I - A insuficiência do inquérito ou da instrução ocorre quando se omite a prática de actos processuais probatórios que a lei classifica no artigo 340.º do C.P.P. como “indispensáveis” ou “necessários” e como “essenciais” na alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º.
II - A nulidade derivada de tal omissão é sanável e deve ser reclamada perante o tribunal antes que o acto onde ela foi praticada esteja terminado, só depois podendo servir de fundamento de recurso.
III - Os meios de prova são sempre admissíveis na fase de julgamento, mesmo depois do momento processual em que, por regra, deveriam ter sido produzidas, desde que indispensáveis para a descoberta da verdade e boa decisão da causa e que tal produção de prova tenha lugar até ao encerramento da audiência.
IV - Cabendo a titularidade do inquérito ao Ministério Público, não compete ao tribunal de julgamento sindicar a decisão de não ter constituído como arguido determinada pessoa.
V - Se, em julgamento, o Ministério Público requereu a inquirição desta pessoa como testemunha, por ter conhecimento directo dos factos, não pode o tribunal indeferir o pedido, julgando-o legalmente inadmissível, por entender que tal pessoa pode ser considerada suspeita da prática de um dos crimes em discussão nos autos e, por via disso, recusar-se a depor.
VI - Quando alguém é ouvido na qualidade de testemunha tem o dever de falar e de o fazer com verdade, só não sendo obrigada a responder quando, perante uma pergunta, alegar que da resposta pode resultar a sua responsabilidade penal.
VI - Esta recusa em responder quando da resposta resulte a sua responsabilidade penal é uma opção da testemunha e não do inquiridor, sobre o qual não impende o dever de advertência.
Acordam, em conferência, os juízes da 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra
I.Relatório
1.
Nestes autos de processo comum com o nº11/3.8PELRA, … foi proferido acórdão no passado dia 26 de março do corrente ano de 2025, no qual se decidiu, para além do mais:
- Absolver o arguido AA, em coautoria e em concurso efetivo, da prática de:
- 5 (cinco) crimes de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), todos do Código Penal (factos de 1-5, 15-18, 24-29, 30-34, 35-38);
- 2 (dois) crimes de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, alínea f), todos do Código Penal (factos 39-43 e 44-48);
- 2 (dois) crimes de furto simples, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, alínea f), n.º 2, alínea e), e n.º 4, todos do Código Penal (factos 10-14 e 53-56);
- 2 (dois) crimes de furto de uso de veículo, previsto e punido pelo artigo 208.º, n.º 1, do Código Penal (factos 19-23 e 57-61);
- 2 (dois) crimes de furto qualificado na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, alínea f), 22.º e 23.º, todos do Código Penal (factos 49-52 e 67-71).
- 2 (dois) crimes de furto qualificado na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), 22.º e 23.º, todos do Código Penal (factos 6-9 e 62-66).
(…)
- Absolver o arguido BB, da prática em coautoria e em concurso efetivo, de:
- 5 (cinco) crimes de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), todos do Código Penal (factos de 1-5, 15-18, 24-29, 30-34, 35-38 e 44-48);
- 2 (dois) crimes de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, alínea f), todos do Código Penal (factos 39-43 e 44-48);
- 2 (dois) crimes de furto simples, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, alínea f), n.º 2, alínea e), e n.º 4, todos do Código Penal (factos 10-14 e 53-56);
- 2 (dois) crimes de furto de uso de veículo, previsto e punido pelo artigo 208.º, n.º 1, do Código Penal (factos 19-23 e 57-61);
- 2 (dois) crimes de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, alínea f), 22.º e 23.º, todos do Código Penal (factos 49-52 e 67-71).
- 2 (dois) crimes de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), 22.º e 23.º, todos do Código Penal (factos 6-9 e 62-66).
- Condenar o arguido BB, após alteração da qualificação jurídica, da prática em autoria material e em concurso efetivo, de:
i- 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (na versão mais recente introduzida pela Lei n.º 55/2023, de 8 de Setembro), por referência às Tabela I-A, I-B e I-C, anexa àquele diploma legal, na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão;
ii- 1 (um) crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 2.º, n.ºs 1, alínea a), e n.º 2, alínea p), 3.º, n.º 2, alíneas h) e n), e 86.º, n.º 1, alínea d), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 9 (nove) meses de prisão e na sanção acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas, pelo período de 2 (dois) anos;
- Condenar o arguido BB, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos e 1 (um) mês de prisão.
- Declarar perdoado o tempo de prisão, correspondente ao crime de detenção de arma proibida, que excede a pena de prisão pelo crime de tráfico, a incidir sobre a pena única de prisão, a que vai condenado o arguido- cf. artigos 1.º, 2.º, n.º 1, 3.º, n.os 1 e 4 e 8.º, n.º 1, todos da Lei n.º 38-A/2023, de 02-08 e, bem assim, dos artigos 127.º, n.º 1 e 128.º, n.º 3, do Código Penal- sob a condição resolutiva de o arguido não praticar infração dolosa no ano subsequente à data da entrada em vigor da presente Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, caso em que a pena aplicada à infracção superveniente acrescerá a pena ou parte da pena ora perdoada.
