CRIME DE INFRACÇÃO DE REGRAS DE CONSTRUÇÃO
PLANIFICAÇÃO DA SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO
OBRIGAÇÕES DOS EMPREGADORES
TRABALHADORES INDEPENDENTES
ENTIDADE EXECUTANTE DA OBRA
PRESCRIÇÕES MÍNIMAS DE SEGURANÇA E SAÚDE NOS ESTALEIROS TEMPORÁRIOS OU MÓVEIS
NORMAS GERAIS SOBRE TRABALHOS TEMPORÁRIOS EM ALTURA
UTILIZAÇÃO DE ESCADAS
INDEMNIZAÇÃO PELA PERDA DO DIREITO À VIDA
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA CONDICIONADA AO PAGAMENTO DA INDEMNIZAÇÃO
PRAZO DA SUSPENSÃO
Sumário

I - São elementos objectivos do crime de infracção de regras de construção a violação de regras legais e regulamentares ou técnicas da execução dos trabalhos, que a violação crie perigo para a vida do trabalhador e que se verifique o nexo de causalidade entre a conduta omissiva e o resultado.
II - Trata-se de um crime específico, na medida em que pressupõe que o autor possua uma determinada qualidade, fundada numa relação de vigilância entre trabalhador e empregador, e que esteja obrigado à observância das regras legais ou regulamentares.
III - O tipo subjectivo do crime é tripartido, uma vez que o agente pode agir com dolo na conduta e dolo de perigo (artigo 277.º, n.º 1), com negligência de perigo (n.º 2) ou com negligência na conduta e na criação do perigo (n.º 3).
IV - No caso do dolo de perigo é admissível a verificação de qualquer tipo de dolo, extensivo também à criação do perigo para a vida ou de perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde.
V - O resultado agravado é sempre condicionado pela possibilidade de imputação desse resultado ao agente pelo menos a título de negligência.
VI - A entidade executante da obra é a pessoa, singular ou colectiva, que executa a totalidade ou parte da obra, de acordo com o projecto aprovado e as disposições legais ou regulamentares aplicáveis, e que pode ser simultaneamente o dono da obra, ou outra pessoa autorizada a exercer a actividade de empreiteiro de obras públicas ou de industrial de construção civil, obrigada mediante contrato de empreitada com aquele a executar a totalidade ou parte da obra.
VII - Esta entidade tem os deveres de desenvolver e especificar o plano de segurança e saúde em projeto de modo a complementar as medidas previstas, de avaliar os riscos associados à execução da obra e definir as medidas de prevenção adequadas, assegurar a aplicação do plano de segurança e saúde e das fichas de procedimentos de segurança por parte dos seus trabalhadores, de subempreiteiros e trabalhadores independentes e assegurar que os trabalhadores independentes cumpram as suas obrigações, com respeito pelas indicações da entidade executante.
VIII - Sendo a sociedade arguida simultaneamente entidade executante e empregadora, é-lhe aplicável o disposto no D.L. n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro, que consagra as normas gerais sobre trabalhos temporários em altura, estabelecendo que nestes o empregador deve dar prioridade a medidas de proteção colectiva em relação a medidas de proteção e que contém normas específicas relativas à utilização de escadas.
IX - Se o arguido é o sócio gerente da sociedade arguida e único responsável pela direcção dos trabalhos, quer do ponto de vista técnico, quer organizacional e operacional, está obrigado a adoptar as medidas de segurança exigidas de acordo com as regras aplicáveis, detendo o exercício do poder de direção e a possibilidade de alterar as condições da prestação do trabalho e a suspensão da laboração.
X - Derivando o resultado morte do facto de a vítima ter caído de uma escada que estava a utilizar para a realização dos trabalhos, por esta se ter partido, e da circunstância de não terem sido implementadas medidas de segurança relativas aos trabalhos em altura, é irrelevante para a verificação do resultado a circunstância de ela estar a exercer a sua actividade com uma TAS de 1,67 g/l, correspondente a uma TAS de 1,91 g/l.
XI - Na fixação da indemnização pela perda do direito à vida devem ter-se em conta os concretos factores atinentes à vítima, como a idade, saúde, apego à vida, força de vida, ligação à família, o gosto de viver, a felicidade, o valor intelectual e humano, integração e relacionamento social, função desempenhada na sociedade, aproveitamento escolar, formação académica, qualidades de trabalho, idoneidade moral, entre outros, que permitem, sempre dentro dos limites da equidade, conferir individualidade à concreta vida que se perdeu.
XII - A indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com miserabilismos indemnizatórios, e ponderar a progressiva melhoria da situação económica individual e global, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado, correspondente à União Europeia, e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à vida.
XIII - Deve fixar-se em 60.000,00€ a indemnização devida pela perda do direito à vida de vítima com 57 anos de idade, saudável, trabalhador independente da construção civil, que auferia pelo menos 665 € mensais, e que formava com a esposa e filhos um agregado familiar unido.
XIV - Deve fixar-se em 30.000 € os danos não patrimoniais sofridos quer pela esposa, quer pelos filhos, maiores de idade, por a relação que mantinham com a vítima ser próxima, de amor, carinho, cumplicidade e ajuda mútuos, e por a morte lhes ter causado dor, sofrimento, tristeza, consternação e saudade.
XV - Sendo o dever de pagar em parte a indemnização devida aos demandantes uma condição a que fica sujeita a suspensão da execução da pena de prisão, não pode esse dever prolongar-se para além do período de suspensão.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:


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I – RELATÓRIO

I.1 No âmbito do processo comum coletivo nº 288/21.3GAMGL  … foi proferido acórdão, no que aqui interessa, com o seguinte dispositivo [transcrição]:

“1. Decisão

Por todo o exposto, acordam as juízas que compõem o tribunal coletivo em:

A. Parte Criminal

1- Absolver a arguida … da prática de um crime de infração de regras de construção agravado pelo resultado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 277.º, n.º 1, al.s. a) e n.º 2 e 285.º, ambos do Código Penal;

2- Condenar o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de infração de regras de construção agravado pelo resultado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 277.º, n.º 1, al.s. a) e n.º 2 e 285.º, ambos do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão;

3- Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido …, pelo período de 5 anos, mediante a obrigação de proceder ao pagamento parcial da indemnização devida aos demandantes …, comprovando nos autos o pagamento de pelo menos € 2.000,00 por ano, tendo por referência a data do trânsito em julgado do presente acórdão;

4- Condenar a sociedade arguida “…, Lda.” pela prática de um crime de infração de regras de construção agravado pelo resultado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos art. 277.º, n.º 1, al.s. a) e n.º 2 e 285.º, ambos do Código Penal e art. 11.º n.º 2 al. a) e b) do Código Penal, na pena de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de € 100,00 (cem euros), perfazendo 40.000,00;

5- Substituir a pena de aplicada à sociedade arguida pela prestação de caução de boa conduta, a qual se fixa em €10.000,00 (dez mil euros), pelo prazo de 5 (cinco) anos (idêntico ao da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido …), devendo ser prestada no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data do trânsito em julgado da presente decisão;

6- Condenar os arguidos … no pagamento das custas criminais do processo, fixando-se a taxa de justiça individual em 3 UC’s (artigos 374.º n.º 4, 513.º e 514.º, do Código de Processo Penal, e 3.º e 8.º, n.º 9 e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais);

B. Parte Civil

7. Absolver a demandada “… Companhia de Seguros, S.A.” da instância;

8. Absolver a demandada / arguida … do pedido;

9. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelos demandantes …, e, em consequência, condenar os arguidos/demandados … e “…, Lda.”, solidariamente, a pagar:

- Aos demandantes … a quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), pela perda do direito à vida por …, e a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), a título de dano patrimonial futuro, enquanto lucros cessantes do falecido …;

- À demandante …, a quantia global de € 31.488,00 (trinta e um mil quatrocentos e quarenta euros), sendo € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais próprios, e € 1.488,00 (mil quatrocentos e oitenta e oito euros) a título de danos patrimoniais;

- Ao demandante …, a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais próprios;

- À demandante …, a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais próprios;

10- Absolver os demandados … do demais peticionado.


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I.2 - Recurso da decisão

Inconformados com tal decisão dela interpuseram recurso para este Tribunal da Relação, os arguidos , com os fundamentos expressos nas motivações, das quais extraíram as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES:

C) Do confronto dos factos dados como provados (nºs 11. e 12.), resulta que nele se deu ao mesmo tempo como provado que no momento da queda a escada partiu-se em duas, rodando a escada para a esquerda e o falecido para a direita, provocando a sua queda, e que o falecido … caiu de costas para trás, havendo manifesta incongruência.
D) Os elementos de prova enunciados no douto acórdão recorrido não podem levar a formar a convicção nos termos em que o fez o tribunal.
E) No facto provado n.º 17, na sua parte final, após enunciar que a vítima se encontrava sob efeito de álcool e a respetiva taxa, conclui a douta decisão recorrida “não obstante, foi-lhe permitido que continuasse a laborar”, segmento que não poderia ter sido dado como provado, pois nenhuma prova foi produzida no sentido de concluir que recorrente … se apercebeu desse facto e bem assim de que permitiu que a vítima continuasse a laborar, quando o poderia ter impedido.
F) O único responsável pelo facto de estar a executar naquele momento aquela obra com a taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,67 g/l, correspondente a uma taxa de álcool no sangue de 1,91 g/l é o próprio falecido.
G) O que o Tribunal não deu como provado, e que é de crucial importância, é que este facto de ser portador de elevadíssima taxa de álcool no sangue concorreu necessariamente para a forma como se deu a queda, desamparado e de cabeça para trás, sendo provavelmente a razão pela qual o resultado foi a morte da vítima.
H) A razão pela qual a escada partiu permanece incógnita, não se tendo provado que a mesma estivesse em mau estado que não pudesse ser utilizada, mas o resultado morte, esse fica sempre a dever-se também ao nível de álcool no sangue da vítima que, perante a quebra da escada não reagiu, caiu desamparado e sem se tentar segurar ou agarrar por qualquer forma.
I) O crime pelo qual os recorrentes foram condenados é um crime de perigo concreto, pressupondo que a criação de perigo ocorra com e por violação de regras legais, regulamentares ou técnicas, tendo que ocorrer um nexo de causalidade entre uma coisa e a outra – cfr. Antonieta Maria de Pina Oliveira - Crime de infração de regras de construção. Enquadramento jurídico, prática e gestão de inquérito, in Trabalhos Temáticos de Direito e Processo Penal II – CEJ.
J) Atenta a elevadíssima taxa de alcoolemia da vítima, o perigo para a sua vida ou integridade física não foi criado (pelo menos em exclusivo) pelos arguidos, não existindo de forma inquestionável nexo de causalidade.
K) Para o lamentável acidente e para a produção do resultado concorreram diversos fatores, como o facto do falecido estar com taxa de alcoolémia muito elevada.
L) A incerteza tem de funcionar a favor da absolvição dos arguidos.
M) É preciso resultar inequívoco que o resultado se deveu à conduta dos agentes e não a outros fatores.
N) A condenação não constitui resultado lógico e congruente em face dos factos dados como provados, concretamente da taxa de álcool no sangue de que a vítima era portadora.
O) A enumeração dos factos provados e não provados nos termos sobreditos, por contraditórios e manifestamente incompatíveis e por ausência de prova bastante que os sustente, inquina a decisão de falta de fundamentação exigida pelo art. 374º nº 2 do CPP e torna-a nula nos termos do disposto no art. 379º nº 1 al.s. a) e c) do CPP.
DA IMPUGNAÇÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:
P) O tipo penal do crime de infração de regras de construção agravado pelo resultado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos arts. 277.º, n.º 1, al.s. a) e n.º 2 e art. 285.º do Código Penal, reside na defesa do bem jurídico integridade física e vida do trabalhador por conta de outrem.
Q) A vítima mortal não era trabalhador de nenhum dos arguidos ora recorrentes, era antes trabalhador independente, não estava a trabalhar sob a direção, as ordens e a fiscalização de nenhum dos arguidos, antes era “patrão de si próprio”, trabalhando com independência, autonomia, tendo sido contratado para uma prestação de serviços, por sua conta e risco.
R) A vítima não estava integrada em qualquer cadeia hierárquica, nem sujeita a qualquer poder por parte dos arguidos, fosse de direção, disciplinar ou outro.

CC) A queda ao solo de … ocorreu porque a escada se partiu, o que foi uma grande infelicidade e um caso fortuito e imprevisto, não se sabendo se para isso não contribuiu algum movimento brusco ou repentino da própria vítima.
DD) A morte ocorreu pela forma como o falecido caiu, homem de grande porte e com cerca de 100 kg de peso que era portador de elevada taxa de alcoolémia.
EE) O arguido não omitiu quaisquer deveres que soubesse que impendiam sobre si, que não impendiam, menos ainda de forma livre e voluntária, não sendo ele responsável pelo planeamento, direção e execução dos aludidos trabalhos, sendo que tendo ocorrido o acidente na fase de execução, é apenas em relação a essa que cumpre aquilatar de responsabilidades.

DO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA:
OO) Ao não valorar a taxa de álcool no sangue de que a vítima era portadora e da sua relevância nas circunstâncias e nas consequências do acidente, o douto tribunal recorrido incorreu em erro notório na apreciação da prova.
PP) Incorreu também em erro notório por determinar a condenação dos arguidos pela violação de normas legais a cujo cumprimento não estavam obrigados, por não terem no local trabalhadores ao seu serviço.
QQ) O agente tem de ser o responsável pelo planeamento, pela direção ou pela execução da obra e, atuando nessa qualidade de profissional, violar as respetivas regras legais, regulamentares ou técnicas e, com isso, tem de ter criado (com negligência) um perigo para a vida de outrem, e nada disso se verifica em relação aos aqui recorrentes e em relação à vítima.

TT) O douto Acórdão proferido interpretou erradamente o preceituado no Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro e no Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de outubro, violando-os, ao concluir que os arguidos violaram o disposto nesses diplomas legais e, assim preenchendo a norma em branco do art.º 277.º do CP, condenando os arguidos AA e empresa porque alegadamente se verificou o tipo de ilícito, quando tais diplomas legais têm como génese e como âmbito de aplicação apenas Trabalhadores por conta de outrem e Empregadores.
UU) Impunha concluir-se que esses diplomas legais não eram aplicáveis à situação dos autos, absolvendo os arguidos.

AAA) Foi o falecido … e a testemunha … que foram buscar a escada, que a procuraram, escolheram e levaram para o local em causa e que a montaram e prenderam, como entenderam, quer na base, quer no topo.

DDD) Não se produziu prova que permitisse concluir o que significa “estar a 4/5 metros”. Se estava a 4/5 metros a cabeça do falecido? Os pés? Porque o falecido era um homem de grande porte, com 1,69 metros de altura (conforme relatório da autópsia junto aos autos a fls. 122 verso).
EEE) Facto importantíssimo e completamente desvalorizado pela douta decisão proferida é d o falecido BB se encontrar sob o efeito do álcool, com uma taxa de álcool no sangue altíssima, o que assume crucial importância.
DA INDEMNIZAÇÃO CIVIL:
FFF) O douto acórdão recorrido incorre em violação do disposto no artigo 570.º do Código Civil (CC), ao não proceder à sua aplicação ao presente caso.

HHH) A queda do falecido … deveu-se, tinha de se dever, também ao facto do mesmo estar sob efeito de uma elevada taxa de álcool, que se constitui, no âmbito da condução de veículos, como ilícito criminal (cfr. artº 292º do CP).
III) Decorre das mais elementares regras da experiência comum que se não foi a causa principal, no mínimo contribuiu de forma decisiva para a queda ao chão e para as consequências dessa queda, sendo concausalidade do acidente o facto culposo da vítima, trabalhador independente se encontrar a trabalhar portador de uma TAS de 1,67 g/l que, necessariamente, determinou a falta de equilíbrio e a ausência de reação que culminou na sua queda fatal.
JJJ) A concausalidade de facto culposo do lesado prevista no artigo 570.º do CC pressupõe que o resultado danoso provenha de uma conduta ilícita imputável ao agente, em regra, a título de culpa leve e que para a produção ou agravamento do mesmo tenha concorrido, em termos de causalidade adequada, uma conduta do lesado culposa, no sentido de não ter atuado com a diligência de uma pessoa razoável na gestão do seu interesse de modo a evitar esse resultado danoso ou a mitigá-lo.
KKK) Os arguidos não podiam controlar a sua taxa de alcoolemia nem dar-lhe quaisquer ordens quanto à sua forma de proceder.
LLL) O falecido era “patrão de si próprio” e responsável pelas suas condutas, bem sabendo que não poderia ingerir bebidas alcoólicas, ainda por cima em quantidade tal que resultou naquela taxa de alcoolemia.
MMM) A vítima adotou uma conduta manifestamente contrária ao direito, temerária e apta a causar-lhe perigo a si e às outras pessoas com quem se cruzava.
NNN) A conduta do sinistrado, pelo seu desvalor e pelos riscos que comporta, que são amplamente conhecidos, têm de merecer relevo no âmbito dos presentes autos, impondo as regras da experiência comum que isso fosse ponderado pelo douto acórdão recorrido, que, ao não fazê-lo, incorre em atropelo grosseiro da lei.
OOO) A taxa de álcool de que o falecido era portador, nas apontadas circunstâncias de tempo e lugar, era apta a afetar e reduzir as suas faculdades cognitivas e motoras, a diminuir os seus reflexos, bem como a sua coordenação psicomotora, determinando a lentidão de discernimento e dos tempos de reação.
PPP) Mesmo que a queda tenha ocorrido por quebra da escada, as suas consequências e a inação da vítima só podem ficar a dever-se à taxa de álcool detida e que, inevitavelmente, o condicionou.

