I - São elementos objectivos do crime de infracção de regras de construção a violação de regras legais e regulamentares ou técnicas da execução dos trabalhos, que a violação crie perigo para a vida do trabalhador e que se verifique o nexo de causalidade entre a conduta omissiva e o resultado.
II - Trata-se de um crime específico, na medida em que pressupõe que o autor possua uma determinada qualidade, fundada numa relação de vigilância entre trabalhador e empregador, e que esteja obrigado à observância das regras legais ou regulamentares.
III - O tipo subjectivo do crime é tripartido, uma vez que o agente pode agir com dolo na conduta e dolo de perigo (artigo 277.º, n.º 1), com negligência de perigo (n.º 2) ou com negligência na conduta e na criação do perigo (n.º 3).
IV - No caso do dolo de perigo é admissível a verificação de qualquer tipo de dolo, extensivo também à criação do perigo para a vida ou de perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde.
V - O resultado agravado é sempre condicionado pela possibilidade de imputação desse resultado ao agente pelo menos a título de negligência.
VI - A entidade executante da obra é a pessoa, singular ou colectiva, que executa a totalidade ou parte da obra, de acordo com o projecto aprovado e as disposições legais ou regulamentares aplicáveis, e que pode ser simultaneamente o dono da obra, ou outra pessoa autorizada a exercer a actividade de empreiteiro de obras públicas ou de industrial de construção civil, obrigada mediante contrato de empreitada com aquele a executar a totalidade ou parte da obra.
VII - Esta entidade tem os deveres de desenvolver e especificar o plano de segurança e saúde em projeto de modo a complementar as medidas previstas, de avaliar os riscos associados à execução da obra e definir as medidas de prevenção adequadas, assegurar a aplicação do plano de segurança e saúde e das fichas de procedimentos de segurança por parte dos seus trabalhadores, de subempreiteiros e trabalhadores independentes e assegurar que os trabalhadores independentes cumpram as suas obrigações, com respeito pelas indicações da entidade executante.
VIII - Sendo a sociedade arguida simultaneamente entidade executante e empregadora, é-lhe aplicável o disposto no D.L. n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro, que consagra as normas gerais sobre trabalhos temporários em altura, estabelecendo que nestes o empregador deve dar prioridade a medidas de proteção colectiva em relação a medidas de proteção e que contém normas específicas relativas à utilização de escadas.
IX - Se o arguido é o sócio gerente da sociedade arguida e único responsável pela direcção dos trabalhos, quer do ponto de vista técnico, quer organizacional e operacional, está obrigado a adoptar as medidas de segurança exigidas de acordo com as regras aplicáveis, detendo o exercício do poder de direção e a possibilidade de alterar as condições da prestação do trabalho e a suspensão da laboração.
X - Derivando o resultado morte do facto de a vítima ter caído de uma escada que estava a utilizar para a realização dos trabalhos, por esta se ter partido, e da circunstância de não terem sido implementadas medidas de segurança relativas aos trabalhos em altura, é irrelevante para a verificação do resultado a circunstância de ela estar a exercer a sua actividade com uma TAS de 1,67 g/l, correspondente a uma TAS de 1,91 g/l.
XI - Na fixação da indemnização pela perda do direito à vida devem ter-se em conta os concretos factores atinentes à vítima, como a idade, saúde, apego à vida, força de vida, ligação à família, o gosto de viver, a felicidade, o valor intelectual e humano, integração e relacionamento social, função desempenhada na sociedade, aproveitamento escolar, formação académica, qualidades de trabalho, idoneidade moral, entre outros, que permitem, sempre dentro dos limites da equidade, conferir individualidade à concreta vida que se perdeu.
XII - A indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com miserabilismos indemnizatórios, e ponderar a progressiva melhoria da situação económica individual e global, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado, correspondente à União Europeia, e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à vida.
XIII - Deve fixar-se em 60.000,00€ a indemnização devida pela perda do direito à vida de vítima com 57 anos de idade, saudável, trabalhador independente da construção civil, que auferia pelo menos 665 € mensais, e que formava com a esposa e filhos um agregado familiar unido.
