3T8LSB.L1-7 Relator LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, cujo sumário é o seguinte:
I.–A liberdade de expressão não é um direito absoluto, tendo limites imanentes, devendo ser objecto de restrições para tutela de direitos de personalidade em que incluem o direito à honra, à imagem e à reserva da vida privada e familiar.
II.–A doutrina e a jurisprudência têm enunciado várias teses e metodologias quanto à articulação possível entre a liberdade de expressão, por um lado, e o direito à honra e à imagem, por outro, designadamente: critério da ponderação de bens; critério do âmbito material da norma; critério do princípio da proporcionalidade; critério da concordância prática; critério da restrição de direitos prima facie pela existência de outros direitos prima facie.
III.–Segundo o TEDH, pode haver interesse legítimo na partilha de informações, mesmo que impliquem alguma devassa da privacidade ou intimidade de alguém, relativas a questões de saúde pública, administração da justiça, cumprimento das obrigações fiscais, criminalidade, protecção ambiental ou desporto.
IV.–Segundo o TEDH, a liberdade de expressão abrange, com alguns limites, expressões ou outras manifestações que criticam, chocam, ofendem, exageram ou distorcem a realidade, sendo que os políticos e outras figuras públicas, quer pela sua exposição, quer pela discutibilidade das ideias que professam, quer ainda pelo controle a que devem ser sujeitos, seja pela comunicação social, seja pelo cidadão comum – quanto à comunicação social, o Tribunal vem reiterando mesmo a expressão “cão de guarda” - devem ser mais tolerantes a críticas do que os particulares, devendo ser, concomitantemente, admissível maior grau de intensidade destas.
V.–No que tange à conjugação de tais direitos fundamentais, o STJ entende actualmente ser de exigir um juízo de prognose sobre a hipotética decisão que o TEDH adoptaria se o caso lhe tivesse sido submetido, no sentido de se verificar se é de admitir como muito provável que, se a questão viesse a ser colocada ao TEDH, tal órgão jurisdicional entenderia que a concreta afirmação/imputação extravasaria os limites toleráveis do exercício da liberdade de expressão e informação.(…)” (destaque sublinhado nossos).
O direito ao bom-nome e reputação consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação. Neste sentido, este direito constitui um limite para outros direitos (designadamente, a liberdade de informação e de imprensa).” – cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. pág. 181.
O direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento pela palavra pode entrar em rota de colisão com a pretensão individual e constitucionalmente consagrada de cada cidadão não ser depreciado aos olhos da comunidade. É que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, e deve ser compatibilizada nomeadamente com o direito à honra, que assume relevância idêntica na hierarquia dos direitos que têm tutela constitucional, questão esta que nos reconduz à problemática da conflitualidade entre direitos fundamentais.
Posto isto, há que reconhecer a existência, na esfera pessoal da ofendida/assistente dos autos, do direito subjectivo e objectivo à honra interna e externa, o direito ao bom nome, reputação, à imagem e consideração social e profissional, valores que se inscrevem no âmbito dos direitos de personalidade.
Não se olvida no que respeita ao facto ilícito, que as palavras proferidas pela arguida assumem relevância também em termos de responsabilidade civil, por atingirem a honra pessoal da assistente.
Efectivamente, tratando-se, no caso dos autos de expressões (imputações e juízos) insultuosas e ofensivas, em suma, injuriosas, as mesmas não encontram qualquer justificação à luz da liberdade de expressão e de opinião, tal como referido pelo Tribunal recorrido, com o que concordamos, porquanto não foram feitas para realizar qualquer interesse legítimo ou visaram qualquer objetivo lícito prosseguido pela arguida/demandada.
Na verdade, o único objectivo prosseguido por ela foi humilhar, rebaixar, diminuir a dignidade da ofendida, na sua dimensão de pessoa, quer enquanto cidadã, por ser economicamente mais desfavorecida do que a arguida e de mais baixa escolaridade “com limitações intelectuais, …é uma mulher de proveniência de baixa renda, … oportunista .. a não ser puta realmente…Não sei para que mais dá …Burra do caralho Pobretanas Pé descalça Nem escrever sabe (…)quer enquanto mãeSou uma pessoa liberal. Esta dou-lhe de graça. Se ele a fodeu, só espero que lhe tenha rebentado bem esse cu. E tenho pena que as suas filhas não tenhas estado lá num trio, e eu a ver. Gosto dessas coisas. E de outras mais. Pare é de mandar emails e vá dormir com o seu filho agarrado a esse par de mamas para continuar a ser o anormal que é OK?... Mãe de merda …Vai mas é educar os teus filhos Que tens uma ladra em casa E um bando de anormais à volta (…), para além das demais que proferiu e que constam dos factos provados.
Além das expressões que dirigiu por escrito via telemóvel à ofendida, rebaixando-a por, no seu dizer ser “pobretanas” “pé descalço”, termina ainda se vangloriando, evidenciando a sua superioridade económica “E agora vou beber um champagne para comemorar”.