- Condenar o mesmo arguido, após aplicação do perdão, na pena única de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão, cuja execução se não suspende.
- Absolver o arguido CC, da prática em coautoria e na forma tentada de 1 (um) crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), 22.º e 23.º, todos do Código Penal (factos 62-66).
2.
Não se conformando com a decisão absolutória, relativamente aos crimes contra o património imputados aos arguidos, veio o Ministério Público interpor o presente recurso, concluindo nos seguintes termos:
“1. Vem o presente recurso interposto do acórdão absolutório proferido nos autos referidos em epígrafe, através do qual o Tribunal Colectivo decidiu:
(…).
2. O Ministério Público não se conforma com a decisão absolutória, relativamente aos crimes contra o património supracitados, que eram imputados aos arguidos AA, BB e CC na acusação pública contra eles deduzida nos autos.
3. Com efeito, perante a prova que o Tribunal Colectivo permitiu que se produzisse em audiência (elencada na motivação de facto do acórdão recorrido), não é surpreendente que o Tribunal tenha concluído pela ocorrência dos crimes descritos na acusação, mas não pela identidade dos agentes de tais crimes.
4. O que é verdadeiramente surpreendente é que o Tribunal Colectivo tenha sublinhado que este contexto probatório tenha resultado da circunstância de que “ninguém presenciou directamente os fatos” (leia-se a p. 40 do acórdão) quando, em sede de audiência, na sessão de julgamento ocorrida a 18-09-2024, decidiu indeferir o requerimento apresentado pelo Ministério Público, nos termos do artigo 340.º, do Código de Processo Penal, não permitindo a inquirição de uma testemunha presencial de um dos crimes de furto qualificado imputado aos arguidos (vide acta sob a Ref.ª 108307298).
5. Ciente do valor probatório da inquirição, além do mais, da testemunha …, está o Ministério Público convicto de que – se o Tribunal tivesse deferido o requerimento apresentado e permitido a inquirição de tal testemunha – este testemunho, de alguém que presenciou directamente os factos, entrecruzado com a demais prova (directa e indirecta coligida) teria a virtualidade de fundamentar um distinto desfecho para este processo comum colectivo: o da condenação dos arguidos.
6. Por esse motivo, foi interposto recurso interlocutório, no dia 23-10-2024 (Ref.ª 11254837, cujo teor aqui integralmente por reproduzido) – do despacho judicial proferido em sede de audiência e julgamento, ocorrida a 18-09-2024, nos autos à margem referenciados (vide acta sob a Ref.ª 108307298), que não declarou a nulidade tempestivamente arguida pelo Ministério Público, relativamente ao despacho que o precedeu, indeferindo as diligências de prova requeridas, ao abrigo do artigo 340.º, n.º 1 do Código de Processo Penal – o qual foi admitido no despacho judicial, sob a Ref.ª 109186860, de 04-12-2024.
…
3.
Já no referido recurso interlocutório …, formulou as seguintes conclusões:
“1º Vem o presente recurso interposto do(s) despacho(s) judiciais proferido(s), após deliberação do Tribunal Colectivo, na sessão de julgamento ocorrida a 18-09-2024, nos autos à margem referenciados (vide acta sob a Ref.ª 108307298), através dos quais o Tribunal recorrido indeferiu as diligências de prova requeridas pelo Ministério Público, ao abrigo do artigo 340.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e, bem assim, não declarou a nulidade tempestivamente arguida pelo Ministério Público, relativamente ao despacho precedente, por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade (artigo 120.º, n.º 2, al. d) do Código de Processo Penal).
…
3º Com efeito, requerendo-se a inquirição de uma testemunha presencial de um dos crimes de furto qualificado imputado aos arguidos e, por outro lado, a inquirição de um agente que participou em diligência de buscas domiciliárias, cujas circunstâncias de execução são colocadas em crise por arguido que prestou declarações em julgamento – emerge a conclusão de que estamos perante diligências de prova necessárias à descoberta da verdade material, que se impunha determinar no caso dos autos.
…
5º Não se trata de prova irrelevante ou supérflua a inquirição de …, o agente que acompanhou a execução de buscas domiciliárias, no decurso das quais ocorreram apreensões que fundamentam alguns dos crimes imputados ao arguido BB (neste parte, tráfico e detenção de arma proibida), que se reconduzem às respectivas modalidades típicas, de posse / detenção dos produtos estupefacientes e arma apreendidas – donde, aplicando um critério de necessidade, somos de parecer que o Tribunal recorrido errou ao indeferir a produção de tal prova (ademais, com uma fundamentação que se estriba mais em argumentos de tempestividade, que já não encontram apoio na letra da Lei, face à revogação da al. a) do n.º 4 do artigo 340.º do Código de Processo Penal).