XIV - Deve fixar-se em 30.000 € os danos não patrimoniais sofridos quer pela esposa, quer pelos filhos, maiores de idade, por a relação que mantinham com a vítima ser próxima, de amor, carinho, cumplicidade e ajuda mútuos, e por a morte lhes ter causado dor, sofrimento, tristeza, consternação e saudade.
XV - Sendo o dever de pagar em parte a indemnização devida aos demandantes uma condição a que fica sujeita a suspensão da execução da pena de prisão, não pode esse dever prolongar-se para além do período de suspensão.
Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – Relatório:
No âmbito deste processo sumário, com intervenção do Tribunal Singular, foi proferida sentença, datada de 15/5/2025, que decidiu do seguinte modo (transcrição):
a) Condenar o arguido … pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art.º 348º, nº 1, alínea a) do Código Penal, com referência ao artº 152º, nº 1, alínea a) e nº 3, do Código da Estrada, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz o total de € 840,00 (oitocentos e quarenta euros);
b) Condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 10 (dez) meses, nos termos do disposto no art.º 69º, n.º 1, alínea c) do Código Penal;
c) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo (artº 8º do Regulamento das Custas Processuais), fixando a de taxa de justiça em 2 UC – artºs 374º, n.º 4, 513º, n.º 1 e 514º, n.º 1 do Cód. Processo Penal.”
*
-» Inconformado, o arguido … interpôs recurso, apresentando motivações e concluindo do seguinte modo (transcrição):
…
II. Consta dos autos que, na madrugada de 23-04-2025, o arguido cooperou com os agentes da GNR desde o primeiro instante, tendo voluntariamente acompanhado ambos ao posto para realização de prova de alcoolemia.
III. As duas testemunhas — guardas da GNR — confirmaram, de forma coerente, que o arguido nunca manifestou recusa em submeter-se aos testes; antes, apresentou-se sempre disponível para a realização dos testes de TAS.
IV. O primeiro teste efetuado foi qualitativo (presença/ausência de álcool) e NÃO fornece qualquer valor numérico concreto, pelo que não poderia ter sido comunicado ao arguido como cifra exata. Qualquer alegação em contrário revela falha de memória e insegurança na prova.
V. O arguido afirmou expressamente, em audiência, que “nunca me disseram os valores” (cfr. gravação, 8:43–8:46), em consonância com a natureza meramente indicativa do aparelho qualitativo e com o depoimento das testemunhas.
VI. Os dois testes quantitativos subsequentes falharam por razões de saúde do arguido (enfisema, DPOC e tabagismo), motivo que tornou impossível soprar no aparelho:
a. Foi comunicado aos agentes que “não conseguia soprar, porque tinha problemas respiratórios” …
…
VII. A prova testemunhal sobre a não existência de qualquer problema físico, uma vez que inicialmente teria conseguido realizar o teste no primeiro aparelho técnico de sopro, não pode ser sobreposta a juízo de valor médico:
a. Os agentes não têm habilitação médica para diagnosticar ou avaliar gravidade de patologias respiratórias;
b. A variável fadiga respiratória característica da DPOC explica a falha nos testes posteriores e exclui recusa voluntária.
VIII. A tentativa inicial de teste com o “aparelho antigo” bem-sucedida não invalida o argumento clínico, pois o novo equipamento exige sopros mais prolongados e contínuos — difícil para pessoas com DPOC.
IX. A falta de colaboração não está demonstrada. A interrupção dos testes por insuficiência respiratória enquadra-se em estado de necessidade fisiológica, não em desobediência.
X. Apenas se configuraria crime de desobediência se houvesse recusa inequívoca, após expresso aviso de ordem legítima, de submeter-se a colheita de sangue no hospital — o que em momento algum ocorreu:
…
XI. A GNR não cumpriu o disposto nos arts. 4.º e 7º da Lei n.º 18/2007, de 17-05, nem no n.º 8 do art. 153.º do Código da Estrada, por não viabilizar exame médico substitutivo (“colheita de sangue”) perante comprovada impossibilidade de sopro.
XII. A violação desses preceitos impede a consumação do tipo legal de desobediência, por ausência de ato ilícito apto a sancionar.
…
*
*
-» O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, ex vi das disposições conjugadas dos artigos 399.º, 401.º, 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 2, alínea a), 408.º, n.º 1, alínea a) e 414.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, ex vi do disposto no art.º 391º.
