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IN DUBIO PRO REO
ACESSO ILEGÍTIMO
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
AGRAVANTE
MEDIDA DA PENA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Sumário
Sumário (da responsabilidade da Relatora): I. A discordância em relação à fundamentação da matéria de facto pelo tribunal recorrido, por si só, não conduz à consideração de qualquer erro de julgamento. II. O in dubio pro reo só deve ser usado no âmbito da apreciação da prova, quando o tribunal fique com dúvidas sobre a ocorrência ou não de determinado facto, valorando-o, assim, em benefício do arguido. III. Verifica-se a prática de um crime de acesso ilegítimo, p. e p. pelo artigo 6º, n.º 1 da Lei n.º 109/2009, de 16/09, perante os factos dados como provados, tendo em conta que da prova documental e testemunhal resulta o acesso pelo arguido, não autorizado, ao conteúdo do telemóvel da vítima, bem sabendo que o fazia contra a vontade desta e que tal conduta era proibida e punida por lei. IV. No crime de violência doméstica, os elementos agravantes previstos na al. a) do n.º 2 do art. 152º do CP são autónomos e independentes, valendo cada um de per si, como forma de agravação e de preenchimento deste preceito legal. V. Com a fixação da pena muito próxima do seu limite mínimo, bem ponderou o tribunal recorrido a medida da pena, não sendo de aplicar no caso concreto exactamente esse limite mínimo, atenta a gravidade dos factos e porque as circunstâncias atenuantes não são suficientes para a sua fixação. VI. É de manter a indemnização civil fixada pelo tribunal recorrido, que justificou devidamente o montante atribuído a título de danos não patrimoniais, sem esquecer as condições económicas do arguido dadas como provadas, sopesando todas as circunstâncias, incluindo a forma reiterada da prática dos actos, que se prolongou no tempo, com todas as consequências daí advenientes para a vítima (e que foram dadas como provadas).
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 9ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I- RELATÓRIO
I.1. Por sentença proferida em .../.../2025, em relação ao arguido AA, foi decidido:
I. Condenar o arguido AA pela prática em autoria material, na forma consumada de um crime de violência doméstica [p. e p. pelo disposto no artigo 152º, n.º 1, alínea b), n.º2, alínea a) do Código Penal], numa pena de (2) anos e seis (6) meses de prisão, suspensa por igual período, com sujeição a regime de prova a delinear pela Direcção-Geral de Reinserção Social e dos Serviços Prisionais que deverá contemplar o cumprimento da pena acessória em que o arguido vai condenado infra.
II. Condenar o arguido na pena acessória de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica.
III. Não condenar o arguido nas demais penas acessórias previstas no artigo 152.º, n.º 4, do Código Penal.
IV. Condenar o arguido pela prática em autoria material, na forma consumada de um crime de crime de acesso ilegítimo [p. e p. pelo artigo 6.º, nº1 da Lei 109/2009 de 16-09], numa pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 7,50 o que perfaz um global de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros).
V. Julgar o pedido de indemnização civil procedente e condenar o arguido no pagamento à demandante BB de uma indemnização no montante de € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescida de juros de mora contados desde a notificação ao arguido do pedido de indemnização civil, o que ocorreu em 03.03.2025, até efetivo e integral pagamento.
VI. Condenar o arguido nas custas do processo crime, fixando-se a taxa de justiça em 3 U.C., sendo as custas da instância cível da sua responsabilidade.
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I.2. Recurso da decisão
O arguido interpôs recurso da decisão, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição total):
“1. A Sentença recorrida incorreu em erro ao considerar provados factos relativos ao alegado acesso ilegítimo ao telemóvel da Ofendida pelo Arguido, uma vez que, não houve flagrante delito, prova testemunhal ou pericial, que demonstrassem, para além de qualquer dúvida, o referido acesso;
2. A alteração do ... da Ofendida, por número de telefone, com os dois últimos dois dígitos similares aos do Arguido, quando existem 99.999 números possíveis com a mesma terminação, não prova, sem margem para dúvidas, de que o mesmo foi o autor da alteração;
3. A prova produzida nos autos não é assim suficiente para sustentar a factualidade de que o Arguido acedeu de forma ilegítima a qualquer sistema informático da Ofendida;
4. A testemunha CC, confirmou que a localização do telefone da Ofendida era partilhada com o Arguido, razão pela qual, se quisesse, este saberia, a localização da Ofendida, sem necessidade de aceder a qualquer outro telefone da mesma;
5. Deve assim ser proferida decisão que dê como não provados os factos 6 a 10, 12, 13, 14, 20, 24, 30, 32, 34 e, consequentemente, determine a absolvição do Arguido pela prática do crime de Acesso Ilegítimo, em virtude da violação do disposto no artigo 6.º, nº1 da Lei 109/2009 de 16-09;
6. Quanto ao crime de violência doméstica, não resultou das condutas do Arguido levadas a juízo, que tivesse sido sua intenção em maltratar física e psicologicamente a Ofendida e causar-lhe medo e inquietação, lesando-a na sua dignidade pessoal;
7. Um telefonema a inquirir sobre o seu paradeiro, dar uma boleia diária ao final da tarde, ou uma opinião negativa sobre a roupa que leva vestida em determinada circunstância, não pode ser, por si, considerada violência doméstica, sob pena de todos incorrermos na prática de tal crime;
8. Não se encontra provada a prática de atos que configurem maus-tratos físicos ou psíquicos de grave intensidade, nem que o comportamento do Arguido tenha correspondido a uma intenção deliberada de maltratar ou intimidar a Ofendida, tratando-se de atos sem relevância penal;
9. Por outro lado, nenhum dos alegados factos imputados ao Arguido, foi praticado perante menor, pelo que, a previsão da norma do 152.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal não se encontra preenchida;
10.Andou por isso mal o Tribunal a quo, ao dar como provados os factos 25, 26, 28, 33, 34, 35 devendo tais facto ser considerados não provados, em virtude de violarem o disposto no art.º 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, alínea a) do Código Penal;
11. Em virtude da requerida alteração à matéria de facto dada como provada, terá o Arguido de ser absolvido da prática dos crimes de violência doméstica e acesso ilegítimo de que vem acusado, bem como, do pedido de indemnização civil peticionado;
12. Se outro for o entendimento de V. Exas., e não forem atendidos os argumentos precedentes do Arguido, deve a medida das penas aplicadas ser revista, atenta a manifesta minundência dos factos imputados e a jurisprudência fixada, pela prática de factos mais gravosos e molduras penais e cíveis inferiores às agora aplicadas ao Arguido;
Atento o exposto, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser recebido e considerado procedente por provado, sendo proferida decisão que considere como não provados os factos 6 a 10, 12, 13, 14, 20, 24, 25, 26, 28, 30, 32, 34, 33, 34, 35 e, em consequência, absolva o Arguido da prática dos crimes de Acesso Ilegítimo e Violência Doméstica, bem como, do Pedido de Indemnização Civel.
Se outro for o entendimento de V. Exzas. e não forem atendidos os argumentos do Arguido, deve a medida das penas aplicadas ser revista, atenta não só a minundência dos factos imputados, mas também, a jurisprudência fixada em processos com acusações similares pela prática de factos mais gravosos e molduras penais e cíveis inferiores, fazendo com isso, a necessária e habitual, JUSTIÇA.”.
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I.3. Resposta do Ministério Público
O Ministério Público, na resposta ao recurso, pronunciou-se pela sua improcedência, concluindo (transcrição total das conclusões):
“1. O arguido foi condenado pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica [p. e p. pelo disposto no artigo 152º, n.º 1, alínea b), n.º2, alínea a) do Código Penal], numa pena de (2) anos e seis (6) meses de prisão, suspensa por igual período, com sujeição a regime de prova; e de um crime de crime de acesso ilegítimo [p. e p. pelo artigo 6.º, nº1 da Lei 109/2009 de 16-09], numa pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 7,50 o que perfaz um global de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros).
2. Alega o recorrente que não resultou provado que o arguido tenha praticado o crime de acesso ilegítimo, pelo que os factos 6 a 10, 12, 13, 14, 20, 24, 30, 32 e 34 deverão ser considerados não provados e o arguido absolvido da prática desse crime.
3. Cremos que não lhe assiste qualquer razão.
4. Não restam dúvidas de que o arguido, sem autorização para tanto, acedeu a um sistema informático alheio, mais concretamente ao telemóvel da ofendida, pelo que bem andou a Mma. Juiz a quo ao dar como provados os factos 1. a 24. e 30. a 32., na medida em que tal resultou da prova produzida em audiência de julgamento.
5. Assim, cremos que nenhuma razão assiste ao recorrente nesta sua alegação, devendo manter-se a sua condenação pela prática do crime de acesso ilegítimo, p. e p. pelo artigo 6.º, nº1 da Lei 109/2009 de 16-09.
6. Alega, por outro lado, o recorrente que não resultou provado que o arguido tivesse agido com intenção de maltratar a ofendida e que os factos por si praticados não consubstanciam a prática do crime de violência doméstica, pelo que os factos 25, 26, 28, 33, 34 e 35 deverão considerar-se não provados e o arguido absolvido da prática de tal crime.
7. De acordo com os padrões racionais de comportamento e com os critérios de normalidade social, o arguido não pôde ter deixado de representar e querer o resultado em causa, não colhendo agora a alegação de “falta de intenção” subjacente a essa prática.
8. Assim, entendemos que não restam dúvidas de que o arguido, praticou factos que consubstanciam o crime de violência doméstica contra a ofendida, pelo que bem andou a Mma. Juiz a quo ao dar como provados os factos 25. a 35. da matéria de facto provada, na medida em que tal resultou da prova produzida em audiência de julgamento.
9. Apesar do recorrente alegar que “nenhum dos alegados factos imputados ao arguido foi praticado perante menor, pelo que a previsão da norma do art. 152.º, nº 2, al. a) do Código Penal não se encontra preenchida”, a subsunção jurídica dos factos em tal norma resulta da circunstância dos factos terem sido praticados no domicílio comum, num primeiro momento e, depois, no domicílio da vítima, tendo assim sido correctamente efectuada.
10. Assim, cremos que nenhuma razão assiste ao recorrente nesta sua alegação, devendo manter-se a sua condenação pela prática do crime de violência doméstica, p. e p. pelo disposto no artigo 152º, n.º 1, alínea b), n.º 2, alínea a) do Código Penal.
11. No que à medida das penas diz respeito, parece-nos evidente que o Tribunal a quo teve em conta todos os factores previstos no art. 71.º do Código Penal, conforme lhe era legalmente imposto e que bem andou ao fixar as penas aplicadas ao arguido nos termos e na medida em que o fez, não tendo incorrida na violação de qualquer norma legal.
12. As exigências punitivas emergentes do caso apenas ficarão tuteladas através do cumprimento das penas em que o arguido foi condenado;
13. O Tribunal a quo teve em conta todos os factores previstos no art. 71.º do Código Penal, conforme lhe era legalmente imposto e que bem andou ao fixar as penas aplicadas ao arguido nos termos em que o fez,, não tendo incorrida na violação de qualquer norma legal.
14. Entende-se, assim e em suma, que não merece a sentença recorrida qualquer censura, pelo que deverá o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente, e a sentença ser mantida nos seus exactos termos.
Assim farão, V. Exas. a esperada e costumada JUSTIÇA!”.
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I.4. Parecer do Ministério Público
Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer desfavorável ao provimento do recurso interposto pelo arguido.
