I - O interesse em agir da assistente para recorrer consiste na necessidade de usar este meio para reagir contra uma decisão que comporte uma desvantagem para os interesses que defende, ou que frustre uma sua expectativa ou interesse legítimos, daqui resultando que só pode recorrer de uma decisão que determine uma desvantagem.
II - A definição do concreto interesse em agir supõe que se identifique qual o interesse que a assistente pretende realizar especificamente em cada fase do processo.
III - O estatuto de assistente não confere à vítima de crime de violência doméstica que não deduziu pedido de indemnização civil legitimidade nem interesse em agir para recorrer do segmento da sentença relativo ao montante da indemnização que lhe foi arbitrada oficiosamente, porque a sua pretensão não está abrangida pela alínea b) do n.º 1 do artigo 401.º do C.P.P.
IV - Também não tem legitimidade para recorrer enquanto parte civil porque não deduziu pedido de indemnização civil, como resulta da alínea c) do n.º 1 do artigo 401.º, a contrario.
V - E também não o pode fazer na qualidade de vítima, para «defender um direito afectado pela decisão», nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 401.º, porque o direito que se poderia equacionar ter que ser defendido com o recurso era o de obter a reparação dos prejuízos sofridos enquanto vítima do crime de violência doméstica, mas tal direito foi-lhe reconhecido com o arbitramento de uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos.
Acordam em conferência os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. No Processo Comum Singular Nº 398//24.5PBVIS.C1, …, foi sujeito a julgamento o arguido … com base nos factos e na incriminação descritos na acusação contra o mesmo deduzida pelo Ministério Público, na qual se lhe imputa a prática de um crime de violência doméstica.
“I - Condenar o arguido … pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. no artigo 152º nº 1 al. b), nº 2 al. a) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão.
II - Suspender na sua execução, por igual período de tempo, a pena de 3 (três) anos de prisão aplicada ao arguido, com sujeição a regime de prova, mediante plano a elaborar pela DGRSP, contemplando a sujeição a uma avaliação médica e psicológica do défice de controlo da impulsividade e da agressividade, com eventual tratamento e consolidação de estratégias de gestão das emoções no âmbito das relações amorosas, para além da proibição de o arguido contactar a assistente, por qualquer meio, excepto o estritamente necessário à resolução das questões relacionadas com o exercício das responsabilidades parentais relativamente ao filho menor do casal.
III - Arbitrar a título de indemnização pelos prejuízos sofridos à assistente …, a pagar pelo arguido àquela, nos termos do artigo 82.º-A do C.P.P e do artigo 21.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 112/2009, de 16.09, a quantia de 5.000,00€ acrescida de juros de mora contados da data de trânsito em julgado da presente sentença, até integral pagamento, às taxas legais então em vigor.
(…)”.
“1. O presente recurso versa, primordialmente, sobre erro de direito na fixação do montante indemnizatório previsto no art.º 82.º-A do Código de Processo Penal, sem prejuízo de, a título subsidiário, se impugnar igualmente a matéria de facto, na medida em que a factualidade relevante para o cálculo da indemnização não foi considerada ou transcrita na sentença recorrida.
2. O tribunal, ao fixar a indemnização devida à assistente, está vinculado ao dever de ponderar todos os elementos constantes dos autos, em particular os documentos regularmente juntos, admitidos e não impugnados, quedemonstremdeforma credível a existência dedanopatrimonial, aindaquetal danonãoconste formalmente da matéria de facto provada.
3. Com efeito,os documentos juntoscom o requerimento com a ref.ª 7256218, designadamente faturas e comprovativos de pagamento de despesas médicas, demonstram de forma clara que a assistente despendeu,comotratamento daslesõesprovocadaspelocrime,aquantiade4.438,53€,etais elementos foram admitidos em audiência de julgamento sem qualquer incidente, impugnação ou exclusão.
4. A sentença deu como provado, no ponto 28 da matéria de facto, que a assistente sofreu fratura dosossos próprios do nariz,foi submetida arinoseptoplastia eteve trinta diasde afetaçãoda capacidade funcional, demonstrando-se assim, de forma inequívoca, o nexo de causalidade entre o crime e a necessidade de tratamento médico especializado.
5. Nãoobstantetalprovadocumental efactual,aindemnizaçãofixadapelotribunalfoideapenas 5.000,00€, valor manifestamente desajustado face ao prejuízo diretamente comprovado e desproporcionado perante a exigência legal e jurisprudencial de que a indemnização arbitrada ao abrigo do art.º 82.º-A reflita um juízo de justiça material e não meramente simbólico.
6. Ainda que o Tribunal da Relação entenda que o valor das despesas médicas apenas pode ser considerado se constar expressamente da matéria de facto, impõe-se, então, a ampliação dessa matéria, com o aditamento do seguinte ponto, dando-o como provado:
28-A: A assistente foi assistida na unidade CUF de ... e, com o tratamento das lesões resultantes da agressão, despendeu o montante global de € 4.438,53.
7. Tal aditamentoé admissível e necessário,e obrigatório porquanto as faturas juntas aos autos admitidas em audiência de julgamento demonstram que se trata de factualidade acessória, documentalmente provada, sem impacto na qualificação jurídica ou na determinação da pena, razão pela qual não configura uma alteração substancial, mas apenas um complemento factual relevante para a correta quantificação da indemnização civil.