6º Também não se trata de prova legalmente inadmissível a inquirição de …, desde logo porque a sua inquirição não se enquadra em nenhuma das estatuições do artigo 133.º do Código de Processo Penal.
7º Neste contexto processual e perante o quadro normativo e doutrinário vertido na motivação deste recurso, somos de parecer, s.m.o., que poderá ter sido algo ousado por parte do Tribunal Colectivo, (1) proceder um tal juízo valorativo, sem conhecer o teor das declarações prestadas pela referida testemunha; e que, (2) estribando-se em tal juízo, tenha concluído que deveria ser obrigatória a constituição de … como arguido (que nunca o foi); tudo isto para (3) inviabilizar a inquirição de uma testemunha directa, essencial, dos factos em julgamento e dos seus agentes, com fundamento numa qualidade processual (de arguido) que DD não tem, nem nunca teve.
8º Ao indeferir o requerimento probatório apresentado e, depois, ao não declarar a nulidade invocada pelo Ministério Público, o Tribunal Colectivo violou, nos despachos ora colocados em crise, o disposto nos artigos 340.º, 133.º, 57.º, 58.º e 59.º do Código de Processo Penal, incorrendo na nulidade a que alude o artigo 120.º, n.º 2, al. d) do Código de Processo Penal, por omitir a realização de diligências probatórias essenciais para a descoberta da verdade material.
…
4.
Nenhum dos arguidos respondeu ao recurso interlocutório, tendo apenas o arguido AA respondido ao recurso interposto do acórdão final, …
5.
Neste Tribunal da Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer …
6.
Cumprido o artigo 417º, nº2, do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta.
7.
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art.419º, nº3, al. c), do diploma citado.
II. Fundamentação
…
Por conseguinte, a concreta questão que irá por nós ser analisada e que respeita a ambos os recursos, prende-se em saber se o Tribunal recorrido, perante o teor do requerimento probatório apresentado pelo Ministério Público no decurso da audiência de julgamento, andou bem, ou não, ao indeferir a inquirição da testemunha ….
Atentemos, antes de mais, no que a respeito de tais requerimentos apresentados pelo Ministério Público e respetivos despachos que sobre eles incidiram, ficou a constar da ata relativa a já referida sessão da audiência de julgamento.
“(…)
Finda a prova a produzir na presente sessão, pelo Digno Magistrado do Ministério Público foi solicitada a palavra e tendo-lhe sido concedida, pelo Mm.º Juiz Presidente, no seu uso requereu:
“Cotejando os autos nomeadamente a prova indicada na acusação pública respeitante ao apenso H sob, NUIPC 224/23...., constata-se que, nomeadamente no que diz respeito aos factos e às imagens recolhidas pelos sistemas de videovigilância mencionadas quer no relatório de folhas 35 do apenso, do aditamento de folhas 26, e ainda do auto de visionamento das imagens de folhas 72 a 85, a visualização de um veículo de marca e modelo Opel Astra …, que terá, de acordo com esse auto de visionamento acanhado grande parte dos factos que estão ali visionados e da concretização deste crime. Na compulsa dos autos verifica-se que o possuidor deste veículo automóvel foi ouvido no âmbito dos presentes autos tendo conhecimento direto da factualidade que está submetida a julgamento e que por circunstâncias que não vislumbramos, mas que eventualmente decorrente de algum lapso, não foi indicada como testemunha. Trata-se da testemunha …, cuja inquirição, por ter conhecimento direto dos factos e identidade dos seus autores, cremos ser fundamental ouvir também, por essencial á descoberta da verdade material.
Por outro lado, considerando o teor da contestação apresentada pelo arguido BB, considerando também as suas declarações hoje prestadas no que diz respeito ás circunstancias e aos objetos relacionados com os crimes de tráfico que lhe são imputados, tendo em conta as declarações, por serem divergentes do teor do correspondente ao auto de busca, o M.º P.º crê ser importante e fundamental proceder à inquirição do agente da Policia de Segurança Pública que concretizou esta diligência probatória de seu nome, …
Em remate e pelo exposto, ao abrigo do artigo 340º, nº1 do C.P.P., o Ministério Público requer se determine a inquirição das referidas testemunhas na data que venha a ser agendada para o efeito.”
(Início da gravação: 15:44:28 horas - Fim da gravação: 15:51:17 horas)
*
Após, pelo Mm.º Juiz Presidente foi concedida a palavra aos Ilustres Advogados, tendo as Ilustres Advogadas dos arguidos, … declarado nada ter a opor ao requerido.
