RECLAMAÇÃO
ARTIGO 105.º N.º 4 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
CONHECIMENTO OFICIOSO
INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL
MOMENTO
Sumário

I. Ponderando o disposto no artigo 14.º do CPT, mostra-se inequívoco que, nas ações emergentes de contrato de trabalho, intentadas pelo trabalhador contra a sua entidade patronal, o legislador pretendeu conferir a escolha do Tribunal territorialmente competente para julgar a causa, de entre as várias possibilidades que a lei confere, por inteiro ao trabalhador, com o propósito evidente de facilitar a este o exercício da ação judicial.
II. Embora o disposto no artigo 19.º, n.º 2, do CPT viabilize o conhecimento oficioso da incompetência territorial do tribunal de trabalho, certo é que, conforme decorre de tal preceito, no conhecimento oficioso a que se proceda, deve ser observado “o regime estabelecido nos artigos 102.º a 108.º do Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações”.
III. Estabelece o artigo 102.º do CPC que, a infração das regras de competência fundadas no valor da causa, na divisão judicial do território ou decorrentes do estipulado na convenção prevista no artigo 95.º determina a incompetência relativa do tribunal. E, por sua vez, o artigo 104.º, n.º 3, do CPC prescreve que: “O juiz deve suscitar e decidir a questão da incompetência até ao despacho saneador, podendo a decisão ser incluída neste sempre que o tribunal se julgue competente; não havendo lugar a saneador, pode a questão ser suscitada até à prolação do primeiro despacho subsequente ao termo dos articulados.”.
IV. No caso teve lugar o proferimento de despacho saneador pelo que se mostra que, o conhecimento ulteriormente efetuado da exceção de incompetência territorial, se encontra em contravenção ao momento, definido na lei, até ao qual seria legítimo ao tribunal conhecer oficiosamente da incompetência territorial. Assim, a decisão reclamada não poderá subsistir devendo ser objeto de revogação. E, em consequência, manter-se-á a competência territorial para a apreciação do presente litígio radicada no Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 1.

Texto Integral

Processo nº 3956/24.4T8LSB.L1
Reclamação – Artigo 105.º, n.º 4, do CPC.
4.ª Secção
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I.
1. Por petição inicial apresentada em juízo em 08-02-2024, AA instaurou ação emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra PSG – Segurança Privada, S.A., pedindo o seguinte:
“(…) Deve ser a presente acção julgada procedente por provada e, em consequência, declarada válida a resolução do contrato de trabalho com justa causa invocada pelo A., e a Ré condenada a pagar à A. a quantia de € 25.947,90, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4 % ao ano desde a data do vencimento e até integral pagamento, custas, selos e procuradoria condigna”.
2. No prosseguimento dos autos, em 12-03-2024, no Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 1, a que os autos foram distribuídos, teve lugar audiência de partes, na qual, na impossibilidade de acordo, foi proferido despacho a, nomeadamente, designar audiência final, de acordo com o estipulado no artigo 56.º, al. c) do CPT.
3. Na sequência, em 02-05-2024, foi designada data para a realização de audiência prévia, com o seguinte objeto:
“1) tentativa de conciliação entre as partes;
Caso as partes não alcancem um acordo,
2) dar oportunidade ao autor de se pronunciar sobre as exceções deduzidas;
3) Decidir as exceções se for possível.
4) discussão das posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio e suprir as insuficiências ou imprecisões da matéria de facto.
5) Identificação do objeto do litígio;
6) Programação dos atos a realizar na audiência final (…)”.
4. Em 09-07-2024 teve lugar audiência prévia, no âmbito da qual foi, nomeadamente, proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio, dispensada a seleção dos temas da prova, admitidos os meios de prova e designada data para a realização da audiência final.
5. Em 08-11-2024, no Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 1, foi proferido despacho onde se lê o seguinte:
“Da incompetência deste tribunal:
Da petição inicial apresentada pelo Autor, logo no art. 4º da mesma, afirma-se que o Autor e a Ré têm uma relação laboral sustentada por uma “prestação de serviços”. No entanto, não se encontra junto pelo Autor o documento que atesta a efetiva relação laboral que terá existido entre o Autor e a Ré, até ao passado dia ........2019, como igualmente vem confessado pelo Autor na sua pi.