UUU) O equipamento de proteção individual que o falecido estava ou não a usar é da sua responsabilidade, pois que o mesmo era responsável pela sua própria segurança.
VVV) Veja-se o Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de outubro, por cuja violação os arguidos foram condenados, que determina as obrigações dos trabalhadores independentes, estando estes abrangidos pelos deveres aí determinados (trabalhadores independentes são equiparados a empregadores e não a trabalhadores) – artigos 22.º e 23.º.

DA MEDIDA DA PENA
NNNN) A medida da pena aplicada ao arguido … de 3 anos de prisão não respeita os critérios para o efeito previstos pelo art. 71º nºs 1 e 2 do Código Penal.


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O recurso foi admitido nos termos do despacho proferido a 03.06.2025.

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 I.3 - Respostas ao recurso:

Efetuada a legal notificação:

- O Ministério Público respondeu ao recurso interposto, …



- Os assistentes … responderam ao recurso interposto, …

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I.4 -  Parecer do Ministério Público

Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, …


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I.5 - Resposta

Foi notificado o referido parecer não tendo sido apresentada resposta.


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Prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.

Cumpre, agora, apreciar e decidir:


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II - Fundamentação

 Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:

Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do respetivo recurso interposto nestes autos, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
® Da ocorrência de um lapso manifesto na identificação da sociedade arguida.
® Da nulidade do acórdão nos termos do art. 379º, nº 1 al. a) e c) do Código de Processo Penal.
® Vicio da contradição insanável e do erro notório na avaliação da prova a que aludem as als. b) e c) do nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal.
® Erro de julgamento nos termos do disposto no art. 412º, nº 3 do Código de Processo Penal.
® Violação do principio in dubio pro reo.
® Da errada subsunção jurídica dos factos.
® Da violação do art. 570º do Código Civil.
® Da atenuação especial da pena aplicada ao arguido AA.
® Do excesso da medida concreta das penas concretas aplicadas aos arguidos.

As questões serão apreciadas por ordem de precedência lógica.


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Com relevo para a resolução das questões objeto do recurso importa recordar a fundamentação de facto da decisão recorrida [transcrição dos segmentos relevantes para apreciar as questões objeto de recurso]:

“2. Fundamentação

2.1. Matéria de Facto Provada:

1. A sociedade arguida “…, Lda.”, … a qual tem como objeto comercial a construção civil e obras públicas, …

2. Os arguidos … e … são sócios gerentes da sociedade arguida …

3. Enquanto sócio gerente da sociedade arguida, o arguido … é o único responsável pela direção dos trabalhos que a título de empreitada ou subempreitada realiza, seja sob o ponto de vista técnico, seja sob o ponto de vista organizacional e operacional, sendo também ele que define o quadro de trabalhadores ao seu serviço, recrutando-os, distribuindo-os e definindo as tarefas a executar por cada um deles, cabendo-lhe também o aprovisionamento dos materiais e dos equipamentos necessários à boa execução dos trabalhos.

4. Em data não concretamente apurada, no decorrer do ano de 2020, … adjudicou à sociedade arguida “…, Lda.” a realização dos trabalhos de remoção e substituição do telhado de uma moradia unifamiliar de sua propriedade, …

5. Também em data não concretamente apurada, mas anterior a 23 de agosto de 2021, o arguido, enquanto gerente da sociedade arguida, contratou … para trabalhar na referida obra, mediante o pagamento de uma retribuição de € 60,00 (sessenta euros) por cada dia de trabalho efetivamente prestado.

6. … era trabalhador independente, com a categoria profissional de ladrilhador, …, executando trabalhos próprios de tal atividade.

7. Tinha transferido a responsabilidade de acidentes de trabalho como trabalhador independente para a … Companhia de Seguros, SA, ….

8. No dia 24 de agosto de 2021, … encontrava-se a trabalhar na obra referida em 4., acompanhado de outros trabalhadores, sob a direção técnica, organizacional e operacional, do arguido …, que definia as tarefas a executar por cada um deles, cabendo-lhe também o aprovisionamento dos materiais e dos equipamentos necessários à boa execução dos trabalhos.

9. … acatava as ordens e instruções que o arguido … lhe dava acerca da forma como deveriam ser executados os trabalhos, utilizando ferramentas, equipamentos e materiais propriedade da sociedade arguida.

10. O acesso ao telhado da referida moradia, que ficava a uma distância de cerca de 6/7 metros da cota soleira, era efetuado através de uma escada de mão (escada portátil), em alumínio, com cerca de 8,62 metros, que o arguido … colocou à disposição dos seus trabalhadores para tal efeito.

11. Na referida data (24.08.2021), cerca das 15H49, e no momento em que … se encontrava a subir a referida escada, a fim de aceder ao telhado daquela moradia, encontrando-se sensivelmente a mais de metade da altura da escada, aproximadamente a cerca de 4/5 metros da cota soleira, a escada partiu-se em duas (aos 2,70 metros em ambos os lados), rodando a escada para a esquerda e aquele para a direita, provocando a sua queda.

12. … caiu de costas para trás, embatendo no chão de forma violenta e ali ficou inanimado.

13. O mesmo foi de imediato auxiliado pelo arguido … e pelos outros trabalhadores que se encontravam na obra, os quais acionaram os meios de socorro, …

14. Devido à força do embate, … sofreu várias lesões, sobretudo cranianas e torácicas, …

15. As lesões supra descritas determinaram, como causa direta e necessária, a morte de …

16. À data da sua morte não eram conhecidos ao falecido … quaisquer problemas de saúde e na referida data (24.08.2021) aparentava estar bem de saúde, não tendo manifestado nenhuma queixa.

17. Todavia, encontrava-se sob efeito do álcool, apresentando uma taxa de álcool no sangue de, pelos menos 1,67 g/l correspondente a uma taxa de álcool no sangue de 1,91 g/l, deduzida a estimativa de incerteza de ± 0,24 g/l e, não obstante, foi-lhe permitido que continuasse a laborar.

18. No momento da queda, o falecido … não tinha cinto de segurança, arnês de segurança ancorado a um ponto fixo e sólido ou qualquer outro tipo de equipamento de proteção individual destinado a evitar o risco de queda em altura.

19. Também não fazia uso de luvas ou capacete.

20. A referida escada tinha pelo menos cinco anos de existência, demonstrando sinais de desgaste.

21. Acresce que não tinha o comprimento necessário para ultrapassar em 90 cm o nível de acesso devido à inclinação necessária para se manter de pé.

22. Para além disso, a escada não se encontrava assente num suporte estável e resistente, não tendo sido fixada/imobilizada nem no topo nem na base, possibilitando o seu deslizamento e consequente queda, arrastando consigo os trabalhadores.

23. O falecido … desempenhava habitualmente diversas funções na área da construção civil, tendo adquirido experiência com a prática das diversas tarefas que desempenhou ao longo da sua vida profissional, mas não tinha formação profissional para trabalhos em altura.

24. O arguido … não se certificou, antes de contratar … para trabalhar naquela obra, que o mesmo tinha formação especifica para os trabalhos a executar (trabalhos em altura).

25. Também não lhe disponibilizou informação ou formação no âmbito da higiene, segurança e saúde no trabalho, com vista a, pelo menos minimizar os riscos do exercício dos concretos trabalhos que estavam a ser executados, designadamente dos procedimentos de trabalho a realizar, das medidas e procedimentos de proteção a adotar antes, durante e após a realização dos trabalhos, bem como dos equipamentos de proteção individual a utilizar pelo trabalhador na execução daquele concreto trabalho em altura, expondo-o, assim, ao risco de queda.

26. E, não obstante saber que os trabalhos que estavam a ser executados implicavam tal risco (de queda em altura), o arguido também não procedeu à avaliação de riscos profissionais, nem providenciou pela elaboração de ficha de procedimentos de segurança para execução dos trabalhos naquela moradia.

27. Sendo que tal ficha de procedimentos de segurança apenas viria a ser elaborada em 02.09.2021, já após a ocorrência do sinistro ….

28. Os trabalhos de remoção e substituição do telhado da moradia durariam pelo menos quatro dias, implicando pelo menos quatro movimentações diárias de subida/descida na escada até uma altura de 6/7 metros, sendo que a utilização desde meio de acesso não obvia o risco de queda – o qual seria obviado mediante a utilização de andaimes homologados ou plataformas elevatórias, o que apenas veio a ser implementado após a ocorrência do sinistro.

29. O arguido … sabia que a referida escada não tinha o cumprimento necessário para ultrapassar, pelo menos em 90 cm, o nível de acesso, devido à inclinação necessária para se manter de pé, não permitindo que os trabalhadores que tinha ao seu serviço alcançassem em segurança o telhado da moradia, e, não obstante, não se inibiu de a utilizar como única forma de acesso ao mesmo.

30. O arguido … também não providenciou, antes de dar início aos trabalhos, pela fixação da escada, nem no topo nem na base, comprometendo a sua estabilidade durante o acesso à cobertura da moradia, bem sabendo que a sua utilização naquelas condições implicava um significativo risco de queda em altura para os trabalhadores.

31. O arguido … sabia, ainda, que os trabalhadores tinham que subir e descer várias vezes ao dia por aquela escada até uma altura de 6/7 metros, e que a execução dos trabalhos se prolongaria por pelo menos quatro dias até estarem concluídos, pelo que não podia ignorar que a utilização da mesma para aceder ao telhado da moradia não era uma forma de acesso segura e aconselhada para a realização deste tipo de trabalhos.

32. E, nessa medida, deveria ter optado pela utilização de um meio acesso seguro, nomeadamente a utilização de andaimes homologados ou plataformas elevatórias, o que apenas veio a fazer após a ocorrência do sinistro.

33. Acresce que o arguido … também não se assegurou, como se lhes impunha, que os trabalhadores no momento em que acediam ao telhado daquela moradia através da referida escada, estavam dotados de sistemas de proteção anti queda individuais, nomeadamente a utilização de cinto de segurança e arnês de segurança ancorado a um ponto fixo e sólido, ou qualquer outro tipo de equipamento de proteção individual destinado a evitar o risco de queda em altura e, bem assim, que utilizavam luvas e capacete.

34. A queda ao solo de … deveu-se ao facto de o arguido … não ter observado as condições de segurança supra referidas.

35. Competia ao arguido … zelar no sentido de os trabalhos decorrerem em segurança e com observância dos preceitos legais e dos regulamentos nesta matéria, bem como providenciar pelos necessários meios, quer técnicos quer de formação, para salvaguarda, designadamente da vida e integridade física dos trabalhadores ao seu serviço e sob as suas ordens e direção.

36. Porém, o arguido omitiu de forma livre e voluntária os deveres que sabia impenderem sobre si enquanto responsável pelo planeamento, direção e execução dos aludidos trabalhos e pela segurança de todos os que neles estavam diretamente envolvidos ou que por eles pudessem ser afetados.

37. Ao atuar da forma descrita, o arguido … revelou falta de cuidado, prudência e desrespeito pelas regras de segurança que a execução de tais trabalhos impunha, incumprindo a obrigação legal que sobre ele impendia de assegurar que a execução dos trabalhos decorria em condições que respeitassem a segurança e saúde do trabalhadores que tinham ao seu serviço, sujeitando-os a perigo de queda, com consciência de que punham assim em risco a sua integridade física e mesmo a vida, com o que se conformou.

38. Previu também que, atuando daquela forma e criando esse risco, daí podia resultar a morte dos trabalhadores na execuç da obraão, designadamente do trabalhador …, embora não se tenha conformado com esse resultado.

39. Caso o arguido … tivesse adotado as medidas de segurança acima descritas, em ordem a prevenir o risco de queda em altura decorrente da execução daquela obra, o qual era previsível, o acidente não se teria verificado.

40. Ao atuarem da forma descrita, o arguido violou o disposto nos artigos 36º, n.º 4 e 38º, ambos do Decreto-Lei n.º 50/2005 de 25 de fevereiro e o disposto nos artigos 7º, al. a) e 14.º, ambos do Decreto-Lei n.º 273/2003 de 29, de outubro – o que o arguido bem sabia.

41. Ao omitir a implementação das condições de segurança acima descritas e previstas na lei, o arguido AA agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei penal.

42. A sociedade arguida “…, Lda.” atuou da forma descrita por intermédio do arguido …, o qual agiu em nome e no interesse daquela.

Das condições pessoais e de vida do arguido …

Das condições pessoais e de vida da arguida …

Do pedido de indemnização cível

59. … faleceu, com 57 anos de idade, no estado de casado com a demandante …, tendo deixado dois filhos, os também demandantes … e … – sendo os demandantes os seus únicos e universais herdeiros.

60. O falecido e os demandantes mantinham uma relação próxima, de amor, carinho, cumplicidade e ajuda mútuos.

61. A morte de … causou nos demandantes dor, sofrimento, tristeza, consternação e saudade.

62. A demandante … era uma pessoa alegra, bem disposta e feliz, que, após a morte do marido, mergulhou em tristeza, chorando muito.

63. Os demandantes filhos receberam a notícia da morte do pai com tristeza e consternação.

64. À data do acidente, … era saudável e trabalhador, desempenhando diversas funções na construção civil, como trabalhador independente, auferindo um rendimento mensal não inferior a € 665,00.

65. A demandante esposa do falecido, enquanto costureira, não tem rendimento certo.

66. A demandante … despendeu no funeral do marido a quantia de € 1.488,00.

67. A demandante …, que reside com mãe, estuda ….


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2.2. Matéria de Facto Não Provada


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2.3. Motivação da Decisão de Facto

O Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento em conjugação com os documentos juntos aos autos, de acordo com a sua livre convicção e as regras da experiência comum, como determina o artigo 127º, do Código de Processo Penal.

Relativamente à sociedade arguida “… Lda.”, a sua tipologia, objeto social, data e lugar da constituição, matrícula e sede apurou-se em face da certidão permanente de fls. 31 a 36, da qual também se extrai que os arguidos … e … são seus sócios gerentes desde a data da constituição.

A gerência de facto da sociedade pelo arguido …, no que concerne à direção dos trabalhos realizados a título de empreitada, bem como ao recrutamento de trabalhadores, distribuição de tarefas e aprovisionamento dos materiais e equipamentos necessários à boa execução dos trabalhos foi admitida pelo próprio arguido, aquando das declarações prestadas em sede de inquérito no dia 26.01.2022, perante autoridade judiciária (fls. 133 a 137). Efetivamente, de tais declarações resulta que, conjuntamente com a esposa, a co-arguida …, gere a sociedade, sendo que a esta não cabe qualquer intervenção na “execução dos trabalhos”, designadamente em contratar, dar ordens ou instruções aos trabalhadores, levar os equipamentos necessários e verificar o seu estado – o que lhe cabe a si, explicitando que “é ele que se encarrega” de levar “os equipamentos necessários para a obra”, “era apenas ele que verificava o estado de conservação dos equipamentos utilizados na execução dos trabalhos que a sua empresa efetuava”, que estava sempre na obra com os trabalhadores. Mais se extrai que foi o arguido … que contratou o … e que, durante o período em que estava ao seu serviço, era ele que lhe dava ordens e instruções acerca da forma como o trabalho devia ser realizado, tendo-lhe fornecido os equipamentos de proteção individual que então utilizava, bem como a escada que foi utilizada, para além do material necessário.

Em sentido idêntico se pronunciou a arguida

Resulta, pois, em face das declarações prestadas pelos próprios arguidos, que o arguido … desempenha um “papel executivo na atividade da sociedade arguida” …

Ficámos, pois, convencidos, que a arguida geria, apenas, a parte administrativa da empresa (o que se coaduna com o que consta do relatório social, onde se escreveu que a mesma assume, na sociedade arguida, apenas funções administrativas).

Não se produziu qualquer prova no sentido de que o arguido … não procedeu à inspeção visual da escada antes de a colocar à disposição dos trabalhadores que tinha ao seu serviço para aceder ao telhado da moradia durante a execução da obra, sendo que o que o arguido disse foi que a escada aparentava estar em boas condições, o que implica tê-la visualizado.


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Questão prévia:


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III - Apreciação do recurso

III.1 – Da nulidade do acórdão nos termos do disposto nos arts. 379º, nº 1 al. a) e c) do Código de Processo Penal.


Por seu turno, estabelece-se no nº 3, do artº 379º do Código de Processo Penal  que é nula a sentença “quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Nos termos do disposto no art. 379º nº 1 do Código de Processo Penal:

1 - É nula a sentença:

a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;

b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;

c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

E, nos termos do disposto no art. 374º nº 2 do Código de Processo Penal: 2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

A fundamentação, compõe-se, assim, de três partes distintas:

- a enumeração dos factos provados e não provados;

- a exposição dos motivos que fundamentam a decisão;

- a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Quanto à exposição dos motivos que fundamentam a decisão, são eles de facto e de direito. Os motivos de facto "…que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum), nem os meios de prova (thema probandum), mas os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência" [cf. Acórdão do TC nº 680/98, proferido no processo nº 456/95 e publicado no DR II série  de 05.03.99]

O rigor e a suficiência do exame crítico haverão de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo imprescindível, mas do mesmo modo bastante, que sejam percetíveis as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte.