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I.5. Resposta ao parecer
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), tendo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público por parte do arguido, mantendo, em suma, a posição assumida no recurso interposto.
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I.6. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Objecto do recurso
É consabido e decorre de Jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, que é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões oficiosas (cfr. o art. 410º do CPP).
Assim, da análise das conclusões do recorrente extraímos as seguintes questões que importam apreciar e decidir:
1ª Impugnação da decisão sobre a matéria de facto por erro de julgamento e violação do princípio in dubio pro reo.
2ª Do enquadramento jurídico do crime de violência doméstica e da agravante do n.º 2 do art. 152º do CP.
3ª Da medida da pena.
4ª Fixação da indemnização no pedido de indemnização civil.
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II.2. Sentença recorrida (que se transcreve parcialmente nas partes relevantes)
“2.1.1. Factos provados
Com relevância para a boa decisão da causa, resultaram provados os factos descritos infra.
Da Acusação:
1. O arguido e a vitima BB casaram em .../.../2020, separaram-se de facto em .../.../22 e divorciaram-se em ... em ....
2. Até à separação residiam em casa do arguido, sita na ....
3. Nesse período a vitima mantinha escritório de advocacia em Lisboa, na Av. António Augusto Aguiar, n.º 66 - 2º Esq.
4. Enquanto foi casada com o arguido, a vitima possuía um iPhone 6, mais antigo e que deixou de usar, em data não apurada, mas certamente na constância do casamento, ocasião em que passou a usar um Iphone 8, com o imei ..., aos quais estava associada uma conta ... com o ID ....
5. O telemóvel antigo manteve-se configurado para aceder às contas bancárias que a vitima possuía no ..., mas permitia também aceder às mesmas aplicações e funcionalidades do iPhone 8.
6. Quando a vitima passou a usar este novo telemóvel, o arguido, sem que a vitima o soubesse e/ou tivesse autorizado, a partir de data não concretamente apurada, mas certamente situada na constância do casamento, manteve o telemóvel antigo ligado e passou a ver, com uma frequência não determinada em concreto, o seu conteúdo, tomando conhecimento, designadamente, do conteúdo das aplicações de localização, mensagens e registo de chamadas, o que fez durante e após a coabitação uma vez que o telemóvel permaneceu na residência.
7. Dessa forma, o arguido logrou, através desses acessos conhecer os locais onde a vitima se dirigia e as comunicações que realizava com terceiros
8. Nesse período, com frequência, pelo menos, semanal, e de forma a controlar se a vitima lhe escondia pormenores sobre a sua vida, perguntava-lhe se tinha estado neste ou naquele local, e aos quais bem sabia que a vitima se tinha deslocado por ter acedido à sua localização.
9. Contudo, para a vitima não se aperceber que tinha acesso ao telemóvel, dava, amiúde, como justificação que este ou aquele amigo a tinha visto.
10. Durante o casamento, a vitima, por ser ..., deslocava-se amiúde a diversos postos do SEF, para tratar dos processos que tinha a seu cargo, mas o arguido exigia que fizesse chamadas de vídeo para controlar a que locais se dirigia e com quem se encontrava de forma a confirmar que ia a trabalho.
11. O arguido fazia sentir à vitima que não queria que esta vestisse determinada roupa ou que saísse, mesmo em trabalho, dizendo-lhe, por diversas vezes “vai vestida assim?”, “assim comigo você não vai” dizendo-lhe ainda que a roupa que vestia era “chunga”.
12. A vitima viajou até ao ... em data não apurada, mas certamente na constância do matrimónio, tendo encontrado um colega de trabalho, ao lado de quem viajou e com quem trocou contactos e mensagens.
13. O arguido, após e sem que a vitima lhe desse conhecimento dessa situação, perguntou-lhe quem era o individuo que se tinha sentado ao seu lado no avião e com quem trocara mensagens e contactos.
14. No dia ........2022, o arguido logrou entrar na conta ... da vitima com a designação ... e mudou o contacto fidedigno, indicando para o efeito o seu próprio número de telemóvel ....
15. Após a separação, com a qual o arguido não concordou, este enviava à vitima inúmeras mensagens para se encontrarem e reatarem a relação.
16. Após a separação, a vitima esteve a viver em casa de uma amiga no ... e o arguido, por ter tomado conhecimento de que a mesma ali se encontrava por ter acesso nos termos referidos ao telemóvel da vitima, enviou-lhe uma mensagem para tomarem café num estabelecimento junto àquela casa.
17. No dia ... de ... de 2022, a vitima efetivou a mudança para a sua atual residência e nesse mesmo dia o arguido pretendia falar com a mesma, tendo telefonado cerca de 20 vezes.
18. Como as chamadas não foram atendidas, enviou diversos sms, a pedir que atendesse.
19. Como a vitima não o atendeu, o arguido enviou as seguintes mensagens:
a. Não fala comigo e liga me sábado às 23h30 acha que sou estupido… mas quem vai perder é vc e muito mais que imagina. A vida vai vos mostrar qe vc enquanto mãe e mulher escolheu o caminho errado. Veremos qto dura a sua independência ou a sua dependência ou a sua dignidade… uma pena vc tinha tudo para levar uma vida direita … mas os resultados vao vir em breve pode ter a certeza. Veremos que família vc arranja ou com que pessoas vc vai se meter.
b. Seja feliz vc mais as luzias, fatimas e … Com quem vc se envolver…cama arranjara certamente o resto veremos! fique na sua paz e trata do divorcio que vc tanto quer. Já não tenho forças pra mais. Rastejei até onde consegui
c. Estou exausto de tanto lutar.
d. Atenda pf ou prefere que eu toque na porta
e. Vou tocar até vc falar comigo
20. Pelas 23 horas, o arguido deslocou-se a casa da vitima sita na ..., cuja morada não devia ser do seu conhecimento e apenas dela teve conhecimento através do acesso não autorizado ao telemóvel da vitima.
21. O arguido tocou à campainha.
22. A vitima não abriu a porta, contudo outro dos moradores fê-lo pelo que o arguido entrou e subiu até à porta de entrada do apartamento da vitima e começou a bater à porta e a tocar insistentemente à campainha.
23. Incomodada, a vitima chamou a PSP que identificou o arguido.
24. Alguns dias após, a vitima logrou aperceber-se que o arguido tinha o segundo telemóvel na sua posse e que era através do mesmo que conseguia obter informações acerca dos seus contactos e deslocações, tendo através de DD logrado que o arguido devolvesse o telemóvel, o que apenas fez quando foi advertido da possibilidade de serem chamadas as autoridades policiais.
25. Alguns dias após, apercebendo-se que a vitima não reataria a relação, o arguido, com o propósito de colocar em causa a paz e o sossego da vitima e de a vulnerabilizar, formulou o plano de denegrir a imagem e bom nome da vitima, junto de pessoas conhecidas de ambos, que bem sabia transmitiriam à vitima o que lhes dissesse acerca de si.
26. Para tanto interpelou, designadamente, os seus colegas de escritório e amigos EE e DD, aos quais disse que tinha mandado investigar a vida da vitima no ... e que apurara que tinha tido vários relacionamento, saltava de relacionamento em relacionamento, não prestava, enganava os colegas, era uma vigarista, desestabilizada economicamente, que tinha processos judiciais e era procurada.
27. Em ... e ..., respetivamente quando se a vitima se deslocou a casa do arguido para ir buscar os seus pertences e aquando da conferencia do divórcio, na presença de terceiros, o arguido apelidou a vitima de “puta”.
28. O arguido quis e agiu do modo descrito, sabendo que, de forma recorrente, molestava psiquicamente a vitima que bem sabia ser sua cônjuge, que lhe infligia maus-tratos psíquicos, a humilhava e ofendia na sua honra e consideração pessoais bem como lhe causava medo e receio pela sua vida e integridade física, ciente que estava que as palavras que lhe dirigia eram insultuosas e intimidatórias, que as constantes indagações acerca das suas deslocações e contactos a diminuam enquanto pessoa e punham em causa a sua liberdade e autodeterminação, sujeitando-a a constante escrutínio.
29. Quis ainda após a separação manter contacto com a vitima, bem sabendo que a mesma não o desejava e que ao enviar-lhe mensagens e ao deslocar-se a sua casa, nos termos em que o fez, agia de forma a impor a sua presença à vitima e perturbava a sua paz.
30. O arguido sabia que os telemóveis da vitima e as respetivas aplicações constituíam um sistema informático e que continham dados suscetíveis de serem processados nesse sistema e que tais dados continham informações do foro intimo/privado da vitima e sujeitas a sigilo, designadamente das telecomunicações, nos quais se incluíam informações sobre os locais aonde a vitima se dirigia bem como quanto às comunicações/contactos que a vitima mantinha com terceiros, incluindo o respetivo conteúdo.
31. O arguido bem sabia que não tinha autorização ou consentimento da vitima para aceder ao telemóvel da vitima e ao conteúdo das respetivas aplicações e registos e, não obstante, de forma a exercer controlo sobre a mesma e conhecer as suas movimentações e contactos, quis e agiu da forma descrita bem sabendo que ao fazê-lo agia contra a vontade da vitima.
32. O arguido sabia que a vitima não lhe tinha dado autorização para que alterasse junto da ... dados relativos à sua conta e, não obstante, quis e agiu da forma descrita, procedendo à alteração do número de telefone indicado como contacto fidedigno bem sabendo que ao fazê-lo agia contra a vontade da vitima.
33. Bem sabia e não podia ignorar o arguido que a sua conduta mantinha a vitima num estado de persistente perturbação e desassossego, prejudicando a sua liberdade de determinação, resultados que o arguido quis e logrou atingir.
34. Bem sabia que ao agir da forma descrita condicionava gravemente a vida e bem-estar psico-social da vitima, ofendendo-lhe a respetiva dignidade humana e pondo em perigo a sua saúde física e psíquica.
35. Agiu em todas as condutas de forma livre, deliberada e consciente, bem as sabendo proibidas e punidas por lei e tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
Da Audiência de discussão e julgamento resultou que:
36. Enquanto viveu com o arguido, a vítima mantinha o seu iphone 6 desligado, guardado na gaveta da sua mesa de cabeceira.
37. Nas circunstâncias de tempo acima descritas, através da aplicação “find iphone” (encontrar iphone), a vítima apercebeu-se que o seu iphone 6 estava ligado, em casa do arguido.
38. Nas circunstâncias acima descritas, quando o arguido se deslocou a sua casa em ..., a vítima sentiu medo e grande nervosismo.
39. O arguido trabalha, estando a desenvolver duas startup, de que retira um rendimento mensal entre os € 1500,00 e os € 2000,00.
40. Reside em casa própria, desembolsando um montante de € 600,00 para pagamento do financiamento contraído.
41. Reside juntamente com a sua mulher e com o seu filho de 23 anos de idade.
42. Tem duas filhas, com 17 e 20 anos de idade, que se encontram em regime de residência alternada, residindo semanas alternadas consigo.