Bem sabia a arguida que tais expressões atingiam a assistente na sua honra e consideração, o que quis, tendo agido de forma livre e voluntária, agindo com dolo directo, causando danos patrimoniais e não patrimoniais à ofendida, como decorre dos seguintes factos provados:
II.1.2 Do Pedido de Indemnização Civil
10. Por causa dos factos descritos em 6. a assistente sentiu-se profundamente ofendida, angustiada, triste, vexada e ferida na sua dignidade.
11. Nos dias seguintes, ficou debilitada psicologicamente, sem condições de trabalhar, faltando ao trabalho, deixou de praticar desporto, de conviver com família e amigos.
12. Por causa dos factos descritos em 6. a assistente recorreu aos serviços de psicologia da Dr.ª GG, no intuito de voltar à sua rotina habitual, tendo ido a uma consulta a ........2023, que teve um custo de € 60,00.
13. No dia ........2024, a assistente foi a uma consulta de psicologia com a Dr.ª GG, a qual teve um custo de € 50,00.
Para reparação dos danos não patrimoniais, prevê o artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, que “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.”
O n.º 4, do mesmo normativo, determina que “O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.”
Nas palavras do Professor Antunes Varela, “o montante da reparação deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da Vida.( VARELA, Antunes, Das Obrigações em Geral, Almedina, 1.º volume, páginas 627 e 628.)
A finalidade desta indemnização é, pois, a de minorar/atenuar o mal sofrido, à luz dos art.ºs 562.º, 563.º e 566.º, do CC.
Afigura-se-nos que a sentença recorrida faz uma análise globalmente acertada da temática da responsabilidade civil, seja teoricamente aos nível dos seus pressupostos, seja na sua aplicação ao caso concreto, a qual considerou acertadamente verificados, no caso, todos os pressupostos da responsabilidade civil previsto no art.º 483.º, do CC.
No que respeita ao montante indemnizatório, considerando, o montante provado relativamente ao dano patrimonial, a gravidade das expressões proferidas, atingindo a ofendida como pessoa, mulher e mãe, e os factos provados 10 a 13 supra descritos, relativos aos danos, consideramos que, de acordo com a equidade e a situação económica da lesante e da lesada, o montante adequado de indemnização deverá ascender ao montante de €2.000,00, que se mostra mais justo, proporcional e equitativo, tendo presente o disposto nos art.ºs 496.º e 563.º a 566.º, do CC atento os danos causados.
Consideramos, quer a quantia indemnizatório quer a sanção penal fixadas supra, moderadas, situadas no intervalo permitido pelo quadro legal (penal e civil), não desproporcionadas nem desadequadas, atenta a dimensão e gravidade das imputações e juízos ofensivos e os danos causados, mesmo à luz dos eventuais constrangimentos da chilling effect doctrine de que fala o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ( TEDH), (vejam-se por exemplo o muito recente Ac. Costa Figueiredo c/ Portugal, nº 6928/19 (§ 15), de 14/10/2025; ou o Ac. Saraiva c/ Portugal, nº 37466/21 (§ 19), de 19/05/2023 e o Ac. Morice c/ França (GC), nº 29369/10 (§§ 175-6), de 23/04/2015, nos seguintes links:https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001245244%22]}https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22it emid%22:[%22001-228402%22]} https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-154265%22]})
Destarte, procede parcialmente o recurso neste segmento, ficando a Recorrente/Demandada condenada a pagar à Demandante/Recorrida a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.
Pelo exposto, e em suma, procede parcialmente o recurso.
V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores da 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em:
-Conceder provimento parcial ao recurso interposto pela arguida AA, e, em consequência:
V.1-No que respeita à responsabilidade criminal: reduz-se o quantitativo diário da multa para o montante de €20 euros, mantendo-se a sentença no demais, ficando assim a arguida AA, condenada pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 20,00 (vinte euros), o que perfaz a quantia de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros).
V.2-No que respeita à responsabilidade civil: reduz-se o montante indemnizatório por danos não patrimoniais para €2.000,00, mantendo-se no demais a sentença, ficando assim a demandada AA condenada a pagar à demandante BB, a título de indemnização por danos patrimoniais a quantia de € 60,00 (sessenta euros) e a título de indemnização por danos não patrimoniais a quantia de € 2000,00 (dois mil euros).
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Sem custas (art.º 513.º, n.º1, do CPP a contrario).
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Lisboa, 06 de Novembro de 2025
Elaborado e integralmente revisto pela Relatora (art.º 94.º n.º2 do C. P. Penal)
Assinado digitalmente pela Relatora e pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos
Maria de Fátima R. Marques Bessa
Jorge Rosas de Castro
Ana Paula Guedes
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1. Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995
2. Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção.
3. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 466.
4. Beleza dos Santos, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 92, p. 164. Também, Acórdão do STJ, de 30.10.2003, Proc. N.º 03P3369, Relator Simas Santos, in www.dgsi.pt.