RECURSO DE REVISTA
INDEFERIMENTO
INCIDENTE
SUSPEIÇÃO
Sumário

I. O n.º 3 do artigo 123.º do CPC consagra uma restrição decisória face à decisão do presidente do Tribunal que aprecie o incidente de suspeição.
II. Nos termos do art.º 671.º do CPC, que define a amplitude do recurso de revista, este apenas é admissível do acórdão da Relação.
III. O presidente da Relação decide em singular, não sendo a sua decisão passível de reclamação para um órgão de natureza colegial, que profira nomeadamente acórdão sobre a matéria. Neste contexto, inexistindo decisão com a natureza de acórdão, não é possível também o recurso da decisão do presidente da Relação, que, decidindo o incidente de suspeição, condenou o requerente como litigante de má fé.
IV. A restrição recursória abrange não apenas os recursos ordinários – apelação e revista - , mas também, os recursos extraordinários – uniformização de jurisprudência e revisão (cfr. artigo 627.º, n.º 2, do CPC), na medida em que, estes últimos, constituem uma das espécies de recursos legalmente admissíveis.
V. Assim, em face do disposto no artigo 123.º, n.º 3, do CPC, o recurso de revista de decisão que conheça de incidente de suspeição julgado improcedente, mas no qual a requerente da suspeição foi considerada como litigante de má fé e condenada em conformidade, não é admissível.