O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção [cfr. acórdão do STJ de 30.01.2002, proc. 3063/01, in www.dgsi.pt. No mesmo sentido os acórdãos do STJ de 3.10.2007, proc. 07P1779; de 19.05.2010, proc. 459/05.0GAFLG.G1.S1, de 17.09.2014, proc. 1015/07.3PULSB.L4.S1; de 14.12.2016, proc. 303/14.7JELSB.E1.S1; de 13.12.2018, proc. 308/10.7JELSB-L3.S1 e de 11.07.2019, proc. 22/13.1PFVIS.C1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt)].

Desde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respetivo conteúdo, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão.

Contudo, não se exige, numa fastidiosa explanação, transformando o processo oral em escrito, que se descreva todo o caminho tomado pelo juiz para decidir, todo o raciocínio lógico seguido. A lei impõe, isso sim, uma enunciação suficiente, ainda que sucinta, para persuadir os destinatários e garantir a transparência da decisão.

Como se refere no Acórdão do TRL de 08-01-2020 [processo 133/17.4PGSXL.L1-3, disponível in www.dgsi.pt] “O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental, mas bastante, que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte e desde que  torne percetível e sindicável, em instância de recurso, as razões da convicção do Tribunal do julgamento, quanto aos factos, não se verificará a nulidade emergente da falta de exame crítico das provas” [Cf. ainda Acórdãos do STJ de 17 de Março de 2004, proc. 4026/03 e de 3.10.2007, processo 07P1779; Acórdão do TRL de 10.07.2018, processo nº 106/15.1PFLRS.L1-5 in http://www.dgsi.pt; Acórdão do TRE de 07.03.2017, Processo 246/10 Jus Net 1781/2017 e ainda Marques Ferreira (in "Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal", Livraria Almedina, 1988, pág. 228) Sérgio Poças, Da sentença penal – Fundamentação de facto, Revista “Julgar”, n.º 3, p. 21 e segs.].

No que diz respeito à nulidade prevista na al. c) do nº 1 do art. 379º do Código de Processo Penal, salientamos o exarado no Acórdão do STJ de 11.10.2023 [processo 813/22.2JABRG.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt] onde se escreve: “A omissão de pronúncia, como é sabido, constitui um vício da decisão que se verifica quando o tribunal se não pronuncia sobre questões cujo conhecimento a lei lhe imponha, sejam as mesmas de conhecimento oficioso ou sejam suscitadas pelos sujeitos processuais.

Porém, como vem sendo entendimento uniforme deste Supremo Tribunal de Justiça, “a falta de pronúncia que determina a existência de vício da decisão incide sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão. Por isso, como defende este Supremo Tribunal 3, apenas a total falta de pronúncia sobre as questões levantadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia e, mesmo assim, desde que a decisão de tais questões não esteja prejudicada pela solução dada a outra ou outras” – Ac. STJ de 26/10/2016, Proc. 122/10.OTACBC.GI-A.S 4. No mesmo sentido, cfr., a título meramente exemplificativo, os Acs. deste STJ de 10/12/2020, Proc. 936/18.2PBSXL.S1 e de 6/11/2019, Proc. 30/16.0T9CNT.C2-A.S1.”

Ora, no acórdão recorrido o Tribunal apreciou todas as questões suscitadas, tomando posição sobre elas e, no caso, sobre a relevância que atribuiu ao facto de a vítima “estar alcoolizada”, tendo fundamentado extensamente a razão pela qual entendeu que “foi da inobservância das condições de segurança que resultou a criação do perigo de queda, que se concretizou”, mais tendo feito constar “refira-se que, embora se tenha apurado  que o sinistrado se encontrava alcoolizado, não resultou que esse estado tenha contribuído para a criação do perigo, por não ter sido causal da queda, derivada que foi da quebra da escada.”

E no âmbito da fundamentação jurídica tomou igualmente posição sobre a pertinente factualidade apreciando-a, sendo certo que relativamente à matéria criminal pelos arguidos foi oferecido o merecimento dos autos e em matéria do pedido cível o Tribunal deu resposta às questões colocadas pela defesa.

Não se verifica, pois, a aludida omissão de pronúncia.

Por outro lado, analisando o acórdão recorrido verificamos que este, para além de invocar a prova pericial e documental junta aos autos, que devidamente indicou e valorou, invocou ainda as declarações do arguido (prestadas em inquérito) e os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento,  deu conta da respetivas razão de ciência, e explicou, de forma racional e lógica, os motivos pelos quais deu como provados os factos ali vertidos.

É extensa e profunda a motivação dos factos, deixando claro o percurso lógico e racional que expendeu na análise que fez de tais depoimentos e declarações conjugando esta prova oral mente produzida com a pertinente prova documental e pericial sendo claro o percurso efetuado.

O que o recorrente não concorda é com a valoração da prova que o julgador efetuou, mas, essa discordância, ainda que legítima não é, só por si falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o que, no caso dos autos, não aconteceu.

Analisando a motivação da decisão da matéria de facto estão indicados os meios de prova e as provas que o Tribunal a quo considerou para a formação da sua convicção, estas foram analisadas, correlacionadas e valorizadas e, por fim, foi indicado o caminho seguido na formação da convicção, permitindo-nos acompanhar esse raciocínio.

E embora o Tribunal não tenha efetuado uma apreciação facto a facto é percetível a sua tomada de posição.

Acresce que, como como resulta da respetiva motivação  não foi atribuída relevância à taxa de álcool verificada e, portanto, ainda que se pudesse assacar uma eventual incompletude na fundamentação do ponto 17 dos factos provados (mas não a sua total ausência), importa salientar que o tribunal a quo não extraiu desse ponto da matéria de facto qualquer consequência na subsunção jurídica efetuada.

 E, é precisamente neste aspeto da fundamentação da matéria de facto – não atribuição de relevância à TAS verificada - que reside a discordância dos recorrentes, por entenderem que, “para o lamentável acidente e para a produção do resultado concorrem diversos fatores, como o facto do falecido estar com uma taxa de alcoolémia muito elevada” (conclusão K) e concluindo que a “enumeração dos factos provados e não provados nos termos sobreditos com contraditórios e manifestamente incompatíveis e por ausência de prova bastante que os sustente inquina, inquina a decisão de falta de fundamentação exigida pelo art. 374º, nº 2 do Código de Processo Penal, tornando-a nula nos termos do disposto no art. 379º, nº 1 als .a) e c) do Código de Processo Penal” (conclusão O).

Ora, a insuficiência de prova que os recorrentes afirmam, não se confunde com a nulidade por falta de fundamentação, sendo antes matéria subsumível ao eventual erro de julgamento (art. 412º do Código de Processo Penal).

Entendemos assim, não ocorrerem as invocadas nulidades.


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IV - Da contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão e do erro notório na apreciação da prova.

Como deixámos expresso a matéria invocada na conclusão C) remete-nos para o vício da contradição insanável da fundamentação, na medida em que o recorrente alega que existe manifesta incongruência entre a resposta dada ao ponto 11 e ao ponto 12 da matéria de facto.

Como referem Simas Santos e Leal Henriques [Código de Processo Penal, 2ª ed. II vol., pág.379]  “Por contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não possam ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade e qualidade. Para os fins do preceito (al. b) do nº2) constitui contradição apenas e tão só aquela que, expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser integrada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com auxílio das regras da experiência.”

A contradição insanável ocorre no seio da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão. A fundamentação, para efeitos deste preceito e do próprio conceito, é não só aquela que se reporta ao facto, mas, também a que se reporta à decisão e a esta na sua relação com a fundamentação de facto.

A contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, revela-se em desarmonia intrínseca insanável, em termos de que a sua interligação se apresenta com resultados opostos sobre a mesma factualidade, não sendo possível, face ao texto da decisão recorrida, ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, obter o facto seguro, sem dúvidas, saber qual a factualidade provada, percetível, consistente e conjugável harmonicamente entre si [Neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.03.2015, disponível in www.dgsi.pt].

Ora, não se constata, pela simples leitura do teor da decisão recorrida, o invocado vício de “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão,” a que alude o artigo 410.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal.

Invocam em concreto os recorrentes a contradição existente entre os pontos 11 e 12 entendendo que existe incongruência entre ambos.

Não cremos porém que exista qualquer incongruência.

Na verdade, no ponto 11 dos factos provados consta que a escada que estava a ser utilizada pelo malogrado … se partiu em duas (aos 2,70 metros em ambos os lados), rodando a escada para a esquerda e aquele para a direita, provocando a sua queda, concretizando-se no ponto 12 que esta queda foi de costas para trás, embatendo a vítima de forma violenta no chão.

O que se descreve são duas realidades complementares e não antagónicas. A escada partiu em ambos os lados, girando a escada para a esquerda e a vítima para a direita o que provocou a sua queda, esclarecendo-se que essa queda, foi de costas, embatendo a vítima no chão.

Não se consideraram, pois, como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles possa persistir.

E, por fim, analisada a respetiva fundamentação, constata-se que esta não conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.

O que releva, neste aspeto, não é a interpretação ou a análise pessoal do recorrente, mas o resultado da avaliação e ponderação sobre as provas produzidas perante o tribunal, avaliadas segundo o princípio da livre convicção.

Não se verifica, assim, o invocado vício.

Invocou o recorrente ainda a existência de erro notório na apreciação da prova [artigo 410.º, n.º2, al. c) do Código de Processo Penal].

Alega para tanto que o tribunal ao não valorar a taxa de álcool no sangue de que a vítima era portadora e da sua relevância nas circunstâncias e nas consequências do acidente incorreu em erro notório na apreciação da prova, tendo também incorrido nesse mesmo erro quando determinou a condenação dos recorrentes pela violação de normas legais a cujo cumprimento não estavam obrigados.

Antes de partirmos para a análise da eventual ocorrência deste vício impõem-se umas breves considerações tendo em conta a redação do ponto 40 dos factos provados.

A matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, ou seja, não pode transmitir a aplicação da Lei ou uma qualquer conclusão jurídica.

Como se salienta no Acórdão do STJ de 12.04.2024 [processo nº 823/20.4T8PRT.P1.S1 disponível in www.dgsi.pt] que embora no âmbito do processo civil deve ser estendido ao Processo penal “Embora só acontecimentos ou factos concretos possam integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão (“o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstratos com que os descreve a norma legal, por que tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste”14), são ainda de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum15, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes.16

Vale isto por dizer, também na expressão de Anselmo de Castro, que “a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa; o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são flutuantes”.17

Identicamente - e com o mesmo critério, como tem sido sustentado pela jurisprudência18 -, são de afastar expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio, ou seja, na expressão do Ac. de 09.12.2010 deste Supremo Tribunal (Proc. 838/06.5TTMTS.P1.S1), que invadam o domínio de uma questão de direito essencial.”

Ora, o ponto 40 dos factos provados ao referir “Ao atuarem da forma descrita, o arguido violou o disposto no s arts. 36º, nº 4 e 38º, ambos do DL nº 50/2005de 25 de fevereiro e o disposto no art. 7º, al. a) e 14º ambos do DL nº 273/2003 de 29 de outubro – o que o arguido bem sabia, contém matéria conclusiva e de direito, que apenas deverá constar no enquadramento jurídico dos factos.

Deste modo, ter-se-á de ter por não escrito o ponto 40 dos factos provados.

Neste sentido para além do já citado acórdão do STJ de 12.04.2024 ainda o Acórdão deste TRC de 20.06.2018 [processo 13/16.0GTCTB.C1, disponível in www.dgsi.pt].

Isto posto, vejamos então se se verifica o invocado vício.

O erro notório na apreciação da prova, vício previsto no artigo 410º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis.

Trata-se de um erro de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido [Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, pág. 74].

Como afirmam os já referidos Simas Santos e Leal Henriques [Recursos em Processo Penal, 7ª ed., 2008, pág. 77], tal vicio ocorre quando se verifica “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram como provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que efetivamente se provou ou não provou, ou seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. (…) há um tal erro quando um ser humano médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das legis artis”.

Em suma, o vício do erro notório na apreciação da prova refere-se às situações de falha grosseira na análise da prova e não resulta da simples discordância quanto à valoração da prova produzida levada a efeito pelo tribunal, mas antes tem de resultar de uma falta evidente de lógica entre os factos provados ou não provados, ou da decisão ressaltar uma apreciação evidentemente ilógica ou arbitrária que não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio.

Tal erro já não se verifica se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não conduz ao referido vício [A propósito deste vício, veja-se, entre outros, os Acórdãos do TRP de 15.11.2018, do TRC de 24-04-2018 e do STJ de 18.05.2011, todos acessíveis in www.dgsi.pt].

Importa, porém, não esquecer, quanto a este vício – erro notório na apreciação da prova – que, salvo no caso de prova vinculada, o tribunal aprecia a prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção, tal como o dispõe o artigo 127.º do Código de Processo Penal.

Rege, pois, o princípio da livre apreciação da prova, significando este princípio, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminados de valor a atribuir à prova [salvo exceções legalmente previstas, como sucede com a prova pericial] e, por outro lado, que o tribunal aprecia toda a prova produzida e examinada com base exclusivamente na livre convicção da prova e na sua convicção pessoal.

O que sempre se impõe é que explique e fundamente a sua decisão, pois só assim é possível saber se fez a apreciação da prova de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada, sempre sem esquecer que a liberdade conferida ao julgador na apreciação da prova não visa criar um poder arbitrário e incontrolável.

Por fim, relembre-se, os erros da decisão, para poderem ser apreciados ou mesmo conhecidos oficiosamente, devem detetar-se, sem esforço de análise, a partir do teor da própria sentença, sem recurso a elementos externos como seja o cotejo das provas disponíveis nos autos e/ou produzidas em audiência de julgamento.

Tendo presentes estes parâmetros cremos que nenhum erro notório se verifica na apreciação dos factos dados como provados no acórdão recorrido.

Na verdade, analisado o texto da decisão recorrida não se constata que o tribunal tenha violado as regras da experiência comum ou que tenha efetuado uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, e, muito menos, que tenha violado qualquer regra sobre prova vinculada ou da legis artis. 

O Tribunal explicou com clareza a razão pela qual não atribuiu relevância à taxa de álcool concretamente verificada, e fê-lo de forma fundamentada invocando os pertinentes depoimentos documentos e elementos periciais.

Explicou o tribunal na motivação que foi a circunstância de a escada se ter partido como partiu e de não terem sido observadas as condições de segurança e muito concretamente a colocação de andaime homologado ou plataforma  elevatória e de não ter havido a utilização de cinto de segurança e arnês ancorado a um ponto fixo ou sólido ou qualquer outro equipamento de proteção individual (cinto de segurança ou arnês de segurança) destinado a evitar o risco de queda em altura, conjugado com a utilização de uma  meio de acesso para realizar este trabalho que se lhe afigurou inadequado e que não cumpria os requisitos relativos à fixação acesso e apoio também tendentes a obviar a queda, que foram determinantes para a criação do perigo (de queda) que se concretizou, explicando que embora a vítima estivesse alcoolizado não resultou que esse estado tenha contribuído para a criação do perigo por não ter sido causal da queda, que foi derivada da quebra da escada.

Na motivação, para além da fundamentação quanto à conclusão do tipo de escada utilizada, de como se concluiu onde esta quebrou, onde esta estava colocada, e da respetiva fixação, com a invocação dos pertinentes meios de prova e provas utilizados, escreveu-se “concluímos, pois, pela não observância de condições de segurança (seguro seria a colocação de andaime homologado ou plataforma elevatória, sempre se impondo a implementação de sistemas de queda individuais, nomeadamente a utilização de cinto e segurança e arnês ancorado a um ponto fixo ou sólido, ou qualquer outro tipo de equipamento de proteção individual destinado a evitar o risco de queda em altura), tendo sido violado o disposto nos artigos 36º, n.º4 e 38º, ambos do DL 50/2005, de 25 de fevereiro e 7º, al.a) e 14º, ambos do DL 273/2003, de 29 de outubro.

Efetivamente, para além de a sociedade arguida não ter procedido à avaliação de risco, nem ter providenciado pela elaboração de ficha de procedimentos de segurança para a execução dos trabalhos, conforme legalmente imposto – o que veio a ser feito depois do acidente, em 02.09.2021 – o meio de acesso utilizado para realizar este concreto trabalho em altura (escada) não se afigura adequado, no caso, a evitar o risco de queda, sendo que, todo o modo, não cumpre os requisitos legais da utilização de escadas (relativos à fixação, acesso e apoio), também tendentes a obviar a queda.

Tal inobservância é da responsabilidade da entidade executante da obra, no caso a sociedade arguida, por lhe competir zelar pela execução dos trabalhos com observância da legalidade, garantindo a segurança e a saúde dos trabalhadores na execução da obra, conforme resulta dos artigos 2º, n.º2, 11º e 20º, do Decreto-Lei n.º 273/2003. Tal é assim, independentemente da qualidade dos trabalhadores – com vínculo laboral (contrato de trabalho) ou independentes.

Foi da inobservância das condições de segurança que resultou a criação do perigo de queda, que se concretizou. Refira-se que, embora se tenha apurado que o sinistrado se encontrava alcoolizado, não resultou que esse estado tenha contribuído para a criação do perigo, por não ter sido causal da queda, derivada que foi da quebra da escada.”