*
-» O Ministério Público apresentou resposta …
*
*
Uma vez remetido a este Tribunal, o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto deu parecer …
*
*
Proferido despacho liminar e, colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
*
*
II- Questões a decidir:
…
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada, as questões a examinar e decidir prendem-se com o seguinte:
- saber se a matéria de facto está corretamente julgada;
- saber se o enquadramento jurídico dos factos é o correto;
*
III – Da decisão recorrida, com interesse para as questões em apreciação em sede de recurso, consta o seguinte (transcrição):
1) No dia 23 de Abril de 2025, cerca das 02h20m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula …, vindo a ser ali sujeito a fiscalização aleatória, levada a cabo por Militares da GNR.
2) Na sequência dessa fiscalização o arguido foi informado de que teria de se submeter ao exame de pesquisa de álcool no sangue, através do ar expirado.
3) Porém, o arguido recusou submeter-se a tal exame, tendo persistido nessa recusa mesmo depois de ter sido informado, pelo Militar da GNR, de que a sua conduta o faria incorrer na prática de um crime de desobediência.
…
6) O arguido, sofre de enfisema, doença pulmonar obstrutiva crónica e tabagismo.
…
*
B) Factos não provados
Não se provou qualquer outra matéria com relevo para a decisão da causa, nomeadamente:
- que o arguido comunicou de forma clara ter dificuldades respiratórias, o que não foi levado em conta;
- que por lhe ter sido comunicado que estava a cometer um crime de desobediência, por não realizar de forma correta o teste de expiração, o arguido ficou com dificuldades acrescidas;
- que só no fim da sua libertação o advertiram da possibilidade de efetuar o exame de sangue;
- que altura em que se prestou a realizar o referido exame e lhe foi transmitido que agora o processo já estaria todo elaborado.
*
C) Motivação
Os factos acima provados assentaram, desde logo, nas declarações do arguido na parte em que confirmou que foi sujeito a acção de fiscalização no exercício da condução. Mais foram valoradas as suas declarações no que concerne à sua situação sócio-económica.
Valoraram-se os depoimentos prestados pelas testemunhas …, militares da GNR, … os quais prestando depoimentos que se revelaram credíveis, relataram que fizeram uma fiscalização aleatória ao veículo conduzido pelo arguido, sendo que lhe foi feito o teste qualitativo de pesquisa de álcool no sangue e deu positivo, pelo que foi conduzido ao Posto para efectuar o teste no analisador quantitativo, sendo que o arguido por diversas vezes simulou o sopro e referiu ter problemas de saúde, tendo-lhe sugerido que se deslocasse ao Hospital para fazer o teste através de análise ao sangue, que o mesmo recusou, tendo sido advertido que incorria na prática de um crime de desobediência, persistindo na recusa.
Consideraram-se ainda o auto de notícia de fls. 12, os documentos de fls. 13 a 15, o documento junto com a contestação e o certificado do registo criminal de fls. 4 a 8.
…
Com efeito, não se valorou a versão apresentada pelo arguido quando refere que no momento da fiscalização fez o teste e soprou várias vezes, não o tendo conseguido realizar, porque tem problemas de saúde e que nunca se recusou a ir ao Hospital fazer a análise ao sangue, porquanto estas declarações foram contrariadas pelos Militares da GNR, que procederam à fiscalização e referiram de uma forma clara que o arguido no teste qualitativo efectuou o sopro e apenas quando chegaram ao posto é que começou a referir que não conseguia, sendo visível que o mesmo não efectuava qualquer sopro, até porque se o tivesse feito e não tivesse conseguido, o talão da máquina apresentaria a menção de “sopro insuficiente” e não “tempo sopro esgotado”. Mais referiram que foi sugerido que fosse ao Hospital fazer recolha de sangue para análise, que o mesmo recusou, mantendo a recusa, mesmo após a cominação com a prática de crime de desobediência, pelo que elaboraram o auto.
…
*
IV- Apreciando o mérito do recurso:
4.1. Erro de julgamento - 412º, nº 3, do CPP:
Nas conclusões apresentadas, diz o recorrente que “O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos” e que, “por não se demonstrar ato voluntário de desobediência nem desrespeito à autoridade”, deve ser absolvido.
Invoca segmentos das declarações que prestou em audiência de julgamento e ainda segmentos de depoimentos das testemunhas que são militares da GNR e que efetuaram o teste em causa nos autos.