43. Não constam averbadas condenações no Certificado do Registo Criminal do arguido.
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2.1.2. Factos não provados
Ficou por demonstrar que:
a. O arguido exigia que a ofendida mostrasse fotografias dos locais onde se encontrava.
b. O arguido dizia à ofendida, referindo-se à sua roupa “está ridículo";
c. O arguido dizia à ofendida “porque você vai ali, não vá”.
d. O arguido disse ainda a EE e DD, referindo-se à vitima “se ela não quiser voltar para mim, vou acabar com ela, posso denuncia-la às finanças, é uma oferecida”.
e. No dia ........2022, o arguido enviou diversas mensagens à vitima inquirindo-a acerca do local onde se encontrava e perante a resposta disse que a mesma estava a mentir.
f. Em ... e ..., respetivamente quando se a vitima se deslocou a casa do arguido para ir buscar os seus pertences e aquando da conferencia do divórcio, na presença de terceiros, o arguido apelidou a vítima de “sua vagabunda, vai ter o que merece”
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Quanto ao que demais conste da acusação deduzida pelo Ministério Público ou do pedido de indemnização civil que não esteja vertido no elenco dos factos supra consignado, tem-se por conclusivo, por matéria de Direito, podendo ainda aí não constar por constituir meios de prova ou por ser irrelevante para a boa decisão da causa.
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2.1.3. Motivação de facto
O Tribunal formou a sua convicção através da análise crítica do conjunto da prova carreada para os autos e produzida em sede de audiência de julgamento, a qual foi apreciada de acordo com o princípio da livre apreciação (cf. artigo 127.º, do Código de Processo Penal), conjugado com as regras da lógica, da razão e da experiência comum.
Cumpre sublinhar que as declarações e esclarecimentos prestados em sede de audiência de julgamento se encontram registados por sistema de gravação digital, estando disponíveis na aplicação informática em uso, tornando-se, deste modo, possível a sua posterior reprodução, circunstância que dispensa o relato detalhado e exaustivo daqueles meios de prova.
De referir que o arguido não quis prestar declarações quanto aos factos que lhe são imputados, apenas tendo falado acerca das suas condições sociais e económicas. Assim, inexistem declarações do arguido quanto aos factos descritos na acusação que possam ser valoradas pelo Tribunal.
Ainda assim, ponderados os depoimentos das testemunhas indicadas na acusação e infra identificadas, de modo concatenado com a prova documental junta aos autos, mormente os diversos prints de mensagens e chamadas recebidas pela ofendida, de fls. 10 a 18, os prints de fls 20 e 21 (referente à localização do iphone da ofendida) e o print das informações do ID apple juntas em inquérito e complementadas em audiência de julgamento, o Tribunal não ficou com dúvidas de que o arguido agiu do modo descrito na matéria de facto que se deu como provada.
Com efeito, a testemunha BB (vítima) verteu o seu depoimento acerca da relação de casamento que manteve com o arguido, esclarecendo o Tribunal acerca dos atos por este praticados que a motivaram a terminar o relacionamento e posteriormente a apresentar queixa, falando acerca dos factos praticados durante a constância do matrimónio e após a separação do casal em ..., data em que saiu de casa. A testemunha relatou que durante o período de casamento, o arguido ligava-lhe com uma frequência fora do normal para saber com quem estava e por onde andava exigindo que falassem por videochamada para se certificar que a vítima dizia a verdade. Relembrou uma ocasião em que foi a ... em trabalho e por já estar farta do controlo do arguido, disse-lhe que estava num sitio diferente daquele em que verdadeiramente estava tendo este dito que a vítima estava a mentir e que alguém a havia visto no sítio onde realmente se encontrava. Mais referiu que não foi a única vez em que isto ocorreu, tendo, com certeza, havido lugar a episódios semelhantes em várias outras vezes (certamente, uma vez por mês, enquanto estavam casados). Falou acerca dos reparos que fazia às roupas que vestia, rebaixando-a e menosprezando-a. A vítima prestou ainda depoimento acerca da ocasião em que viajou para o ... e em que o arguido a confrontou com o facto de ter viajado ao lado de um homem e de lhe ter enviado mensagem, exigindo-lhe que tirasse print da tela do seu telemóvel, sem que a vítima lhe tivesse dito ao lado de quem viajara. Prestou ainda depoimento acerca do comportamento do arguido após a sua saída da morada comum, tanto na ocasião em que foi buscar os seus pertences àquela casa, como das mensagens e telefonemas que recebeu, dando nota de que sabia onde a vítima se encontrava (por exemplo, em casa da sua amiga, situada no ...), e, bem assim, da situação em que se deslocou a sua casa de ..., sem que alguma vez lhe tivesse dado tais informações. A testemunha relatou que, a dada altura, recebeu uma mensagem da ... no seu computador, dando nota da alteração do contacto fidedigno, para um número de telemóvel terminado em 09 (compatível com o número do arguido, precisamente ...). Já depois da separação, a ofendida necessitou de aceder a uma conta sediada no ..., o que apenas se mostrava possível através do seu iphone 6, aparelho onde tinha as respetivas credenciais. Por não encontrar o telemóvel, acedeu à aplicação «find iphone» e respetivo sistema de localização, tendo essa aplicação indicado que o seu iphone 6 que julgava desligado, se encontrava ligado (com bateria) em casa do arguido (o que é compatível com o documento de fls. 20 e 21).
Por seu turno, a testemunha FF, que referiu que conhece a vítima por ser sua colega de escritório, conhecendo o arguido enquanto marido da vítima, confirmou que o seu contacto com a vítima é diário, acompanhando-a muitas vezes às idas aos vários serviços de SEF, em trabalho, razão por que tinha conhecimento próximo da relação mantida entre o arguido e a sua colega, tendo inclusivamente sido visita da casa do casal. Com relevância, anuiu que se apercebia de vários telefonemas por parte do arguido ao longo do dia, sempre a perguntar onde estava, apercebendo-se ainda de mensagens, referindo que iam além do que é normal e habitual entre casais. A testemunha referiu que as chamadas eram tão frequentes que chegava a ser incomodativo para quem estava ao lado. Falou, de modo congruente com o depoimento da ofendida, acerca da situação em que se deslocaram a ... (e não ..., conforme havia relatado a ofendida), em que fizeram uma paragem no Freeport, tendo percebido que o arguido ligara várias vezes para controlar onde se encontrava a ofendida. Nessa ocasião, disse à ofendida que lhe dissesse que estavam num sítio mais atrás no caminho, de modo a dar-lhes mais tempo para prosseguir viajem com calma (por lhe ser notório que o arguido controlava o tempo da ofendida), o que aquela fez. Momentos depois, recebeu uma chamada do arguido, a pedir que passasse à ofendia, tendo-lhe dito que esta tinha mentido, que um amigo a tinha visto no local em que se encontrava. A testemunha prestou ainda depoimento acerca da ocasião em que o arguido lhe pediu para tomar um café e, encontrando-se com aquele, este teve um discurso tendente a denegrir a imagem da vítima, relatando ao Tribunal o teor da conversa mantida (que vai ao encontro da factualidade que se deu como provada). Com relevância, anuiu que por diversas vezes a vítima se queixava dos reparos que o arguido fazia à roupa que vestia. Confirmou ainda que o arguido nunca foi visita da sua casa do ... e que em nenhum momento lhe disse que a vitima ali se encontrava. Confirmou que no dia do divórcio o ouviu apelidar a vítima de «puta».
A testemunha GG, colega de escritório e amiga da ofendida, prestou um depoimento, em toda a linha, congruente com os das testemunhas acima identificadas. Com relevância, relatou que, em face do que a vítima lhe relatava (em relação ao facto do arguido saber constantemente onde aquela se encontrava), começou a desconfiar que o arguido tivesse de algum modo acesso ao telemóvel da vítima, tendo vertido o seu depoimento acerca das diligências que fez junto da vítima e respetivo telemóvel, até descobrirem que aquele tinha acesso ao iphone 6 antigo telemóvel daquela. Também prestou depoimento acerca da ocasião em que auxiliou a vítima com a questão da alteração do contacto no .... Falou ainda acerca da noite em que o arguido foi a casa da vítima, em ..., mantendo sempre o contacto telefónico com aquela, confirmando que a mesma estava assustada e com medo, razão por que chamou a polícia. Do mesmo modo que o relatado pela testemunha FF, recordou que, a dada altura, o arguido teve uma conversa consigo, em que lhe disse que tinha feito uma investigação da vida da arguida, dando-lhe a entender que não era uma pessoa honesta do ponto de vista profissional e que tinha problemas no ....
Por seu turno, a testemunha DD, amigo do arguido, há cerca de 15 anos e colega da vítima, verteu o seu depoimento acerca da ocasião em que pediu ao arguido que devolvesse o telemóvel à ofendida, pedido a que, pese embora alguma resistência, o arguido acabou por aceder. Falou também acerca da ocasião em que foi lanchar com o arguido e em que este lhe mostrou um dossier grande cheio de folhas, referente a uma investigação à vida da ofendida, dizendo-lhe que a ofendida era perseguida pela justiça brasileira, uma aldrabona, burlona que não podia voltar ao ... por estar a ser perseguida.
Por fim, a testemunha HH, filha da vítima, verteu o seu depoimento acerca do período de seis meses em que viveu com o casal e acerca do estado em que percecionou a sua mãe naquela relação (descrevendo-a como uma mulher manipulada, sem voz e sem se impor) e ainda o modo como o arguido a tratava, referindo que chegou a vê-lo humilhar a sua mãe à frente de terceiras pessoas (e.g., dizendo-lhe que a casa onde vivia não era dela).
Ponderados os elementos supra vertidos e analisados os mesmos de modo concatenado, o Tribunal não ficou com dúvidas acerca do comportamento do arguido na constância do matrimónio (i.e., quanto aos reparos que fazia à ofendida, às chamadas e mensagens diárias que lhe fazia, bem como ao conhecimento efetivo que tinha dos locais em que aquela se encontrava) e, bem assim, das conversas que manteve com os colegas da vítima nos moldes acima descritos. As testemunhas II e GG confirmaram o depoimento da ofendida, relatando que, em face do que observavam, não tinham dúvidas de que o arguido telefonava de forma insistente para a ofendida para controlar os sítios por esta frequentados e as pessoas que a acompanhavam. Foram também consonantes, denotando que ao longo da relação, a vítima se sentia menosprezada pelos comentários que o arguido fazia ao seu modo de vestir, referindo que esta por vezes perguntava às testemunhas se achavam que se vestia de forma desadequada.
A factualidade objetiva provada, designadamente, i) a respeitante ao conhecimento que o arguido tinha de dados da vida da vítima (locais por esta frequentados), sem que os mesmos lhe tivessem sido transmitidos, ii) aliado ao facto de o iphone antigo da vítima se encontrar ligado em casa do arguido, quando a vítima o mantinha desligado (o que significa que necessitou de ser carregado) iii) bem como a circunstância do contacto do ... (ID que se encontra descrito nas definições do iphone), ter sido alterado para um número que termina com os mesmos dígitos que o telemóvel do arguido (conforme por si indicado aquando da prestação de T.I.R.), analisada à luz das presunções naturais produto das regras da experiência comum, permite-nos chegar à conclusão, com um grau de segurança próximo da certeza, de que o arguido acedeu o telemóvel iphone 6 pertencente à vítima e que era através do mesmo que aquele conseguia obter informações acerca dos seus contactos e deslocações.
As referidas presunções permitem que «perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado diretamente, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente certos factos são a consequência de outros. […]» sendo evidente que «a ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.». Recorrendo a tais presunções, o Tribunal terá assim, revelar «[…] um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido.» [tudo, conforme explica o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 06.10.2010, proferido no processo n.º 936/08.JAPRT].
É também através das referidas presunções que o Tribunal se convence acerca da factualidade de índole subjetiva (respeitante à consciência, conhecimento e vontade de atingir os bens jurídicos protegidos que o arguido atuou) que se deu como provada.