 Em suma, o tribunal a quo explicou de forma clara na motivação a razão da não valoração da taxa de álcool no sangue concretamente verificada, o que fez no âmbito do princípio da livre apreciação da prova, sendo certo que a mera verificação de uma TAS de pelo menos 1,67 g/l não equivale, sem mais, à conclusão da sua relevância causal para o resultado que veio a ocorrer.
Uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que o Tribunal a quo fez da prova, o que não se confunde  com a deteção no processo de formação da convicção do julgador, de erros evidentes incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório ou da experiência comum.

Ora, a fundamentação da matéria de facto relativamente à irrelevância da concreta TAS verificada apresenta-se bem estruturada e fundamentada, com indicação e exame crítico das provas concatenada com as regras da experiencia comum e de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do Código de Processo Penal, sendo perfeitamente percetível da fundamentação aduzida que o Tribunal considerou terem sido fatores externos que motivaram a queda, que devidamente explicou,  num raciocínio lógico e consentâneo com as regras da experiência comum.

Assim, tendo em conta todos estes ensinamentos e lendo a decisão recorrida não logramos descortinar onde a mesma seja ilógica ou atentatória das regras da experiência comum.

O que está verdadeira e unicamente em causa é que o recorrente não se conforma com a circunstância de a sua posição sobre os factos que relatou ao tribunal não ter sido acolhida no julgamento da 1ª instância, aí fazendo o recorrente radicar o aludido vício que apontou à decisão recorrida e que chamou de erro notório na apreciação da prova.

Da concreta argumentação expendida nas conclusões de recurso, complementadas com a respetiva motivação, decorre que o recorrente limita-se a extrair as ilações que tem por pertinentes da prova produzida, que contrapõe à do julgador, sem que da análise da leitura do próprio texto da sentença sob recurso resulte a falta de lógica no percurso levado a cabo ou na conclusão retirada quanto aos factos provados e não provados que surja evidente para o homem comum.

Mais alegam que a sentença recorrida “incorreu também em erro notório por determinar a condenação dos arguidos pela violação de normas legais a cujo cumprimento não estavam obrigados por não terem no local trabalhadores a seu cargo.”

A este propósito questionam o seguinte trecho da fundamentação da matéria de facto provada: “A gerência de facto da sociedade pelo arguido …, no que concerne à direção dos trabalhos realizados a título de empreitada, bem como ao recrutamento de trabalhadores, distribuição de tarefas e aprovisionamento dos materiais e equipamentos necessários à boa execução dos trabalhos foi admitida pelo próprio arguido, aquando das declarações prestadas em sede de inquérito no dia 26.01.2022, perante autoridade judiciária (fls. 133 a 137). Efetivamente, de tais declarações resulta que, conjuntamente com a esposa, a co-arguida …, gere a sociedade, sendo que a esta não cabe qualquer intervenção na “execução dos trabalhos”, designadamente em contratar, dar ordens ou instruções aos trabalhadores, levar os equipamentos necessários e verificar o seu estado – o que lhe cabe a si, explicitando que “é ele que se encarrega” de levar “os equipamentos necessários para a obra”, “era apenas ele que verificava o estado de conservação dos equipamentos utilizados na execução dos trabalhos que a sua empresa efetuava”, que estava sempre na obra com os trabalhadores. Mais se extrai que foi o arguido … que contratou o … – o que já tinha acontecido … e que, durante o período em que estava ao seu serviço, era ele que lhe dava ordens e instruções acerca da forma como o trabalho devia ser realizado, tendo-lhe fornecido os equipamentos de proteção individual que então utilizava, bem como a escada que foi utilizada, para além do material necessário.” (Conclusão RR) afirmando que essas declarações foram feitas em termos de generalidade das situações, mas não em concreto naquela obra e naquela situação disse que nem sempre estava presente, argumentando ainda que não foi atribuído relevo a que “foi o falecido … e a testemunha … que foram buscar a escada, que a procuraram, escolheram e levaram para o local em causa e que a prenderam como bem entenderam, que na base quer no topo” focando-se no facto de a escada ter sido disponibilizada ao falecido e à referida testemunha pelo recorrente …

Ora, nesta análise os recorrentes não se cingem ao teor da decisão recorrida, mormente à motivação da decisão de facto, antes convocam o conteúdo das declarações do arguido e a interpretação que delas fazem, com a finalidade de contrariar a valoração da prova vertida na decisão recorrida quanto aos pontos de facto indicados, deste modo extravasando os limites da arguição do convocado vício decisório.

Acresce que o Tribunal nesta tarefa de fundamentação da matéria de facto e muito concretamente do acompanhamento que o arguido … fazia da obra e da sua intervenção na disponibilização do material, incluindo da escada utilizada, escreveu ainda: “Em sentido idêntico se pronunciou a arguida …, aquando das declarações prestadas em sede de inquérito no dia 26.01.2022, perante autoridade judiciária (fls. 149 a 152), ao afirmar que tudo o que tem a ver com a execução dos trabalhos nas obras a cargo da sociedade arguida, seja dos materiais e equipamentos que são necessários para a sua execução, fornecimento de equipamentos de proteção individual aos seus trabalhadores, dar ordens e instruções aos mesmos acerca da forma como o trabalho deve ser executado, “não intervém” – embora seja gerente da sociedade -, sendo essas questões “da responsabilidade do seu marido”.

Resulta, pois, em face das declarações prestadas pelos próprios arguidos, que o arguido … desempenha um “papel executivo na atividade da sociedade arguida” (o que também resulta do relatório social junto aos autos), sendo o único responsável pela direção dos trabalhos adjudicados a esta, dos pontos de vista técnico, organizacional e operacional – o que sucede nas obras em geral e na obra aqui em discussão em particular, em que o arguido recrutou os trabalhadores (designadamente, o falecido …), definiu as tarefas a executar e forneceu os materiais e dos equipamentos necessários à execução dos trabalhos.

Trata-se de uma atuação em nome e no interesse da sociedade arguida, pois que estão em causa trabalhos adjudicados a esta sociedade …”

Mais acrescentando: “Relativamente ao contexto em que … se encontrava a trabalhar na obra adjudicada à sociedade arguida, apurou-se que:

- O arguido …, na qualidade de gerente da sociedade arguida, contratou … para trabalhar na obra (concretamente, para prestar o serviço de substituição das telhas do telhado, que demoraria pelo menos 4 dias de trabalho), mediante o pagamento de uma retribuição de € 60,00, por cada dia de trabalho – tal resulta das declarações prestadas pelo arguido em sede de inquérito, em consonância com a conclusão a que já tínhamos chegados sobre o papel do arguido na sociedade arguida que gere;

- … era trabalhador independente, com a categoria profissional de ladrilhador, …

- … havia transferido a responsabilidade de acidentes de trabalho como trabalhador independente para a … Companhia de Seguros, S.A. …

- … encontrava-se a trabalhar na obra, juntamente com outros trabalhadores, utilizando ferramentas, equipamentos e materiais da sociedade arguida, como sucedeu com a escada de onde caiu, posta à sua disposição pelo arguido …

- … não tinha formação profissional para a realização de trabalhos em altura, nem tal formação / informação lhes foi disponibilizada pelo arguido …

- Não existia ficha de procedimentos de segurança, que foi elaborada posteriormente ao acidente, em consonância com recomendação efetuada – …

- Aquando da queda, … não tinha cinto de segurança, arnês de segurança ancorado a um ponto fixo ou sólido ou qualquer outro tipo de equipamento de proteção individual destinado a evitar o risco de queda em altura; também não fazia uso de luvas ou capacete – o próprio arguido confirma que não tinham sido instalados equipamentos de proteção coletiva (guarda corpos e guarda cabeças); …

…,

“Da análise conjugada dos aludidos depoimentos e documentos, à luz das regras da experiência comum, ficou o Tribunal convencido:

a) Das características da escada através da qual … acedia ao telhado, salientando-se que: resulta evidente da análise das fotografias que se trata de uma escada portátil de alumínio; …

b) Que a escada atingia o topo da bordadura lateral da cobertura mas não ultrapassava em 90 cm o nível de acesso – …

c) Que a escada não se encontrava fixada, nem no topo, nem na base – …

d) Que a escada quebrou sensivelmente aos 2,70 metros em ambos os lados (cfr. relatório da ACT, de fls. 103 a 110, e memorando de fls. 403 a 408);

e) Que o arguido caiu quando se encontrava a subir a escada, já no segundo lanço, portanto a cerca de 4/5 metros da cota soleira …

 

Esta fundamentação traduz a apreciação e conjugação das declarações prestadas pelos arguidos …, com os documentos juntos aos autos e com os depoimentos das testemunhas …, explicitando-se a sua razão de ciência, e dimensão do conhecimento dos factos transmitidos, não se vislumbrando que o raciocínio efetuado seja ilógico ou violador das regras da experiência comum.

Como se salienta no Acórdão do STJ de 27.05.2010 [processo nº 18/07.2GAAMT.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt]: “Os vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, nomeadamente o erro notório na apreciação da prova, não podem, por outro lado, ser confundidos com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova, princípio inscrito no citado normativo - artigo 127.º do CPP.

                (…)

Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é essa convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos.

O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas. Tendo como denominador comum a sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do vício se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto.

A invocação do erro notório na apreciação da prova só é possível e viável quando reportado ao texto da decisão e não se direccionado ao modo de valoração das provas, pretendendo-se uma discussão que por força daquele inultrapassável limite não pode obviamente ter lugar.

Como se referia no acórdão de 06-11-97 processo n.º 471/97-3.ª, Sumários Assessoria, 1997, pág. 157, não há erro na apreciação da prova quando o que o recorrente invoca não é mais do que uma discordância sua quanto ao enquadramento da matéria provada.”

Ora, no que concerne ainda ao invocado erro notório por ter havido condenação pela violação de normas legais a cujo cumprimento os arguidos não estavam obrigados, entendemos que o recorrente mais não faz do que manifestar a sua discordância quanto à apreciação da prova efetuada pelo Tribunal e subsequente integração da factualidade apurada no art. 277º, nº 1 al.s a) e nº 2 e art. 285º, ambos do Código Penal, por via da aplicação do DL nº 50/2005 de 25 de Fevereiro e no Decreto Lei nº 273/2003 de 29 de outubro, o que, como salientado no acórdão suprarreferido não constitui o erro vício previsto no art. 410º, nº 2, al. c) do Código de Processo Penal.

Em suma, não existe o apontado vício do erro notório na apreciação da prova, pelo que improcede neste segmento o recurso interposto.


***
V- Do erro de julgamento

 

Invocam os recorrentes ainda o erro de julgamento concluindo (conclusão LL) entendendo que, por incorretamente julgados, devem ser considerados não provados os pontos 25, 26, 30 e  32 a 42.

Alegam para o efeito que a vítima não era trabalhador de nenhum dos arguidos mas antes um trabalhador independente, e consequentemente que não estavam obrigados a dar-lhe formação profissional nem a disponibilizar informação ou formação no âmbito da Higiene segurança e saúde no trabalho. Mais alegam que o arguido … não tinha de proceder à avaliação dos riscos profissionais nem elaborar a ficha de segurança pois esses deveres existem dos empregadores em relação aos seus trabalhadores, o que não é o caso.

Mais alegam que as normas invocadas têm como âmbito de aplicação apenas os trabalhadores por conta de outrem e empregadores, o que não ocorre na situação que se analisa pois o falecido BB não era trabalhador do arguido … nem da empresa e portanto não tinham poder nem o dever de ordenar a um trabalhador independente que usasse este ou aquele equipamento.

Que a queda ao solo ocorreu porque a escada se partiu não se sabendo se para isso contribuiu algum movimento brusco da vítima.

Que a morte ocorreu pela forma como o falecido caiu, homem de grande porte com cerca de 100 kg e que era portador de elevada taxa de alcoolémia.

Concluem não ter omitido quaisquer deveres que sobre si impendiam e por isso a conduta não lhe pode ser imputada igualmente a título subjetivo.

De igual forma haviam alegado ainda que a coberto da supra mencionada nulidade a inexistência de prova suficiente para se dar como provado o segmento final do ponto 17 dos factos provados.

Conforme decorre do artigo 412.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “motivação do recurso e conclusões”:

“1 - A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

2 - Versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda:

a) As normas jurídicas violadas;

b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e

c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.

3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas. [sublinhado nosso].

No nº4 do mesmo artigo prevê-se que: “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação(sublinhado nosso).

E no nº6 “No caso previsto no nº 4 o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa” .

Impõe-se, pois, ao recorrente, versando o recurso matéria de direito, o dever de indicar as normas jurídicas violadas, o sentido em que o tribunal as interpretou e aquele em que aas deveria ter interpretado e, em caso de erro na norma aplicável, a norma que no seu entendimento deve ser aplicada.

No que concerne à matéria de facto, deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa.

Tal ónus tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo ser indicadas em relação a cada facto as provas concretas que impõem decisão diversa e bem assim tem de ser referido qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão.

A impugnação da decisão da matéria de facto, pela via mais ampla prevista no artigo 412º, do C.P.P., tendo havido documentação da prova produzida em audiência, com a respetiva gravação, impõe ao recorrente, como sobredito, o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos dos seus nºs 3, 4 e 6.

Exige-se ao recorrente, quando impugna a matéria de facto, a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, o que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que considera indevidamente julgado.

Para além disso, a especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, o que se traduz na anotação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que acarreta decisão diversa da recorrida, a que acresce a necessidade de explicitação da razão pela qual essa prova implica essa diferente decisão, devendo, por isso, reportar o conteúdo específico do meio de prova por si invocado ao facto individualizado que considere mal julgado.

O recorrente terá, pois, de indicar os elementos de prova que não foram tomados em conta pelo tribunal quando o deveriam ter sido ou que foram considerados quando não o podiam ser, nomeadamente por haver alguma proibição a esse respeito, ou então, de pôr em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência (atenta, sobretudo, a respetiva qualidade) dos elementos probatórios em que se estribaram tais conclusões.

E, quanto às concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, resulta do nº 4 do dispositivo legal em análise que havendo gravação das provas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar as passagens (das gravações) ou os concretos segmentos de tais depoimentos em que se funda a impugnação e que no seu entender invertem a decisão proferida sobre a matéria de facto, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 6 do artigo 412.º).

A remissão para os suportes técnicos não se basta com a indicação da totalidade das declarações prestadas – indicando a hora e minutos em que cada um dos depoimentos se iniciou e terminou - mas para os concretos locais da gravação que suportam a tese do recorrente. Na verdade, relativamente ao ónus de indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida (al. b) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal), O Supremo Tribunal de Justiça através do acórdão  nº 3/2012, publicado no DR I série, de 18.04.2012, fixou a seguinte jurisprudência:

- Se a ata contiver a referência ao início e termo das declarações, basta a indicação das passagens em que se funda a impugnação por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364 (nº 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal); – Ou, alternativamente, se a ata não contiver essa referência, a identificação e transcrição nas motivações de recurso das ditas “passagens” dos meios de prova oral (declarações, depoimentos e esclarecimentos gravados).

Na situação presente, embora referindo que os pontos 17, 25, 26, e 32 a 42 da matéria de facto deveriam merecer resposta diversa, limita-se a contrapor a análise que efetuou da prova produzida àquela que o Tribunal a quo efetuou, sem que invoque concretas provas ( sejam declarações, depoimentos, documentos, relatórios periciais, que impunham por referência a cada um daqueles factos resposta diversa, não cumprindo assim, a exigência do nº 3 e 4 do Código de Processo Penal.

Isto posto, analisadas a motivação e conclusões do recurso constata-se que o recorrente não cumpriu o ónus de impugnação especificada em obediência ao disposto nos nº 3 e 4 do art. 412º do Código de Processo Penal, não satisfazendo as conclusões apresentadas a exigência da tríplice especificação imposta nos casos de impugnação ampla.

Tal circunstancialismo inviabiliza a reapreciação da matéria de facto.

E não cumpria convidar o recorrente a aperfeiçoar as conclusões do recurso, pois resumindo as conclusões as razões do pedido, nada pode ser resumido que não se contenha na motivação, de que as conclusões constituem uma síntese essencial.

Neste sentido, vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça, ou seja, de que o não cumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto ou a indicção das normas jurídicas violadas, tanto na motivação como nas conclusões desta, não justifica o convite ao aperfeiçoamento, uma vez que só se pode corrigir o que está deficientemente cumprido e não o que se tem por incumprido [Cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ, de 04-10-2006, Processo n.º 812/06-3.ª; de 08-03-2006, Processo n.º 185/06-3.ª; 04-01-2007, Processo n.º 4093-3.ª e de 10-01-2007, Processo n.º 3518/06-3.ª, e de 01.06.2011, Processo nº 234/00.8JAAVR.C2.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt)].

Este entendimento é também sufragado pelo Tribunal Constitucional -designadamente, nos acórdãos nos 259/2002, 140/2004, 322/04, 357/2006, 529/03 e 685/2020 [disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt], que distingue a deficiência resultante da omissão na motivação das especificações previstas na lei - caso em que o vício será insanável-, da omissão de levar as especificações constantes da motivação às conclusões – caso em que se impõe o convite à correção.

Relembre-se que a alteração da matéria de facto não decorre, por via do recurso, da mera possibilidade de a prova produzida permitir uma decisão de sentido distinto da tomada pelo julgador; exigindo-se antes, que essa decisão diversa se imponha por ser evidente ou flagrante o erro do tribunal a quo, em função das provas produzidas, no julgamento da matéria de facto.

