DEDUÇÃO DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO
OMISSÃO DA NOTIFICAÇÃO DA ACUSAÇÃO OU DO DESPACHO INSTRUTÓRIO AO LESADO
NOTIFICAÇÃO DO INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL E DO CHUC PARA DEDUÇÃO DO PAGAMENTO DAS DESPESAS
Sumário

I - O despacho de acusação ou o despacho de pronúncia é oficiosamente notificado à Segurança Social e aos serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde para deduzirem o pedido de reembolso dos valores que tenha pago ao ofendido decorrentes de ilícitos penais que tenham determinado incapacidade para o exercício da actividade profissional ou morte, a primeira, e para dedução de pedido de pagamento das despesas suportadas por facto que tenha dado origem à prestação de cuidados de saúde, os segundos.
II - A alínea i) do n.º 1 do artigo 72.º do C.P.P. não aponta uma meta processual para a prestação da informação ao lesado da possibilidade de deduzir o pedido civil no processo penal.
III - A circunstância de a notificação para dedução do pedido de pagamento de despesas não ter sido feita no momento próprio não extingue o direito de dedução do pedido de indemnização civil no processo penal, devendo proceder-se à mesma antes da realização do julgamento, logo que a falta seja detectada.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

           A – Relatório

1. Pela Comarca de Coimbra (Juízo Central Criminal de Coimbra - Juiz 1), a 28.4.2025, foi proferido despacho a ordenar:

- a notificação da Segurança Social da possibilidade de deduzir o pedido de reembolso dos valores que tenha pago ao ofendido;

- a notificação do CHUC, para os efeitos do disposto no artigo 6º, do Decreto-Lei nº 218/99, de 15 de Junho e

- a dar sem efeito as datas designadas para a realização do julgamento.

 

2. Inconformado com tal despacho, veio o arguido interpor recurso do mesmo, terminando a motivação com as seguintes conclusões:

II. O arguido, ora Recorrente, discorda da decisão plasmada no despacho atrás referido, porque, a nosso ver, a mesma viola as normas dos artigos 77.º, n.º s 2 e 3 do CPP, artigo 2.º do DL 59/89 artigo 6.º do DL 218/99, bem como os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

III. Desta forma, o presente recurso incide sobre a decisão proferida no despacho recorrido e versa sobre a matéria de Direito.

IV. No despacho recorrido foi proferida a decisão a ordenar a notificação da Segurança Social e CHUC para efeitos, respetivamente, de pedido de reembolso de valores que tenha sido pago ao ofendido e pedido de pagamento das despesas de prestação de cuidados de saúde, tendo sido, em consequência disso, adiado o realização do julgamento agendado para o dia 30/04/2025. No referido despacho foi mencionado que em sede de acusação não foi mencionado o número de beneficiário da Segurança Social.

VIII. Por outro lado, a notificação da Segurança Social e CHUC (serviço integrado no CHUC) é manifestamente extemporânea.

IX. Porquanto, o momento e prazo de apresentação do pedido de indemnização está previsto no artigo 77.º do CPP. Sendo que, o n.º 3 do referido preceito legal estipula o seguinte:« o lesado pode deduzir o pedido até 20 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação ou, se o não houver, o despacho de pronúncia».

X. Desta forma, a norma atrás referida estabeleceu prazo limite para apresentação do pedido de indemnização civil, afim de evitar que a ausência de notificação constitua um óbice ao andamento do processo penal.

XII. Para além disso, o despacho recorrido viola princípio da proporcionalidade e razoabilidade, estruturantes no ordenamento jurídico português e com especial relevância no direito processual penal, dado que, para além de ilegal, é manifestamente desrazoável adiar o julgamento do arguido para suprir uma falha do Tribunal que constitui uma mera irregularidade – que não é de conhecimento oficioso – e da qual não resultava qualquer impedimento das entidades notificadas de intentarem ação civil.

3. O Ministério Público respondeu ao recurso …

4. O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer …

5. Foi dado cumprimento do disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, tendo o arguido respondido ao douto parecer, dando como reproduzido o alegado na peça recursória.

6. Respeitando as formalidades aplicáveis, após o exame preliminar e depois de colhidos os vistos, o processo foi à conferência, face ao disposto no artigo 419º, nº 3, alínea b), do Código de Processo Penal.

7. Dos trabalhos desta resultou a presente apreciação e decisão.

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       B - Fundamentação

 

2. No caso dos autos, face às conclusões da motivação apresentadas pelo arguido, a questão a decidir é a seguinte:

- se o tribunal a quo não poderia determinar a notificação do Instituto da Segurança Social e do CHUC para, querendo, formularem pedido de indeminização civil e, consequentemente, adiar a audiência de discussão e julgamento.

3. Para decidir da questão supra enunciada, vejamos o despacho recorrido que apresenta o seguinte teor:

“Em sede de acusação o MP não fez constar a indicação do número de beneficiário da Segurança Social do falecido … como impõe o disposto no art. 2º, nº. 1 do DL nº. 59/89 de 22 de Fevereiro.