*
Concedida ainda a palavra ao Ilustre Defensor do arguido BB, …, no seu uso disse:
“Uma coisa é a prova indiciária obtida em sede de inquérito, outra coisa é a prova levada pela acusação para julgamento. O Ministério Público por algum motivo que se desconhece não trouxe tal prova a julgamento, prova essa até dita agora pelo Sr. Procurador considerada essencial, ficamos algo surpresos pois na acusação em momento algum é referido um qualquer Opel Corsa nenhuma das testemunhas de acusação ouvidas na presente sessão de audiência de discussão e julgamento referiu qualquer Opel Corsa, pelo que, pelo decurso da audiência nada justifica a audição da testemunha que conduzia o tal Opel Corsa, se o Ministério Público entendesse que tal prova era essencial devia tê-la trazido e descrito para a acusação, não se ente o porque de chamar à colação a contestação apresentada pela defesa, onde em momento algum se fala num tal Opel Corsa, pelo que atendendo à prova produzida até à presente data, nada justifica a audição da testemunha que se desconhece se pertence, se é proprietário, se conduzia se não conduzia um Opel Corsa, não se sabe de que cor, não se sabe de que ano, não se sabe onde, porque nada é referido na acusação.
Já no que concerne ao agente da PSP, nada a opor.”
…
*
Após, o Mm.º Juiz Presidente determinou a interrupção dos trabalhos por breves instantes.
Retomada a presente sessão, após deliberação pelo Mm.º Juiz Presidente foi declarado o seguinte:
DESPACHO
“Compulsando o auto de visionamento de folhas 135, do apenso H é narrada a existência de uma viatura de Marca Opel e modelo Astra, que acompanharia o veículo Honda Civic que procedeu ao embate com uma montra da pastelaria …, factualidade essa que consta no que concerne ao furto da referida pastelaria na acusação. Ou seja, o condutor de tal veículo estaria previsivelmente, tendo em conta a narração constante de folhas 85 do mesmo apenso, a agir em comunhão de esforços com os autores do referido furto, sem que o Tribunal sequer averigue quem será o condutor de tal viatura pois o mesmo não foi indicado nem visualizado no referido auto de visionamento.
Certo é que o mesmo será considerado suspeito da prática de um crime e, apurando-se a sua identidade, deveria ter sido obrigatoriamente constituído arguido. Não foi essa a actuação do M.ºP.º, não cabendo ao Tribunal avaliar tal opção, mas importa referir que sendo o referido individuo, cuja identidade neste momento o Tribunal desconhece, suspeito da prática de um crime e sendo o mesmo ouvido como testemunha, sempre poderá recusar-se a depor. Aliás entendemos que o mesmo nunca poderia ser ouvido como testemunha, mas sim constituído arguido. Consequentemente indeferimos a requerida inquirição nos termo do disposto no art.º 340º, nº3 do C.P.P..
Relativamente à pretendida inquirição do agente da Polícia de Segurança Pública, que concretizou a busca, sempre se dirá que o C.P.P. prevê, no que ora interessa duas peças processuais para indicação de prova, na acusação deduzida pelo M.P. no presente caso e a contestação apresentada pelo arguido. Não prevê a lei que haja uma réplica com a indicação de testemunhas à matéria constante da contestação, pois o que interessa é a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, de acordo com a que foi indicada nas referidas peças processuais, sendo a convicção do Tribunal fundada livremente na prova produzida. Não tem, pois, o tribunal que fazer contraprova do que é alegado na contestação. Consequentemente também indeferimos a inquirição desta testemunha nos termos do disposto no art.º 340º, nº4, b) do mesmo diploma.
Notifique.”
…
*
Do despacho que antecede foram todos os presentes notificados, após o que, pelo Digno Magistrado do Ministério Público foi novamente solicitada a palavra e tendo-lhe sido concedida pelo Mm.º Juiz Presidente, no seu uso promoveu:
“O Ministério Público pretende face à decisão acabada de proferir na sequencia da deliberação do Tribunal Coletivo, de indeferimento da inquirição de …, nos termos do art.º 340.º, nº3 do C.P.P., por prova legalmente inadmissível, e no que diz respeito à inquirição do Agente Principal …, nos termos do art.º 340º, nº4, b), por ser prova irrelevante ou supérflua, o M.º P.º vem nessa decorrência arguir a nulidade de tal decisão estribando-se desde logo na estatuição do art.º 120º, nº1, e nº2, al. d), por omissão de diligências que entende serem essenciais para a descoberta da verdade material. Como sabemos naturalmente o processo penal Português rege-se pelo princípio do acusatório em primeira linha sendo o objecto do processo balizado pela acusação, mas informado além do mais pelo princípio da descoberta da verdade material e a boa decisão da causa.