No caso foi efetuado um exame crítico e consistente das provas produzidas, tendo o Tribunal a quo formado a sua livre convicção quanto à autoria e circunstâncias como os factos ocorreram, sendo que a decisão recorrida só seria de alterar se se revelasse evidente que as provas não conduziriam àquela decisão, o que no caso não sucedeu, sendo irrelevante se a interpretação que o recorrente faz dessa prova é diferente da do julgador, sendo também questão diferente o enquadramento jurídico que dos factos provados se efetuou, que pode eventualmente enquadrar um erro de Direito, mas não um erro de julgamento da matéria de facto.

O que os recorrentes fazem é convocar o tribunal de recurso para um novo julgamento com apreciação da totalidade da prova produzida em 1ª instância, expondo a sua visão da prova e dos factos em substituição da convicção alcançada pelo tribunal a quo.

Porém, não pode esquecer-se que vigora o princípio da livre apreciação da prova e na situação que se analisa o  caminho trilhado pelo tribunal a quo apresenta-se lógico e inteligível e de acordo com os critérios legais de admissibilidade e de apreciação da prova. Como resulta claramente da motivação da matéria de facto supratranscrita, o tribunal a quo deu como provados os factos, explicando, de forma razoável, lógica, racional e plausível, porque assim o fez, designadamente, de que forma valorou a prova, não se descortinando a existência de qualquer interpretação ilegal, tendo o Tribunal explicado as razões as razões que estiveram subjacentes à consideração como provados dos factos ora impugnados.

A convicção do tribunal alicerçou-se na prova declarativa das testemunhas acima identificadas, nas declarações dos arguidos …, e nos depoimentos das restantes testemunhas - seja porque tiveram conhecimento direto dos factos seja porque tiveram contacto à posteriori com a situação -, cuja credibilidade foi aferida a partir da sua análise critica combinada com os restantes meios de prova indicados na sentença, tudo permitindo, num percurso lógico e objetivo, suportado pelas regras da experiência, concluir pela racionalidade da resposta dada a este factos.

Saliente-se que a censura quanto à forma como ocorreu a convicção do tribunal não pode assentar, simplisticamente, no ataque da fase final de tal convicção, antes havendo que residir na violação de passos para a formação da mesma, sob pena de inadequada interpretação do disposto naquele artigo 127.º do Código de Processo Penal, não obstante a liberdade de apreciação esteja limitada por critérios de legalidade, da lógica, da experiência, dos conhecimentos científicos e, assim, configurando uma liberdade de acordo com um dever [Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1974, 1.º vol., pág. 202.].

Em suma, da motivação de recurso fica-nos apenas um discurso de assumida discordância dos recorrentes quanto à análise crítica da prova efetuada pelo tribunal recorrido, mas baseada em generalizações probatórias e conceções meramente  pessoais acerca da credibilidade das declarações e depoimentos e do sentido das regras da experiência, o que torna inviável a pretensão de sindicar a livre apreciação da prova, tal como vem consagrada no artigo 127º, do Código de Processo Penal.

De tudo se conclui que inexiste erro de julgamento que importe corrigir, improcedendo também neste segmento o recurso interposto.

Invocam ainda os recorrentes a violação do princípio in dubio pro reo [conclusões K), L) e M)].

Este princípio, que deriva do princípio da presunção de inocência do arguido, (artigo 32º, n.º 2 da CRP), estabelece um limite ao princípio da livre apreciação da prova na medida em que impõe nos casos de dúvida fundada sobre os factos que o Tribunal decida a favor do arguido.

Em sede de recurso, a demonstração da violação deste princípio passa pela sua notoriedade, aferida pelo texto da decisão isto é, deve resultar dos termos da sentença, de forma clara e inequívoca, que o juiz, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto desfavorável ao agente, o considerou provado ou, inversamente, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto favorável ao agente, o considerou não provado.

No acórdão do TRL de 10.01.2018 [processo nº 63/07.8TELSB-3, disponível in www.dgsi.pt] escreveu-se: “A certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza empírica, moral, histórica.

O princípio in dubio pro reo constitui um princípio de direito relativo à apreciação da prova/decisão da matéria de facto, estando umbilicalmente ligado, limitando-o, ao princípio da livre apreciação – a livre apreciação exige a convicção para lá da dúvida razoável; e o princípio «in dubio pro reo» impede (limita) a formação da convicção em caso de dúvida razoável. A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, argumentada, coerente, razoável. De onde que o tribunal de recurso “só poderá censurar o uso feito desse princípio (in dubio) se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida e que, face a esse estado escolheu a tese desfavorável ao arguido – cfr. acórdão do STJ de 2/5/1996, CJ/STJ, tomo II/96, pp. 177. Ou quando, após a análise crítica, motivada e exaustiva de todos os meios de prova validamente produzidos e a sua valoração em conformidade com os critérios legais, é de concluir que subsistem duas ou mais perspetivas probatórias igualmente verosímeis e razoáveis, havendo então que decidir por aquela que favorece o réu.”

Para que se imponha ao Tribunal a aplicação deste princípio é necessário que perante a prova produzida reste no espírito do julgador – e não na do recorrente alguma dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão, dúvida que há-de ser razoável e insanável.

A dúvida relevante para este efeito, não é, portanto, a dúvida que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, mas apenas a dúvida que o julgador não logrou ultrapassar e fez constar da sentença ou que por esta é evidenciada.

Ora, da análise do texto da motivação de facto, não resulta que o Tribunal a quo tenha ficado com qualquer dúvida insuperável, razoável ou sequer leve, sobre os factos e muito concretamente sobre os factores externos à vitima que foram causais da queda ocorrida e de afastar a relevância da Taxa de álcool no sangue que a vítima apresentava.

A discordância do recorrente prende-se tão só com a interpretação que o próprio fez da prova que foi produzida e que indicou no respetivo recurso e que vimos já não obtém sustentação.

No caso foi, pois,  efetuado um exame crítico às provas produzidas, tendo o tribunal a quo formado a sua livre convicção, quanto à autoria e circunstâncias como os factos ocorreram, sendo que a decisão recorrida só seria de alterar se se revelasse evidente que as provas não conduziriam àquela decisão, o que, in casu, não ocorre.

Assim sendo, entendemos que não houve qualquer valoração arbitrária da prova, nem violação do princípio in dubio pro reo, previsto no art. 32º , nº 2 da Constituição da República Portuguesa.

Por outro lado, como se refere no acórdão do STJ de 27-05-2010 [Processo n.º 11/04.7GCABT.C1.S1, in www.dgsi.pt], “sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova”.

In casu, o caminho trilhado pelo tribunal a quo apresenta-se lógico e inteligível, de acordo com os critérios legais de admissibilidade e de apreciação da prova, devendo manter-se.


***
VI - Da subsunção jurídica ao crime de infração de Regras de Construção agravado pelo resultado.

Embora enquadrando a questão na figura do erro notório na apreciação da prova invocam os recorrentes a ocorrência de um erro de direito por entenderem que sendo o malogrado BB um trabalhador independente não impendiam sobre si as obrigações legais que lhe foram assacadas na sentença recorrida – designadamente do DL nº 50/2005 de 25.02 e do DL nº  273/2003 de 29 de outubro.

A respeito da planificação da segurança e saúde no trabalho, o DL n.º 273/2003, de 29 de Outubro - diploma que estabelece regras gerais de planeamento, organização e coordenação para promover a segurança, higiene e saúde no trabalho em estaleiros da construção, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 92/57/CEE, do Conselho, de 24 de junho - preceitua, no seu art. 2º que: “ O presente diploma é aplicável a todos os ramos de actividade dos sectores privado, cooperativo e social, à administração pública central, regional e local, aos institutos públicos e demais pessoas colectivas de direito público, bem como a trabalhadores independentes, no que respeita aos trabalhos de construção de edifícios e de engenharia civil.

2 - O presente diploma é aplicável a trabalhos de construção de edifícios e a outros no domínio de engenharia civil que consistam, nomeadamente, em:

a) Escavação;

b) Terraplenagem;

c) Construção, ampliação, alteração, reparação, restauro, conservação e limpeza de edifícios;

Temos, pois, por certo que a situação sobre apreciação tem cabimento no âmbito do ali definido.

Por seu turno o art. 3º do mesmo diploma legal sob a epígrafe “definições”  prevê o seguinte:

1 - Para efeitos do presente diploma, entende-se por:

(…)

f) «Dono da obra» a pessoa singular ou colectiva por conta de quem a obra é realizada, ou o concessionário relativamente a obra executada com base em contrato de concessão de obra pública;

g) «Empregador» a pessoa singular ou colectiva que, no estaleiro, tem trabalhadores ao seu serviço, incluindo trabalhadores temporários ou em cedência ocasional, para executar a totalidade ou parte da obra; pode ser o dono da obra, a entidade executante ou subempreiteiro;

h) «Entidade executante» a pessoa singular ou colectiva que executa a totalidade ou parte da obra, de acordo com o projecto aprovado e as disposições legais ou regulamentares aplicáveis; pode ser simultaneamente o dono da obra, ou outra pessoa autorizada a exercer a actividade de empreiteiro de obras públicas ou de industrial de construção civil, que esteja obrigada mediante contrato de empreitada com aquele a executar a totalidade ou parte da obra;

            i) «Equipa de projecto» conjunto de pessoas reconhecidas como projectistas que intervêm nas definições de projecto da obra;
            j) «Estaleiros temporários ou móveis», a seguir designados por estaleiros, os locais onde se efectuam trabalhos de construção de edifícios ou trabalhos referidos no n.º 2 do artigo 2.º, bem como os locais onde, durante a obra, se desenvolvem actividades de apoio directo aos mesmos;
(…)
            o) «Trabalhador independente» a pessoa singular que efectua pessoalmente uma actividade profissional, não vinculada por contrato de trabalho, para realizar uma parte da obra a que se obrigou perante o dono da obra ou a entidade executante; pode ser empresário em nome individual.
            Nos termos do disposto no art. 11º do mesmo diploma legal:

1 - A entidade executante deve desenvolver e especificar o plano de segurança e saúde em projecto de modo a complementar as medidas previstas, tendo nomeadamente em conta:

a) As definições do projecto e outros elementos resultantes do contrato com a entidade executante que sejam relevantes para a segurança e saúde dos trabalhadores durante a execução da obra;

b) As actividades simultâneas ou incompatíveis que decorram no estaleiro ou na sua proximidade;

c) Os processos e métodos construtivos, incluindo os que exijam uma planificação detalhada das medidas de segurança;

d) Os equipamentos, materiais e produtos a utilizar;

e) A programação dos trabalhos, a intervenção de subempreiteiros e trabalhadores independentes, incluindo os respectivos prazos de execução;

f) As medidas específicas respeitantes a riscos especiais;

g) O projecto de estaleiro, incluindo os acessos, as circulações, a movimentação de cargas, o armazenamento de materiais, produtos e equipamentos, as instalações fixas e demais apoios à produção, as redes técnicas provisórias, a evacuação de resíduos, a sinalização e as instalações sociais;

h) A informação e formação dos trabalhadores;

(…)

Por seu turno decorre do art. 20º deste mesmo diploma sob a epígrafe “ Obrigações da entidade executante”:

A entidade executante deve:

a) Avaliar os riscos associados à execução da obra e definir as medidas de prevenção adequadas e, se o plano de segurança e saúde for obrigatório nos termos do n.º 4 do artigo 5.º, propor ao dono da obra o desenvolvimento e as adaptações do mesmo;

b) Dar a conhecer o plano de segurança e saúde para a execução da obra e as suas alterações aos subempreiteiros e trabalhadores independentes, ou pelo menos a parte que os mesmos necessitam de conhecer por razões de prevenção;

c) Elaborar fichas de procedimentos de segurança para os trabalhos que impliquem riscos especiais e assegurar que os subempreiteiros e trabalhadores independentes e os representantes dos trabalhadores para a segurança, higiene e saúde no trabalho que trabalhem no estaleiro tenham conhecimento das mesmas;

d) Assegurar a aplicação do plano de segurança e saúde e das fichas de procedimentos de segurança por parte dos seus trabalhadores, de subempreiteiros e trabalhadores independentes;

e) Assegurar que os subempreiteiros cumpram, na qualidade de empregadores, as obrigações previstas no artigo 22.º;

f) Assegurar que os trabalhadores independentes cumpram as obrigações previstas no artigo 23.º;

g) Colaborar com o coordenador de segurança em obra, bem como cumprir e fazer respeitar por parte de subempreiteiros e trabalhadores independentes as directivas daquele;

h) Tomar as medidas necessárias a uma adequada organização e gestão do estaleiro, incluindo a organização do sistema de emergência;

i) Tomar as medidas necessárias para que o acesso ao estaleiro seja reservado a pessoas autorizadas;

j) Organizar um registo actualizado dos subempreiteiros e trabalhadores independentes por si contratados com actividade no estaleiro, nos termos do artigo seguinte;

l) Fornecer ao dono da obra as informações necessárias à elaboração e actualização da comunicação prévia;

m) Fornecer ao autor do projecto, ao coordenador de segurança em projecto, ao coordenador de segurança em obra ou, na falta destes, ao dono da obra os elementos necessários à elaboração da compilação técnica da obra.”

Com relevo ainda o disposto no art. 22º sob a epígrafe “Obrigações dos empregadores” que dispõe:

1 - Durante a execução da obra, os empregadores devem observar as respectivas obrigações gerais previstas no regime aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho e em especial:

a) Comunicar, pela forma mais adequada, aos respectivos trabalhadores e aos trabalhadores independentes por si contratados o plano de segurança e saúde ou as fichas de procedimento de segurança, no que diz respeito aos trabalhos por si executados, e fazer cumprir as suas especificações;

b) Manter o estaleiro em boa ordem e em estado de salubridade adequado;

c) Garantir as condições de acesso, deslocação e circulação necessária à segurança em todos os postos de trabalho no estaleiro;

d) Garantir a correcta movimentação dos materiais e utilização dos equipamentos de trabalho;

e) Efectuar a manutenção e o controlo das instalações e dos equipamentos de trabalho antes da sua entrada em funcionamento e com intervalos regulares durante a laboração;

f) Delimitar e organizar as zonas de armazenagem de materiais, em especial de substâncias, preparações e materiais perigosos;

g) Recolher, em condições de segurança, os materiais perigosos utilizados;

h) Armazenar, eliminar, reciclar ou evacuar resíduos e escombros;

i) Determinar e adaptar, em função da evolução do estaleiro, o tempo efectivo a consagrar aos diferentes tipos de trabalho ou fases do trabalho;

j) Cooperar na articulação dos trabalhos por si desenvolvidos com outras actividades desenvolvidas no local ou no meio envolvente;

l) Cumprir as indicações do coordenador de segurança em obra e da entidade executante;

m) Adoptar as prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho revistas em regulamentação específica;

n) Informar e consultar os trabalhadores e os seus representantes para a segurança, higiene e saúde no trabalho sobre a aplicação das disposições do presente diploma.

2 - Quando exercer actividade profissional por conta própria no estaleiro, o empregador deve cumprir as obrigações gerais dos trabalhadores previstas no regime aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho.

Por último estabelece o art. 23º do mesmo diploma soba epígrafe “Obrigações dos trabalhadores independentes” que:

Os trabalhadores independentes são obrigados a respeitar os princípios que visam promover a segurança e a saúde, devendo, no exercício da sua actividade:

a) Cumprir, na medida em que lhes sejam aplicáveis, as obrigações estabelecidas no artigo 22.º;

b) Cooperar na aplicação das disposições específicas estabelecidas para o estaleiro, respeitando as indicações do coordenador de segurança em obra e da entidade executante.

Analisando os factos provados verificamos que deles se extrai que a recorrente a sociedade arguida “…, Lda.”, é uma sociedade por quotas … a qual tem como objeto comercial a construção civil e obras públicas, e que  o arguido … é o único responsável pela direção dos trabalhos que a título de empreitada ou subempreitada realiza, seja sob o ponto de vista técnico, seja sob o ponto de vista organizacional e operacional, sendo também ele que define o quadro de trabalhadores ao seu serviço, recrutando-os, distribuindo-os e definindo as tarefas a executar por cada um deles, cabendo-lhe também o aprovisionamento dos materiais e dos equipamentos necessários à boa execução dos trabalhos.

Apurou-se ainda que em data não concretamente apurada, no decorrer do ano de 2020, … adjudicou à sociedade arguida … a realização dos trabalhos de remoção e substituição do telhado de uma moradia unifamiliar de sua propriedade…

Concluímos pois, que a sociedade arguida assume a qualidade de entidade executante ( art. 2º, nº 1 e 2 al. c) e art. 3º al. h) do DL  nº 273/2003 de 29 de outubro.

E assim, recaíam sobre esta o dever de desenvolver e especificar o plano de segurança e saúde em projeto de modo a complementar as medidas previstas, tendo nomeadamente em conta os processos os processos e métodos construtivos, os equipamentos, materiais e produtos a utilizar a intervenção de trabalhadores independentes e a informação e formação dos trabalhadores dessa mesma obra ( art. 11º do referido DL 273/2003 de 29.10) e ainda os deveres de avaliar os riscos associados à execução da obra e definir as medidas de prevenção adequadas, assegurar a aplicação do plano de segurança e saúde e das fichas de procedimentos de segurança por parte dos seus trabalhadores, de subempreiteiros e trabalhadores independentes e assegurar que os trabalhadores independentes cumpram as obrigações previstas no artigo 23.º, de entre as quais resulta expressamente a de cooperar na aplicação das disposições específicas estabelecidas para o estaleiro, respeitando as indicações da entidade executante [art. 23º, al. b) parte final].