A estar comprovada a forte suspeita da existência de uma “prestação de serviços” entre o Autor e a Ré, e decorrendo o pedido e a causa de pedir de tal relação laboral, sempre seria este Tribunal incompetente em razão da matéria.
Contudo, e não estando nos autos, prova inequívoca da referida “prestação de serviços”, importa ainda assim, apreciar a competência deste Tribunal.
Em razão do território:
Nos termos do art.º 13º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, as ações devem ser propostas no tribunal do domicílio do réu.
Conforme resulta da petição inicial, a ré tem domicílio consolidado no Estoril, pertencente a Cascais.
Dispõe o artº 33º da Lei da Organização do Sistema Judicial, que:
“Artigo 33.º
Tribunais judiciais de primeira instância
1 - Os tribunais judiciais de primeira instância incluem os tribunais de competência territorial alargada e os tribunais de comarca. 2 - O território nacional divide-se em 23 comarcas, nos termos do anexo II à presente lei, da qual faz parte integrante. 3 - Em cada uma das circunscrições referidas no número anterior existe um tribunal judicial de primeira instância. 4 - A sede, a designação e a área de competência territorial são definidas no decreto-lei que estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais. Anexo II (a que se refere o n.º 2 do artigo 33.º) “(…) Comarca de Lisboa Oeste Sede: Sintra. Circunscrição: Municípios: Amadora, Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra. (…)”.
Conforme acima se deixou demonstrado, resulta da Lei em vigor, que o Estoril - Cascais, integra a área de circunscrição da competência territorial da Comarca de Lisboa Oeste, cuja sede é em Sintra.
Sem prejuízo, sempre se dirá que o Autor tem a sua residência atualmente em Faro e anteriormente tinha em Loures, conforme se mostra consolidado no Citius.
E no que tange ao local de trabalho, apesar de ter sido em Lisboa, à data da propositura da ação, a 08.02.2024 já não existia, posto que, de acordo com a versão do Autor o mesmo terminou a 17.12.2019. Para além, de estarmos perante uma “prestação de serviços” e não face a uma efetiva relação de trabalho emergente de um contrato individual de trabalho, até conforme à própria versão do Autor.
Razão, pela qual, é incompetente, em razão do território, para tramitar e julgar a presente ação, este Tribunal de Trabalho de Lisboa, sendo competente o Juízo do Trabalho de Cascais, com competência na área da sede da Ré, (cfr. art.º 33º e 126º, Anexo II da Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto).
(…)
Nos termos do art.º 54º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, recebida a petição, se o juiz verificar deficiências ou obscuridades, deve convidar o autor a completá-la ou esclarecê-la, sem prejuízo do seu indeferimento nos termos do art.º 590º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Este último normativo determina, que, nos casos, em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º.
A incompetência territorial constitui uma exceção dilatória, que, a ter-se por verificada, determina que o juiz se abstenha do conhecimento do mérito da causa e determina a remessa do processo para o tribunal territorialmente competente (cfr. artºs. 102.º, 105.º, n.º 3, 576.º, n.º 2 in fine e 577.º, alínea a), todos do Código de processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo de Trabalho). Por outro lado, nos termos do art.º 19º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, a incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, observando-se, quanto ao mais, o regime estabelecido nos artigos 102º a 108º do Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações.
(…)
Face ao exposto, decide-se julgar verificada a exceção dilatória de incompetência deste Juízo do Trabalho de Lisboa, que se declara incompetente em razão do território para conhecer da presente ação, julgando territorialmente competente, face ao disposto no art.º 13º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o Juízo do Trabalho de Cascais, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, mais se determinando, a oportuna, remessa dos autos, ao tribunal competente, após trânsito em julgado da presente decisão.
Registe e Notifique.
Dá-se sem efeito a diligência aprazada, determinando que, prontamente, se desconvoquem todos os intervenientes processuais, pela via mais expedita.
Sem custas do incidente.
Dê baixa/anote a decisão.
D.N.”.
6. Em 21-11-2024, o autor apresentou requerimento, que indicou como “Alegações”, referindo vir interpor recurso da decisão referida em 5, para o Tribunal da Relação de Lisboa, apresentado a respetiva motivação.