Ora, diz-nos o artigo 412.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “motivação do recurso e conclusões” que:
“1 - A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
2 - Versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e
c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.
3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas. “
No nº4 do mesmo artigo prevê-se que:
“Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
Deste modo, o recorrente tem de especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa.
Tal ónus tem de ser observado para cada um dos factos impugnados (ou, admite-se, conjuntos de factos que representem o mesmo pedaço de vida), devendo ser indicadas em relação a cada facto as provas concretas que impõem decisão diversa e bem assim tem de ser referido qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão.
A impugnação da decisão da matéria de facto, pela via mais ampla prevista no artigo 412º, do C.P.P., tendo havido documentação da prova produzida em audiência, com a respetiva gravação, impõe ao recorrente, como sobredito, o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos dos seus nºs 3, 4 e 6.
Exige-se ao recorrente, quando impugna a matéria de facto, a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, o que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que considera indevidamente julgado.
Para além disso, é necessária a especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, o que se traduz na anotação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que acarreta decisão diversa da recorrida, a que acresce a necessidade de explicitação da razão pela qual essa prova implica essa diferente decisão, devendo, por isso, reportar o conteúdo específico do meio de prova por si invocado ao facto individualizado que considere mal julgado.
O recorrente terá, pois, de indicar os elementos de prova que não foram tomados em conta pelo tribunal quando o deveriam ter sido ou que foram considerados quando não o podiam ser, nomeadamente por haver alguma proibição a esse respeito, ou então, de pôr em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência (atenta, sobretudo, a respetiva qualidade) dos elementos probatórios em que se estribaram tais conclusões.
E, quanto às concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, resulta do nº 4 do dispositivo legal em análise que havendo gravação das provas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar as passagens (das gravações) ou os concretos segmentos de tais depoimentos em que se funda a impugnação e que no seu entender invertem a decisão proferida sobre a matéria de facto, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 6 do artigo 412.º).
Saliente-se que a remissão para os suportes técnicos não é a simples remissão para a totalidade das declarações prestadas, mas para os concretos e precisos locais da gravação/transcrição, que suportam a tese do recorrente, só assim se dando cumprimento à especificação das “concretas provas” que é dizer do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida [Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed., 2009, Universidade Católica Editora, anotação ao art.412, pag.1121].
A reapreciação só determinará uma alteração à matéria fáctica provada quando, do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão.
No caso em análise, o recorrente não cumpriu as exigências do art.º 412° 3 e n.° 4 do Código de Processo Penal, já que não indicou a prova produzida que no seu entender tem a virtualidade de impor, claramente, decisão diversa, relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto impugnada, limitando-se a discordar genericamente da apreciação que o tribunal singular fez da prova produzida em audiência de julgamento, não correlacionando cada um desses factos individualizados que considera incorretamente julgado com segmento ou segmentos das declarações e depoimentos que transcreveu, e explicitando em que medida esses segmentos impõem uma decisão diversa sobre o mesmo, como se lhe impunha pelo referido art. 412º, nº 3 al.s a) e b) do Código de Processo Penal.
O arguido remeteu sempre para uma apreciação geral da prova, dando a sua visão pessoal da mesma e das conclusões que, a seu ver, o Tribunal a quo deveria ter chegado.
Esta forma de colocar em causa a factualidade não preenche, de facto, o ónus de impugnação que se impunha. A prova a que o recorrente alude é precisamente a prova que o Tribunal a quo valorou para dar como provados os factos que nessa qualidade descreveu, mas desses elementos de prova o recorrente extrai uma conclusão diferente daquela que foi a do Tribunal a quo.
Assim, o arguido impossibilitou o efetivo conhecimento da impugnação ampla da matéria de facto.
E não cumpria convidar o recorrente a aperfeiçoar as conclusões do recurso, pois nada pode ser resumido que não se contenha na motivação, de que as conclusões constituem uma síntese essencial.