Porém, daquela factualidade decorre também que no dia 24.08.2021 juntamente com a vítima …, trabalhador independente - que o arguido …, enquanto gerente da sociedade arguida, havia contratado para trabalhar na referida obra, mediante o pagamento de uma retribuição de € 60,00 (sessenta euros) por cada dia de trabalho efetivamente prestado - se encontravam ali a trabalhar outros trabalhadores todos (incluindo o malogrado …) sob a direção técnica, organizacional e operacional, do arguido …, que definia as tarefas a executar por cada um deles, cabendo-lhe também o aprovisionamento dos materiais e dos equipamentos necessários à boa execução dos trabalhos, isto é, que a sociedade arguida era por relação àquela obra também entidade empregadora (art. 2º al. g) do Dl 273/2003 de 29.10).

E, portanto, de acordo com o disposto no art. 22º nº 1 do DL 2073/2003 de 29.10 cabia-lhe durante a execução da obra observar as respetivas obrigações gerais previstas no regime aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho e em especial, comunicar, pela forma mais adequada, aos respectivos trabalhadores e aos trabalhadores independentes por si contratados o plano de segurança e saúde ou as fichas de procedimento de segurança, no que diz respeito aos trabalhos por si executados, e fazer cumprir as suas especificações.

Ora, sobre as prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros temporários ou móveis, importa ter presente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil (RSTCC), aprovado pelo Decreto n.º 41 821, de 11 de agosto de 1958, e a Portaria n.º 101/96, de 3 de abril, que, de acordo com o disposto no art. 29º do citado DL n.º 273/2003, vigoram até à entrada em vigor do novo Regulamento de Segurança para os Estaleiros da Construção.

Preceitua o art. 11º da Portaria n.º 101/96, de 03/04 (diploma que regulamenta as prescrições mínimas de segurança e saúde nos locais e postos de trabalhos nos estaleiros temporários ou móveis) o seguinte:

1. Sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de proteção coletiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de proteção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil”.

2. Quando, por razões técnicas, as medidas de proteção coletiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adotadas medidas complementares de proteção individual, de acordo com a legislação aplicável”.

E, neste contexto,  intervindo a sociedade arguida na qualidade simultaneamente na qualidade de entidade executante/empregadora, é-lhe aplicável o disposto no DL nº  50/2005 de 25.02 e muito concretamente o art. 36º que consagra as normas gerais sobre trabalhos temporários em altura estabelecendo que nestes o empregador deve dar prioridade a medidas de proteção coletiva em relação a medidas de proteção individual e art 38º do mesmo diploma onde se preveem as norma específicas relativas à utilização de escadas.

Analisando os normativos legais convocados concluímos que resultava para o arguido  enquanto legal representante da sociedade arguida, esta na qualidade de entidade executante/empregadora, a obrigatoriedade de tomar as medidas de proteção que, em concreto, se mostrassem adequadas a evitar que no local de trabalho e no desempenho da respetiva atividade profissional, os seus trabalhadores e muito concretamente o trabalhador independente … por si contratado - que ali trabalhava como os demais sobre a sua direção técnica organizacional e operacional e acatando as suas ordens quanto à forma como deveriam ser executados os trabalhos e utilizando materiais, ferramentas e equipamentos propriedade da sociedade arguida - corresse riscos segurança e designadamente para a sua integridade física e vida segurança, com prioridade para os meios de proteção coletivas sobre os de natureza individual.

Evidencia ainda a factualidade provada a inexistência de fichas de procedimento de segurança para estes trabalhos em altura – como o prevê a conjugação dos arts. 7º e 14º do DL 273/2003 de 29 de outubro – as quais eram obrigatórias  dado que os trabalhos em curso expunham os trabalhadores (como efetivamente expuseram) a risco de queda em altura.

Assim, conclui-se que o arguido enquanto representante legal da sociedade … Lda. (na qualidade de entidade executante/empregadora), permitiu que o trabalhador independente por si contratado fizesse trabalhos temporários em altura utilizando uma escada por si fornecida com pelo menos cinco anos de existência e sinais de desgaste e que não tinha o comprimento necessário para ultrapassar em 90 cm o nível de acesso devido à inclinação necessária para se manter de pé e que não se encontrava assente num suporte estável e resistente, não tendo sido fixada/imobilizada nem no topo nem na base, possibilitando o seu deslizamento e consequente queda, arrastando consigo os trabalhadores.

Mais permitiu os referidos trabalhos sem as adequadas medidas de proteção como fosse a utilização de andaimes homologados ou plataformas elevatórias ou sistemas de proteção individuais tais como cinto de segurança, arnês de segurança ancorado a um ponto fixo e sólido ou qualquer outro tipo de equipamento de proteção individual destinado a evitar o risco de queda em altura. 

Ou seja, não foi observado o disposto no art. 44º do RSTCC e arts. 36º e 38º  do DL 50/2005 de 25 de Fevereiro 7º e 14º do DL nº 273/2003 de 29 de outubro, que contêm regras de segurança aplicáveis na situação em apreço e que foram violadas.

Com efeito, nos termos desses preceitos e dos acima mencionados a entidade executante/ empregadora deve, em suma, aplicar as medidas necessárias para prevenir a ocorrência de acidentes ou para atenuar as suas consequências, nomeadamente proceder à identificação dos riscos previsíveis, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, de forma a garantir um nível eficaz de proteção, mediante a adoção de convenientes e adequadas medidas de proteção.

Pelo exposto, conclui-se pelo preenchimento dos elementos objetivos do tipo legal de crime de infração de regras de construção agravado, na medida em que:

a) No exercício de uma atividade profissional foram violadas regras legais e regulamentares ou técnicas que deviam ter sido observadas na execução dos trabalhos e foi omitida a instalação de meios destinados a prevenir acidentes, infringindo o dever de vigilância pelo cumprimento das regras de segurança em questão, através de uma atuação omissiva. Na verdade, o agente, apesar de saber que não estavam a ser cumpridas as regras, nada fez para alterar as condições de trabalho, sendo que tinha o dever e a obrigação de proceder de modo distinto pois era a ele que competia o cumprimento das regras e o dever de fiscalização pelo seu cumprimento, dada a sua posição de garante.

b) Desse modo foi criado perigo para a vida do trabalhador.

c) Existe nexo de causalidade entre a conduta omissiva e o resultado típico (morte do trabalhador), porquanto, se as regras de segurança tivessem sido implementadas, aquele evento fatal não teria ocorrido.

Em termos de imputação da responsabilidade criminal – como acima se referiu - trata-se de um crime específico, na medida em que pressupõe que o autor possua uma determinada qualidade, fundada numa relação de vigilância entre trabalhador e empregador, estando obrigado à observância das regras legais ou regulamentares.

A este propósito, chamando à colação as palavras de João Palma Ramos [Crime de infração de regras de segurança do art. 277º, nº 1, al. b), 2ª parte do Código Penal – Elementos típicos – Autoria – Estrutura empresarial – Dolo e negligência – Conceitos de Meios, Revista do Ministério Público, n.º 124, p. 227-253.], ao referir que “no âmbito da chamada responsabilidade criminal da “empresa” podem encontrar-se várias soluções, a saber: a) responsabilidade da pessoa coletiva; b) responsabilidade dos funcionários subalternos; c) responsabilidade dos órgãos colegiais que coordenam a atividade empresarial. Tudo está em saber se ocorre uma repartição dos deveres funcionais (deveres de vigilância e de controle dos riscos) de acordo com a posição que cada membro ocupa. Tudo dependerá da análise da estrutura da organização empresarial e das fontes legais ou instrumentais em que se baseiam esses deveres. Em suma, deve atender-se à estrutura da empresa em questão, aos deveres funcionais dos agentes e à sua omissão na implementação dos meios necessários para evitar o resultado. Há que considerar que se trata de crime omissivo de violação de dever no qual não se exige o domínio do facto, bastando a titularidade do dever violado no momento típico do domínio.

Atentos os factos provados, dúvidas não se suscitam sobre a responsabilidade criminal por parte do arguido …, porquanto foi ele quem na qualidade de sócio e gerente da sociedade …, Lda., empresa que executava os trabalhos em apreço através de outros trabalhadores entre os quais o trabalhador independente por si contratado …, decidiu quais os concretos procedimentos e equipamentos de segurança a instalar para tal execução, seguindo o … as ordens e instruções que o arguido … lhe dava acerca da forma como os trabalhos (designadamente os de recuperação do telhado) deviam ser executados e utilizando as ferramentas, equipamentos e materiais da sociedade.

Dadas as funções que desempenhava e os deveres que lhe incumbiam, o arguido … estava obrigado a adotar as medidas de segurança exigidas de acordo com as regras aplicáveis, detendo o exercício do poder de direção e a possibilidade de alterar as condições da prestação do trabalho e a suspensão da laboração.

Foi, pois, o arguido … quem praticou a conduta omissiva traduzida na não adoção das apontadas medidas de segurança adequadas e exigíveis ao caso, tendo, pois, o inteiro domínio do facto, do qual deve ser considerado autor.

Acresce que se encontra igualmente preenchido, em relação a este arguido, o elemento subjetivo do tipo legal de crime em apreço.

O tipo subjetivo é tripartido, uma vez que o agente pode agir com dolo na conduta e dolo de perigo (n.º 1 do art. 277º do CP), com negligência de perigo (n.º 2) ou com negligência na conduta e na criação do perigo ( nº 3 ).

Em relação ao resultado agravado – art. 285º do Código Penal esta é sempre condicionada pela possibilidade de imputação desse resultado ao agente pelo menos a título de negligência.

No caso do dolo de perigo, é admissível a verificação de qualquer tipo de dolo, extensivo também à criação do perigo para a vida ou de perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde.

Neste âmbito, provou-se que não diligenciou pela utilização de andaimes ou plataformas elevatórias, o que apenas veio a ser implementado após a ocorrência do sinistro, permitindo a utilização de uma escada para movimentações diárias de subida e descida até uma altura de 6/7 metros, escada essa que pelas suas características e compromisso de estabilidade ( factos 29 e 30) o arguido sabia não era uma forma de acesso segura e aconselhada para estes tipos de trabalhos.

Que o arguido tinha conhecimento que sempre que se trate de trabalhos em que não seja obrigatório o plano de segurança e saúde, mas que impliquem riscos especiais, a entidade executante deve elaborar fichas de procedimentos de segurança para os trabalhos que comportem tais riscos e assegurar que os trabalhadores intervenientes na obra tenham conhecimento das mesmas.

Ao atuar desta forma, o arguido não adotou as medidas de proteção coletivas adequadas e eficazes ao concreto trabalho que a vítima desenvolvia, a que devia dar prioridade relativamente às medidas de proteção individuais por se tratar de trabalho temporário em altura, por forma a garantir a segurança e saúde do trabalhador.

Provou-se ainda que ao atuar da forma descrita, o arguido … revelou falta de cuidado, prudência e desrespeito pelas regras de segurança que a execução de tais trabalhos impunha, incumprindo a obrigação legal que sobre ele impendia de assegurar que a execução dos trabalhos decorria em condições que respeitassem a segurança e saúde do trabalhadores que tinham ao seu serviço, sujeitando-os a perigo de queda, com consciência de que punham assim em risco a sua integridade física e mesmo a vida, com o que se conformou. Prevendo também que, atuando daquela forma e criando esse risco, daí podia resultar a morte dos trabalhadores na execução da obra, designadamente do trabalhador …, embora não se tenha conformado com esse resultado. Mais tendo resultado assente que o arguido … tivesse adotado as medidas de segurança acima descritas, em ordem a prevenir o risco de queda em altura decorrente da execução daquela obra, o qual era previsível, o acidente não se teria verificado.

Sabia ainda o arguido que, detendo  uma posição de liderança na mesma sociedade, mesma, enquanto sócio gerente,  da empresa incumbida da obra de recuperação do telhado da moradia em causa, estava obrigado à observância daquelas regras legais e que não podia omitir a instalação dos instrumentos de proteção coletiva destinados a prevenir acidentes.

Em face do exposto, Conclui-se assim, pelo preenchimento do tipo de crime previsto e punível pelo art. 277º, nº1 al. a) do Código Penal.

No tocante à agravação pelo resultado morte:

Nos autos resultou assente que a vítima se encontrava sob o efeito do álcool apresentando uma TAS de 1,67 g/l correspondente a uma TAS de 1,91g/l, deduzida a estimativa de incerteza.

Poder-se-ia questionar se esta constituiu uma atuação imprudente do trabalhador e se essa atuação contribuiu para a produção do resultado.

Recorrendo mais uma vez aos ensinamentos de João Palma Ramos [Ob cit.], “a questão da conduta do trabalhador tem vindo a ser abordada, com reflexos laborais e penais, havendo que distinguir várias situações, em particular as seguintes: a) a existência de ação “imprudente” do trabalhador; b) a ação “imprudente” do trabalhador em conjugação com a conduta omissiva do empregador ao não fornecer os meios de segurança necessários e exigíveis ao caso; c) a ação do trabalhador que contraria as ordens expressas do empregador quanto às regras a cumprir e aos meios de proteção a utilizar (conduta temerária).

No entanto, a conduta do trabalhador deve ser analisada e enquadrada com as condições gerais em que a atividade laboral é prestada, na medida em que recai sobre a entidade empregadora o dever de vigiar o cumprimento das regras de segurança, facultando os meios necessários a tal, sob pena de se criarem mecanismos de “desresponsabilização” inaceitáveis.”

No contexto em que os factos ocorreram, mesmo a considerar-se que o exercício da atividade com a referida TAS de 1,67 g/l poderia constituir atuação imprudente, verificamos que não resultou provado qualquer nexo de causalidade entre esta conduta e o resultado morte. Pelo contrário, atenta a factualidade provada podemos concluir como o fez o tribunal a quo que a queda resultou da circunstância de a escada usada para os trabalhos em altura se ter partido e que se tivesse sido implementada qualquer uma das mencionadas medidas de segurança, mormente aquelas relativas aos trabalhos em altura, nomeadamente a utilização de andaimes ou plataformas elevatórias e/ou a utilização de cinto ou arnês de segurança ancorado a um ponto fixo  e sólido nas condições legais e regularmente previstas – o que se provou não aconteceu -, isso teria evitado a referida queda e a subsequente morte da vítima.

Como refere Figueiredo Dias [Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 306], " … todas as condições que, de alguma forma, contribuíram para que o resultado se tivesse produzido são causais em relação a ele e devem ser consideradas em pé de igualdade, já que o resultado é indivisível e não pode ser pensado sem a totalidade das condições que o determinaram".

Sendo assim, cumpre proceder à supressão em teoria de cada uma das causas que contribuíram para o resultado. E será relevante aquela que, suprimida, não tivesse produzido o evento.

Como explica o Professor Figueiredo Dias [Ob. cit., pág. 309 e 310], "O critério geral da teoria da adequação reside em que para a valoração jurídica da ilicitude serão relevantes não todas as condições, mas só aquelas que, segundo as máximas da experiência e a normalidade do acontecer ­e portanto segundo o que é em geral previsível são idóneas para produzir o resultado".

Mais refere que, deve proceder-se a um juízo de prognose póstumo, isto é, deve ponderar-se, observada a conduta do agente, se é normal e expectável de acordo com regras gerais de experiência, que a condição praticada tenha como consequência a produção do evento, levando-se ainda em consideração os especiais conhecimentos do agente.

E acrescenta o citado autor[Ob. cit., pág. 317] que: "Sucede muitas vezes que, na situação, já está criado, antes da atuação do agente, um risco que ameaça o bem jurídico protegido. Não obstante, o resultado será ainda imputável ao agente se este, com a sua conduta, aumentou ou potenciou o risco já existente, piorando, em consequência, a situação do bem jurídico ameaçado."

Segundo a teoria da causalidade adequada, não basta que o facto tenha sido, no caso concreto, condição do dano, sendo antes de averiguar se, em abstrato ou, em geral, o facto é causa adequada do dano, sendo de excluir como causa se se mostrar de todo indiferente, dada a sua natureza, à verificação do dano, tendo este sido originado por circunstâncias anormais, excecionais, extraordinárias ou anómalas, não previsíveis por um observador experiente, à luz desse juízo abstrato de adequação, devendo o julgador proceder a um juízo de prognose póstuma para aferir da previsibilidade da consequência, colocando-se no momento histórico da conduta do agente.

Deste modo, ainda que tivesse ocorrido a mencionada atuação imprudente da vítima, a atitude omissiva do arguido - enquanto sócio gerente e ocupando nela uma posição de liderança da sociedade que contratou a vítima para executar os referidos trabalhos - de não adoção dos mencionados procedimentos de segurança, contribuiu decisivamente para a produção do resultado da morte daquela, o que implica a responsabilização criminal do referido arguido.

Assim, mesmo a considerar-se a referida TAS esta não exclui a conduta omissiva do arguido … ao não fornecer os meios e aparelhagens adequados a prevenir acidentes, necessários e exigíveis ao caso, já que foi essa violação das regras legal e regularmente impostas para evitar acidentes que contribuiu como causa adequada para a produção do evento.

Concluímos assim dever manter-se a condenação dos arguidos … e …, Lda., nos termos definidos pelo Tribunal a quo.