8. Caso seentenda que tal aditamento não podeser feito diretamentepelo Tribunal da Relação, impõe-se, então,a baixados autosao tribunal aquo, aoabrigo dodispostono art.º358.º doCódigo deProcesso Penal, para que aí se proceda à comunicação da alteração não substancial dos factos às partes, com consequente abertura de contraditório.
9. Em qualquer dos cenários — quer se reconheça a suficiência da prova documental já existente, quer se adite o facto ou se proceda à baixa dos autos — é imperioso corrigir o valor da indemnização atribuída, que nunca poderáser inferior,por razõesde justiça eproporcionalidade, no mínimo, 9.438,53€, sendo esse valor o mínimo aceitável perante os elementos constantes dos autos.
…
A) Delimitação do objeto do recurso
…
Assim sendo, estando a apreciação do recurso balizada pelas conclusões apresentadas pela recorrente, em relação às quais se releva ter sido reduzido o esforço de síntese imposto pelo art. 412º, nº1 do CPP, as questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
- Se a sentença recorrida padece de erro de direito na fixação do montante indemnizatório arbitrado à vítima, por neste se não ter atendido aos danos de natureza patrimonial sofridos pela mesma em consequência do crime de violência doméstica cometido pelo arguido;
Subsidiariamente
- Se devem ser aditados em recurso os factos com pertinência para a fixação do montante de tais danos de natureza patrimonial, ou, se tal aditamento não for viável, se devem os autos baixar à 1ª instância para que aí se proceda à comunicação de tais factos, nos termos do art.º 358.º do CPP, com vista à adequada fixação do quantum indemnizatório referente a esses danos.
Para a apreciação do presente recurso, importa ter presente o teor da decisão recorrida na parte relevante para apreciação das questões suscitadas no mesmo, a qual, para o efeito, se transcreve:
“II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURIDICA:
A) DOS FACTOS
Factos Provados
Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:
1 - O arguido e a … iniciaram uma relação de namoro em Novembro de 2016, e em Agosto de 2017 foram viver juntos, como marido e mulher, em casa dos avós do arguido sita em ....
2 - Desse relacionamento veio a nascer em 2/6/2018 o filho ….
3 - Viveram em ... até Agosto de 2022, tendo ocorrido várias separações, uma das quais em Março de 2022.
4 - O arguido sempre foi muito ciumento, possessivo e controlador para com a companheira.
5 - Em data não concretamente apurada, mas quando ainda viviam em ..., e o filho tinha poucos meses de idade, no decorrer de uma discussão, o arguido desferiu várias bofetadas na cara da sua companheira.
6 – A ofendida … sentiu-se humilhada e ofendida, tendo sofrido dores. Não recebeu assistência.
7 - A partir de meados de 2019 começou a haver muitas discussões entre o arguido e a companheira, principalmente motivadas pelo facto de ele passar pouco tempo com a família.
8 - Nessa altura o arguido era militar em ... e apenas vinha a casa aos fins de semana e, nesse período, ainda passava grande tempo com os amigos, o que … não gostava, gerando-se discussões entre eles.
9- Em data não concretamente apurada, depois do nascimento do filho de ambos e anterior a agosto de 2022, a … decidiu sair com as amigas e o arguido reagiu mal, tendo discutido com a mesma.
10 - E no seguimento da discussão o arguido a agarrou a companheira pelos cabelos e arrastou-a pelo chão, desde o quarto do filho até ao corredor, onde depois lhe apertou o pescoço com as duas mãos e chamou-a de “vadia” e “filha da puta”.
11 - Em consequência da agressão, … sofreu dores, mas não recebeu assistência.
12 - Já anteriormente tinha havido várias situações em que houve discussões entre o casal e no decorrer das mesmas o arguido chamou a companheira de “vadia” e “filha da puta”, chegando a desferir-lhe empurrões, mas ela sempre " desvalorizou" por entender que o companheiro não lhe iria bater mais.
13 - No decorrer de uma dessas discussões o arguido chegou a partir o aquecedor, alegando que ela gastava muita luz.
14 – O arguido também insinuou, por diversas vezes, enquanto viveram em ..., que a sua companheira saia com solteiras para se relacionar com outros homens.
14 – Em data não concretamente apurada, mas seguramente entre meados de 2019 e agosto de 2022, no decurso de uma discussão ocorrida na sala da residência, o arguido atirou a assistente ao chão, pegou numa faca e exibiu-lhe a mesma, ao mesmo tempo que lhe disse “eu mato-te”.
14 - No verão de 2022, o arguido veio trabalhar para os Bombeiros …, e a … veio em Setembro, tendo retomado o relacionamento, passando todos a viver em ..., …
15 - Quando já viviam em ... continuou a haver discussões entre o casal, muitas delas motivadas por ciúmes por parte do arguido, porque ele desconfiava da companheira e estava sempre com atenção às mensagens que a mesma recebia e com quem falava, e quando ela saía o arguido queria sempre saber para onde ia e com quem tinha estado.
16 - No decorrer das discussões o arguido por diversas vezes chamou a companheira de “puta”, “filha da puta”, “vadia”, “vagabunda”, o que ocorria normalmente no interior da residência do casal.
17 – No dia 16 de outubro de 2022, dia do aniversário de …, quando se encontravam em casa da mãe do arguido, … ele começou a discutir com a companheira porque queria saber quanto dinheiro ela tinha recebido no aniversário, e no decorrer dessa discussão o arguido empurrou violentamente …, fazendo-a cair e deslizar até embater contra um bar em madeira existente na cave da dita habitação.