Neste sentido, vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça, ou seja, de que o não cumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto ou a indicção das normas jurídicas violadas, tanto na motivação como nas conclusões desta, não justifica o convite ao aperfeiçoamento, uma vez que só se pode corrigir o que está deficientemente cumprido e não o que se tem por incumprido (Cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ, de 04-10-2006, Processo n.º 812/06-3.ª; de 08-03-2006, Processo n.º 185/06-3.ª; 04-01-2007, Processo n.º 4093-3.ª e de 10-01-2007, Processo n.º 3518/06-3.ª, e de 01.06.2011, Processo nº 234/00.8JAAVR.C2.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt).
Este entendimento é também sufragado pelo Tribunal Constitucional -designadamente, nos acórdãos nos 259/2002, 140/2004, 322/04, 357/2006, 529/03 e 685/2020 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), que distingue a deficiência resultante da omissão na motivação das especificações previstas na lei - caso em que o vício será insanável- da omissão de levar as especificações constantes da motivação às conclusões – caso em que se impõe o convite à correção.
…
Assim, e em face da inobservância de tais normativos (não cumprimento do ónus de especificação que lhes é imposto pelo art° 412° CPP), não é possível conhecer da impugnação da matéria de facto por essa via.
Termos em que se rejeita o recurso neste segmento.
*
Mas, se o Tribunal não pode reexaminar amplamente a matéria de facto fixada pelo Tribunal recorrido, não está desobrigado de sindicar a sentença na parte relativa à decisão da matéria de facto, devendo fazê-lo através da análise do seu texto, perscrutando se enfermará de um eventual erro notório na apreciação da prova (ou de outro vício) que possa ter condicionado a demonstração dos factos que se encontram impugnados no recurso (artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal).
A respeito deste vício, diz-nos Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 2007, p. 74:
“Há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se respeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis” .
Não se pode evidentemente confundir este erro com a opinião que o recorrente formulou sobre a prova produzida, divergente da que veio a vingar, daquela que o Tribunal, após apreciação da prova com base nas “regras da experiência” e a sua “livre convicção”, nos termos do artigo 127.º do C.P.P., entendeu dar como provada.
Explica-se no Acórdão do STJ de 27.05.2010 (ECLI:PT:STJ:2010:18.07.2GAAMT. P1.S1.3B):
“O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas. Tendo como denominador comum a sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do vício se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto. A invocação do erro notório na apreciação da prova só é possível e viável quando reportado ao texto da decisão e não se direccionado ao modo de valoração das provas (…)”
Nesta medida, só existe erro notório na apreciação da prova quando, do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta, com toda a evidência, a conclusão contrária à que chegou o tribunal, ou seja, quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos, isto é, quando se dá como provado um facto com base em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum das regras probatórias ou das “legis artis”,.
(cfr. ainda o Ac. RE de 4.2.2020, ECLI:PT:TRE:2020:60.16.2GEBNV.E1.B7 e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed. p. 341).
Em todos os casos, estaremos sempre perante um erro notório, grosseiro, evidente, que não escapa ao homem comum, facilmente constatável pelo observador médio
Nessa apreciação dos vícios do art.º 410 n.º 2 do CPP, temos de lembrar que no julgamento da matéria de facto vigora o princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127º do C. Processo Penal, segundo o qual, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
A produção da prova, que funda a convicção do julgador, é realizada na audiência (artigo 355º do CPP), com respeito pelos princípios da imediação, da oralidade e da contraditoriedade na produção dessa prova.
A valoração da prova feita pelo julgador é obrigatoriamente expressa na fundamentação da sentença (artigos 374º, nº 2, CPP e 205º, nº 1, da CRP) e é importante porque constitui «um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere). E, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões- neste sentido, o Ac. do TC nº 281/2005, DR II Série de 6/7/2005, p. 9844, citado no Ac. STJ de 06-10-2022, Processo: 103/21.8PCSTB.E1.S1 Relator: M. CARMO SILVA DIAS, in www.dgsi.pt.
Ao Tribunal Superior cumpre verificar a existência da prova e controlar a legalidade da respectiva produção, nomeadamente, no que respeita à observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação, contraditório e publicidade, verificando, outrossim, a adequação lógica da decisão relativamente às provas existentes. E só em caso de inexistência de provas para se decidir num determinado sentido, ou de violação das normas de direito probatório (nelas se incluindo as regras da experiência e/ou da lógica) cometida na respectiva valoração feita na decisão da primeira instância, esta pode ser modificada, nos termos do artigo 431º do Código de Processo Penal.