Quanto à prova requerida indeferida nos sobreditos termos cumpre ao Ministério Público para a invocação de tal nulidade consignar o seguinte:
Desde logo como já se anotou agora no despacho, o referido Opel Corsa …, consta da prova indicada, pois que naturalmente não estava na acusação, nem tinha que estar, não é facto mas sim prova, e a prova foi indicada no que diz respeito ao apenso H, sob o NUIPC 224/23...., está indicada também na acusação e constando lá além do mais o aditamento de folhas 26 do apenso H e o auto de visionamento de imagens de folhas 32 a 85 do apenso, onde não só são visionadas as imagens mas também consignada informação pelo agente investigador. … O veículo em causa não só é indicado na prova como além do mais está apreendido á ordem dos presentes autos e o requerimento apreciado por V.ª Ex.ª creio, e com o devido respeito, deva ter-se em conta não só os elementos constantes da prova indicada mas também ao teor do próprio requerimento apresentado pelo requerente, neste caso o M.º P.º. Daí com o devido respeito se estranhar a menção de se sabe ou se não se sabe quem conduzia o veículo, pois que essa identificação foi apresentada ao Tribunal, o M.º P.º como qualquer outra parte pode ter conhecimentos que não constam do processo mas invoca-los num determinado requerimento, e neste caso constam do processo, ainda que V.ª Excelências não tenham querido ler, e bem, o auto de inquirição que só é válidos em sede de julgamento, a verdade é que essa prova consta do processo, o M.º P.º tem conhecimento e invocou genericamente, como tem de ser que a testemunha indicada tem conhecimento directo da prática dos factos e dos seus agentes. O objeto deste processo é apurar se de facto criminoso furto ocorreu nestas circunstâncias e quem foram os seus agentes, acusou os arguidos em causa e para a prova requereu a inquirição de uma pessoa que no requerimento sobre apreciação de V.ª Ex.ª tem prova e conhecimento directo dos factos. salvo o devido respeito, os Magistrados Judiciais do Ministério Público não têm que se ater a legendas de órgãos de polícia criminal mas sim a provas, factos concretos e os elementos probatórios constantes dos autos indicados no requerimento apresentado pelo M.ºP.º , respeitam, objectivamente, vendo as fotografias há veículos a circular em artérias desta cidade, incluindo o veículo que se sabe ter praticado o crime em causa e um outro que se lhe seguia.
Este é o facto que está documentado nos autos, a legenda do órgão de polícia criminal, creio, não é vinculativa a qualquer autoridade judiciária, é um facto que se deve apurar. Esse facto, essa aparente suspeita ou eventual suspeita foi objecto em diligências de prova em sede de inquérito pelo seu respectivo titular o M.º P.º. A pessoa em causa, indicada hoje para ser ouvida como testemunha, informado pelo espírito da descoberta da verdade material foi inquirida e prestou declarações. Nos termos do art.º 58º do C.P.P., deve ser constituído alguém como arguido quando houver fundada suspeita da prática de crime, longe vão os tempos em que uma mera suspeita ou a mera indicação de um denunciado imporia a constituição obrigatória, para usar o termo empregado na decisão que agora colocamos em crise de ser constituído arguido, as explicações foram dadas pela pessoa visada foram apreciadas pelo titular do inquérito e essas explicações, que repito não são do conhecimento deste Tribunal fundaram a decisão do titular, magistrado do ministério público de não constituir essa suspeita por isso queremos com o maior respeito cortesia e urbanidade ser algo ousado presumir que esta pessoa teria de ser obrigatoriamente constituída arguida e mais ainda que se funde uma decisão em sede de audiência de discussão e julgamento de não ouvir uma testemunha presencial de um crime grave, de criminalidade violenta, classificada pelo C.P.P. fundadas em declarações que este tribunal não conhece, por isso respeitosamente discordamos de uma tal opção como que alheada do principio da descoberta da verdade material e focada num argumento que não podemos de modo algum acompanhar e a verdade é que a pessoa indicada não tem neste processo nenhuma outra qualidade que não de testemunha que até já ouvida foi e com o devido respeito não acompanhamos a conclusão de que ela primeiro seria obrigatoriamente constituída arguida e segundo, seria inadmissível a inquirição de uma testemunha, que apenas o é, quando ela tem conhecimento directo de um crime tão grave como o crime de furto qualificado praticado nas circunstancias em causa e o prejuízo elevado que causou aos ofendidos, por estas circunstancias, por estes argumentos o M.ºP.º considera que não tem fundamento legal o artigo em que se estribou para decidir pelo indeferimento da pretensão do M.ºP.º e nessa circunstancia por omitir a produção de uma prova crucial á descoberta da verdade material consubstancia a prática da invocada nulidade.