Importa referir que em face do modo objetivo e genuíno com que a ofendida prestou o seu depoimento, o Tribunal não ficou com dúvidas de que a mesma falou sempre com verdade, acerca de factualidade que efetivamente experienciou. É de salientar que a ofendida prestou o seu depoimento com uma postura segura, recordando-se dos episódios que narrava com detalhes, que afastam qualquer dúvida que houvesse (que, no presente caso, não houve) quanto a ausência de isenção ou objetividade no depoimento que prestou.
Ademais, o seu depoimento é corroborado pelo depoimento das testemunhas acima identificadas (quer quanto ao que assistiram diretamente, quer quanto ao que a ofendida lhes relatava), que, de igual forma, mereceram credibilidade por parte do Tribunal.
A factualidade que se deu como não provada [factos a. a f.], resultou da ausência de elementos probatórios que a corroborassem, considerando que nenhuma das testemunhas a confirmou a instâncias dos respetivos depoimentos.
A ausência de antecedentes criminais extrai-se do Certificado do Registo Criminal junto aos autos.”.
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II.3. Apreciação do recurso
II.3.1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto por erro de julgamento e violação do princípio in dubio pro reo
O recorrente alega, em suma, relativamente ao crime de acesso ilegítimo, que devem ser dados como não provados os factos 6º a 10º, 12º a 14º, 20º, 24º, 30º, 32º, 34º, levando à absolvição do arguido, uma vez que não houve flagrante delito, prova testemunhal com razão de ciência ou pericial que demonstrem, para além de qualquer dúvida, esse acesso.
Alega que existem 99.999 possibilidades de números com a mesma terminação que a do arguido e invoca o depoimento da testemunha CC quanto à partilha de localização.
Por outro lado, em relação ao crime de violência doméstica, afirma o recorrente a ausência de prova em relação ao elemento subjectivo, além de considerar que, no fundo, os factos em si não revelam a gravidade que lhes foi atribuída. Mais defendeu que não existe prova quanto à prática de actos na presença de menor. Concluiu que se devem considerar como não provados os factos 25º, 26º, 28º, 33º a 35º e, consequentemente, absolver-se o arguido da prática desse crime de violência doméstica e do pedido cível formulado.
Vejamos.
A pretensão do recorrente, nesta parte, consiste numa impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, por erro de julgamento, a que se refere o artigo 412º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPP.
De acordo com o artigo 428º do CPP, as Relações conhecem de facto e de direito e conforme o disposto no artigo 431º “Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3 do artigo 412º; ou c) Se tiver havido renovação da prova”.
Por sua vez, o artigo 412º, n.º 3, do CPP dispõe que “Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.”
E, o seu n.º 4 estabelece que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
A impugnação da matéria de facto por o Tribunal a quo ter efectuado uma incorrecta apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento, não pode confundir-se com discordância na apreciação da prova, que invada o espaço da livre apreciação da prova plasmado no artigo 127º do CPP, que é de estrito domínio do julgador.
O legislador consagrou no Código de Processo Penal o princípio da livre apreciação da prova que se consubstancia, por um lado, na inexistência de critérios pré-determinados no valor a atribuir à prova e, por outro lado, em não haver uma apreciação discricionária ou arbitrária da prova produzida.
Essa liberdade obedece, quer ao dever de tal apreciação assentar em critérios objectivos de motivação, quer ao dever de perseguir a verdade material.
Ao referir-se que a valoração da prova é ‘segundo a livre convicção da entidade competente (o juiz)’, a convicção há-de ser pessoal, objectivável e motivável, logo, vinculada e, assim, capaz de conseguir a adesão razoável da comunidade pública. Donde resulta que tal existirá quando e só quando o Tribunal se tenha convencido, com base em regras técnicas e de experiência, da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Vol. I, Coimbra Editora, 1981, págs. 198-207).
Assim, o juiz deve apreciar a prova testemunhal segundo os critérios de valoração racional e lógica, tendo em conta as regras de experiência comum, julgando segundo a sua consciência e convicção.
O juiz é livre de formar a sua convicção com base no depoimento de uma testemunha (ainda que familiar do arguido ou do ofendido/assistente) em detrimento de testemunhos contrários (por exemplo, de pessoas sem quaisquer ligações ao arguido ou ao ofendido).
Pelo que, a convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso, quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou então quando afronte, de forma manifesta, as regras de experiência comum ou o princípio in dubio pro reo.
Na impugnação da matéria de facto prevista no citado artigo 412º, n.º 3, do CPP e como decorre, nomeadamente, do Ac. da RP de 22/06/2011, processo n.º 10/07.7TAMGD.P1, in www.dgsi.pt: “Não basta ao recorrente discordar quanto ao julgamento da matéria de facto para o tribunal de recurso fazer «um segundo julgamento», com base na gravação da prova: o poder de cognição do tribunal da relação, em matéria de facto, constitui apenas remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância sem assumir a amplitude de um novo julgamento que faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação daquela mesma instância.” No caso sub judice, ouvida a prova produzida, da mesma, adianta-se, não resulta qualquer incongruência, nem com o explanado na decisão recorrida, nem com o decidido.
Quanto ao crime de acesso ilegítimo:
O recorrente pretende que sejam considerados como não provados os seguintes factos:
“6. Quando a vitima passou a usar este novo telemóvel, o arguido, sem que a vitima o soubesse e/ou tivesse autorizado, a partir de data não concretamente apurada, mas certamente situada na constância do casamento, manteve o telemóvel antigo ligado e passou a ver, com uma frequência não determinada em concreto, o seu conteúdo, tomando conhecimento, designadamente, do conteúdo das aplicações de localização, mensagens e registo de chamadas, o que fez durante e após a coabitação uma vez que o telemóvel permaneceu na residência.
7. Dessa forma, o arguido logrou, através desses acessos conhecer os locais onde a vitima se dirigia e as comunicações que realizava com terceiros
8. Nesse período, com frequência, pelo menos, semanal, e de forma a controlar se a vitima lhe escondia pormenores sobre a sua vida, perguntava-lhe se tinha estado neste ou naquele local, e aos quais bem sabia que a vitima se tinha deslocado por ter acedido à sua localização.
9. Contudo, para a vitima não se aperceber que tinha acesso ao telemóvel, dava, amiúde, como justificação que este ou aquele amigo a tinha visto.
10. Durante o casamento, a vitima, por ser ..., deslocava-se amiúde a diversos postos do SEF, para tratar dos processos que tinha a seu cargo, mas o arguido exigia que fizesse chamadas de vídeo para controlar a que locais se dirigia e com quem se encontrava de forma a confirmar que ia a trabalho.
12. A vitima viajou até ao ... em data não apurada, mas certamente na constância do matrimónio, tendo encontrado um colega de trabalho, ao lado de quem viajou e com quem trocou contactos e mensagens.
13. O arguido, após e sem que a vitima lhe desse conhecimento dessa situação, perguntou-lhe quem era o individuo que se tinha sentado ao seu lado no avião e com quem trocara mensagens e contactos.
14. No dia ........2022, o arguido logrou entrar na conta ... da vitima com a designação ... e mudou o contacto fidedigno, indicando para o efeito o seu próprio número de telemóvel ....
20. Pelas 23 horas, o arguido deslocou-se a casa da vitima sita na ..., cuja morada não devia ser do seu conhecimento e apenas dela teve conhecimento através do acesso não autorizado ao telemóvel da vitima.
21. O arguido tocou à campainha.
22. A vitima não abriu a porta, contudo outro dos moradores fê-lo pelo que o arguido entrou e subiu até à porta de entrada do apartamento da vitima e começou a bater à porta e a tocar insistentemente à campainha.
23. Incomodada, a vitima chamou a PSP que identificou o arguido.
24. Alguns dias após, a vitima logrou aperceber-se que o arguido tinha o segundo telemóvel na sua posse e que era através do mesmo que conseguia obter informações acerca dos seus contactos e deslocações, tendo através de DD logrado que o arguido devolvesse o telemóvel, o que apenas fez quando foi advertido da possibilidade de serem chamadas as autoridades policiais.
30. O arguido sabia que os telemóveis da vitima e as respetivas aplicações constituíam um sistema informático e que continham dados suscetíveis de serem processados nesse sistema e que tais dados continham informações do foro intimo/privado da vitima e sujeitas a sigilo, designadamente das telecomunicações, nos quais se incluíam informações sobre os locais aonde a vitima se dirigia bem como quanto às comunicações/contactos que a vitima mantinha com terceiros, incluindo o respetivo conteúdo.
32. O arguido sabia que a vitima não lhe tinha dado autorização para que alterasse junto da ... dados relativos à sua conta e, não obstante, quis e agiu da forma descrita, procedendo à alteração do número de telefone indicado como contacto fidedigno bem sabendo que ao fazê-lo agia contra a vontade da vitima.
34. Bem sabia que ao agir da forma descrita condicionava gravemente a vida e bem-estar psico-social da vitima, ofendendo-lhe a respetiva dignidade humana e pondo em perigo a sua saúde física e psíquica.”.
O recorrente invoca que a ofendida confirmou que nunca deu o PIN do seu telemóvel ao arguido (contudo, isso não quer dizer que o arguido a ele não tivesse acesso ou soubesse), que o acesso ao IP foi após a separação e que apenas se conhecem os últimos dois dígitos, não tendo sido realizada nenhuma perícia técnica, pelo que não podia o tribunal dar como provada essa matéria, como deu. Fez o recorrente uma contabilização das possibilidades de números com tal terminação (09) em Portugal. No entanto, não nos podemos esquecer que de entre todos os números, há outros critérios a ter em conta, nomeadamente, se são números de pessoas que são mais próximas da ofendida ou que a conhecem ou se está na disponibilidade dessas pessoas o telemóvel da ofendida (o que se verificou com o arguido). Além disso, da conjugação da prova testemunhal, outra resposta não existe para o facto de o arguido na altura saber onde se encontrava a ofendida e que mensagens enviava.
A prova documental é, também, relevante nesta matéria. Consta dos autos o print da localização do Iphone 6 da ofendida (fls. 20 a 21), após a saída da mesma de casa, correspondente com a morada do arguido, e que num primeiro momento aparece ligado e depois aparece desligado (o que é compatível com o depoimento das testemunhas que referiram que tentaram que o arguido devolvesse o telemóvel, que primeiro negou possuir e que depois do telefonema o telemóvel já aparecia desligado). Há que atender também à informação do ..., fls. 8 e 9 e documentos juntos em audiência de julgamento de .../.../2025, onde é perceptível que após a saída da ofendida de casa, foi realizada a alteração do seu número fidedigno para um número terminado em 09, como é o caso do número de telemóvel do arguido. O que, conjugado com a prova testemunhal e a demais prova documental, da posse que o arguido tinha do Iphone 6 da ofendida, que estava ligado e com bateria, só se pode concluir que o mesmo a ele acedeu (não é de descurar o depoimento da testemunha JJ que relata a situação desse telemóvel ter associado duas impressões digitais que não pertenciam, nem à ofendida, nem à sua filha, como esta declarou).
Da prova testemunhal outra conclusão também não se poderia retirar, tal como referido. Até porque, a testemunha CC confirmou, efectivamente, que havia localização partilhada no telemóvel da ofendida, mas que desligaram e passado algum tempo, isso voltava a acontecer (várias vezes), mesmo durante o casamento e mesmo depois de a ofendida alterar o PIN, referindo a testemunha que ‘havia coisas que ele sabia e que não tinha outra forma de saber (se não fosse através do acesso ilegítimo ao telemóvel Iphone 6 que a ofendida tinha na casa em que morou com o arguido)’.