Não obstante tal número consta do presente inquérito, razão pela qual se determina em conformidade com o disposto no artigo 2.º, nº. 3 do Decreto-Lei n.º 59/89, de 22 de fevereiro, que se notifique a instituição de segurança social que abranja o beneficiário da possibilidade de deduzir o pedido de reembolso dos valores que tenha pago ao ofendido, quanto ao número de beneficiário da Segurança Social consignado na promoção que antecede.

Para os efeitos do disposto no art. 2º, nºs 1 e 3, do D.L. nº 59/89, de 22 de Fevereiro, consigna-se que a vítima … era beneficiário da Segurança Social Portuguesa e titular do nº ...23 – cfr. fls. 95/129.

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Mais se determina que se notifique o CHUC, para os efeitos do disposto no art. 6º, do D.L nº 218/99, de 15 de Junho.

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Uma vez que se impõe a realização das notificações a que se fez alusão no presente despacho e ainda a necessidade de realizar eventualmente a posterior notificação aos demandados dos pedidos que venham a ser deduzidos, para exercício do direito ao contraditório, verifica-se que não será possível dar inicio à realização do julgamento no próximo dia 30.04.2025.

Assim ficam sem efeito as datas designadas para a realização do julgamento.

Notifique pela via mais expedita.

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Após o decurso do prazo alusivo às notificações ora determinadas abras conclusão nos autos”.

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  4. Cumpre agora apreciar e decidir.

Como se disse, a questão a apreciar é a de saber se o tribunal a quo não poderia determinar a notificação do Instituto da Segurança Social e do CHUC para, querendo, formularem pedido de indeminização civil e, consequentemente, adiar a audiência de discussão e julgamento.

Alega o recorrente que mal andou o Tribunal a quo a adiar a realização do julgamento, a dois dias de realização do mesmo.

A notificação da Segurança Social e CHUC (serviço integrado no CHUC) é manifestamente extemporânea.

Porquanto, o momento e prazo de apresentação do pedido de indemnização está previsto no artigo 77.º do CPP. Sendo que, o n.º 3 do referido preceito legal estipula o seguinte: «o lesado pode deduzir o pedido até 20 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação ou, se o não houver, o despacho de pronúncia».

Ademais, a notificação do Instituto da Segurança Social e do CHUC constitui também um ato desproporcional que onera o arguido de forma desrazoável, desde logo porque não lhe pode ser imputado um ónus que decorre de uma falta desse Tribunal.

Razão pela qual os efeitos da decisão do Tribunal devem ser analisados à luz do princípio da proporcionalidade e razoabilidade, estruturantes no ordenamento jurídico português e com especial relevância no direito processual penal.

Vejamos a seguinte tramitação processual:

O despacho recorrido foi proferido a 28.4.2025.

Foi notificado ao ilustre mandatário do arguido … a 29.4.2025 (a notificação presumia-se feita no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja – art.º 113º do C. P. Penal).

Assim, considerou-se notificado a 2.5.2025.

A 5.5.2025, o arguido, tempestivamente, vem arguir a irregularidade do despacho recorrido.

A 2.6.2025, o arguido interpõe o presente recurso (do despacho de 28.4.2025).

A 24.6.2025, o tribunal despacha no sentido de indeferir a invocada irregularidade.

Assim, o arguido recorre do despacho de 28.4.2025 e não do despacho que conheceu da invocada irregularidade.

Isto é, o arguido recorre directamente do despacho de 28.4.2025, invocando a sua irregularidade, para que o tribunal de recurso a conheça, independentemente da sua arguição na 1ª instância.

É certo que, nos termos do artigo 410º, nº3, do Código de Processo Penal, “o recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada”.

Apesar da letra da lei se referir apenas a nulidade, a verdade é que tanto a doutrina como a jurisprudência entendem que também esse regime se estende às irregularidades.

De qualquer forma, no caso concreto, sob pena de serem proferidas decisões contraditórias, uma vez que o arguido invocou a irregularidade do despacho recorrido junto da 1ª instância, deveria ter aguardado a decisão sobre a invocada irregularidade e, querendo, recorrer desta decisão.

O que não fez.

Continuando.

Com a epígrafe Pedido de reembolso de prestações em acção penal, estipula o artigo 2º do Decreto-Lei nº 59/89, de 22.2. que:

1 - Em todas as acções penais por actos que tenham determinado incapacidade para o exercício da actividade profissional, ou morte, o Ministério Público, quando deduza acusação ou se pronuncie sobre a acusação particular, deve indicar a qualidade de beneficiário da Segurança Social do ofendido e identificar a instituição ou instituições que o abranjam, elementos que são apurados no inquérito preliminar ou na instrução.

2 - As instituições de segurança social, nos casos abrangidos por este diploma, são tidas como lesadas nos termos e para os efeitos do artigo 74.º do Código do Processo Penal.