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VII – Da indemnização civil fixada – da alegada violação do art. 570º do Código Civil.

Entendem os recorrentes que a culpa do lesado contribuiu para a produção do resultado morte (art. 570º do Código Civil) pelo que devem ser excluídas as indemnizações a cujo pagamento os recorrentes foram condenados.

Dispõe o art. 570º, nº 1 do Código Civil  que quando  um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

            Dão-se aqui por reproduzidos os argumentos por nós expendidos na análise que no ponto V e VI fizemos relativamente à concreta TAS verificada e sua relevância para efeitos do resultado verificado.

Como deixamos expresso, não basta que o facto tenha sido, no caso concreto, condição do dano, sendo antes de averiguar se, em abstrato ou, em geral, o facto é causa adequada do dano, sendo de excluir como causa se se mostrar de todo indiferente, dada a sua natureza, à verificação do dano, tendo este sido originado por circunstâncias anormais, excecionais, extraordinárias ou anómalas, não previsíveis por um observador experiente, à luz desse juízo abstrato de adequação, devendo o julgador proceder a um juízo de prognose póstuma para aferir da previsibilidade da consequência, colocando-se no momento histórico da conduta do agente.

            Ora, na situação presente concluímos já pelo acerto da decisão do Tribunal a quo ao não atribuir relevância à TAS concretamente verificada, porquanto, como também já referimos foi a inobservância das medidas coletivas ou individuais de segurança destinadas a prevenir o risco de queda em altura que determinaram o resultado morte. No caso foi a utilização de uma escada com as características referidas nos factos provados 20 a 22 - , que não de andaimes devidamente homologados ou plataforma elevatória  e a ausência de cinto de segurança ou arnês de segurança ancorado a um ponto fixo  e sólido – que veio a partir-se  aos 2,70 metros de altura rodando a escada para a esquerda e a vítima para a direita, provocando a sua queda. Isto é, a concreta TAS verificada em nada influiu para esta queda e subsequente morte, mas antes a utilização de um meio inadequado aos trabalhos em altura e a inexistência de quaisquer medidas de segurança coletivas ou individuais, destinadas precisamente a prevenir o risco de quedas, como a que ocorreu.

            …

 Entendem ainda os recorrentes que a indemnização relativa ao direito à vida fixada em 60.000€ é exagerada sendo-o também as indemnizações de 30.000€ arbitradas a título de danos não patrimoniais sofridos pela esposa e pelos filhos da vítima.

Mais invocam relativamente à fixação da quantia de 60.000€ a ocorrência do que apelidam de erro manifesto, dada a invocação por parte do Tribunal a quo do anexo I (parte C) da portaria nº 679/2009 de 25.06 como critério orientador o montante previsto para uma vítima com 36 anos de idade quando a vítima tinha 57 anos de idade.

Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último aos irmãos ou sobrinhos que os representem - n.º2 do artigo 496.º do Código Civil.

O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º [grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que se justifiquem]; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização - n.º 4 do artigo 496.º do Código Civil.

Por outro lado, na fixação do montante da indemnização, mesmo aceitando-se que o valor da vida se possa valorado em abstrato, enquanto vida de um ser humano, igual a tantos outros, haverão que ter-se em conta na fixação da indemnização os concretos fatores atinentes à pessoa cuja vida se perdeu, tais como a idade, saúde, integração e relacionamento social ou função desempenhada na sociedade, que permitam, sempre dentro dos limites da equidade, conferir individualidade à concreta vida que se perdeu.

São assim coeficientes específicos de cada caso, a atender na determinação da indemnização, o grau de culpa do lesante, e, quanto ao lesado, a saúde, idade, o apego à vida, a força de vida, a ligação à família, o gosto de viver e a felicidade o valor intelectual e humano, aproveitamento escolar, formação académica, qualidades de trabalho, idoneidade moral, entre outros.

Devemos realçar que, nos parâmetros gerais a ter em conta, no âmbito da indemnização dos danos não patrimoniais devemos também ponderar a progressiva melhoria da situação económica individual e global, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à vida.

A indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la, segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com a atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios.

Vejamos então:

Analisando o acórdão recorrido verificamos que efetivamente foi utilizado como critério orientador o anexo I da portaria nº 679/2009 de 25.06, fazendo-se referência aos factores ali constantes para uma idade entre 25 e 49 anos, sendo certo que existe ali também ali um valor para a idade entre os 50 e os 75 anos – que no caso é de 41.040,00€.

Porém, cumpre salientar que os valores constantes do mencionado anexo não são vinculantes para os tribunais e não visam a fixação de definitiva de valores indemnizatórios [cf. Acórdão do STJ de 15.09.2016, processo nº 492/10.0TBBAO.P1.S1 disponível in www.dgsi.pt].

Ora, mencionando-se embora o referido critério e valor orientador usado para efeitos de apresentação aos lesados por sinistro automóvel, o Tribunal a quo não deixou de fazer menção à circunstância de o falecido … ter 57 anos de idade quando ocorreu o seu óbito, que este vivia com a sua mulher e filhos, formando um agregado familiar unido e que era uma pessoa saudável e trabalhava na construção civil como trabalhador independente auferindo pelo menos 665,00€ mensais.

Na situação presente o acórdão recorrido utilizou os valores dos quadros anexos à portaria nº 679/2009 de 25 de junho, como critério orientador, sendo certo que, efetivamente, outro mais próximo à idade da vítima poderia ter sido utilizado.

No entanto, podem ser utilizados variados critérios orientadores, designadamente aqueles que decorrem das orientações jurisprudenciais na matéria.

Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.12.2015 [Disponível in www.dgsi.pt.]: “I - A equidade, enquanto fonte legal de realização da justiça moral a lesado em bens de natureza não patrimonial – cfr. arts. 4.º, al. a), e 496.º, ns. 1 e 4, 1.ª parte, do C. Civil –, a partir, portanto, de voláteis e subjectivas ponderações de metafísicos valores de bom senso, razoabilidade, justiça natural, justa medida das coisas, igualdade, oportunidade e conveniência…, haverá natural/necessariamente de ser incorporada de afectos e pessoal sensibilidade do julgador, para além, ou com independência, pois, dos limites do sistema jurídico-positivo.

II – Por conseguinte, a decisão judicial definitória do correspectivo valor indemnizatório, que nela se suporte, porque inevitavelmente afectada por subjectiva discricionariedade, apenas poderá merecer juízo de censura por tribunal superior – em sede de recurso –, e consequente alterabilidade, se se empiricamente evidenciar que significativamente destoe da contemporânea linha jurisprudencial respeitante a similares condições contextuais, e, assim, potencialmente comprometa a ideal segurança da aplicação do direito e o princípio constitucional da igualdade relativa, (cfr. arts. 8.º, n.º 3, do C. Civil, e 13.º, n.º 1, da Constituição).

III – Ainda assim, a respeitante resolução recursória, porque também intrinsecamente associada a abstractos critérios de equidade, sempre, no fundo, se haverá outrossim de nortear por idêntica matriz extra-sistémica, inevitavelmente matizada pela cultura e humanidade pessoal dos respectivos Juízes.”

 Neste contexto, chamamos à colação o Acórdão do TRP de 30.01.2014 [processo nº 624/12.3TBSJM.P1] onde se escreveu: “VI - A compensação pelos danos não patrimoniais deve ser significativa e não miserabilista, constituindo um lenitivo para os danos suportados.

VII - É adequado o montante de 65.000,00 € para compensar a perda do direito à vida de uma vítima com 57 anos de idade, trabalhador e saudável.”

No acórdão do STJ de 03.11.2016 [processo nº 6/15.5R8VFR.S1, disponível in www.dgsi.pt]  fazendo-se um percurso pela jurisprudência daquele mais alto tribunal, considerou o valor de 60.000€ como adequado no caso de uma vítima de idade próxima – no caso 52 anos de idade.

Ali se escreveu: “A jurisprudência portuguesa foi, durante muito tempo, extremamente avara quando se tratava de determinar a indemnização correspondente a este tipo de dano, mas verificou-se, nesse campo, um salto qualitativo, com o progressivo aumento do montante indemnizatório pela perda do direito à vida. Isso mesmo se constata através do teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/2/2002, acessível em wwwdgsi.pt., onde se mencionam vários outros arestos do mais Alto Tribunal, fixando a indemnização pelo dano morte entre €40 000,00/8.000.000$00 e €50 000,00/10.000.000$00[3].

Consolidou-se, assim, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, situa-se, em regra e com algumas oscilações, entre os €50 000,00 e €80 000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a €100.000,00 (cfr, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2012, de 10 de Maio de 2012 (processo 451/06.7GTBRG.G1.S2), de 12 de Setembro de 2013 (processo 1/12.6TBTMR.C1.S1), de 24 de Setembro de 2013 (processo 294/07.0TBETZ.E2.S1), de 19 de Fevereiro de 2014 (processo 1229/10.9TAPDL.L1.S1), de 09 de Setembro de 2014 (processo 121/10.1TBPTL.G1.S1),  de 11 de Fevereiro de 2015 (processo 6301/13.0TBMTS.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 185/13.6GCALQ.L1.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 1369/13.2JAPRT.P1S1), de 30 de Abril de 2015 (processo 1380/13.3T2AVR.C1.S1), de 18 de Junho de 2015 (processo 2567/09.9TBABF.E1.S1) e de 16 de Setembro de 2016 (processo 492/10.OTBB.P1.S1), todos acessíveis através de www.dgsi.pt.).

No caso vertente, o dano morte do falecido EE foi fixado em €60.000,00 €uros, valor esse situado claramente dentro das margens definidas em tais arestos e respeita o padrão referencial que vem sendo seguido pela jurisprudência deste Tribunal. Mais, em face dos 52 anos de idade do EE, esse valor é inteiramente razoável, adequado e plenamente justificado[4], não merecendo acolhimento as objecções, a tal respeito, apresentadas pela recorrente GG.

Também o acórdão do STJ de 04.06.2020 [processo nº 2732/17.5T8VCT.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt] se escreveu: “Neste capítulo, a. peticionara a fixação de uma compensação de € 80.000,00 pela perda do direito à vida do seu falecido marido, a ser-lhe atribuída na proporção de metade.

A 1.ª instância fixou tal compensação global naquela cifra, tendo a Relação reduzido a mesma para € 70.000,00.

Ora, a jurisprudência do STJ tem vindo a fixar compensações do género a partir dos € 50.000,00 e a progredir, consoante os casos, para níveis que podem ultrapassar os € 80.000,00, a rondar mesmo, nos casos mais graves, os € 100.000,00.

De resto, foi nessa linha que, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2019, proferido no processo n.º 20121/16.7T8PRT.P1.S1[6], se consignou o seguinte: “Consolidou-se, assim, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, situa-se, em regra e com algumas oscilações, entre os € 50.000,00 e € 80.000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a € 100.000,00.”

No caso presente, há que ter em conta que o falecido marido da A. tinha 53 anos, dedicando-se à sua atividade profissional, e que foi vitimado por um acidente da exclusiva responsabilidade do condutor do veículo objeto do seguro firmado na R..

Assim, seguindo os parâmetros mais recente da jurisprudência deste Supremo Tribunal tem-se por mais razoável a compensação de € 80.000,00 arbitrada pela 1.ª instância, cabendo a. uma parcela na proporção de metade.”

Deste modo, sopesando os factores atendíveis como sejam a idade da vítima, que este vivia com a sua mulher e filhos, formando um agregado familiar unido e que era uma pessoa saudável e trabalhava na construção civil como trabalhador independente auferindo pelo menos 665,00€ mensais, e atendendo também que o valor encontrado se mostra dentro dos padrões referidos pela jurisprudência designadamente do Supremo Tribunal de justiça, entendemos dever manter-se  a quantia de 60.000,00€ pela perda do direito à vida.

Questionam ainda os recorrentes o montante de 30.000,00€ ficado pelo Tribunal a quo a título de danos não patrimoniais sofridos pela esposa e pelos filhos é exagerada, entendendo que esta não deve exceder 20.000€ para a esposa e 10.000,00 para cada um dos filhos, invocando para o efeito os valores anexos à já mencionada portaria 679/2009 de 25 de junho.

Reiteramos que os valores constantes dos aludidos anexos não são vinculantes para os tribunais, sendo ainda de realçar que essas mesmas tabelas datam do ano de 2009, tendo os factos que nos ocupam ocorrido em 2021, ou seja, 12 anos posteriores.

Isto posto, temos que, nos termos do n.º 4 do artigo 496.º do Código Civil é também indemnizável o dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte.

Com efeito, embora não consubstancie um facto notório, a falta do lesado é, para os seus familiares, salvo raras e anómalas exceções, causa de um profundo sofrimento - tanto mais intenso quanto mais fortes fossem os laços de afeto que uniam estes àquele [Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, 4ª edição, vol. I, pág. 500].

Na quantificação do dano há a considerar o grau de parentesco, o relacionamento da vítima com os seus familiares, e a intensidade da dor emergente da sua morte.

Na jurisprudência dos Tribunais Superiores os valores vão divergindo tendo em conta o que em concreto se apura quanto à intensidade dos laços que uniam os demandantes ao falecido e o sofrimento vivenciado.

Assim, a título de exemplo, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.06.2020, proc. 65/17.6GTALQ.L1-5 que fixou as indemnizações desta natureza em €50.000,00 para a companheira da vítima e de €40.000,00 e de €30.000,00 respetivamente para os filhos e o acórdão do STJ de 27.09.2022, processo nº  253/17.5T8PRT-A.P1.S1, que  fixou em € 40.000,00 tal indemnização, entendendo não ser de diferenciar o montante indemnizatório entre o viúvo e a filha.

O Acórdão do TRP de 22.02.2024 [processo 1830/21.5T8PVZ.P1 disponível in www.dgsi.pt], para uma vítima de 46 anos casado com dois filhos um menor e outro com 19 anos fixou em 30.000€ a indemnização por danos não patrimoniais para a viúva e 35.000€ para cada um dos filhos.

O acórdão do STJ de 23.11.2022 [processo nº 8340/18.6T9PRT.P1.S1, disponível in ECLI:PT:STJ:2022:8340.18.6T9PRT.P1.S1.DD] fixou em 30.000€ o valor a atribuir a este título à viúva e 25.000€ aos filhos menores.

No acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra proferido de 08.01.2025 [processo 7344/18.3T9CBR.C1 disponível in www.dgsi.pt] foi fixada tal indemnização em 30.000€ para o cônjuge sobrevivo e filho menor.

Ora, dúvidas não restam, perante os factos provados que os demandantes sofreram danos não patrimoniais elevados pela perda do seu marido e pai merecedores de tutela jurídica, traduzidos em sofrimento, dor, desgosto, angústia, choque e tristeza com a sua morte.

Nesta base, são os seguintes os factos com relevo no doseamento das indemnizações a arbitrar pelo surgimento de tais danos:

- A vítima era casada com a demandante … tendo deixado dois filhos os também demandantes … e …, que figuram também como demandantes, por si mesmos, podendo assim concluir-se com segurança, apesar de não constar dos factos provados que são ambos maiores de idade.

- O falecido e os demandantes mantinham uma relação próxima e de amor carinho, cumplicidade e ajuda mútuos.

- A morte de … causou nos demandantes dor sofrimento, tristeza, consternação e saudade.

- A demandante … era uma pessoa alegre bem disposta e feliz que, após a morte do marido mergulhou em tristeza, chorando muito.

- Os demandantes filhos receberam a notícia da morte do pai com tristeza e consternação.

Por conseguinte, encontrando-se os valores fixados adequados ao quadro factual explicitado e mostrando-se compatíveis com os valores que vêm sendo arbitrados pelos nossos tribunais superiores, entendemos ser de manter as indemnizações fixadas pelo Tribunal a quo, não se vislumbrando razões com base nos factos apurados e tendo em conta os critérios de equidade para os distinguir.


VIII - Da  medida das  penas concretas aplicadas aos arguidos.
VIII.1 – Da medida da pena aplicada ao arguido …

Entende o recorrente … que, tendo o tribunal reconhecido que passaram 4 anos sem o conhecimento de qualquer outra situação idêntica, continuando o arguido a gerir a sociedade arguida que prossegue a mesma atividade impunha-se lançar mão da atenuação especial da pena (art. 72º, nºs 1 e 2 al. d) do Código Penal, o que se impõe.

Mais entende que a pena concretamente encontrada se mostra exagerada entendendo que não foram consideradas as reais necessidades de prevenção geral e especial nem graduada corretamente a pena em face do disposto no art. 71º, nº 2 do Código Penal, pugnando pela aplicação de uma pena próxima ao mínimo legal de 1 ano e 4 meses suspensa por igual período, ainda que se preveja como condição da suspensão que, no prazo de 5 anos, o arguido proceda ao pagamento parcial da indemnização devida aos demandantes comprovando nos autos o pagamento de pelo menos 2.000€ por ano tendo por referência a data do trânsito em julgado do acórdão. Assim não se entendendo que o prazo da suspensão seja reduzido para três com a manutenção da obrigação do aludido pagamento parcial por 5 anos.

  Vejamos então:

Nos termos do art. 72º do Código Penal:

“1 - O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

2 - Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:

a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;

b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;

c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;

d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.

3 - Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo.

Salienta-se no Acórdão do STJ de 06.10.2021 [processo 401/20.8PAVNF.S1, disponível in www.dgsi.pt]: “I - A atenuação especial da pena está reservada para os «casos extraordinários ou excecionais». Para a generalidade dos casos a pena determina-se dentro da moldura penal do tipo de ilícito cometido pelo agente.