7. Em 26-02-2025, na 1.ª instância foi proferido despacho de admissão de recurso.
8. Remetidos os autos a este Tribunal da Relação – e distribuídos à 4.ª Secção – pela Sra. Juíza Relatora foi proferido, em 01-04-2025, o seguinte despacho:
“(…) DA CONVOLAÇÃO DO REQUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EM RECLAMAÇÃO PARA O EXMO. SR. JUIZ PRESIDENTE DA RELAÇÃO
1. Na presente acção de processo comum foi, pela Mm.ª Juiz a quo, proferida decisão que julgou o Juízo do Trabalho de Lisboa territorialmente incompetente para o conhecimento da causa, ordenando a sua oportuna remessa para o tribunal territorialmente competente (que entendeu ser o Juízo do Trabalho de Cascais).
2. A decisão referida em 1. data de 18-11-de 2024 e foi notificada às partes por ofício datado de 19-11-2024.
3. O autor, inconformado com a decisão proferida pela Mm.ª Juiz a quo, interpôs recurso por via de requerimento1 que ajuizou aos 21-11-2024.
4. O recurso interposto pelo autor foi admitido por despacho datado de 26-02-2025.
(…)
APRECIANDO.
O Código de Processo do Trabalho, diploma adjectivo que, como se sabe, regula a tramitação das acções cuja competência é atribuída aos Juízos do Trabalho, não contém norma que especificamente regule o meio processual adequado à reacção contra despacho que declare territorialmente incompetente um juízo do trabalho, ordenando a remessa da acção para o juízo do trabalho que considere competente.
Em matéria recursória relacionada com a competência dos juízos do trabalho apenas se surpreende o art. 79.º-A, n.º 2, al. b), do Código de Processo do Trabalho, que, de todo o modo, não versa sobre a denominada incompetência relativa, sendo que nesta se inscreve a competência dos tribunais em razão do território.
Nos casos omissos rege o Código de Processo Civil, por força do art. 1.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo do Trabalho.
No Código de Processo Civil, maxime no seu art. 644.º, n.º 2, al. b), apenas se prevê a possibilidade de apelar da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal, sendo que, em matéria de competência relativa, na qual se inscrevem as regras de competência fundadas na divisão judicial do território, do despacho que a aprecie cabe reclamação, com efeito suspensivo, para o presidente da Relação respectiva, a quem cabe a decisão definitiva sobre a questão (arts. 102.º e 105.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
Conclui-se, pois, deste modo, pela inadequação do meio processual usado pelo recorrente para sindicar a decisão da 1.ª instância, que, no caso, seria a reclamação e não o recurso de apelação.
O acto praticado pela parte, posto que inscrito no prazo geral de 10 (dez) dias previsto no art. 149.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, consente, contudo, a respectiva convolação para o meio adequado, qual seja, em Reclamação para o Exmo. Sr. Presidente desta Relação, legitimada por apelo ao disposto no artigo 193.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, e, bem assim, com fundamento na doutrina fixada no AUJ n.º 2/2010 (D.R. n.º 36, Série I de 2010-02-22), que, tendo em atenção aos princípios gerais da economia processual e da prevalência do mérito sobre a forma, e por analogia com o regime do erro na forma do processo, fixou a seguinte jurisprudência:
«Fora dos casos previstos no artigo 688.º do Código de Processo Civil (na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Setembro), apresentado requerimento de interposição de recurso de decisão do relator, que não seja de mero expediente, este deverá admiti-lo como requerimento para a conferência prevista no artigo 700.º, n.º 3, daquele Código».
Esta doutrina mantém pertinência face à actual lei processual e é transponível para o caso sub iudice.
Nesta conformidade, convola-se o recurso interposto pela parte em reclamação para o Exmo. Sr. Juiz Presidente desta Relação, nos termos do disposto no art. 105.º, n.º 4, do Código d Processo Civil.
(…)
Notifique e, após, apresente os autos ao Exmo. Sr. Juiz Presidente da Relação”.
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II. “A competência do tribunal afere-se pela natureza da relação jurídica tal como ela é configurada pelo autor na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido) e os respectivos fundamentos (causa de pedir)” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12-05-2022, Pº 4239/20.4T8STB.E1, rel. FRANCISCO XAVIER; em semelhante sentido, vd., entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04-05-2023, Pº 7962/21.2T8VNG.P1, rel. ISOLETA DE ALMEIDA COSTA).