18 - … sofreu muitas dores no cóccix, mas não recebeu assistência.
19 – No dia 7 de janeiro de 2023, quando o casal e o filho se encontravam dentro do carro a deslocar-se para a ..., estando a ofendida a conduzir, os mesmos começaram a discutir e, a determinada altura, o arguido agarrou-lhe no dedo indicador da mão direita e puxou-lhe o mesmo para trás, com força, tendo a ofendida sofrido dores.
20 – No em data não concretamente apurada, mas no final de maio de 2023, no interior da residência do casal e à frente do filho, houve mais uma discussão por motivos não concretamente apurados, tendo o arguido agarrado, com força, a sua companheira no pescoço e retirado a mesma da casa de banho e de seguida encostou a sua testa à testa de …, desferiu-lhe uma cabeçada, agarrou-lhe e puxou-lhe os cabelos e desferiu várias vezes com a cabeça de … no armário do corredor de entrada, onde esta embateu com a zona da nuca e lateral da cabeça, tendo a ofendida ainda tropeçado nas escadas aí existentes e embatido com as costas e a cabeça no referido armário.
21 - Em consequência desta agressão, a … sofreu dores, tendo recebido assistência no hospital … no dia 10 de junho de 2023.
22 – No dia 17 de outubro de 2023, quando o arguido e a companheira estavam na ..., em casa da mãe de …, na varanda, ocorreu mais uma discussão por causa de ciúmes, tendo a determinada altura o arguido se abeirado dela e com uma das mãos agarrou-lhe no nariz e torceu-o.
23 - Em consequência da agressão a … sofreu dores e ficou a sangrar do nariz, mas não recebeu assistência.
24 – Em data não concretamente apurada do ano de 2023, o arguido e a sua companheira estavam a discutir na sala da residência do casal, na presença do filho de ambos, tendo o arguido atirado a companheira para o chão e tentou desferir-lhe um murro, o que não aconteceu porque o filho começou a chorar.
25 - No dia 16 de Abril de 2024, no final da tarde, houve mais uma discussão no interior da residência do casal, por motivos relacionados com a matrícula do filho, no decurso da qual o arguido acusou a companheira de não fazer nada e não tratar de nada, e continuou depois por causa da refeição.
26 - A discussão ocorreu na presença do menor, o qual chegou a dizer ao pai “tu não bates na mãe".
27 - A certa altura, e para tentar por cobro à discussão, a … levantou-se e foi para a casa de banho, tendo o arguido ido atrás dela, dizendo “que lhe devia respeito, que tinha de o respeitar” e de seguida desferiu-lhe várias chapadas na cabeça e na cara, tendo o arguido parado quando viu que a ofendida estava a sangrar no nariz.
28 - Em consequência desta agressão … sofreu fractura dos ossos próprios do nariz à direita com associado espessamento contusional dos tecidos moles epinasais e desvio do septo nasal, o que levou a que fosse submetida a rinoseptoplastia, em 19 de abril de 2024, e lhe determinou trinta (30) dias de doença, com afectação da capacidade para o trabalho.
29 - No seguimento dos factos, e depois de sair do hospital, a … foi com o filho viver para casa da mãe, sita na ....
30 - Ao actuar como se descreve, o arguido violou os seus deveres de respeito para com a AA, sua companheira, infligindo-lhe dessa forma maus tratos físicos/psicológicos/psíquicos contínuos.
31 - Ao proceder da forma descrita, no interior da residência do casal e também na presença do filho, o arguido agiu sempre e de forma reiterada com o propósito de maltratar física e psicologicamente a companheira, bem sabendo que a sua conduta era apta a causar-lhe dor, sofrimento, angústia e constante sobressalto, e bem assim de a ofender na sua honra e consideração, o que logrou alcançar.
32 - O arguido agiu ainda reiteradamente com o objectivo conseguido de controlar e humilhar a vítima, ofendendo-a e molestando-a fisicamente e verbalmente.
33 - O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei como crime.
Mais se provou:
…
Factos não provados:
…
Motivação
…
Nos termos do artigo 21.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 112/2009, de 16.09, à vítima é sempre reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma indemnização e tem sempre aplicação o disposto no art.º 82.º-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos a que a vítima expressamente se opuser.
Dispõe o artigo 82.º-A, n.º 1 do C.P. Penal, que “não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham”.
No caso em apreço, os requisitos formais mostram-se preenchidos – não foi deduzido pedido de indemnização civil, verifica-se a condenação do arguido e a ofendida não se opôs expressamente à indemnização, embora não a tenha peticionado.
Ora, estabelece o artigo 129.º do CPP que «a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil», sendo, dessa forma, atribuída tendo por base critérios de natureza exclusivamente civil.
Importa, assim, atentar no artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil o qual prevê que «aquele que violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».
…
Assim sendo, atendendo à natureza do dano moral sofrido pela assistente, atingida no seu bem-estar físico e psíquico por uma conduta reiterada e intensa – contemplando injúrias, ameaças e agressões físicas – num lapso de tempo considerável, o ponderoso grau de culpa do lesante (no decurso de uma comunhão de vida que durou quase 7 anos, ainda que com separações, sendo a assistente mãe do seu filho), bem como à situação económica do arguido (supra vertida), considero ajustado fixar a quantia a arbitrar à vítima a título de reparação pelos prejuízos sofridos no montante de 5.000,00€.