Texto Integral

Pº 870/21.9T8MFR-F.L1
8.ª Secção
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I.
1. Por apenso ao processo n.º …/…-…T8MFR-D (autos de promoção e proteção), que corre termos no Juízo de Família e Menores de Mafra, A …, requerida no referido processo, veio, por requerimento apresentado em juízo em 25-03-2025, subscrito pela Advogada B …, deduzir incidente de suspeição, relativamente ao Juiz de Direito C ….
2. Por decisão singular de 14-05-2025 e nos termos e com os fundamentos aí exarados, foi indeferido o incidente de suspeição e a requerente da suspeição condenada, como litigante de má fé, na multa de 5 (cinco) U.C.’s.
3. Em 04-06-2025 a requerente da suspeição apresentou nos autos requerimento pelo qual veio pretender “reclamar para a Conferência, ao abrigo do disposto nos arts 652º e 542º do CPC, 20ºda CRP e 10º da Convenção Universal dos
Direitos Humanos”.
4. Por despacho proferido em 06-06-2025, a referida pretensão foi objeto de indeferimento.
5. Por requerimento entrado em juízo em 06-06-2025, a requerente da suspeição apresenta requerimento e alegação de recurso de “Revista para o Supremo Tribunal de Justiça da Decisão Singular que, decidindo da Suspeição, condena a Requerente em multa por litigância de má-fé, ao abrigo do artº 542º nº 3 do CPC, 20º da CRP e 6º da Convenção Universal dos Direitos Humanos”.
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II. Sobre o julgamento do incidente de suspeição estabelece o artigo 123.º do CPC o seguinte:
“1 - Recebido o processo, o presidente da Relação pode requisitar das partes ou do juiz recusado os esclarecimentos que julgue necessários; a requisição é feita por ofício dirigido ao juiz recusado, ou ao substituto quando os esclarecimentos devam ser fornecidos pelas partes.
2 - Se os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da suspeição ou da resposta não puderem ser logo oferecidos, o presidente admite-os posteriormente, quando julgue justificada a demora.
3 - Concluídas as diligências que se mostrem necessárias, o presidente decide sem recurso; quando julgar improcedente a suspeição, apreciará se o recusante procedeu de má-fé”.
O n.º 3 do artigo 123.º do CPC consagra uma restrição decisória face à decisão do presidente do Tribunal que aprecie o incidente de suspeição.
Apreciando a aludida norma e, em particular, a questão da in/admissibilidade recursória da decisão que conheça da litigância de má fé no âmbito do incidente de suspeição, teceram-se, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-12-2016 (Pº 4751/04.2TVLSB.L1-B.S1, rel. OLINDO GERALDES), as seguintes considerações, que merecem a nossa adesão:
“O incidente de suspeição de juiz, suscitado designadamente na Relação, é decidido pelo seu presidente, não sendo essa decisão passível de recurso, conforme decorre, de forma expressa, do disposto no art. 123.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC).
Por outro lado, em tal decisão, no caso de improcedência, apreciar-se-á também se o requerente do incidente de suspeição “procedeu de má fé”, nos termos constantes da parte final do n.º 3 do art. 123.º do CPC.
Os termos da responsabilidade por má fé encontram-se, genericamente, plasmados no art. 542.º, n.º s 1 e 2, do CPC.
A decisão do presidente da Relação sobre o incidente de suspeição de juiz, incluindo o segmento da condenação por má fé, não admite recurso, por disposição especial da lei, nomeadamente do n.º 3 do art. 123.º do CPC.
Esta norma legal, com efeito, estipula, textualmente, que o “presidente decide sem recurso”. Trata-se, com efeito, de uma exceção ao regime geral estabelecido no art. 629.º do CPC (J. LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, 1.º, 1999, pág. 235).
Podendo a decisão, em caso de improcedência do incidente de suspeição, contemplar ainda a condenação em má fé, é evidente que também se lhe estende a impossibilidade legal de recurso, não podendo retirar-se da redação do n.º 3 do art. 123.º do CPC um sentido contrário, quando interpretado, como é exigível, nos termos das regras consagradas no art. 9.º do Código Civil.
De resto, não serve invocar o disposto no art. 542.º, n.º 3, do CPC, segundo o qual “independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé”.
Esta regra geral, permitindo sempre o recurso, em um grau, quanto à condenação por má fé, introduzida no Código de Processo Civil pelo DL n.º 180/96, de 25 de setembro, porém, não se aplica ao incidente de suspeição, por efeito da prevalência da lei especial consagrada no n.º 3 do art. 123.º do CPC. Na verdade, a lei especial sobrepõe-se à lei geral, aplicando-se a primeira em detrimento da segunda.
A não admissibilidade de recurso da decisão do incidente de suspeição, que decorre de lei especial, não ofende, por outro lado, qualquer princípio de ordem constitucional.
Com efeito, embora as decisões judiciais sejam, por regra, recorríveis, pode o legislador, no âmbito do seu poder conformador, fixar certas limitações, nomeadamente no âmbito do direito ao recurso, sem contudo afetar a essência do direito a um processo equitativo, integrante da tutela jurisdicional efetiva, consagrada normativamente no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.
O processamento do incidente de suspeição está sujeito aos princípios do contraditório e da igualdade, salvaguardando a natureza do processo equitativo. Por outro lado, o estatuto pessoal do presidente da Relação, democraticamente eleito, confere-lhe especial idoneidade para apreciar o incidente de suspeição.
Além disso, o incidente de suspeição, questionando abertamente a imparcialidade do juiz, característica essencial do exercício da função de julgar, tende a ser de rara aplicação, sendo certo ainda que o seu fundamento se baseia em situações muito objetivas (art. 120.º, n.º 1, do CPC), que, improcedendo, permitem realizar um julgamento fácil quanto à questão da má fé.
A dedução da suspeição do juiz, constituindo matéria assaz melindrosa, ao pôr em causa a falta de uma qualidade essencial do juiz, como é a sua imparcialidade, exige naturalmente uma grande prudência do requerente do incidente, de modo a não provocar, injustificadamente, um lastro de desconfiança relativamente a quem tem por função soberana administrar a justiça e, dessa forma, corroer um dos alicerces do estado de direito democrático.
Para além de não existir qualquer inconstitucionalidade material, também não ocorre qualquer violação dos arts. 6.º e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, quanto ao direito a um processo equitativo e recurso efetivo.
Como se viu, o direito a um processo equitativo e recurso efetivo não está posto em causa, porquanto se compreende, facilmente, as razões da limitação do recurso, no caso do incidente de suspeição, e que exige uma rápida decisão definitiva, de modo a travar a desconfiança prolongada no juiz.
Face aos fundamentos, ao processamento e ao fim do incidente de suspeição do juiz, não há razão para, em concreto, o descaraterizar como um processo equitativo, sendo certo ainda que a sua figura não se define in abstracto (I. CABRAL BARRETO, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª edição, 2005, págs. 132 e 141).
Finalmente, nos termos do art. 671.º do CPC, que define a amplitude da revista, esta apenas é admissível do acórdão da Relação.
O presidente da Relação, na verdade, decide em singular, sendo certo que a sua decisão não é passível de reclamação para um órgão de natureza colegial, que profira nomeadamente acórdão sobre a matéria.
Neste contexto, inexistindo decisão com a natureza de acórdão, não é possível também o recurso da decisão do presidente da Relação, que, decidindo o incidente de suspeição, condenou o requerente como litigante de má fé”.
No mesmo sentido, traduzindo constância nesta jurisprudência, vd. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03-10-2013 (Pº 5/11.6TCGMR-B.G1.S1, rel. NUNO CAMEIRA) e de 07-09-2021 (Pº 17937/16.8T8LSB-C.E1-A.S1, rel. FÁTIMA GOMES).
A aludida interpretação normativa foi já sancionada pelo Tribunal Constitucional, sem verificação de alguma inconstitucionalidade. Veja-se, por exemplo, o Acórdão deste Tribunal n.º 174/2018 (Pº 318/2017, rel. JOANA FERNANDES COSTA), concluindo em “[n]ão julgar inconstitucional a norma decorrente do n.º 3 do artigo 123.º do Código de Processo Civil, quando interpretado no sentido de que se encontra excluída a possibilidade de recorrer, em um grau, da decisão do Presidente do Tribunal da Relação que, julgando improcedente o incidente de suspeição de juiz, condene o recusante como litigante de má fé em sanção processual” e o Acórdão do T.C. n.º 30/2020 (Pº 176/19, rel. PEDRO MACHETE) sublinhando que a lei “não (…) reconhece a possibilidade de impugnar a decisão que sobre a má fé da sua conduta processual venha a ser tomada (…)”.
A restrição recursória abrange não apenas os recursos ordinários – apelação e revista - , mas também, os recursos extraordinários – uniformização de jurisprudência e revisão (cfr. artigo 627.º, n.º 2, do CPC), na medida em que, estes últimos, constituem uma das espécies de recursos legalmente admissíveis.
Assim, em face do disposto no artigo 123.º, n.º 3, do CPC, o recurso de revista de decisão que conheça de incidente de suspeição julgado improcedente, mas no qual a requerente da suspeição foi considerada como litigante de má fé e condenada em conformidade, não é admissível.
A referida inadmissibilidade conduz ao indeferimento do requerimento recursório.
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III. Pelo exposto, de harmonia com os termos e fundamentos expendidos, indefere-se o requerimento de interposição de recurso de revista apresentado em 06-06-2025.
Notifique.

Lisboa, 12-06-2025,
Carlos Castelo Branco.