O autor reclama – conforme despacho de 01-04-2025, que convolou a pretensão de recurso em reclamação deduzida ao abrigo do disposto no artigo 105.º, n.º 4, do CPC - da decisão que julgou verificada exceção de incompetência territorial do Juízo do Trabalho de Lisboa e considerou como competente o Juízo do Trabalho de Cascais.
A infração das regras de competência fundadas na divisão judicial do território determina a incompetência relativa do tribunal.
Os critérios territoriais de determinação da competência determinam em que circunscrição territorial deve a ação ser instaurada.
O critério geral nesta matéria é o de que o autor deve demandar, em regra, no tribunal do domicílio do réu (regra semelhante consta, relativamente a pessoas coletivas e sociedades). Contudo, a lei prevê casos em que esse critério geral é afastado por regras especiais.
Assim, sempre que alguma das regras especiais for aplicável à situação em causa, o critério geral não terá aplicação, sendo antes aplicável a regra especial.
Como refere Miguel Teixeira de Sousa (A competência declarativa dos tribunais comuns; 1994, Lex, p. 83) “os critérios especiais determinam a competência territorial em função de um nexo entre o tribunal e o objecto da causa ou as partes da acção”.
No presente caso, conforme decorre da petição inicial, a ação visa o reconhecimento da validade da resolução do contrato de trabalho com justa causa invocada pelo A., e a Ré condenada a pagar à A. a quantia de € 25.947,90, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4 % ao ano desde a data do vencimento e até integral pagamento.
Importa salientar que, a decisão reclamada, de 18-11-2024, conheceu da exceção de incompetência territorial, que declarou, com fundamento no facto de a ré ter domicílio no Estoril, pertencente a Cascais, pelo que, nos termos do artigo 13.º do CPT, devendo a ação ser instaurada no domicílio do réu, o tribunal competente territorialmente seria o Juízo do Trabalho de Cascais.
Contesta o reclamante esta decisão, dizendo que “o lugar da prestação de trabalho é nas instalações da Refer BB, em Lisboa, o domicilio do A. é na Rua 1, e o domicilio da Ré é na Rua 2”, pelo que, deveria ser considerada a opção a que se reporta o artigo 14.º do CPT, sendo que, em “sede de audiência prévia foi proferido despacho saneador que esclareceu essa matéria, pelo que o Tribunal competente para julgar a presente acção é o Juízo do Trabalho de Lisboa”.
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III. Vejamos:
A divergência entre a decisão reclamada e a posição da reclamante assenta, quanto à aplicação à situação dos autos, do disposto no artigo 13.º do Código de Processo do Trabalho ou do disposto no artigo 14.º, n.º 1, do mesmo Código.
Dispõe o artigo 13.º do CPT – com a epígrafe “Regra geral” em sede de competência territorial – que:
“1 - As ações devem ser propostas no juízo do trabalho do domicílio do réu, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes (…)”.
Para além desta regra geral – sendo que o n.º 1 do artigo 13.º do CPT ressalva a aplicabilidade das disposições constantes dos artigos seguintes - , o Código de Processo do Trabalho consagra diversas regras especiais de competência territorial, de acordo com a natureza do processo que seja instaurado, regulando, sucessivamente, as ações emergentes de contrato de trabalho (artigo 14.º), as ações emergentes de acidentes de trabalho ou de doença profissional (artigo 15.º), as ações emergentes de despedimento colectivo (artigo 16.º), as ações referentes a questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese, ortopedia e outros serviços ou prestações efetuados ou pagos em benefício de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais, as ações destinadas a anular os atos e contratos celebrados por quaisquer entidades responsáveis com o fim de se eximirem ao cumprimento de obrigações resultantes da aplicação da legislação sindical ou do trabalho (cfr. artigo 17.º do CPT e artigo 126.º, n.º 1, als. d) e e) da LOSJ) e as ações de liquidação e partilha de bens de instituições de previdência, de associações sindicais, de associações de empregadores ou de comissões de trabalhadores e outras em que sejam requeridas essas instituições, associações ou comissões (artigo 18.º do CPT).