No que respeita a juros moratórios, considerando, por um lado, que no caso em apreço estamos no domínio de responsabilidade extracontratual por factos ilícitos e, por outro, que a indemnização em causa não foi fixada na sequência de pedido cível deduzido pela vitima, mas antes nos termos previstos no citado artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, apenas serão devidos juros de mora contados da data de trânsito em julgado da presente sentença e vincendos, até integral pagamento, às taxas legais desde então em vigor (cfr. artigos 559.º, 804.º, 805.º, 806.º todos do Código Civil e Portarias em vigor nas respectivas datas no que contende com a taxa de juro aplicável).”
A pretensão recursiva da assistente … concita, a título prévio, que sobre ela se diga que o seguinte:
Ao pôr em causa, através da mesma, a sentença recorrida a assistente circunscreve a sua dissensão em relação a esta à parte da indemnização civil nela apreciada – conhecida e arbitrada ao abrigo das disposições conjugadas previstas no art. 21.ºda Lei n.º 112/2009, de 16.09, e no art. 82.º-A do CPP – não questionando a assistente, por qualquer forma, o que nela se decidiu a respeito da responsabilidade criminal do arguido pelo cometimento do crime de violência doméstica pelo qual este nela veio a ser condenado.
Feita esta nota introdutória, importa, ainda, salientar que:
- Nos presentes autos o arguido vinha acusado da prática de um crime de violência doméstica, perpetrado na pessoa da vítima …, acabando por vir a ser condenado na sentença ora recorrida pela prática do mesmo na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período de tempo, com sujeição a regime de prova, mediante plano a elaborar pela DGRSP, contemplando a sujeição a uma avaliação médica e psicológica do défice de controlo da impulsividade e da agressividade, com eventual tratamento e consolidação de estratégias de gestão das emoções no âmbito das relações amorosas, para além da proibição de o arguido contactar a assistente, por qualquer meio, exceto o estritamente necessário à resolução das questões relacionadas com o exercício das responsabilidades parentais relativamente ao filho menor do casal;
- Na qualidade de denunciante, …:
a) apresentou queixa nos presentes autos e manifestou desejar procedimento criminal contra o arguido;
b) constituiu advogado nos autos, juntando a respetiva procuração quando foi inquirida em sede de inquérito por Magistrada do Ministério Público em 11.06.2024;
c) a acusação foi deduzida pelo Ministério Público por despacho de 7.11.2024, na qual o Ministério Público não formulou a pretensão de arbitramento de indemnização a favor da vítima nos termos dos art. 82-A do CPP e do nº2 do art. 21º da Lei 112/2009, de 16.09;
d) a acusação foi notificada à denunciante em 12.11.2024 (por via postal simples, cuja prova de depósito se mostra assinada com a data de 14.11.2024) para, entre o mais, deduzir, querendo, pedido de indemnização civil, notificação que, igualmente, foi feita ao ilustre mandatário por ela constituído nos autos;
e) na sequência de tais notificações, não foi deduzido pedido de indemnização civil;
f) a denunciante requereu a sua constituição como assistente em 27.06.2024, vindo a ser admitida a intervir nos autos nessa qualidade por despacho proferido na audiência de julgamento, na sessão da mesma que teve lugar no dia 18 de março de 2025;
g) quando prestou declarações na audiência de julgamento … a assistente declarou que “não se opõe ao arbitramento oficioso de indemnização”.
h) no decurso da fase da audiência de julgamento, o ilustre mandatário da assistente, através de requerimento apresentado em 26.05.2025 [Refª 7256218], requereu a junção aos autos de um documento clínico emitido em 22.05.2025 e de faturas a ele anexas, alegando fazê-lo “para ponderação de vossa excelência quanto à indemnização prevista no art. 82-A do CPP”, mais requerendo “a notificação do arguido de tal junção para o exercício do contraditório previsto naquela disposição legal”;
i) na sessão da audiência que teve lugar no dia 28.05.2025 … após cumprido o contraditório em relação a tal requerimento, foi decidida a admissão aos autos dos referidos documentos juntos pela assistente, sustentada no disposto no art. 340º, nº1 do CPP.
- Na sentença recorrida, no segmento da mesma atinente ao arbitramento à vítima de indemnização com base nas disposições conjugadas previstas no art. 21.ºda Lei n.º 112/2009, de 16.09, e no art. 82.º-A do CPP, foi decidido o quantum dessa indemnização - € 5.000,00 - a título de danos não patrimoniais.
Isto porque.
Não tendo a ora recorrente, constituída assistente nos autos, deduzido pedido de indemnização civil no processo, a dissensão da mesma radica, apenas, no montante indemnizatório que lhe foi oficiosamente arbitrado na sentença recorrida ao abrigo das disposições legais conjugadas dos arts. 21.ºda Lei n.º 112/2009, de 16.09, e 82.º-A do CPP, em virtude da condenação do arguido pela prática de crime de violência doméstica, uma vez que não põe, minimamente, em causa, a decisão sufragada na sentença recorrido quanto à vertente punitiva nela decidida, pois, não impugna a decisão sobre a matéria de facto que sustenta a condenação imposta ao arguido nessa vertente, não questiona o seu enquadramento jurídico-penal e aceita a medida da pena aplicada ao arguido e a suspensão da execução desta nos moldes decididos - que, nem sequer, passam pela sujeição de tal suspensão ao pagamento da quantia indemnizatória que, a título de danos não patrimoniais, lhe foi arbitrada oficiosamente na qualidade de vítima do crime de violência doméstica cometido pelo arguido.