Ora, lida a motivação da decisão recorrida, acima transcrita, vemos que o Tribunal a quo analisou criticamente os meios de prova produzidos, encontrando-se a decisão de facto em apreço fundamentada e efectivamente suportada pela prova produzida em julgamento.
Também não há motivo para considerar que os factos provados são contrários às regras da experiência comum.
E na motivação da sentença não se vislumbra a existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência segundo as regras da experiência, ou um corte na continuidade do raciocínio efetuado, não se verificando assim o invocado vício do erro notório na apreciação da prova.
O recorrente coloca a tónica do recurso na circunstância de sofrer de enfisema, DPOC e tabagismo, o que o impossibilitou de soprar.
Ora, o tribunal a quo não ignorou a questão e explicou:
“Com efeito, não se valorou a versão apresentada pelo arguido quando refere que no momento da fiscalização fez o teste e soprou várias vezes, não o tendo conseguido realizar, porque tem problemas de saúde e que nunca se recusou a ir ao Hospital fazer a análise ao sangue, porquanto estas declarações foram contrariadas pelos Militares da GNR, que procederam à fiscalização e referiram de uma forma clara que o arguido no teste qualitativo efectuou o sopro e apenas quando chegaram ao posto é que começou a referir que não conseguia, sendo visível que o mesmo não efectuava qualquer sopro, até porque se o tivesse feito e não tivesse conseguido, o talão da máquina apresentaria a menção de “sopro insuficiente” e não “tempo sopro esgotado”. Mais referiram que foi sugerido que fosse ao Hospital fazer recolha de sangue para análise, que o mesmo recusou, mantendo a recusa, mesmo após a cominação com a prática de crime de desobediência, pelo que elaboraram o auto.
Tais declarações mereceram a valoração do Tribunal, porquanto os Militares da GNR, prestara depoimentos claros e isentos, não demonstrando qualquer interesse na causa e explicando o procedimento adoptado nestas fiscalizações, não existindo motivo para duvidar da veracidade das suas declarações”
Trata-se de asserções perfeitamente consentâneas com as regras da experiência e do normal acontecer: a questão não está em saber se o arguido, em virtude das doenças e que padece, tinha ou não no momento capacidade para efetuar um sopro suficientemente longo para que o teste se realizasse, mas tão só em saber se o arguido soprou. Se o tivesse feito, a máquina utilizada teria detetado o sopro, independentemente deste ser ou não suficiente para a realização do teste. Não o detetou.
Por outro lado, não se vislumbra qualquer motivo razoável - nem este é avançado pelo arguido - para que a GNR não tivesse conduzido o arguido ao hospital para um exame sanguíneo, se esta fosse a vontade deste ou se este não se opusesse a tal.
Em suma: o Tribunal recorrido apreciou a prova de acordo com o que a lei preconiza, exige e se espera, em prol da realização da justiça.
A questão do recorrente é, assim, de discordância quanto à convicção do Tribunal a quo.
Contudo, aqui a sua discordância de pouco vale, porque se impõe o estatuído no artigo 127º do Código de Processo Penal (a prova é apreciada segundo as regras de experiência comum e a livre convicção do julgador), o que só seria afastada se o recorrente demonstrasse que a apreciação do Tribunal a quo não teve o mínimo de consistência.
Tal não é o caso.
O que sabemos é que o recorrente, se fosse o julgador, não teria, com base no seu próprio depoimento (e ignorando todos os demais elementos de prova que foram mencionados na decisão recorrida e que o tribunal recorrido valorou), considerado provados os factos que lhe são desfavoráveis.
Mas o Tribunal a quo, imbuído da imediação, explicitou as razões da sua convicção, de forma lógica e global, com o mínimo de consciência para a formulação do juízo sobre a credibilidade dos depoimentos apreciados e, com base no seu teor, alicerçar uma convicção sobre a verdade dos factos.
E, de acordo com as regras da experiência comum, da normalidade das coisas e da lógica do homem médio, é razoável o entendimento do Tribunal a quo quanto à valoração da prova e à fixação da matéria de facto.
Assim sendo, não compete a este tribunal ad quem censurar a decisão recorrida com base na convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida, sob pena de se postergar o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do CPP.
Tudo para concluir que a decisão recorrida não padece do vício do erro notório na de apreciação da prova.