Quanto à também rejeitada inquirição da testemunha do agente principal … acompanhamos em abstrato os fundamentos da decisão que agora se coloca em crise, não podemos é acompanhar em concreto, creio mesmo que o titular que subscreveu a acusação até foi informado desse mesmo espirito que de alguma maneira queremos por lapso de interpretação de o teor dos autos de busca e outros elementos correspondentes a diligências probatórias encetadas em sede de inquérito, terem um valor probatório já relevante e apreciado e sujeito a livre apreciação do Tribunal e por esse motivo não terá sido indicada, naturalmente que nesse momento processual de dedução da acusação o M.º P.º não podia ter conhecimento do teor da contestação que viria a ser apresentada mas mais ainda, o que também foi um fundamento do nosso requerimento poderia ter conhecimento das declarações hoje em sede de audiência de discussão e julgamento prestadas pelo arguido BB, pois que hoje prestou declarações que não coincidem sequer quanto à forma como decorreu a busca que está documentada no auto apresentado como prova e porque se revelam contraditórias com essa prova produzida previamente e ainda com informação como é mencionado no requerimento nº1 elaborada pelo mesmo agente, de 18-10-2023, se impõe como necessária à descoberta da verdade material e boa decisão da causa a inquirição deste agente, acompanhou a busca que não terá decorrido de acordo como auto nos moldes constantes das declarações hoje prestadas pelo arguido que recorde-se, além do mais é acusado da prática do crime de tráfico respeitante aos bens que lhe foram apreendidos e ás declarações dessa testemunha, creio que poderão ser relevantes e necessárias á descoberta da verdade material, no que diz respeito ao apuramento dos factos atinentes ao crime de tráfico imputado ao arguido, …
…
*
…
*
Após deliberação, pelo Mm.º Juiz Presidente foi proferido o seguinte:
DESPACHO
“Entendemos não existir nenhuma nulidade no despacho acabado de proferir, para cujos fundamentos, aliás, remetemos e que entendemos serem elucidativos dos argumentos que presidiram a tal decisão”.
(…)”.
Que dizer então do indeferimento probatório em causa?
Insurge-se o recorrente com o indeferimento da inquirição por si requerida da testemunha …, porquanto, no seu entender, tal diligência era inquestionavelmente relevante para a descoberta da verdade material, mais concretamente no que concerne ao crime de furto a que se reporta o apenso H e NUIPC 224/23.... ( pontos 24º a 28 da acusação), na medida em que tal testemunha, como fez constar do seu requerimento, tem conhecimento direto desses factos e dos seus agentes, pelo que, ao ter sido indeferida, o tribunal violou o disposto no artigo 340º, nº1, do C.P.P..
Em face de tal indeferimento, veio o recorrente arguir a respetiva nulidade processual decorrente da omissão por parte do tribunal – a quem cabe o juízo sobre a essencialidade ou indispensabilidade das diligências probatórias – da diligência por si requerida, nulidade essa prevista na segunda parte da alínea d), do nº2, do art. 120 do CPP.
Tal nulidade verifica-se quando se omite a prática de atos processuais probatórios que a lei classifica como “indispensáveis” ou “necessários” no artigo 340º e “essenciais” na al. d) do art. 120º, nº2, ambos do CPP, nas fases de julgamento e de recurso.
Com efeito, dispõe o artigo 120º do Código de Processo penal, que:
1 - Qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte.
2 - Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais:
(…)
d) (…) a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
3 - As nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas:
a)Tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto esteja terminado.
Na senda de jurisprudência maioritária, pugnamos do entendimento de que o indeferimento de requerimento, efetuado no decurso da audiência de discussão e julgamento, de produção de novos meios probatórios, à luz do disposto no artigo 340º do Código de Processo Penal, quando se entender que assim se omitem diligências essenciais à descoberta da verdade, constitui a nulidade sanável, prevista no artigo 120º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Penal, que deverá ser previamente reclamada antes que o ato onde foi praticada esteja terminado, nos termos prescritos no artigo 120º, n.º 3, alínea a) do Código de Processo Penal, no caso até ao termo da audiência de discussão e julgamento.
Deste modo, só depois de suscitada a nulidade perante o tribunal a quo poderá a mesma servir de fundamento de recurso, não sendo suscitada no decurso da audiência de julgamento deve considerar-se sanada tal como dispõe o art. 121º do CPP.
No sentido de que não tendo sido arguida a nulidade no ato, não poderá ser sindicável por via de recurso direto, acompanhamos, entre outros, a jurisprudência do Ac. da Relação de Guimarães de 27/4/2009, proferido no âmbito do processo 12/03.2TAFAF.G1. em que foi relator o Exmo Juiz Desembargador Dr. Cruz Bucho, in www.dgsi.pt/jtrg e ainda do Ac. do TRP de 12/2/2014, proferido no processo 93/08.2GASJP.P1, in www.dgsi.pt/jrp..
No caso vertente, como decorre da respetiva ata, o ora recorrente, após a prolação do despacho de indeferimento, veio arguir a respetiva nulidade, a qual vem agora sindicar.
Vejamos então se a diligência probatória em causa é, como defende o recorrente, necessária à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa e se a sua omissão consubstancia a invocada nulidade.
…
Ora, como decorre do artigo 340º, n.º 1, do Código de Processo Penal, “O Tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”.
Pode assim afirmar-se que os meios de prova serão sempre admissíveis na fase de julgamento mesmo depois do momento processual em que, por regra, deveriam ter sido produzidas – ou seja já depois da fase do inquérito, instrução, contestação ou até do art.316º do Código de Processo Penal – desde que revelem ser indispensáveis para a descoberta da verdade e boa decisão da causa e que tal produção de prova tenha lugar até ao encerramento da audiência.