Vejamos, então.
A Lei n.° 112/2009, de 16/9, que instituiu o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das vítimas destes crimes, estabelece no seu art. 21° o direito da vítima à indemnização, que:
«1 - A vítima é reconhecida, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável.
2 - Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82. °- A do Código de Processo Penal, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser....».
Por seu turno dispõe, o citado art. 82°-A do C.P.P., que versa sobre a reparação da vítima em casos especiais:
«1 - Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72° e 77°, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de proteção da vítima o imponham.
2 - No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.
3 - A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em ação que venha a conhecer de pedido civil de indemnização».
Centrando-se, como se centra, a pretensão recursiva da assistente no erro de direito da sentença recorrida por nesta não terem sido atendidos os danos de natureza patrimonial e a respetiva quantificação, que, na sua ótica, se apuraram da discussão da causa, os quais, por isso, deveriam ter sido levados em conta no montante indemnizatório que lhe foi arbitrado, ao abrigo das citadas disposições legais – no qual apenas foram considerados danos de natureza não patrimonial – cumpre, desde logo, deslindar se a mesma reúne os não as condições necessárias para recorrer.
Para tanto, cumpre, então, trazer à colação o disposto no art. 401º do CPP, com a epígrafe “Legitimidade e interesse em agir”, segundo o qual:
“1 - Têm legitimidade para recorrer:
a) O Ministério Público, de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido;
b) O arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas;
c) As partes civis, da parte das decisões contra cada uma proferidas;
d) Aqueles que tiverem sido condenados ao pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código, ou tiverem a defender um direito afetado pela decisão.
2 - Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.”
A respeito da legitimidade e interesse em agir, preconiza Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, pag. 172, que a legitimidade e o interesse em agir são pressupostos processuais autónomos.
Segundo o mesmo autor, «Uma coisa é, de facto, a titularidade da relação material litigada, base da legitimidade das partes; outra substancialmente distinta, a necessidade de lançar mão da demanda, em que consiste o interesse em agir».
Atendo-nos à pretensão recursiva deduzida pela assistente, cremos, não ter a mesma legitimidade nem interesse em agir para lançar mão do recurso da sentença.
Isto porque.
Tal pretensão não se prende com o que foi decidido na sentença recorrida relativamente à parte criminal e nem sequer com esta se pode conexionar, uma vez que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido não foi condicionada ao pagamento da quantia indemnizatória arbitrada à assistente, vítima desse crime.
O interesse em agir do assistente, como pressuposto do recurso, significa a necessidade que tenha de usar este meio para reagir contra uma decisão que comporte uma desvantagem para os interesses que defende, ou que frustre uma sua expectativa ou interesse legítimos, que significa que só pode recorrer de uma decisão que determine uma desvantagem; não poderá recorrer quem não tem qualquer interesse juridicamente protegido na correção da decisão.
A definição do concreto interesse em agir supõe, pois, que se identifique qual o interesse que a assistente pretende realizar no processo, e especificamente em cada fase do processo.
Ora, como vimos, a pretensão da recorrente não visa atacar a sentença recorrida quanto ao nela decidido relativamente à parte criminal, e, por isso, dela não pode evidenciar-se qualquer “conexão” com a pretensão punitiva do Estado, nem, da mesma forma, qualquer apelo a outras situações reveladoras de outros interesses particulares ou pessoais em relação a essa pretensão punitiva que justificassem pode fazer valê-las desacompanhada do Ministério Público.
Daí que, haja que concluir que o estatuto processual de assistente de que a recorrente goza nos autos não lhe confere legitimidade para, através do recurso, fazer valer a sua pretensão recursiva, por não abrangida pela densificação normativa que a al. b) do nº1 do citado art. 401º do CPP comporta.
E, também porque não tem nos autos o estatuto processual de parte civil (demandante) uma vez que não deduziu pedido de indemnização civil no processo contra o arguido, impõe-se concluir que não assiste à recorrente legitimidade para recorrer com vista a fazer valer essa sua pretensão recursiva, como, a contrario, resulta do disposto na al. c) do mesmo nº1 do art. 401º do CPP.
Restará, pois, saber se a qualidade de vítima do crime de violência doméstica imputado nos autos ao arguido e pelo qual foi este condenado poderá conferir à assistente legitimidade para exercer o direito de recorrer com vista a fazer valer a pretensão recursiva que veio apresentar, nos termos previstos na al. d) do citado nº1 do art. 401º do CPP, no sentido de tal situação poder caber na daqueles que “tiverem a defender um direito afetado pela decisão”, e se, para tanto, tem interesse em agir, uma vez que este é, também, pressuposto para o exercício do direito ao recurso, como decorre do nº2 do citado art. 401º do CPP.
Como salienta Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias, in JULGAR online-2019 - Ofendida, lesada, assistente, vítima – definição e intervenção processual- pag. 25 e seguintes:
“A vítima, definida nos termos do artigo 67.º-A, do CPP, em sentido formal (até olhando para a sistematização do CPP) será um “sujeito do processo”, com determinados direitos que lhe são reconhecidos (n.ºs 4 e 5), a saber, direito de informação, de assistência, de proteção, e de participação ativa no processo penal, previstos no CPP e no Estatuto da Vítima e, tem ainda o direito (expresso) a colaborar com as autoridades (policiais ou judiciárias) competentes, prestando informações e facultando provas que se revelem necessárias à descoberta da verdade e boa decisão da causa.