*
Diremos ainda que não existe qualquer lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito, aferida em função do objeto do processo, fixado pela acusação e/ou pronúncia, quando exista, e complementado pela defesa.
O tribunal de julgamento não deixou de dar resposta a um facto essencial postulado pelo referido objeto do processo, não deixou por esgotar o thema probandum, tendo-se pronunciado sobre a totalidade dos factos invocados pela acusação e pela defesa e que resultaram da discussão da causa.
Não se detetando na decisão recorrida nenhum vício de entre os elencados no art.º 410 do CPP, que são de conhecimento oficioso, e tendo sido rejeitada a impugnação ampla da matéria de facto, considera-se definitivamente assente a matéria de facto nos precisos termos fixados pela 1ª instância.
4.2. Enquadramento jurídico dos factos:
Mas o arguido vem igualmente insurgir-se contra o enquadramento jurídico-penal dos factos efetuada pelo Tribunal Singular, acima transcrito, defendendo que os factos por ele praticados não integram a prática de um crime de desobediência pelas seguintes razões:
- A falta de colaboração não está demonstrada. A interrupção dos testes por insuficiência respiratória enquadra-se em estado de necessidade fisiológica, não em desobediência.
- Apenas se configuraria crime de desobediência se houvesse recusa inequívoca, após expresso aviso de ordem legítima, de submeter-se a colheita de sangue no hospital — o que em momento algum ocorreu:
- A GNR não cumpriu o disposto nos arts. 4.º e 7º da Lei n.º 18/2007, de 17-05, nem no n.º 8 do art. 153.º do Código da Estrada, por não viabilizar exame médico substitutivo (“colheita de sangue”) perante comprovada impossibilidade de sopro.
Vejamos então.
Ora, como se referiu na sentença recorrida, o crime de desobediência encontra-se previsto no artigo 348º do Código Penal, que estabelece no respetivo nº 1, no que ao caso importa, que quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se: a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.
E estabelece o art. 152º do Código da Estrada que:
1 - Devem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas:
a) Os condutores;
b) Os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito;
c) As pessoas que se propuserem iniciar a condução.
2 - Quem praticar atos suscetíveis de falsear os resultados dos exames a que seja sujeito não pode prevalecer-se daqueles para efeitos de prova.
3 - As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência.
4 - As pessoas referidas na alínea c) do n.º 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são impedidas de iniciar a condução.
5 - O médico ou paramédico que, sem justa causa, se recusar a proceder às diligências previstas na lei para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas é punido por crime de desobediência.”
Por seu turno, nos termos do disposto no art. Artigo 153.º do Código da Estrada sob a epígrafe “Fiscalização da condução sob influência de álcool” prevê-se o seguinte:
1 - O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
2 - Se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito ou, se tal não for possível, verbalmente:
a) Do resultado do exame;
b) Das sanções legais decorrentes do resultado do exame;
c) De que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e que o resultado desta prevalece sobre o do exame inicial; e
d) De que deve suportar todas as despesas originadas pela contraprova, no caso de resultado positivo.
3 - A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando:
a) Novo exame, a efetuar através de aparelho aprovado;
b) Análise de sangue.
4 - No caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efetuado.
5 - Se o examinando preferir a realização de uma análise de sangue, deve ser conduzido, o mais rapidamente possível, a estabelecimento oficial de saúde, a fim de ser colhida a quantidade de sangue necessária para o efeito.
6 - O resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial.
7 - Quando se suspeite da utilização de meios suscetíveis de alterar momentaneamente o resultado do exame, pode a autoridade ou o agente de autoridade mandar submeter o suspeito a exame médico.
8 - Se não for possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou, se esta não for possível por razões médicas, deve ser realizado exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.
E a Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, dispõe no seu artigo 1.º que a presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo (n.º 1), a quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue (n.º 2), e a análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo (n.º 3).
De acordo com o artigo 2.º, n.º 1 da mesma lei, quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos.
Das normas acima descritas resulta que o aparelho qualitativo tem por função sinalizar a presença de álcool no sangue, não cuidando da quantificação de uma taxa de álcool no sangue (TAS). Daí que se refira no texto legal que a presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado efetuado em analisador qualitativo e quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue.