É do seguinte teor a fundamentação da decisão de recorrida que, conjugando toda a prova, se manifesta com um pendor de lógica que aqui não pode ser colocada em causa:
“…ponderados os depoimentos das testemunhas indicadas na acusação e infra identificadas, de modo concatenado com a prova documental junta aos autos, mormente os diversos prints de mensagens e chamadas recebidas pela ofendida, de fls. 10 a 18, os prints de fls 20 e 21 (referente à localização do iphone da ofendida) e o print das informações do ID apple juntas em inquérito e complementadas em audiência de julgamento, o Tribunal não ficou com dúvidas de que o arguido agiu do modo descrito na matéria de facto que se deu como provada.
Com efeito, a testemunha BB (vítima) verteu o seu depoimento acerca da relação de casamento que manteve com o arguido, esclarecendo o Tribunal acerca dos atos por este praticados que a motivaram a terminar o relacionamento e posteriormente a apresentar queixa, falando acerca dos factos praticados durante a constância do matrimónio e após a separação do casal em ..., data em que saiu de casa. A testemunha relatou que durante o período de casamento, o arguido ligava-lhe com uma frequência fora do normal para saber com quem estava e por onde andava exigindo que falassem por videochamada para se certificar que a vítima dizia a verdade. Relembrou uma ocasião em que foi a ... em trabalho e por já estar farta do controlo do arguido, disse-lhe que estava num sitio diferente daquele em que verdadeiramente estava tendo este dito que a vítima estava a mentir e que alguém a havia visto no sítio onde realmente se encontrava. Mais referiu que não foi a única vez em que isto ocorreu, tendo, com certeza, havido lugar a episódios semelhantes em várias outras vezes (certamente, uma vez por mês, enquanto estavam casados). Falou acerca dos reparos que fazia às roupas que vestia, rebaixando-a e menosprezando-a. A vítima prestou ainda depoimento acerca da ocasião em que viajou para o ... e em que o arguido a confrontou com o facto de ter viajado ao lado de um homem e de lhe ter enviado mensagem, exigindo-lhe que tirasse print da tela do seu telemóvel, sem que a vítima lhe tivesse dito ao lado de quem viajara. Prestou ainda depoimento acerca do comportamento do arguido após a sua saída da morada comum, tanto na ocasião em que foi buscar os seus pertences àquela casa, como das mensagens e telefonemas que recebeu, dando nota de que sabia onde a vítima se encontrava (por exemplo, em casa da sua amiga, situada no ...), e, bem assim, da situação em que se deslocou a sua casa de ..., sem que alguma vez lhe tivesse dado tais informações. A testemunha relatou que, a dada altura, recebeu uma mensagem da ... no seu computador, dando nota da alteração do contacto fidedigno, para um número de telemóvel terminado em 09 (compatível com o número do arguido, precisamente ...). Já depois da separação, a ofendida necessitou de aceder a uma conta sediada no ..., o que apenas se mostrava possível através do seu iphone 6, aparelho onde tinha as respetivas credenciais. Por não encontrar o telemóvel, acedeu à aplicação «find iphone» e respetivo sistema de localização, tendo essa aplicação indicado que o seu iphone 6 que julgava desligado, se encontrava ligado (com bateria) em casa do arguido (o que é compatível com o documento de fls. 20 e 21).
Por seu turno, a testemunha FF, que referiu que conhece a vítima por ser sua colega de escritório, conhecendo o arguido enquanto marido da vítima, confirmou que o seu contacto com a vítima é diário, acompanhando-a muitas vezes às idas aos vários serviços de SEF, em trabalho, razão por que tinha conhecimento próximo da relação mantida entre o arguido e a sua colega, tendo inclusivamente sido visita da casa do casal. Com relevância, anuiu que se apercebia de vários telefonemas por parte do arguido ao longo do dia, sempre a perguntar onde estava, apercebendo-se ainda de mensagens, referindo que iam além do que é normal e habitual entre casais. A testemunha referiu que as chamadas eram tão frequentes que chegava a ser incomodativo para quem estava ao lado. Falou, de modo congruente com o depoimento da ofendida, acerca da situação em que se deslocaram a ... (e não ..., conforme havia relatado a ofendida), em que fizeram uma paragem no Freeport, tendo percebido que o arguido ligara várias vezes para controlar onde se encontrava a ofendida. Nessa ocasião, disse à ofendida que lhe dissesse que estavam num sítio mais atrás no caminho, de modo a dar-lhes mais tempo para prosseguir viajem com calma (por lhe ser notório que o arguido controlava o tempo da ofendida), o que aquela fez. Momentos depois, recebeu uma chamada do arguido, a pedir que passasse à ofendia, tendo-lhe dito que esta tinha mentido, que um amigo a tinha visto no local em que se encontrava. A testemunha prestou ainda depoimento acerca da ocasião em que o arguido lhe pediu para tomar um café e, encontrando-se com aquele, este teve um discurso tendente a denegrir a imagem da vítima, relatando ao Tribunal o teor da conversa mantida (que vai ao encontro da factualidade que se deu como provada). Com relevância, anuiu que por diversas vezes a vítima se queixava dos reparos que o arguido fazia à roupa que vestia. Confirmou ainda que o arguido nunca foi visita da sua casa do ... e que em nenhum momento lhe disse que a vitima ali se encontrava. Confirmou que no dia do divórcio o ouviu apelidar a vítima de «puta».
A testemunha GG, colega de escritório e amiga da ofendida, prestou um depoimento, em toda a linha, congruente com os das testemunhas acima identificadas. Com relevância, relatou que, em face do que a vítima lhe relatava (em relação ao facto do arguido saber constantemente onde aquela se encontrava), começou a desconfiar que o arguido tivesse de algum modo acesso ao telemóvel da vítima, tendo vertido o seu depoimento acerca das diligências que fez junto da vítima e respetivo telemóvel, até descobrirem que aquele tinha acesso ao iphone 6 antigo telemóvel daquela. Também prestou depoimento acerca da ocasião em que auxiliou a vítima com a questão da alteração do contacto no .... Falou ainda acerca da noite em que o arguido foi a casa da vítima, em ..., mantendo sempre o contacto telefónico com aquela, confirmando que a mesma estava assustada e com medo, razão por que chamou a polícia. Do mesmo modo que o relatado pela testemunha FF, recordou que, a dada altura, o arguido teve uma conversa consigo, em que lhe disse que tinha feito uma investigação da vida da arguida, dando-lhe a entender que não era uma pessoa honesta do ponto de vista profissional e que tinha problemas no ....
Por seu turno, a testemunha DD, amigo do arguido, há cerca de 15 anos e colega da vítima, verteu o seu depoimento acerca da ocasião em que pediu ao arguido que devolvesse o telemóvel à ofendida, pedido a que, pese embora alguma resistência, o arguido acabou por aceder. Falou também acerca da ocasião em que foi lanchar com o arguido e em que este lhe mostrou um dossier grande cheio de folhas, referente a uma investigação à vida da ofendida, dizendo-lhe que a ofendida era perseguida pela justiça brasileira, uma aldrabona, burlona que não podia voltar ao ... por estar a ser perseguida.
Por fim, a testemunha HH, filha da vítima, verteu o seu depoimento acerca do período de seis meses em que viveu com o casal e acerca do estado em que percecionou a sua mãe naquela relação (descrevendo-a como uma mulher manipulada, sem voz e sem se impor) e ainda o modo como o arguido a tratava, referindo que chegou a vê-lo humilhar a sua mãe à frente de terceiras pessoas (e.g., dizendo-lhe que a casa onde vivia não era dela).
Ponderados os elementos supra vertidos e analisados os mesmos de modo concatenado, o Tribunal não ficou com dúvidas acerca do comportamento do arguido na constância do matrimónio (i.e., quanto aos reparos que fazia à ofendida, às chamadas e mensagens diárias que lhe fazia, bem como ao conhecimento efetivo que tinha dos locais em que aquela se encontrava) e, bem assim, das conversas que manteve com os colegas da vítima nos moldes acima descritos. As testemunhas II e GG confirmaram o depoimento da ofendida, relatando que, em face do que observavam, não tinham dúvidas de que o arguido telefonava de forma insistente para a ofendida para controlar os sítios por esta frequentados e as pessoas que a acompanhavam. Foram também consonantes, denotando que ao longo da relação, a vítima se sentia menosprezada pelos comentários que o arguido fazia ao seu modo de vestir, referindo que esta por vezes perguntava às testemunhas se achavam que se vestia de forma desadequada.
A factualidade objetiva provada, designadamente, i) a respeitante ao conhecimento que o arguido tinha de dados da vida da vítima (locais por esta frequentados), sem que os mesmos lhe tivessem sido transmitidos, ii) aliado ao facto de o iphone antigo da vítima se encontrar ligado em casa do arguido, quando a vítima o mantinha desligado (o que significa que necessitou de ser carregado) iii) bem como a circunstância do contacto do ... (ID que se encontra descrito nas definições do iphone), ter sido alterado para um número que termina com os mesmos dígitos que o telemóvel do arguido (conforme por si indicado aquando da prestação de T.I.R.), analisada à luz das presunções naturais produto das regras da experiência comum, permite-nos chegar à conclusão, com um grau de segurança próximo da certeza, de que o arguido acedeu o telemóvel iphone 6 pertencente à vítima e que era através do mesmo que aquele conseguia obter informações acerca dos seus contactos e deslocações.
As referidas presunções permitem que «perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado diretamente, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente certos factos são a consequência de outros. […]» sendo evidente que «a ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.». Recorrendo a tais presunções, o Tribunal terá assim, revelar «[…] um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido.» [tudo, conforme explica o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 06.10.2010, proferido no processo n.º 936/08.JAPRT].
É também através das referidas presunções que o Tribunal se convence acerca da factualidade de índole subjetiva (respeitante à consciência, conhecimento e vontade de atingir os bens jurídicos protegidos que o arguido atuou) que se deu como provada.
Importa referir que em face do modo objetivo e genuíno com que a ofendida prestou o seu depoimento, o Tribunal não ficou com dúvidas de que a mesma falou sempre com verdade, acerca de factualidade que efetivamente experienciou. É de salientar que a ofendida prestou o seu depoimento com uma postura segura, recordando-se dos episódios que narrava com detalhes, que afastam qualquer dúvida que houvesse (que, no presente caso, não houve) quanto a ausência de isenção ou objetividade no depoimento que prestou.
Ademais, o seu depoimento é corroborado pelo depoimento das testemunhas acima identificadas (quer quanto ao que assistiram diretamente, quer quanto ao que a ofendida lhes relatava), que, de igual forma, mereceram credibilidade por parte do Tribunal.
A factualidade que se deu como não provada [factos a. a f.], resultou da ausência de elementos probatórios que a corroborassem, considerando que nenhuma das testemunhas a confirmou a instâncias dos respetivos depoimentos.
A ausência de antecedentes criminais extrai-se do Certificado do Registo Criminal junto aos autos.”.
Na verdade, da conjugação da prova foi possível confirmar-se que o arguido tinha acesso ao telemóvel antigo da ofendida, que depois devolveu, mas que antes se apresentava ligado e com carga e que permitia o acesso pelo arguido ao mesmo e à localização e mensagens da ofendida e demais elementos constantes do telemóvel.