No entanto, em sentido material, não lhe são conferidos quaisquer poderes processuais autónomos, ou “direitos autónomos de conformação da concreta tramitação do processo como um todo, tendo em vista a sua decisão final”, o que significa que, deste ponto de vista, só constituindo-se assistente é que assume a qualidade de “sujeito processual”, pois caso contrário, não passa de um mero participante processual.
Ou seja, não se pode confundir a noção de “sujeito do processo” (que consta da epígrafe do livro I do CPP), com a categoria de “sujeito processual”.
O “estatuto da vítima”, previsto autonomamente na Lei n.º 130/2015, de 4.09 (que não foi incorporado no CPP, nem sequer as normas que se podiam considerar com pertinência a nível processual, apesar dos direitos também estabelecidos no artigo 67.º-A, n.ºs 4 e 5, do CPP acima referidos) - que supõe um tratamento sujeito a determinados princípios (definidos nos artigos 3.º a 9.º, da mesma Lei) e, também, obrigações profissionais e regras de conduta (artigo 10.º) para qualquer intervenção de apoio técnico - é definido por um conjunto de direitos mínimos, nomeadamente, a nível processual, destacando-se (sem prejuízo do estabelecido no CPP e, em legislação específica, designadamente, relativa à proteção das testemunhas ou relativa a regimes especiais de proteção de vítimas de determinados crimes, como sucede, por exemplo, no caso da violência doméstica):
– o direito à informação nos termos amplos indicados no artigo 11.º do Estatuto, desde o primeiro contacto com as autoridades e funcionários competentes, inclusivamente no momento anterior à apresentação da denúncia, de forma que compreenda e seja compreendida e, portanto, com as garantias de comunicação asseguradas no artigo 12.º;
– o direito, nos casos estabelecidos por lei, a consulta jurídica e, se necessário, ao subsequente apoio judiciário (artigo 13.º);
– o direito a ser reembolsada das despesas efetuadas em resultado da sua intervenção no processo penal (artigo 14.º), nos termos da lei e em função da posição processual que ocupe no caso concreto;
– o direito à proteção (artigo 15.º), quer quando as autoridades considerem que existe uma ameaça séria de represálias e de situações de revitimização ou fortes indícios de que a sua privacidade pode ser perturbada, e, sendo caso disso, dos seus familiares elencados no artigo 67.º-A, n.º 1, al. c), do CPP (caso em que lhes têm de garantir a segurança e salvaguarda da vida privada em nível adequado - artigo 15.º, n.º 1), quer no âmbito da realização de diligências processuais (deve ser evitado o contacto entre vítimas e os seus familiares por um lado e os suspeitos ou arguidos por outro lado, em todos os locais, nomeadamente tribunais, em que esses atos impliquem a presença de uns e outros - artigo 15.º, n.º 2), podendo ainda ser determinado, pela autoridade judiciária competente, sempre que seja imprescindível à proteção da vítima e esta consinta, que lhe seja assegurado apoio psicossocial (artigo 15.º, n.º 3), tudo sem prejuízo da aplicação do regime especial de proteção de testemunhas;
– o direito a obter uma decisão relativa a indemnização, nos termos gerais, dentro de prazo razoável (artigo 16.º, n.º 1), sendo que no caso da vítima especialmente vulnerável há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A, do CPP, exceto se ela a tal expressamente se opuser (artigo 16.º, n.º 2);
– o direito à restituição dos bens apreendidos que lhe (à vítima) pertencem (os quais para o efeito devem ser de imediato examinados), salvo quando assumam relevância probatória ou sejam suscetíveis de ser declarados perdidos a favor do Estado (artigo 16.º, n.º 3);
– o direito à prevenção da vitimização secundária, que se traduz em a vítima ter direito a ser ouvida em ambiente informal e reservado, devendo ser criadas adequadas condições para prevenir a vitimização secundária e para evitar que sofra pressões (artigo 17.º, n.º 1), devendo a sua inquirição e eventual submissão a exame médico, ter lugar, sem atrasos injustificados, após a aquisição da notícia do crime, apenas quando forem estritamente necessárias às finalidades do inquérito e do processo penal, devendo ser evitada a sua repetição (artigo 17.º, n.º 2);
– o direito a privacidade no atendimento junto das forças e serviços de segurança e no DIAP, o qual deve ser feito nos termos e condicionalismo indicados no artigo 18.º (cf. também artigo 17.º, n.º1);
– particulares direitos no caso de vítimas residentes noutro Estado membro (acautelam-se os direitos de cidadãos residentes em Portugal, vítimas de crimes praticados noutros Estados membros, que ali não tiveram possibilidade de apresentar queixa/denúncia, permitindo-se que a apresentem em Portugal; também, quanto aos cidadãos residentes noutros Estados membros, que foram vítimas de crimes praticados em Portugal, assegura-se a recolha de depoimentos imediatamente após a apresentação da denúncia à autoridade competente e a aplicação das disposições relativas à audição por videoconferência e teleconferência para prestação do depoimento - artigo 19.º). Além disso, no CPP:
– pode ser alvo de escutas telefónicas no condicionalismo previsto no artigo 187.º, n.º 4, al. c), desde que haja consentimento efetivo ou presumido;
– deve ser ouvida a vítima, sempre que necessário, ainda que não se tenha constituído assistente, em caso de revogação ou substituição de medida de coação do arguido (artigo 212.º, n.º 4);
– a detenção fora de flagrante delito pode ocorrer nos termos do artigo 257.º, n.º 1, al. c), se tal se mostrar imprescindível para a proteção da vítima;
– pode prestar declarações para memória futura dentro do condicionalismo previsto no artigo 271.º;
– pode em determinados casos (violência doméstica não agravada pelo resultado) requerer a suspensão provisória do processo (artigo 281.º, n.º 7);
– na instrução, a vítima é ouvida pelo Juiz de Instrução, mesmo que não se tenha constituído assistente, sempre que o solicitar (artigo 292.º);
– no caso de falta de cumprimento das condições de suspensão da execução da pena de prisão, o tribunal pode, antes da decisão, sempre que entender necessário, ouvir a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente (artigo 495.º, n.º 2).