Os aparelhos (qualitativos) não têm de emitir qualquer talão, entendido este no sentido de registo documental da taxa medida, e visam tão só uma primeira despistagem e a consequente seleção dos condutores a submeter a teste quantitativo.
Pese embora o teste qualitativo tenha a função de despistagem claramente definida na lei, sendo que do mesmo apenas resulta uma conclusão genérica sobre a presença de álcool no sangue, certo é que ele faz parte do sistema legal de provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool, determinante do passo seguinte de sujeição ou não ao teste quantitativo, consoante o resultado indiciado pelo primeiro analisador for positivo ou negativo relativamente à presença de álcool.
E no caso do imputado crime de desobediência, este não exige nos seus pressupostos a cominação expressa, pela autoridade, de que o desrespeito da ordem emitida faz incorrer o agente em desobediência, pois, como resulta do disposto no artigo 152.º, n.º 3 do Código da Estrada, em conjugação com o que preceitua o artigo 348.º, n.º 1 do Código Penal, a cominação resulta da própria lei e é por via dela que a recusa de o condutor se submeter às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool é criminalmente punida como desobediência.
Perante o quadro factual descrito em que se considerou assente que, aquando de uma fiscalização aleatória levada a cabo pela GNR, foi solicitado ao arguido que se submetesse ao teste quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado, tendo este recusado e persistido nessa recusa, mesmo depois de ter sido advertido pelos militares da GNR que se mantivesse tal recusa cometia um crime de desobediência, é manifesto que o recorrente faltou à obediência devida a uma ordem legítima (cf. artigos 153.º, n.º 1, 158.º, n.º 1 do Código da Estrada, artigos 1.º e 2.º, n.º 1 da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio),
Não tendo ocorrido qualquer alteração da matéria de facto dada como provada, o que resulta da factualidade apurada pelo Tribunal a quo, para a qual foi indicada fundamentação adequada e suficiente, é que a conduta do arguido é de facto subsumível ao crime de desobediência pelo qual foi condenado.
Provou-se, é certo, que o arguido sofre de enfisema pulmonar, tabagismo e doença pulmonar obstrutiva crónica, mas por provar ficou que estas doenças o tivessem impossibilitado de soprar por razões de saúde.
O que se provou, outrossim, foi que o arguido se recusou a soprar, que não efetuou qualquer sopro, situação que é distinta daquela em que, apesar do sopro, a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado não se ter conseguido realizar. Não se provou, pois, uma “comprovada impossibilidade de sopro”, que “a única recusa consiste em incapacidade orgânica, opondo-se aos factos qualquer imputação de vontade dolosa”.
Também não encontra qualquer apoio na matéria de facto dada como provada a alegação de que os militares da GNR “não viabilizaram exame médico substitutivo (colheita de sangue)
Alega ainda o recorrente que “apenas se configuraria crime de desobediência se houvesse recusa inequívoca, após expresso aviso de ordem legítima, de submeter-se a colheita de sangue no hospital — o que em momento algum ocorreu”.
Contudo, é uma alegação sem sustentáculo na letra das lei, já que a recusa de submissão ao teste de deteção de álcool, por analisador qualitativo e/ou quantitativo, faz incorrer o agente em desobediência, não se exigindo sequer, como já supra foi dito, a cominação expressa, pela autoridade, de que o desrespeito da ordem emitida, como se extrai da conjugação dos artigos 152.º, n.º 3 do Código da Estrada e artigo 348.º, n.º 1, do Código Penal.
Tudo para concluir que não merece censura o enquadramento jurídico que foi efetuado na sentença recorrida,
*
Ex abundante cautela, consignemos que o tribunal a quo não violou o direito ao contraditório
V- Decisão:
Pelo exposto, as juízas da 5ª secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, após conferência, negando provimento ao recurso do arguido, acordam em confirmar a sentença recorrida.
*
Condena-se a recorrente em 3Ucs de taxa de justiça (arts. 513º do C. Processo Penal e 8º, nº 9 do R. das Custas Processuais e tabela III, anexa).
Coimbra, 5/11/2025
Sara Reis Marques
(Juíza Desembargadora Relatora)
Maria da Conceição Miranda
Maria Alexandra Guiné
(Juízas Desembargadoras Adjuntas)