A conclusão lógica de que o telemóvel indicado para alteração do contacto fidedigno ... era o telemóvel do arguido, também não suscita dúvidas perante:
- a conformidade dos dois últimos dígitos (conforme prova documental);
- o interesse e conhecimento que o arguido manifestava em relação aos locais onde a ofendida estava e com quem;
- ao facto de ter consigo o telemóvel que a ofendida não usava;
- a testemunha CC confirmou que através da aplicação find my iphone foi possível verificarem que o mesmo estava em casa do arguido, depois de a ofendida ter saído de casa e que, quando pedem ao arguido para entregar o Iphone, o mesmo desligou o Iphone e na aplicação find my iphone já aparecia um ecran todo negro e não como ligado, como aparecia antes, onde até era possível verificar a carga da bateria; esse acesso que tinha ao telemóvel da ofendida [que além do PIN, tinha associado duas impressões digitais, que não eram da ofendida, nem da sua filha] permitia-lhe sempre activar todas as funções, nomeadamente de partilha de localização, daí que, não obstante a testemunha ajudar a ofendida a desactivar essa ou outras aplicações, as coisas voltavam ao mesmo;
- há a acrescentar o depoimento da testemunha DD, amigo do arguido, que de forma frontal, segura e esclarecedora, atestou que o arguido primeiro negou que tivesse o telemóvel consigo e depois, admitindo, ainda assim resistiu à sua entrega;
- as deslocações que o arguido fez, ‘adivinhando’ os sítios onde a ofendida se encontrava (matéria expressivamente confirmada pela prova testemunhal e documental junta aos autos);
- dos elementos objectivos assim provados se conseguem retirar os elementos subjectivos também dados como provados (daí os factos provados em causa, nomeadamente, 6º a 10º, 12º a 14º, 20º, 24º, 30º, 32º, 34º, que se mantêm).
O recorrente alega, ainda, a violação do princípio in dubio pro reo, uma vez que na dúvida o tribunal recorrido deveria ter dado como não provados os factos em causa e absolvido o arguido.
O princípio in dubio pro reo é um corolário do princípio da presunção de inocência, consagrado constitucionalmente no art. 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, consubstanciando-se este em o arguido ser tido como inocente e julgado como inocente enquanto a sua culpabilidade não resultar provada além de toda a dúvida razoável e sendo o princípio in dubio pro reo entendido como um limite do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe, nos casos de dúvida fundada sobre os factos, que o Tribunal decida a favor do arguido.
Na verdade, o princípio in dubio pro reo configura-se, basicamente, como uma regra da decisão: produzida a prova e efectuada a sua valoração, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos (isto é, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida razoável e irresolúvel sobre a verificação, ou não, de determinado facto), o juiz deve decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
O princípio da presunção de inocência, enquanto expressão ao nível da apreciação da prova, traduz-se na imposição de que um non liquet, na questão da prova, tem de ser sempre valorado a favor do arguido (No que se traduz que apenas pode haver condenação se se tiver alcandorado a verdade com um grau de certeza, para além de qualquer dúvida razoável, que, naturalmente, fica aquém da noção de qualquer sombra de dúvida” – acórdão do TRP de 28/10/2015, processo n.º 1381/13.1PBMTS.P1, in www.dgsi.pt. Como igualmente se refere no referido acórdão do TRP, a verificação deste vício “pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador. A simples existência de versões díspares e até contraditórias sobre os factos relevantes não implica que se aplique, sem mais, o princípio in dubio pro reo”. Na verdade, “o princípio do in dubio pro reo só se coloca quando o Tribunal, depois de esgotado todo o percurso probatório, com recurso à prova direta e à prova indireta, através de presunções judiciais, permanece com dúvidas sobre a demonstração dos factos, não conseguindo formar convicção” (neste sentido, o acórdão do TRL de 05/12/2024, processo n.º 1633/22.0T9LSB.L1-5, in www.dgsi.pt).
Não é, manifestamente, o caso dos autos, em que o tribunal recorrido não ficou com dúvidas em relação ao ocorrido, tal como o veio a expressar na sua decisão. Mas não pode é deixar de dar como provada determinada matéria, tal como o fez, credibilizando-a em determinado sentido, quando pelas regras da lógica, da vivência das coisas, da normalidade e da experiência de vida e comum, outra conclusão não se pode tirar.
O tribunal recorrido explicou o percurso lógico da sua decisão (e de acordo com o art. 127º do CPP), razão pela qual, não se tinha, nem tem, de lançar mão do princípio in dubio pro reo, não existindo qualquer violação do mesmo.
Analisada a decisão recorrida concluímos que o tribunal a quo não enunciou qualquer dúvida relativamente à verificação da factualidade dada como provada.
Não houve, pois, qualquer ofensa ao princípio do in dubio pro reo, mantendo-se a decisão recorrida relativamente à matéria em causa (em termos de facto e subsequente enquadramento jurídico-penal do crime de acesso ilegítimo).
*
Quanto ao crime de violência doméstica:
O recorrente pretende que se dê como não provados os seguintes factos:
“25. Alguns dias após, apercebendo-se que a vitima não reataria a relação, o arguido, com o propósito de colocar em causa a paz e o sossego da vitima e de a vulnerabilizar, formulou o plano de denegrir a imagem e bom nome da vitima, junto de pessoas conhecidas de ambos, que bem sabia transmitiriam à vitima o que lhes dissesse acerca de si.
26. Para tanto interpelou, designadamente, os seus colegas de escritório e amigos EE e DD, aos quais disse que tinha mandado investigar a vida da vitima no ... e que apurara que tinha tido vários relacionamento, saltava de relacionamento em relacionamento, não prestava, enganava os colegas, era uma vigarista, desestabilizada economicamente, que tinha processos judiciais e era procurada.
28. O arguido quis e agiu do modo descrito, sabendo que, de forma recorrente, molestava psiquicamente a vitima que bem sabia ser sua cônjuge, que lhe infligia maus-tratos psíquicos, a humilhava e ofendia na sua honra e consideração pessoais bem como lhe causava medo e receio pela sua vida e integridade física, ciente que estava que as palavras que lhe dirigia eram insultuosas e intimidatórias, que as constantes indagações acerca das suas deslocações e contactos a diminuam enquanto pessoa e punham em causa a sua liberdade e autodeterminação, sujeitando-a a constante escrutínio.
33. Bem sabia e não podia ignorar o arguido que a sua conduta mantinha a vitima num estado de persistente perturbação e desassossego, prejudicando a sua liberdade de determinação, resultados que o arguido quis e logrou atingir.
34. Bem sabia que ao agir da forma descrita condicionava gravemente a vida e bem-estar psico-social da vitima, ofendendo-lhe a respetiva dignidade humana e pondo em perigo a sua saúde física e psíquica.
35. Agiu em todas as condutas de forma livre, deliberada e consciente, bem as sabendo proibidas e punidas por lei e tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.”.
Ouvida toda a prova produzida em julgamento, não se vislumbra que exista alguma contradição ou inexactidão que leve a alterar a matéria de facto dada como provada.
Da conjugação da prova não resulta, nem que a ofendida não tivesse ficado afectada, ou que tenha transmitido informações ao arguido sobre onde estava e aceitado jantar com o mesmo.
Existe, por outro lado, prova bastante quanto ao denegrir da imagem da ofendida perante as pessoas das suas relações (a testemunha DD refere mesmo que o arguido ‘achincalhou o carácter da KK, pô-la como uma criminosa’), ao levá-la a um estado persistente de perturbação e desassossego, prejudicando a sua liberdade de determinação, afectando o seu bem-estar psico-social, ofendendo a sua dignidade humana, pois não podemos olvidar, também, o depoimento das testemunhas LL e CC, transmitindo o sentimento de pânico da ofendida, quando esta se apercebe que o arguido estava à porta de sua casa, sendo que ela nunca lhe disse onde morava (daí, também, que dúvidas não existam quanto à matéria de facto dada como provada, nomeadamente os factos 25º, 26º, 28º, 33º a 35º).
Com a manutenção de toda a matéria dada como provada, mantém-se também a matéria do pedido cível, nada havendo a alterar. Improcede, também, esta parte do recurso.
*
II. 3.2. Do enquadramento jurídico do crime de violência doméstica e da agravante do n.º 2 do art. 152º do CP
O recorrente põe em causa a sentença proferida e a condenação efectuada quanto ao crime de violência doméstica, alegando, em síntese, que não existe intenção da prática do crime e que os factos em causa não são susceptíveis de o constituir e que o tribunal recorrido se baseou na ‘presença de menor’ aquando da prática dos factos, por forma a considerar agravado o crime de violência doméstica de que vinha acusado, nos termos do artigo 152º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), do Código Penal, o que entende que não ocorreu.
Dispõe o aludido artigo 152º do CP que:
“1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
(…)
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima;
(…)
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.”
No crime de violência doméstica, o bem jurídico tutelado pela incriminação é complexo e abrangente e engloba a saúde física, psíquica, mental e moral.
O tipo legal de crime em apreço, integrado no título I dedicado aos crimes contra as pessoas e, dentro deste, no capítulo III, relativo aos crimes contra a integridade física, na sua redacção inicial (anterior à redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 04/09) tinha como ratio, não a protecção da comunidade familiar e conjugal, mas sim a protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana.
Como refere Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pp. 329 a 339, maxime pág. 332, “O bem jurídico protegido por este tipo de crime é a saúde – bem jurídico complexo, que abrange a saúde física, psíquica e mental, e que pode ser afectado por toda a multiplicidade de comportamentos que impeçam ou dificultam o normal e saudável desenvolvimento da personalidade da criança ou do adolescente,(...) ou que afectem a dignidade pessoal do cônjuge”.
As condutas previstas e punidas por este artigo podem, assim, configurar, maus tratos físicos (ou seja, ofensas corporais simples) e maus tratos psíquicos (humilhações, provocações, molestações, ameaças) – Taipa de Carvalho, op. cit., pág. 333.
No entanto, em qualquer das vertentes referidas, o tipo de crime em análise pressupunha uma reiteração das respectivas condutas, para que se pudesse considerar que estava preenchido o tipo legal do art. 152º do CP e não outro tipo que com ele estivesse em concurso aparente.
Actualmente, tal circunstância de necessidade de reiteração, já não ocorre e por expressa determinação da lei, que prevê para o art. 152º referente à violência doméstica, a sua punição, quer o acto seja praticado de forma reiterada ou não (o que também acontece com o crime do art. 152º-A referente a maus tratos propriamente ditos, que abrange os menores como vítimas e outras pessoas particularmente indefesas).
É precisamente no seio da família que as condutas descritas no tipo legal do art. 152º do CP actual, ganham maior acuidade.
Assim sucede, sem margem para dúvidas, no caso sub judice.
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Tendo em consideração o expendido, temos de ter presente que resultou, nomeadamente, provado na decisão recorrida que (factos 1º, 2º, 8º a 11º, 15º a 29º, 33º a 35º, 38º, sublinhado nosso):
“1. O arguido e a vitima BB casaram em .../.../2020, separaram-se de facto em .../.../22 e divorciaram-se em ... em ....
2. Até à separação residiam em casa do arguido, sita na ....
8. Nesse período, com frequência, pelo menos, semanal, e de forma a controlar se a vitima lhe escondia pormenores sobre a sua vida, perguntava-lhe se tinha estado neste ou naquele local, e aos quais bem sabia que a vitima se tinha deslocado por ter acedido à sua localização.