Recai assim sobre o juiz o encargo de investigar e esclarecer oficiosamente o facto submetido a julgamento. Os meios probatórios não estão limitados aos fornecidos pela acusação ou pela defesa. Este princípio não se opõe à estrutura basicamente acusatória do processo penal, pois que não impede ou limita a apresentação da prova pelo Ministério Público, pelo assistente ou pelo arguido.
Como salienta Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 1ºVol., edição da C.E., 1974, pág.192, “só significa que – ao contrário do que sucede com o princípio de discussão – a atividade investigatória do tribunal não é limitada pelo material de facto aduzido pelos outros sujeitos processuais, antes se estende autonomamente a todas as circunstâncias que devem reputar-se relevantes”.
Por conseguinte, se no decurso da audiência o Tribunal, oficiosamente ou a requerimento, considerar que uma prova antes não indicada é necessária para a descoberta da verdade material e à boa decisão da causa, deve obrigatoriamente ordenar a sua produção.
Mas, ainda que assim seja, que em processo penal vigore o princípio da investigação ou da verdade material conferido pelo citado artigo 340º e também pelo artigo 323º,al.a), de acordo com o qual recai sobre o tribunal de julgamento o ónus de investigar, oficiosamente, independentemente das contribuições das partes, o facto submetido a julgamento, a verdade é que tal princípio tem os seus limites na lei, estando condicionado pelo princípio da necessidade, de acordo com o qual só são admissíveis os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para a descoberta da verdade (art.340º,nº1), pelo princípio da legalidade, segundo o qual são admissíveis os meios probatórios não proibidos por lei (arts.340º,nº3 e 125º) e pelo princípio da adequação, por força do qual não são admissíveis os meios de prova notoriamente irrelevantes, inadequados ou dilatórios (art.340º,nº4, als.a) e c) e obtenção da prova (art.340,nº4,al.b)).
E daí que, nos termos dos nºs 3 e 4 do citado artigo 340º, os requerimentos de prova sejam indeferidos:
- quando a prova ou o respetivo meio forem legalmente inadmissíveis ou;
- se for notório que:
- as provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou contestação, exceto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa;
- as provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
- o meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa;
- o requerimento tem finalidade meramente dilatória.
No presente caso, o Tribunal recorrido indeferiu o requerimento probatório apresentado pelo Ministério Público – no segmento que apreciamos - ao abrigo do disposto no artigo 340ºnº3, do CPP, com fundamento em ser o mesmo legalmente inadmissível.
Com vista a sustentar a invocada inadmissibilidade legal, aduziu o facto de a testemunha a inquirir – condutor do veículo Opel Astra – de acordo com o auto de visionamento (junto a fls 72 a 84 do apenso H, e não a fls. 135 como certamente por mero lapso se referiu no despacho) poder ser considerada suspeita da prática do crime ocorrido na Pastelaria ... e, como tal, a ser ouvida, poder recusar-se a depor.
Como se discorreu no despacho de indeferimento:
“Compulsando o auto de visionamento de folhas 135, do apenso H é narrada a existência de uma viatura de Marca Opel e modelo Astra, que acompanharia o veículo Honda Civic que procedeu ao embate com uma montra da pastelaria …, factualidade essa que consta no que concerne ao furto da referida pastelaria na acusação. Ou seja, o condutor de tal veículo estaria previsivelmente, tendo em conta a narração constante de folhas 85 do mesmo apenso, a agir em comunhão de esforços com os autores do referido furto, sem que o Tribunal sequer averigue quem será o condutor de tal viatura pois o mesmo não foi indicado nem visualizado no referido auto de visionamento.
Certo é que o mesmo será considerado suspeito da prática de um crime e, apurando-se a sua identidade, deveria ter sido obrigatoriamente constituído arguido. Não foi essa a actuação do M.ºP.º, não cabendo ao Tribunal avaliar tal opção, mas importa referir que sendo o referido individuo, cuja identidade neste momento o Tribunal desconhece, suspeito da prática de um crime e sendo o mesmo ouvido como testemunha, sempre poderá recusar-se a depor. Aliás entendemos que o mesmo nunca poderia ser ouvido como testemunha, mas sim constituído arguido. Consequentemente indeferimos a requerida inquirição nos termos do disposto no art.º 340º, nº3 do C.P.P.”.
Salvo o devido respeito, não podemos, de todo, concordar com o decidido.
Desde logo, porquanto não descortinamos qualquer impedimento legal para que a pessoa cuja inquirição foi requerida seja ouvida como testemunha, o qual, aliás, como decorre do respetivo despacho, não vem suportado em qualquer dispositivo legal, não estando também em causa qualquer uma das situações a que alude o artigo 133º do CPP.
A pessoa, cuja inquirição se requer, nunca foi, nem é, arguida no processo, inexistindo normativo legal que a impeça de testemunhar.