3 - Recebida a acusação, a autoridade judiciária deve informar a instituição de segurança social que abranja o beneficiário da possibilidade de deduzir o pedido de reembolso dos valores que tenha pago ao ofendido, em consequência dos eventos referidos no n.º 1 e das formalidades a observar.

Por sua vez, nos termos do artigo 6º do Decreto-Lei nº 218/99 de 15.6, as instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde podem constituir-se partes civis em processo penal relativo a facto que tenha dado origem à prestação de cuidados de saúde, para dedução de pedido de pagamento das respectivas despesas (nº 1).

Para os efeitos previstos no número anterior, o despacho de acusação ou, não o havendo, o despacho de pronúncia é oficiosamente notificado às instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, para, querendo, deduzirem o pedido, em requerimento articulado, no prazo de 20 dias (nº 2).

Ora, no caso concreto, aquando da prolação da acusação não foi cumprido o disposto nos artigos 1º do Decreto-Lei nº 59/89, de 22.2., e 6º do Decreto-Lei nº 218/99, de 15.6.

Aquando do recebimento da acusação também nada foi dito nesse particular.

Os autos prosseguiram os seus trâmites até que, entretanto, o tribunal a quo deu conta dos referidos incumprimentos e proferiu o despacho recorrido, numa altura em que ainda não se tinha iniciado a audiência de discussão e julgamento.

Nesta altura o tribunal apenas deu cumprimento às referidas disposições legais – relembra-se que estava obrigado a informar a instituição de segurança social que abranja o beneficiário da possibilidade de deduzir o pedido de reembolso dos valores que tenha pago ao ofendido.

Também as instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, deveriam ser notificados para, querendo, deduzirem o pedido de pagamento das respectivas despesas.

É certo que não o fez aquando do recebimento da acusação, como deveria ter feito, mas não estava impedido de o fazer em momento posterior, antes do início da audiência de discussão e julgamento.

Ao contrário do que defende o recorrente, no caso concreto não se aplica o disposto no artigo 77º do Código de Processo Penal, o que facilmente se compreende pelo teor das disposições especiais dos Decretos-leis supra referidos.

Acresce que, quando no artigo 2º, nº 2, do Decreto-Lei nº 59/89, de 22.2 se refere que as instituições de segurança social, nos casos abrangidos por este diploma, são tidas como lesadas nos termos e para os efeitos do artigo 74.º do Código do Processo Penal, significa tão só que:

1 - O pedido de indemnização civil é deduzido pelo lesado, entendendo-se como tal a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído ou não possa constituir-se assistente.

2 - A intervenção processual do lesado restringe-se à sustentação e à prova do pedido de indemnização civil, competindo-lhe, correspondentemente, os direitos que a lei confere aos assistentes.

3 - Os demandados e os intervenientes têm posição processual idêntica à do arguido quanto à sustentação e à prova das questões civis julgadas no processo, sendo independente cada uma das defesas.

Isto é, o artigo 74º nada refere quanto a prazos para dedução do pedido de indemnização civil.

Por sua vez, nos termos do artigo 72º, nº 1, alínea i), do Código de Processo Penal, o pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, quando o lesado não tiver sido informado da possibilidade de deduzir o pedido civil no processo penal.

Não aponta a norma uma meta processual para a prestação de tal informação.

Ora, apesar do momento certo para a notificação ser o do recebimento da acusação, nada impede que a mesma venha a ser efectuada em momento posterior, como o foi, antes da audiência de discussão e julgamento.

O facto da notificação não ter sido efectuada aquando do recebimento da acusação, não extingue o direito da dedução do pedido de indemnização civil no processo penal, nem prejudica o direito da defesa ao respectivo contraditório.

É certo que poderá atrasar por alguns dias o início do julgamento, mas tal atraso não se revela intolerável nem prejudicial para os vários intervenientes processuais, mormente se pensarmos em todos os benefícios do princípio da adesão, plasmado no artigo 71º do Código de Processo Penal, sendo um deles precisamente a maior celeridade e eficácia na resolução dos litígios, bem como evitar a duplicação de processos.

Aliás, tanto assim é que o pedido de indemnização do Centro Nacional de Pensões/Instituto da Segurança Social, I.P. deu logo entrada a 20.5.2025.

Pelo exposto, nenhuma censura merece o despacho recorrido.

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Improcedendo, assim, a questão suscitada pelo recorrente, deve ser negado provimento ao recurso.

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                    C – Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência, decidem manter o despacho recorrido.

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Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça devida – artigos 513º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

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               Notifique.

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          Coimbra, 5 de Novembro de 2025.

(Elaborado pela relatora, revisto e assinado electronicamente por ambas as signatárias – artigo 94º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal).

           Rosa Pinto – Relatora

           Ana Paula Grandvaux – 1ª Adjunta

           Maria José Guerra – 2ª Adjunta