9. Contudo, para a vitima não se aperceber que tinha acesso ao telemóvel, dava, amiúde, como justificação que este ou aquele amigo a tinha visto.
10. Durante o casamento, a vitima, por ser ..., deslocava-se amiúde a diversos postos do SEF, para tratar dos processos que tinha a seu cargo, mas o arguido exigia que fizesse chamadas de vídeo para controlar a que locais se dirigia e com quem se encontrava de forma a confirmar que ia a trabalho.
11. O arguido fazia sentir à vitima que não queria que esta vestisse determinada roupa ou que saísse, mesmo em trabalho, dizendo-lhe, por diversas vezes “vai vestida assim?”, “assim comigo você não vai” dizendo-lhe ainda que a roupa que vestia era “chunga”.
15. Após a separação, com a qual o arguido não concordou, este enviava à vitima inúmeras mensagens para se encontrarem e reatarem a relação.
16. Após a separação, a vitima esteve a viver em casa de uma amiga no ... e o arguido, por ter tomado conhecimento de que a mesma ali se encontrava por ter acesso nos termos referidos ao telemóvel da vitima, enviou-lhe uma mensagem para tomarem café num estabelecimento junto àquela casa.
17. No dia ... de ... de 2022, a vitima efetivou a mudança para a sua atual residência e nesse mesmo dia o arguido pretendia falar com a mesma, tendo telefonado cerca de 20 vezes.
18. Como as chamadas não foram atendidas, enviou diversos sms, a pedir que atendesse.
19. Como a vitima não o atendeu, o arguido enviou as seguintes mensagens:
a. Não fala comigo e liga me sábado às 23h30 acha que sou estupido… mas quem vai perder é vc e muito mais que imagina. A vida vai vos mostrar qe vc enquanto mãe e mulher escolheu o caminho errado. Veremos qto dura a sua independência ou a sua dependência ou a sua dignidade… uma pena vc tinha tudo para levar uma vida direita … mas os resultados vao vir em breve pode ter a certeza. Veremos que família vc arranja ou com que pessoas vc vai se meter.
b. Seja feliz vc mais as luzias, fatimas e … Com quem vc se envolver…cama arranjara certamente o resto veremos! fique na sua paz e trata do divorcio que vc tanto quer. Já não tenho forças pra mais. Rastejei até onde consegui
c. Estou exausto de tanto lutar.
d. Atenda pf ou prefere que eu toque na porta
e. Vou tocar até vc falar comigo
20. Pelas 23 horas, o arguido deslocou-se a casa da vitima sita na ..., cuja morada não devia ser do seu conhecimento e apenas dela teve conhecimento através do acesso não autorizado ao telemóvel da vitima.
21. O arguido tocou à campainha.
22. A vitima não abriu a porta, contudo outro dos moradores fê-lo pelo que o arguido entrou e subiu até à porta de entrada do apartamento da vitima e começou a bater à porta e a tocar insistentemente à campainha.
23. Incomodada, a vitima chamou a PSP que identificou o arguido.
24. Alguns dias após, a vitima logrou aperceber-se que o arguido tinha o segundo telemóvel na sua posse e que era através do mesmo que conseguia obter informações acerca dos seus contactos e deslocações, tendo através de DD logrado que o arguido devolvesse o telemóvel, o que apenas fez quando foi advertido da possibilidade de serem chamadas as autoridades policiais.
25. Alguns dias após, apercebendo-se que a vitima não reataria a relação, o arguido, com o propósito de colocar em causa a paz e o sossego da vitima e de a vulnerabilizar, formulou o plano de denegrir a imagem e bom nome da vitima, junto de pessoas conhecidas de ambos, que bem sabia transmitiriam à vitima o que lhes dissesse acerca de si.
26. Para tanto interpelou, designadamente, os seus colegas de escritório e amigos EE e DD, aos quais disse que tinha mandado investigar a vida da vitima no ... e que apurara que tinha tido vários relacionamento, saltava de relacionamento em relacionamento, não prestava, enganava os colegas, era uma vigarista, desestabilizada economicamente, que tinha processos judiciais e era procurada.
27. Em ... e ..., respetivamente quando se a vitima se deslocou a casa do arguido para ir buscar os seus pertences e aquando da conferencia do divórcio, na presença de terceiros, o arguido apelidou a vitima de “puta”.
28. O arguido quis e agiu do modo descrito, sabendo que, de forma recorrente, molestava psiquicamente a vitima que bem sabia ser sua cônjuge, que lhe infligia maus-tratos psíquicos, a humilhava e ofendia na sua honra e consideração pessoais bem como lhe causava medo e receio pela sua vida e integridade física, ciente que estava que as palavras que lhe dirigia eram insultuosas e intimidatórias, que as constantes indagações acerca das suas deslocações e contactos a diminuam enquanto pessoa e punham em causa a sua liberdade e autodeterminação, sujeitando-a a constante escrutínio.
29. Quis ainda após a separação manter contacto com a vitima, bem sabendo que a mesma não o desejava e que ao enviar-lhe mensagens e ao deslocar-se a sua casa, nos termos em que o fez, agia de forma a impor a sua presença à vitima e perturbava a sua paz.
33. Bem sabia e não podia ignorar o arguido que a sua conduta mantinha a vitima num estado de persistente perturbação e desassossego, prejudicando a sua liberdade de determinação, resultados que o arguido quis e logrou atingir.
34. Bem sabia que ao agir da forma descrita condicionava gravemente a vida e bem-estar psico-social da vitima, ofendendo-lhe a respetiva dignidade humana e pondo em perigo a sua saúde física e psíquica.
35. Agiu em todas as condutas de forma livre, deliberada e consciente, bem as sabendo proibidas e punidas por lei e tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
38. Nas circunstâncias acima descritas, quando o arguido se deslocou a sua casa em ..., a vítima sentiu medo e grande nervosismo.”.
Refere-se, ainda, na decisão recorrida, quanto ao enquadramento legal:
“Assim, o verdadeiro traço distintivo deste crime relativamente aos demais, em que se protegem os mesmos bens jurídicos, reside na especial censurabilidade das condutas perpetradas por quem, no âmbito de uma particular relação interpessoal e movido por sentimentos de desprezo, humilhação e poder, exerça domínio sobre a pessoa da vítima e a subjuga a uma vivência de medo, de humilhação e de submissão, num cenário de degradação da dignidade daquela.
(…)
Com relevância para a resolução do caso concreto cumpre salientar que o artigo 152.º, n.º 2 do Código Penal estabelece várias circunstâncias agravantes que elevam a moldura penal, entre as quais figuram a circunstância de os factos típicos serem praticados no domicílio comum ou no domicílio da vítima [cf. alínea a)]. Descendo ao caso concreto, diante da factualidade provada, verifica-se que o arguido e a vitima mantiveram uma relação de casamento, residindo juntos até a data da separação, sendo que no decorrer dessa relação: - Com frequência, pelo menos, semanal, e de forma a controlar se a vitima lhe escondia pormenores sobre a sua vida, perguntava-lhe se tinha estado neste ou naquele local, e aos quais bem sabia que a vitima se tinha deslocado por ter acedido à sua localização, sendo que para a vitima não se aperceber que tinha acesso ao telemóvel, dava, amiúde, como justificação que este ou aquele amigo a tinha visto. - O arguido exigia que fizesse chamadas de vídeo para controlar a que locais se dirigia e com quem se encontrava de forma a confirmar que ia a trabalho. - O arguido fazia sentir à vitima que não queria que esta vestisse determinada roupa ou que saísse, mesmo em trabalho, dizendo-lhe, por diversas vezes “vai vestida assim?”, “assim comigo você não vai” dizendo-lhe ainda que a roupa que vestia era “chunga”. - Quando a vitima passou a usar um novo telemóvel, o arguido, sem que a vitima o soubesse e/ou tivesse autorizado, manteve o telemóvel antigo ligado e passou a ver, com uma frequência não determinada em concreto, o seu conteúdo, tomando conhecimento, designadamente, do conteúdo das aplicações de localização, mensagens e registo de chamadas, o que fez durante e após a coabitação uma vez que o telemóvel permaneceu na residência. Dessa forma, o arguido logrou, através desses acessos conhecer os locais onde a vitima se dirigia e as comunicações que realizava com terceiros.
(…)
Os comportamentos acima descritos consubstanciam, objetivamente, atos maltratantes da esfera psíquica e emocional da ofendida, bem como constituem uma intensa devassa da sua vida privada. Os atos praticados pelo arguido consubstanciam atos reiterados de controlo de vários aspetos da vida pessoal da ofendida: os lugares por onde se movimentava, as pessoas com quem estava, as peças de roupa que vestia (rebaixando-a e menosprezando-a). O arguido acedeu ao telemóvel da vítima (respetivas aplicações e registos), sem o seu consentimento, tendo acesso a dados da vida privada, de modo a exercer controlo sobre a mesma e a conhecer as suas movimentações, atos que se mantiveram durante o casamento e após a separação, com a saída a ofendida da casa comum. Com efeito, mesmo depois da separação, o arguido continuou a controlar os lugares por onde se deslocava a ofendida, aparecendo à porta de sua casa sem autorização, fazendo notar a sua presença, tocando à campainha e acedendo ao prédio, apesar de saber que a ofendida não queria o seu contacto. Por outro lado, procurou destruir as suas relações profissionais e de amizade, denegrindo a sua imagem. Mais, em duas ocasiões distintas, apelidou-a de puta, humilhando-a, agindo sem qualquer consideração pela sua honra e consideração.
Tais atos são atentatórios do bem-estar e saúde psíquica e emocional da ofendida, da sua honra e da sua consideração, sendo, do mesmo modo, demonstrativos de desprezo por parte do arguido pela dignidade da mesma, enquanto individuo autónomo, enquanto mulher e pessoa a quem devia especial respeito, em face da relação interpessoal entre ambos mantida. Aqui chegados, não restam dúvidas de que o arguido preencheu os elementos objetivos e subjetivos do crime de que vem acusado.”.
Como vimos, os factos praticados pelo arguido não podem deixar de se considerar como maus tratos psíquicos e privações de liberdade, a cônjuge/ex-cônjuge/pessoa que manteve relação de namoro ou análoga à dos cônjuges.
A agravação da alínea a) do n.º 2 do art. 152º do CP pode advir da prática do facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima.
Ou seja, perante os factos provados, mostra-se preenchida a circunstância qualificativa prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 152º do CP. Isto porque, os quatro pressupostos aí aludidos são autónomos, distintos e não cumulativos (daí a conjunção ‘ou’, que significa alternativa): facto praticado ou contra menor, ou na presença de menor, ou no domicílio comum, ou no domicílio da vítima.
No caso concreto, independentemente da presença de menor, o certo é que se provou que os actos praticados contra a ofendida, o foram, em parte, no domicílio comum, e outra parte, no domicílio da vítima. E tanto basta para preencher a agravante em causa, como de facto preencheu, agravando a moldura sancionatória no seu limite mínimo. Aliás, quanto a esta matéria o tribunal recorrido foi bem explícito e nunca invocou a presença de menor, antes especificou e explicou o preenchimento da agravante pela razão de os factos terem sido praticados ou no domicílio comum ou, posteriormente, no domicílio da vítima.
E no que respeita à agravante de praticar os factos no domicílio comum, como se afere do Acórdão do TRL de 12/07/2022, processo n.º 386/20.0PBVIS.C1, in www.dgsi.pt: “São, pois, duas ordens de razões que conduzem à agravação: por um lado, um maior aproveitamento da confiança e sentimento de segurança por parte da vítima decorrente de estar numa posição de maior tranquilidade [menos desperta para eventuais agressões]; por outro lado, a maior aptidão do “espaço” a obstaculizar a perceção de outros membros do grupo social.”