Por sua vez, a vítima especialmente vulnerável (por exemplo, nos casos de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta em que essa qualidade de forma automática) tem um estatuto especial (artigos 20.º a 27.º, da Lei n.º 130/2015).
Além dos casos de “criminalidade violenta” e de “criminalidade especialmente violenta” (definidos no artigo 1.º, als. j) e l), do CPP respetivamente), em que (por força do artigo 67.º-A, n.º 3, do CPP), automaticamente são consideradas “vítimas especialmente vulneráveis”, nos demais casos, só as autoridades judiciárias ou os órgãos de polícia criminal competentes, após avaliação individual da vítima, podem atribui-lhe o estatuto de “vítima especialmente vulnerável”, tendo em atenção a definição constante do artigo 67.º-A, n.º 1, al. b), do CPP (que exige que “a vítima apresenta uma especial fragilidade que resulta, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social.”).
(…)
No entanto a vítima, a menos que se constitua assistente ou seja parte cível (caso em que é ouvida em declarações, estando impedida de ser ouvida como testemunha), é ouvida como testemunha, sendo muitas vezes a única prova ou uma prova essencial.
Isso significa que, nesses casos, para além dos direitos e deveres consagrados nomeadamente no artigo 132.º, do CPP, goza dos demais que lhe são conferidos por ter o estatuto de vítima, além dos previstos em leis especiais, verificando-se os respetivos pressupostos, por exemplo, quanto à concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica (Lei n.º 104/2009, de 14.09) ou quando é vítima de violência doméstica (por exemplo, a Lei n.º 112/2009, de 16.09).
No entanto, apesar do reconhecimento dos referidos direitos, vê-se que sendo o conceito da vítima mais amplo do que o do simples ofendido, entendido este nesta perspetiva pelo legislador em sentido estrito, a verdade é que a sua posição processual é ainda muito limitada se, por sua iniciativa, não se constituir assistente, nem for lesado. Se for apenas testemunha, apesar de se poder fazer acompanhar de advogado (artigo 132.º, n.º 4, do CPP), este não pode intervir em julgamento e, também não pode, por exemplo, recorrer da sentença (só poderá recorrer de decisão que afete um seu direito ou que o condene no pagamento de qualquer importância – artigo 401.º, n.º 1, al. d), do CPP) ao contrário do assistente.
Ou seja, nesse caso, quer a vítima, quer o ofendido, se intervém apenas como testemunha (ou seja, como participante processual), tem uma intervenção limitada no processo.
Isto significa que, afinal, como já acima foi adiantado e aqui se reforça, a vítima só por si (caso não se constitua assistente) não é, em sentido material, um verdadeiro sujeito processual.
(…)” (sublinhado nosso).
Do elenco que se deixa exposto a respeito dos direitos que assistem à vitima de crime de violência doméstica o único que poderá equacionar-se perante a pretensão recursiva que vem desenhada pela recorrente é o direito que, enquanto vítima, tem de obter uma decisão relativa à reparação dos prejuízos sofridos decorrentes de ter sido vítima desse crime, ancorado no disposto nos arts. 21.ºda Lei n.º 112/2009, de 16.09, e 82.º-A do CPP.
Porém, tal direito não só lhe não foi coartado, como, ao contrário, se mostra ter sido assegurado na sentença recorrida, porque nesta viu a mesma ser-lhe arbitrado o montante indemnizatório de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais, decorrentes dos factos descritos na acusação.
Mais se diga que, tratando-se essa indemnização fixada oficiosamente pelo Tribunal a quo, não dependente de prévio pedido de indemnização civil deduzido pela vitima/ofendida, estava a decisão da mesma sujeita a critérios de equidade e conformada pelos factos constantes da acusação, em relação aos quais incide a produção de prova na audiência de discussão e julgamento.
Assim sendo, a recorrente não viu ser-lhe afetado o direito que a lei lhe confere de ver decidida a indemnização prevista nas disposições legais conjugadas dos arts. 21.ºda Lei n.º 112/2009, de 16.09, e 82.º-A do CPP.
Diferente seria se na sentença recorrida não se tivesse pronunciado o Tribunal recorrido sobre o arbitramento dessa indemnização à assistente ora recorrente, caso em que, aí sim, esta teria visto afetado aquele direito por essa decisão.