Se devia, ou não, ter sido constituída arguida é algo que não compete ao Tribunal recorrido sindicar.
O titular do inquérito é o Ministério Público e, nessa qualidade, entendeu, na sequência das diligências probatórias a que procedeu, com vista a apurar os factos denunciados e os seus autores, não constituir arguido a pessoa que na noite da ocorrência do furto na Pastelaria ... conduzia o veículo Opel Astra de matricula ..-OS-.. visualizado no auto de visionamento de fls. 72 a 85.
Mal ou bem (não cabe agora, nem cabia ao tribunal recorrido, fazer qualquer juízo valorativo), uma vez identificada a proprietária do veículo, apreendido este e inquirida como testemunha a pessoa que o conduzia no circunstancialismo descrito, entendeu o Ministério Público, em face do por ela adiantado e dos demais elementos recolhidos ao longo do inquérito, inexistirem fundadas suspeitas de estar implicada no crime ocorrido na referida pastelaria e, daí, nunca a ter constituído como arguido o mencionado DD, nem mesmo após as demais diligências probatórias realizadas.
Foi na qualidade de testemunha que este (condutor do veículo) foi ouvido e é com essa mesma qualidade que se mantém e foi requerido o seu depoimento, ao abrigo do disposto no citado artigo 340º do CPP, com vista à descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
E, nessa qualidade de testemunha, tem o dever de falar e de o fazer com verdade, só não sendo obrigada a responder quando alegar que das respostas resulta a sua responsabilidade penal. Ou seja, perante uma pergunta que a possa incriminar a testemunha tem duas hipóteses: ou responde e está sujeita ao dever de verdade; ou alega que da resposta resulta a sua responsabilidade penal e recusa-se a responder. Esta é uma opção da testemunha e não do inquiridor, sobre o qual não impende (porque a lei não o impõe) um dever de advertência (artigo 132, nº2, do CPP).
Por conseguinte, carece de qualquer sentido e fundamento legal afastar-se a inquirição em apreço, invocando-se a antevisão por parte do tribunal recorrido de que a testemunha irá recusar-se a depor, porquanto, no seu entender, (sindicância que, como já referimos, não lhe compete) a mesma deveria ter sido constituída arguida.
Ademais, convirá recordar que a pessoa cuja inquirição foi requerida nunca poderia, na qualidade de testemunha, recusar-se a depor (como parece ter sustentado o tribunal recorrido), sob pena de incorrer em crime de desobediência, apenas não sendo obrigada a responder a concretas perguntas em relação às quais alegue poder advir-lhe responsabilidade penal.
Aqui chegados, nenhum impedimento legal existindo para que a pessoa cuja inquirição foi requerida seja ouvida como testemunha, cremos, com franqueza, que a requerida inquirição deveria ter sido obrigatoriamente deferida, por, no caso concreto, se mostrar verdadeiramente indispensável e essencial à descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
Bastará, aliás, atentar nas razões aduzidas pelo Ministério Público no seu requerimento probatório – que aqui damos por reproduzidas - no confronto com os elementos probatórios que elencou, para se concluir no sentido da essencialidade do requerido para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
Essencialidade essa que veio a confirmar-se no acórdão recorrido, quando nele se fez consignar, entre outros argumentos, não ter sido possível concluir pelos autores dos furtos – mas apenas pelo número de indivíduos – por ninguém ter presenciado diretamente os factos.
Ora, o Ministério Público, no seu requerimento probatório, fez menção a que a testemunha … tinha conhecimento direito dos factos – factos que deram origem ao apenso H sob o NUIPC 224/23.... – e identidade dos seus autores.
Em suma, ao indeferir-se, no decurso da audiência de julgamento, a requerida inquirição por parte do Ministério Público, violando-se o preceituado no artigo 340º do CPP, foi pois cometida uma omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade material, o que constitui a nulidade prevista na parte final da alínea d), do nº2, do artigo 120º do CPP, tempestivamente invocada, a qual determina a invalidade dos atos praticados posteriormente que dela dependam, máxime o acórdão recorrido, na parte relativa à absolvição dos arguidos da prática dos crimes de furto que lhes vinham imputados, com a consequente reabertura da audiência para a inquirição da testemunha DD, sem prejuízo da realização de outras diligências que em face desta se entendam necessárias à descoberta da verdade material e boa decisão da causa, após o que deverá ser proferido novo acórdão.
III. Dispositivo
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4ªsecção penal do Tribunal da Relação de Coimbra em dar provimento aos recursos interpostos pelo Ministério Público, determinando-se a reabertura da audiência para a inquirição da testemunha …, sem prejuízo da realização de outras diligências que em face desta se entendam necessárias à descoberta da verdade material e boa decisão da causa, após o que deverá ser proferido novo acórdão, em conformidade, no que tange aos crimes de furto imputados aos arguidos.
Não é devida tributação
Coimbra, 5 de novembro de 2025