Afigura-se-nos que as razões acima apontadas, que conduziram à agravação, também estão presentes nesta situação (ocorram no domicílio comum, ou no domicílio da vítima), porquanto, a vítima sente-se naturalmente mais confiante e protegida estando na sua residência ou mesmo numa área reservada no exterior da sua residência, sentimentos de segurança e tranquilidade que o domicílio/residência (incluindo a área reservada exterior) lhe proporciona.
Verifica-se, pois, que o enquadramento legal efectuado pela primeira instância, não merece reparo, nem quanto ao preenchimento dos pressupostos do crime de violência doméstica, nem quanto à verificação da agravante. Improcede, nesta parte, o recurso.
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II.3.3. Da medida da pena
Veio, ainda, o arguido requerer a alteração da medida da pena quanto ao crime de violência doméstica (como consta da sua fundamentação, onde se refere apenas a este crime em concreto), requerendo uma diminuição da mesma, assim como da indemnização fixada no pedido cível, por considerar desproporcional face aos factos e condições económicas do arguido.
Ao crime de violência doméstica agravado imputado ao arguido cabe, em abstracto, pena de prisão de 2 a 5 anos, como decorre do já citado art. 152º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CP.
A finalidade das penas (art. 40º do CP), assim como das medidas de segurança, visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa (sendo que, a medida de segurança, quando se coaduna ao caso concreto, só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente).
Acresce que, a determinação da medida da pena (art. 71º do CP), dentro dos limites fixados pela lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (quer geral, quer especial).
Balizada no limite mínimo de garantia da prevenção e no máximo da culpa do agente, a pena é determinada em concreto, atendendo a todos os factores previstos, nomeadamente, no n.º 2 do referido artigo 71º do CP (que não façam parte do tipo de crime), que relevem para a ajustar à ilicitude da acção e à culpa do agente, contra ou a favor do mesmo, designadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Assim, a culpa (pressuposto-fundamento da pena que constitui o princípio ético-retributivo), a prevenção geral (negativa, de intimidação ou dissuasão e, positiva, de integração ou interiorização) e a prevenção especial (de ressocialização, reinserção social, reeducação mas que também apresenta uma dimensão negativa, de dissuasão individual) representam as três exigências a cumprir na escolha da pena e na sua medida.
No caso sub judice, numa pena abstracta de 2 a 5 anos de prisão, o tribunal recorrido fixou-a em dois anos e seis meses e suspendeu a sua execução (cujo período poderia ir de 1 a 5 anos – art. 50º, n.º 5, do CP), por igual período, com sujeição a regime de prova a delinear pela Direcção-Geral de Reinserção Social e dos Serviços Prisionais que deverá contemplar o cumprimento da pena acessória de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica.
Na sentença recorrida estão referidas as seguintes circunstâncias (agravantes e atenuantes) para a fixação da pena naquela medida:
“As exigências de prevenção geral são elevadas, considerando o modo de atuação e o grau de violação dos bens jurídicos protegidos pela incriminação. De facto, basta estar atento à informação e estatística avançada pelos meios de comunicação social, para saber que este tipo de criminalidade é comum na sociedade portuguesa, existindo, desde há umas décadas atrás, um esforço por parte dos diversos sectores sociais, aí se incluindo das instâncias formais de controlo, como os Tribunais, para educar os cidadãos para o dever-ser jurídico penal e de combate à violência em contexto de relações e contra as mulheres, a que os Tribunais não podem estar alheios.
(…)
O grau de ilicitude da conduta praticada pelo arguido, por referência aos atos maltratantes integrantes da violência doméstica é moderado, considerando, por um lado, a reiteração dos atos maltratantes por si perpetrados e dirigidos à ofendida, que perduraram entre o início do casamento e a data em que se divorciaram, e, bem assim, a natureza dos seus atos e consequências nefastas dos mesmos para os vários bens jurídicos protegidos que foram atingidos com as suas condutas (concretamente, bem estar psíquico e emocional, bom nome, honra e consideração pessoal, liberdade de movimentos e atuação, reserva da vida privada da vítima).
(…)
A intensidade do dolo é elevada por ser direto.
As exigências de prevenção especial são moderadas, considerando a ausência de antecedentes criminais e a inserção social, profissional e familiar do arguido. Importa, no entanto, ter presente que os atos acima descritos praticados pelo arguido no âmbito de uma relação interpessoal relevante revelam uma personalidade adversa aos comandos normativos sociais que regem a sociedade atual e às normas de direito penal.”.
O recorrente alega, em suma, que os factos em causa levariam a uma pena menos elevada, considerando outros acórdãos que citou na sua fundamentação, com outros factos provados.
Comparando os fundamentos do recurso e os fundamentos da decisão do tribunal recorrido, verificámos que as circunstâncias atenuantes e agravantes foram adequadamente avaliadas pelo tribunal recorrido, fixando uma pena longe do seu limite máximo e não descurando a vivência de constante abalo psicológico por que a ofendida passou durante todo o tempo em que foi casada com o arguido e mesmo após o termo da relação, com insultos, controlos, denegrir de imagem e humilhações, que causaram necessariamente medo, inquietação e abalo psicológico.
Consideramos, pois, que com a fixação da pena muito próxima do seu limite mínimo, bem ponderou o tribunal recorrido a medida da pena, não sendo de aplicar no caso concreto exactamente esse limite mínimo, atenta a gravidade dos factos e porque as circunstâncias atenuantes não são suficientes para a sua fixação.
Para além do mais, no caso em apreço, os factores de prevenção geral são elevados (conforme salientado pelo tribunal recorrido), tendo em conta a frequência com que este tipo de crime ocorre e a gravidade do mesmo e a sua repercussão para a vítima, os seus familiares e para a sociedade em geral, o que significa uma maior necessidade de assegurar a protecção do bem jurídico que a norma visa proteger (que é também uma das finalidades da pena afirmadas no referido artigo 40º, n.º 1, do CP), por forma a se evitar a repetição desses comportamentos.
Entendemos, assim, que a aplicação da pena concreta de prisão (dois anos e seis meses), muito próxima do limite mínimo (que é de dois anos), corresponde a uma pena justa, proporcional e adequada (por força da ponderação das variáveis supra expostas e de acordo com os referidos critérios de determinação da pena concreta), não merecendo reparo algum a operação efectuada pelo julgador.
E o mesmo se diga em relação à medida da suspensão de execução dessa pena de prisão, que foi fixada em igual período, subordinada a regime de prova, e que se encontra, igualmente, ajustada aos critérios estabelecidos no artigo 50º do Código Penal, tendo sido devidamente fundamentada pelo tribunal recorrido, atendendo à situação de risco em causa nos autos.
Note-se que importa que o arguido se submeta a um regime de prova rigoroso para evitar que situações como a dos autos se repitam, para o que também contribuirá o cumprimento da pena acessória de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica. Improcede, por isso, também nesta parte, o recurso interposto pelo arguido.
II.3.4. Fixação da indemnização no pedido de indemnização civil
Afastada que está a absolvição do pedido cível, face aos factos dados como provados e à improcedência da alteração da matéria de facto dada como provada e não provada, como supra se decidiu e definiu, resta-nos conhecer do peticionado quanto à redução do pedido de indemnização civil, que foi fixado em € 5.000,00, por, no entender do recorrente, os factos não serem tão gravosos como outros que na jurisprudência mereceram indemnizações (além das penas) inferiores e devendo atender-se às condições económicas do arguido.
Neste aspecto, pode ler-se na decisão recorrida (que aqui importa transcrever, para percebermos o seu raciocínio, o que avaliou e se avaliou mal ou exageradamente, como lhe imputa o recorrente):
“Por referência à matéria de facto provada, constata-se que o arguido praticou contra a ofendida, factos ilícitos e culposos (melhor descritos na matéria de facto provada, para a qual se remete), que inclusivamente conduzem à sua condenação pela prática de um crime de violência doméstica e de acesso ilegítimo, dos quais, como consequência direta, advieram diversos danos para a esfera jurídica da última.
Com efeito, com o seu comportamento o arguido: perturbou psiquicamente a vitima, infligindo maus-tratos psíquicos, humilhou-a e ofendeu-a na sua honra e consideração pessoais, causou-lhe medo e receio pela sua vida e integridade física, diminui-a enquanto pessoa, pondo em causa a sua liberdade e autodeterminação, sujeitando-a a constante controlo e escrutínio; bem sabendo que a mesma não o desejava e que ao enviar-lhe mensagens e ao deslocar-se a sua casa, nos termos em que o fez, agia de forma a impor a sua presença à vitima, perturbando a sua paz; acedeu ao telemóvel da vítima, nos termos acima descritos, para exercer controlo sobre a mesma, invadindo e desrespeitando a sua privacidade; provocou na vítima um estado de persistente perturbação e desassossego, prejudicando a sua liberdade de determinação; condicionou gravemente a sua vida e bem-estar psico-social, ofendendo-lhe a respetiva dignidade humana e pondo em perigo a sua saúde física e psíquica; causou-lhe medo e grande nervosismo.
Todos estes sentimentos/emoções manifestados como consequência da conduta do arguido, consubstanciam danos não patrimoniais graves, por terem reflexos no bem-estar físico e psíquico da pessoa humana, não se reconduzindo a meros transtornos, devendo, como tal, ser compensados.
Assim, sopesando, por um lado, a gravidade dos atos maltratantes a que a assistente foi exposta, a sua reiteração, bem como as consequências nefastas, que advieram para o seu bem-estar psíquico e emocional, não olvidando as condições de vida e financeiras do arguido, entendemos adequado fixar a favor da assistente, uma indemnização no montante de € 5.000,00 (cinco mil euros).”.
O tribunal recorrido enquadrou ainda tal matéria nas normas legais aplicáveis, designadamente quanto ao preenchimento integral do disposto nos arts. 483º, 562º, 564º, 566º do CC e 129º do CPP. Justificou devidamente o montante atribuído a título de danos não patrimoniais, sem esquecer as condições económicas do arguido dadas como provadas1, sopesando todas as circunstâncias, incluindo a forma reiterada da prática dos actos, que se prolongou no tempo, com todas as consequências daí advenientes para a vítima (e que foram dadas como provadas).
Indefere-se, pois, a alteração quanto à condenação no pedido de indemnização civil, mantendo-se intacto o montante de € 5.000,00 fixado na primeira instância.
Improcede, também, esta parte do recurso.
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III- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 9ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso do arguido AA e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três UC’s (artigo 513º, n.º 1, do CPP e artigo 8º, n.º 9, do RCP, com referência à Tabela III).
Notifique.
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Lisboa, 06/11/2025
(Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)
Paula Cristina Borges Gonçalves
Marlene Fortuna
Eduardo de Sousa Paiva
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1. Quanto a este aspecto, consta dos factos provados:
“39. O arguido trabalha, estando a desenvolver duas startup, de que retira um rendimento mensal entre os € 1500,00 e os € 2000,00.
40. Reside em casa própria, desembolsando um montante de € 600,00 para pagamento do financiamento contraído.
41. Reside juntamente com a sua mulher e com o seu filho de 23 anos de idade.
42. Tem duas filhas, com 17 e 20 anos de idade, que se encontram em regime de residência alternada, residindo semanas alternadas consigo.”