Não sendo, porém, essa a situação que subjaz à pretensão recursiva da recorrente, constituída nos autos como assistente, não tem a mesma legitimidade e interesse em agir, para, por via do presente recurso, pôr em causa, apenas, o valor dessa indemnização, porque só o poderia fazer se tivesse o estatuto processual de parte civil (demandante) por virtude da dedução de pedido de indemnização civil e a decisão lhe tivesse sido desfavorável (art. 401º, nº1, al. c) do CPP) – que, como vimos, não é o caso - e, ainda assim, sujeita aos condicionalismos previstos no nº2 do art. 400º do CPP-
Em suma, não tendo a assistente ora recorrente deduzido pedido de indemnização civil, não há qualquer decaimento, não tendo a mesma legitimidade para recorrer, por não poder considerar-se que tenha a defender um direito afetado, nem interesse em agir, não sendo, por isso, de admitir o presente recurso da decisão atinente à indemnização que lhe foi arbitrada oficiosamente, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 21.ºda Lei n.º 112/2009, de 16.09, e 82.º-A do CPP.
No sentido para o qual propendemos enveredou o ac. do STJ, de 31.01.2024, proc. nº 809/22.4PHAMD.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt., do sumário do qual, a este propósito, consta:
“IX. Não tendo a assistente deduzido pedido cível, nem em nome próprio, nem em nome dos filhos do falecido F…, não há qualquer decaimento, nem tem legitimidade para recorrer (uma vez que nem formulou pedido cível que não existe, nem é parte cível, nem terceiro que tivesse a defender um direito afetado), nem interesse em agir, não sendo de admitir o recurso dessa decisão.”
Não estando este Tribunal da Relação vinculado à admissão do recurso decidida pela 1ª instância (art. 414.º, n.º 3, do CPP), com base dos fundamentos que deixámos expendidos, decide-se rejeitar o recurso por falta de legitimidade e de interesse em agir da recorrente, ao abrigo do disposto no 420.º, n.º 1, alínea b), e 2, do CPP.
*
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra, em:
1. Rejeitar o recurso interposto pela assistente …, ao abrigo do disposto no 420.º, n.º 1, alínea b), e 2, do CPP, por falta de legitimidade e de interesse em agir da recorrente.
2. Fixa-se em 3UCs a taxa de justiça devida.
(Texto elaborado pela relatora e revisto por todas signatárias – art. 94º, nº2 do CPP )
(Maria José Guerra – relatora)
(Rosa Pinto – 1ª adjunta) voto a decisão, com a declaração que se segue.
(Isabel Gaio Ferreira de Castro – 2ª adjunta)
Declaração:
Como resulta das disposições conjugadas dos artigos 21º, nº 2, da Lei nº 112/2009, de 16/9 e 82º-A, do Código de Processo Penal, nos crimes de violência doméstica, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser, não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, em caso de condenação, o tribunal tem que arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos. O tribunal está obrigado a fixar uma indemnização a pagar pelo arguido à ofendida.
É um direito das vítimas de violência doméstica.
Não o fazendo, viola o tribunal esse direito.
Naturalmente que perante a violação desse direito, perante o não arbitramento de tal quantia, as vítimas podem recorrer.
Pergunta-se então porque motivo as vítimas de violência doméstica não têm legitimidade e interesse em agir para recorrer da fixação de uma quantia com a qual discordam?
A resposta encontra-se na natureza da quantia arbitrada nos termos do referido artigo 82º-A do Código de Processo Penal.
Como se refere no Ac. do STJ de 13.3.2024, in www.dgsi.pt “a indemnização prevista no art. 82.º-A, do CPP, é arbitrada oficiosamente pelo Tribunal, apenas em caso de condenação, segundo o prudente critério do julgador, sem pedido, relacionando-se com os prejuízos sofridos (“uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos”), mas não, necessariamente, coincidente com o seu valor.
Não se trata de uma indemnização por perdas e danos, objeto de pedido, relativa, direta e exclusivamente, aos danos quantificados, mas de uma indemnização oficiosamente atribuída, a título de reparação pelos prejuízos sofridos.
Representando um assumido desvio relativamente ao princípio da adesão, carece o atual regime especial, previsto no art. 82.º-A do CPP, de definição própria de critérios de fixação.
À sua natureza híbrida, simultaneamente de efeito penal da condenação e de aproximação reparatória aos prejuízos sofridos, corresponde um regime adjetivo próprio, desligado do processo civil, cujas normas apenas se aplicarão, por efeito da cláusula geral de subsidiariedade do art. 4.º do CPP (como será o caso, dos critérios de fixação da quantia)”.
Isto é, o montante a fixar ao abrigo do disposto no artigo 82º-A do Código de Processo Penal, não tem que abarcar todos os prejuízos, todos os danos, sofridos pela vítima.
Aliás, só assim se compreende o disposto no nº 3 desse mesmo artigo 82º-A.
Se assim não fosse, se a quantia a fixar de acordo com o artigo 82º-A do Código de Processo Penal tivesse que abarcar todos os danos e prejuízos sofridos, caso o tribunal não os abarcasse na sua decisão, naturalmente que a vítima poderia recorrer por ver violado um dos seus direitos, mesmo que não tivesse deduzido pedido de indemnização civil.
Assim, concordo com a decisão mas com fundamentos distintos.
Rosa Pinto