Assim, neste sentido, o n.º 1 do artigo 14.º do CPT – com a epígrafe “Ações emergentes de contrato de trabalho” – prescreve, como norma especial de competência territorial, que:
1 - As ações emergentes de contrato de trabalho intentadas por trabalhador contra a entidade empregadora podem ser propostas no juízo do trabalho do lugar da prestação de trabalho ou do domicílio do autor.(…)”.
Sendo o trabalho prestado em mais de um lugar, podem as acções referidas no n.º 1 ser intentadas no tribunal de qualquer desses lugares (cfr. artigo 14.º, n.º 3, do CPT).
Quando seja aplicável a regra especial de competência, a regra geral deverá ceder a sua aplicação àquela.
Assim, conforme se deu nota no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05-02-2018 (Pº 1485/15.6T8VLG.P1, rel. NELSON FERNANDES), “os artigos 14.º a 19.º do CPT estabelecem situações particulares que, no âmbito da competência interna, determinam a competência territorial dos tribunais portugueses, sendo que, resultando do artigo 14.º que as ações emergentes de contrato de contrato de trabalho podem ser propostas no tribunal do lugar da prestação do trabalho ou do domicílio do autor, essa regra afasta a regra geral prevista no artigo 13.º. A opção entre o tribunal do lugar da prestação de trabalho ou do domicílio do autor assiste a quem figure como autor na ação (…)”.
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V. No caso dos presentes autos, está em questão uma ação emergente de contrato de trabalho, intentada pelo trabalhador contra a sua entidade empregadora, visando-se o reconhecimento de vínculo laboral e o pagamento da quantia peticionada.
Ponderando o disposto no artigo 14.º do CPT, mostra-se inequívoco que, nas ações emergentes de contrato de trabalho, intentadas pelo trabalhador contra a sua entidade patronal, o legislador pretendeu conferir a escolha do Tribunal territorialmente competente para julgar a causa, de entre as várias possibilidades que a lei confere, por inteiro ao trabalhador, com o propósito evidente de facilitar a este o exercício da ação judicial (neste sentido, Albino Mendes Baptista, em anotação ao art. 14.º, Código de Processo do Trabalho Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, 2002; e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-04-2009, Pº 141/08.6TTVIS-A.C1, rel. FERNANDES DA SILVA).
Sucede que, no caso dos autos, no momento em que foi proferida a decisão reclamada, já tinha sido proferido despacho saneador.
Ora, embora o disposto no artigo 19.º, n.º 2, do CPT viabilize o conhecimento oficioso da incompetência territorial do tribunal de trabalho, certo é que, conforme decorre de tal preceito, no conhecimento oficioso a que se proceda, deve ser observado “o regime estabelecido nos artigos 102.º a 108.º do Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações”.
Estabelece o artigo 102.º do CPC que, a infração das regras de competência fundadas no valor da causa, na divisão judicial do território ou decorrentes do estipulado na convenção prevista no artigo 95.º determina a incompetência relativa do tribunal.
E, por sua vez, o artigo 104.º, n.º 3, do CPC prescreve que: “O juiz deve suscitar e decidir a questão da incompetência até ao despacho saneador, podendo a decisão ser incluída neste sempre que o tribunal se julgue competente; não havendo lugar a saneador, pode a questão ser suscitada até à prolação do primeiro despacho subsequente ao termo dos articulados.”.
Ora, conforme decorre do antes referido e dos autos, no caso teve lugar o proferimento de despacho saneador pelo que se mostra que, o conhecimento ulteriormente efetuado da exceção de incompetência territorial, se encontra em contravenção ao momento, definido na lei, até ao qual seria legítimo ao tribunal conhecer oficiosamente da incompetência territorial.
Assim, a decisão reclamada não poderá subsistir devendo ser objeto de revogação.
E, em consequência, manter-se-á a competência territorial para a apreciação do presente litígio radicada no Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 1.
*
VI. Nos termos expostos, julga-se procedente a reclamação apresentada, revogando-se o despacho reclamado, declarando-se competente para prosseguir a lide, o Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 1.
Sem custas.
Notifique.
Baixem os autos.
Lisboa, 04-04-2025,
Carlos Castelo Branco.