II - A substituição da moldura penal do tipo de ilícito cometido pelo agente por uma moldura especialmente atenuada, só pode dar-se quando no caso concreto existam circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores que ainda não tenham operado e “que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena” – art. 72.º, n.º 1, do CP.

III - Critério decisivo é que as circunstâncias concorrentes, pela sua especial intensidade, configurem um caso de gravidade, tão acentuadamente diminuída, seja ao nível da ilicitude ou da culpa, seja ao nível da necessidade da pena, que escapa à previsão do que o legislador definiu e que, por isso, seria injusto punir dentro da respetiva moldura penal, já prevenidamente muito ampla.

IV - Está proibida a dupla valoração de circunstâncias que tiverem operado, em si mesma ou conjuntamente com qualquer outra na subsunção jurídico-criminal dos factos, tanto ao nível do tipo de ilícito como do tipo de culpa.

V - No vigente regime penal, a função primordial da pena é a de tutelar os bens jurídicos tipificados, de modo a assegurar a paz jurídica dos cidadãos.

VI - A culpa, de fundamento, passou a “teto” acima do qual a pena aplicada é excessiva, subalternizando à «paz» comunitária a dignidade humana do agente, assumindo, assim, a “função politico-criminal de garantia dos cidadãos e não mais do que isso”.

Como salienta Figueiredo Dias [ Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 305] O “princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto das exigências de prevenção”.

Acrescentando [ Ob. Cit. Pág. 306] “A diminuição da culpa ou das exigências de prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto resultante da actuação das circunstâncias atenuantes, se presente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respetctivo. Por isso tem razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue – quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os casos «normais», lá estão as molduras penais normais com os seus limites mínimos e máximos” [no mesmo sentido o acórdão do STJ de 24.03.2022 - processo nº 134/21.8JELSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt].

Aqui chegados:

Invoca o arguido, na situação presente,  o decurso do tempo com a ausência de quaisquer outros comportamentos merecedores de censura penal, mantendo-se como sócio da sociedade arguida que continua a sua atividade.

Não desatendemos ao facto de terem decorrido cerca de 4 anos sobre a prática dos factos em apreço, o que constitui o decurso de muito tempo sobre a prática dos mesmos, sendo desconhecido outro comportamento merecedor de censura penal posterior, o que é indiciador de uma boa conduta por parte dos arguido.

Porém, a atenuação especial, impõe uma acentuada diminuição da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena.

Ora,  não obstante o tempo decorrido e a ausência de notícia de outras condutas criminosas dos recorrentes entendemos que não se mostra acentuadamente diminuída a ilicitude dos factos em apreço que, pelo contrário, é média, como foi salientado pelo tribunal a quo, nem se verifica – dada a factualidade provada - qualquer diminuição acentuada da culpa do arguido, ou mesmo da necessidade da pena.

Nesta última vertente estão em causa sobretudo necessidades de prevenção geral positiva ou de integração (cf. Miguez Garcia e Castela Rio, in Ob cit., pág. 394), isto é “o reforço da consciência jurídica e do seu sentimento de insegurança face à violação da norma ocorrida: em suma, na expressão de Jakobs, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma” [ Figueiredo Dias Direito Penal Português, As Consequências jurídicas do Crime, pág. 73].

Na verdade, dada a natureza do crime em apreço e a relevância dos bens jurídicos tutelados, o sentir geral da comunidade não reflete uma menor exigência quanto a esta criminalidade apenas porque o tempo foi decorrendo, mercê também das necessárias diligências de investigação e tramitação processual que situações envolvendo a morte de uma pessoa sempre acarretam.

Deste modo, cremos que este decurso de quatro anos e a conduta aparentemente normativa do arguido haverá que ser valorada, mas ainda dentro da moldura penal cominada para o  respetivo crimes, não se estando perante uma situação em que, apesar de ter decorrido algum tempo sobre a prática dos factos, exista uma acentuada diminuição da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena.

Como se saliente no Acórdão do TRE de 20.10.2020 [processo nº 241/19.7PBSTR.E1, disponível in www.dgsi.pt]:“ 1 - A atenuação especial da pena tem que ver com circunstâncias excepcionais, que funcionam como “válvula de segurança” perante a multiplicidade e a diversidade de situações que a vida real revela e a que o legislador, apesar da preocupação de abarcá-las quanto possível, não consegue dar resposta suficientemente justa mediante a previsão abstracta das medidas das penas.

2 - O seu carácter eminentemente excepcional não pode ser esquecido, sob pena das finalidades da punição se verem postergadas, pelo que não é suficiente um quadro em que as atenuantes sejam importantes, mas sim que estas sejam de molde a concluir-se que, só através da “correcção” à medida da pena, se obtém uma solução justa, sempre, contudo, sujeita à acentuada diminuição da ilicitude do facto e da culpa e das necessidades punitivas.”

Não se impõe pois, proceder a qualquer atenuação especial da pena.

No que diz respeito à medida concreta da pena  importa ter em conta o disposto no artigo 40.º, nº 1 do Código Penal do qual decorre que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, decorrendo, por sua vez, do seu n.º 2 que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Decorre do artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal que a determinação da pena concreta, dentro da moldura penal cominada nos respetivos preceitos legais, far-se-á “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” geral e especial, determinando o n.º2 do mesmo preceito legal que, para o efeito, se atenda a todas as circunstâncias que deponham contra ou a favor do agente, desde que não façam parte do tipo legal de crime (para que não se viole o princípio “ne bis in idem”, uma vez que tais circunstâncias já foram tomadas em consideração pela própria lei para a determinação da moldura penal abstrata), “considerando, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”.

Decorre, por fim, do n.º3 do citado preceito legal, que “na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”.

Anabela Miranda Rodrigues [A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, pág. 570 e 571] escreve: “Entendida  a prevenção geral  com o sentido que lhe vimos dando – isto é, a protecção de bens jurídicos alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada, postula ela, já o dissemos, a proporcionalidade entre a medida da pena e a gravidade do facto praticado.” Acrescentando  “É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica” .

Adindo relativamente à prevenção especial que: “o desvalor do facto é agora valorado à luz das necessidades individuais e concretas de socialização” E prosseguindo refere “resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas...” [Ob cit., pág. 574 e 575].

Assim sendo, atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração positiva das normas e valores) a função de fornecer uma moldura de prevenção cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos - dentro do que é considerado pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente [Cf. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime” pág. 227 e ss.].

Conclui-se, portanto, que estaremos perante uma pena justa e proporcional quando esta satisfizer as exigências de prevenção geral e especial que o caso concreto impõe e não exceder a medida da culpa do agente.

Aqui chegados:

Analisando o caso concreto, à luz dos considerandos acabados de expor, constata-se que o arguido foi condenado:

-  na pena de 3 anos de prisão pela prática de um crime de infração de regras de construção agravado pelo resultado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 277.º, n.º 1, als. a) e n.º 2 e 285.º, ambos do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão;

            …

            Concordamos com a posição expressa pelo Tribunal entendendo também que são ponderosas as necessidades de prevenção geral, dada a frequente omissão de elementares regras de segurança na execução de trabalhos na área da construção civil e similares, muitas vezes com consequências fatais, como a presente.

Concordamos que as exigências de prevenção especial são médias/baixas, atenta a ausência de antecedentes criminais do arguido bem como a plena integração social, familiar e profissional do mesmo.

O grau de ilicitude do facto e o modo de execução deste revestiram uma gravidade mediana, havendo a destacar o caráter bastante reprovável da conduta omissiva do arguido, ao não adotar as apontadas medidas de segurança, perante a forte evidência do perigo, atenta a natureza e as circunstâncias de execução dos trabalhos em causa.

Quanto à intensidade do dolo, foi direto quanto à infração das regras de segurança mas o arguido não quis, diretamente, criar perigo para a vida da vítima, apenas com ele se conformando como consequência da sua conduta omissiva.

Militam a seu favor, tal como expresso pelo tribunal a quo, as favoráveis condições pessoais e a ausência de qualquer outro comportamento merecedor de censura penal.

Em suma, atentando nas circunstâncias supra enunciadas, na moldura penal abstrata prevista para o tipo de crime em apreço e nos referidos critérios de determinação da pena concreta, entendemos ajustada e proporcional à culpa do recorrente e às necessidades de prevenção geral e especial, a pena concretamente fixada de 3 anos de prisão.

Não nos parece que o binómio culpa/exigências de prevenção (geral e especial) fosse garantido com uma pena inferior à fixada e muito concretamente com uma muito próxima ao mínimo legal, como pretendia o recorrente.

No que concerne à suspensão da execução da pena justificou o tribunal a quo a sua decisão da seguinte forma: “Perante a pena aplicada ao arguido, cumpre averiguar se deverá ser aplicada uma pena de substituição, nomeadamente, e ao abrigo do disposto no artigo 50.º do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão.

Dispõe o n.º 1 daquele normativo legal que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições de sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Resulta deste preceito que a suspensão da execução da pena de prisão, medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, é um poder-dever do julgador, ou seja, um poder vinculado, que deverá ser decretada sempre que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades e se verifiquem os apontados pressupostos (exigências de prevenção geral e especial).

A sensibilidade da comunidade numa sociedade em evolução, em que cada vez mais qualquer intromissão na esfera privada do cidadão, por mais ínfima que seja, é sentida como insuportável, satisfaz-se hoje, plenamente, em certos casos, com formas de pena que não implicam prisão em sentido clássico. O castigo e a reprovação públicas que se exprimem através das penas de substituição satisfazem, nesse sentido, as necessárias exigências de justiça que o sentimento jurídico da comunidade requer, assegurando-se, desta forma, a manutenção da fidelidade do público ao direito e a sua confiança na validade daquele.

Ora, o arguido não tem antecedentes criminais e sempre pautou a sua vida de acordo com as regras e valores socialmente aceites, encontrando-se integrado familiar, profissional e socialmente, mantendo uma vida estável e equilibrada. Por outro lado, passaram-se quase 4 anos e não há notícia de qualquer outra situação idêntica, continuando o arguido a gerir a sociedade arguida, que prossegue a mesma atividade.

Não podendo o tribunal chegar a uma medida de pena óptima, cumpre procurar uma que seja justificável, quer do ponto de vista individual (ressocialização), quer do ponto de vista da consciência jurídica da comunidade, afigurando-se pois que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realiza de forma adequada as finalidades da punição, pelo que se considera ajustada a suspensão da execução das penas de prisão aplicada.

A suspensão deverá ser pelo período máximo de 5 anos (artigo 50º, n.º5, do Código Penal), por ser o tempo que se considera necessário ao cumprimento do dever de compensar os demandantes pela morte do ofendido.

Efetivamente, afigura-se-nos ser de elementar justiça que a suspensão da execução da pena fique subordinada à obrigação de indemnizar os herdeiros do falecido, na medida daquilo que for possível, considerando a situação económica e financeira dos arguido (artigos 50.º n.º 2 e 51.º n.os 1 al. a) e 2, do Código Penal). Com a obrigatoriedade do pagamento de parte da indemnização, o arguido reparará, em certa medida, o mal do crime, sentindo o desvalor da sua conduta.”

Mais se acrescentando: “Uma vez fixado o valor da indemnização, agora se retoma o problema da condição suspensiva da pena de prisão.

Nos termos do artigo 51.º n.º 2 do Código Penal, os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.

Importa considerar, a propósito, a seguinte factualidade:

- O agregado familiar do arguido, composto por ele, pela esposa e uma filha menor, reside em casa própria, subsistindo com o rendimento líquido mensal de pelo menos € 993,21, sendo os encargos fixos (despesas domésticas e alimentação) de cerca de € 549,00;

- Tal rendimento advém da atividade da empresa A..., Lda., na qual o arguido e a esposa são sócios-gerentes.

A apurada capacidade económica do arguido não é desafogada, mas é estável e equilibrada, permitindo fazer face às despesas do agregado, sendo o negócio da sociedade arguida viável nos dias de hoje.

Assim, o tribunal entende que o arguido deverá entregar a quantia de 10.000,00 no prazo da suspensão (5 anos), o que representa pouco mais do que € 166,00 por mês – já se disse que, com a obrigatoriedade do pagamento desta indemnização, o arguido reparará, em certa medida, o mal do crime, pelo que deverá o pagamento representar um verdadeiro sacrifício, sentindo acima de tudo o desvalor da sua condutas. Deverá ser comprovado nos autos o pagamento de pelo menos € 2.000,00 por ano, tendo sempre por referência a data do trânsito em julgado do presente acórdão.”

Concordamos na íntegra com o que ali foi escrito, sendo que a ponderação do período máximo de suspensão, se mostra justificado pela necessidade de acautelar que os deveres impostos – no caso o pagamento de um parcial da indemnização fixada a favor dos demandantes – não represente uma obrigação cujo cumprimento não lhe seja possível cumprir ( art. 51º, nº 2 do Código Penal).

Sendo o dever de pagar em parte a indemnização devida aos demandantes, uma condição a que fica sujeita a suspensão da execução da pena de prisão, não pode este dever prolongar-se para além do período de suspensão fixado.

Deste modo, não merece provimento a pretensão do arguido de ver o período de suspensão reduzido para 3 anos, mantendo-se a obrigação de pagamento durante 5 anos.

Na verdade, sendo um dever a que se subordina a suspensão da execução da pena de prisão, cuja violação pode acarretar as consequências previstas no art. 55º e 56º do Código Penal, o prazo de cumprimento do mesmo, podendo ser inferior ao período de suspensão, tem sempre de ter como limite máximo aquele correspondente ao  período da suspensão de execução que for fixado.

Nesta medida, entendemos que não merece censura o acórdão recorrido devendo manter-se a pena de prisão de 3 anos suspensa na sua execução por 5 anos e subordinada ao dever de proceder ao pagamento parcial da indemnização devida aos demandantes …, comprovando nos autos o pagamento de pelo menos € 2.000,00 por ano, tendo por referência a data do trânsito em julgado do mesmo.


***
VIII.2 – Da medida da pena de multa aplicada à sociedade …, Lda.

 Questiona a arguida a pena de 400 dias que lhe foi aplicada entendendo que esta se deve situar próxima do seu limite mínimo de 160 dias.

Mais entende que a caução de boa conduta se deve situar em 5.000€ , mantida pelo período máximo de 2 anos dado que os factos já ocorreram há mais de 4 anos, sem que lhe sejam conhecidas condenações.

No tocante à pena de multa da sociedade arguida reiteram-se as considerações já expostas quanto às necessidades de prevenção geral e especial em presença bem como quanto à ilicitude  grau de culpa verificados, sendo de realçar igualmente que a sociedade não tem antecedentes criminais e não lhe é igualmente conhecido qualquer comportamento posterior merecedor de censura.

Estamos perante uma moldura penal que se situa entre 160 a 1280 dias de multa (arts. 90º - A nº 1 e 90º B, nºs 1 e 2 do Código Penal.

Considerando pois, que as exigências de prevenção geral sendo elevadas imporão, a par com a gravidade das consequências dos factos que a pena se distancie um pouco do mínimo legal, e ponderando os restantes fatores atendíveis, já acima expressos, consideramos que se mostra justa e adequada a pena de 400 dias de multa. Mantendo-se a taxa diária, que não questionada e corresponde ao mínimo legal, correspondendo a multa fixada à quantia de 40.000,00€

O tribunal a quo decidiu ao abrigo do disposto no art. 90º-D substituir a pena de multa fixada por uma caução de boa conduta que fixou em 10.000€ pelo prazo de 5 anos.

Essa caução foi fixada tendo em conta a viabilidade da empresa que poderia ser posta em causa com uma multa do valor fixado e o prazo de cinco anos foi justificado com a identidade do prazo estabelecido para a suspensão da execução da pena do arguido pessoa singular.

Refere a recorrente, sem que todavia, suporte essa sua asserção que a caução deveria ser fixada em 5.000€ de forma a garantir a viabilidade da empresa e manter-se apenas por 2 anos.

Como refere Paulo Pinto Albuquerque [Comentário do Código Penal, 5ª Edição atualizada, pág. 458] “a caução de boa conduta consiste na prestação de um valor pecuniário fixo como garantia de boa conduta da  pessoa coletiva condenada durante um certo período de tempo. O valor da caução deve ser  proporcional ao valor da pena de multa substituída. O período de vigência deve ser fixado em função das exigências preventivas do caso entre um a cinco anos.”

Ora, tendo em conta o montante da multa fixada que no caso ascende a 40.000€ cremos que a caução fixada em 10.000€ e o prazo de 5 anos traduzem não só um montante equilibrado, tendo em conta a gravidade objetiva do crime cometido e as exigências de prevenção geral e especial que dele emergem.

Improcede, pois, também neste segmento o recurso interposto.


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IX- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam as Juízas da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra em:


· Determinar a retificação dos lapsos de escrita verificados,
· Julgar improcedente  o recurso interposto pelos arguidos, mantendo-se a decisão do Tribunal a quo.

Custas pelos recorrentes, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça[artigos 513º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III].

Texto processado e revisto pela primeira subscritora, sendo ainda revisto pela segunda e pela terceira signatárias (art. 94º, nº 2 do CPP)


Coimbra, 5 de novembro de 2025

Sandra Ferreira

Sara Reis Marques

Maria Alexandra Guiné