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CONFLITO DE DISTRIBUIÇÃO
DISTRIBUIÇÃO
PROCESSO CIVIL
REVOGAÇÃO
MANUTENÇÃO DO RELATOR
ARTIGO 218.º DO CPC
Sumário
1. O critério que resulta da previsão normativa do artigo 218.º do CPC assenta na circunstância de o objeto da reformulação da decisão primeiramente proferida – e do consequente recurso dela interposto – resultar encerrado, ou não, com o recurso decidido. 2. Assim, se a decisão do tribunal ad quem não põe termo definitivo à questão em discussão no recurso e implica uma nova decisão, como por exemplo, nos casos em que tribunal superior ordena a produção ou renovação de produção de meios de prova, manda corrigir deficiências de fundamentação de facto, manda aditar novos factos, ou determina o aperfeiçoamento de articulados, então, não pondo essas decisões termo definitivo à questão subjacente ao objeto do recurso, operará a regra da manutenção do relator estabelecida no artigo 218.º do CPC. 3. No caso, não tendo as questões jurídicas submetidas à apreciação do tribunal - relacionadas com a nulidade da escritura de justificação, com a validade do negócio dissimulado de compra e venda do imóvel confinante, e com o reconhecimento do direito de preferência do autor na aquisição do imóvel, por ser proprietário confinante - sido encerradas definitivamente com o acórdão de 23-03-2023, opera o comando normativo a que se reporta o artigo 218.º do CPC, na medida em que a revogação da decisão então recorrida - operada pelo acórdão de 23-03-2023 - não encerrou as questões então em discussão, pelo que, sendo agora interposto novo recurso, o mesmo deverá ser apreciado pelo coletivo de juízes que julgou o primitivo recurso.
Texto Integral
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I.
1) Em 18-05-2021, AA instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra BB, CC, DD, EE, FF e GG, pedindo: “A) Ser declarada a nulidade da escritura de justificação que legitima a 1ª R. como proprietária do prédio rústico, com a área de 737m2, descrito na Conservatória do Registo Predial da Calheta sob o nº ... e inscrito na matriz predial sob o art. ..., localizado no sitio da Lagoa, freguesia do Paul do Mar, concelho da Calheta. B) Reconhecida a aquisição pela 1ª R. aos 2ºs RR., por compra do prédio rústico, id. em A), pelo preço de €30.000,00 (trinta mil Euros). C) Declarado o A. como legal preferente no contrato de compra e venda referido em B) e, por via disso ser reconhecido ao mesmo o direito de haver para si, pelo preço e despesas inerentes à escritura – depositando o preço -, o prédio rústico com a área de 737m2, descrito na Conservatória do Registo Predial da Calheta sob o nº ... e inscrito na matriz predial sob o art. .../001, localizado no sitio da Lagoa, freguesia do Paul do Mar, concelho da Calheta, sub-rogando-se assim na posição de comprador na referida compra e venda e consequentemente declarado proprietário do referido prédio. D) Cancelado o registo da aquisição a favor da 1ª R. do prédio rústico, id. em A.”.
2) No desenvolvimento dos autos, em 30-11-2022 foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os réus dos pedidos.
3) Interposto que foi recurso de apelação pelo autor, em 23-03-2023, o coletivo de juízes – a Sra. Juíza Desembargadora Gabriela Marques, como relatora, e os Srs. Juízes Desembargadores Adeodato Brotas e Vera Antunes, como 1.º e 2.º adjuntos, respetivamente – subscreveram acórdão cujo dispositivo decidiu: “(…) julgar: a) Improcedente o recurso de apelação quanto à ampliação dos pedidos formulados pelo Autor; b) Procedente o recurso de apelação e, consequentemente, revoga-se a decisão que absolveu os réus e ordena-se o prosseguimento dos autos para conhecimento dos pedidos formulados pelo Autor (…)”.
4) Prosseguindo os autos na 1.ª instância, em 26-05-2023 foi proferido despacho destinado a identificar o objeto do litígio, a enunciar os temas da prova, a pronunciar-se sobre a prova.
5) Após ter tido lugar a realização de audiência de discussão e julgamento, em 09-02-2025 foi proferida nova sentença, em cujo dispositivo se lê, nomeadamente, o seguinte: “(…) a) Julgar os Réus EE, FF e GG partes ilegítimas na presente ação e, em consequência, absolver os mesmos da instância; b) Declarar a nulidade da escritura de justificação que legitima(va) a 1ª R. como proprietária do prédio rústico mencionado em 3. dos factos dados como provados; c) Declarar o demais peticionado pelo Autor improcedente, por não provado e, subsequentemente, absolver a 1ª e os 2.º Réus de tais pedidos. d) Condenar as partes no pagamento das custas processuais, na proporção do decaimento, que se fixa em 3/5 para o Autor e 2/5 para os Réus.”.
6) Por requerimento e alegação apresentados em juízo em 21-03-2025, o autor interpôs recurso de apelação, tendo os réus DD e marido, contra-alegado.
7) Proferido que foi – em 23-05-2025 – despacho de admissão liminar do recurso, os autos foram remetidos ao Tribunal da Relação de Lisboa.
8) Em 29-05-2025, os autos foram objeto de distribuição, sendo sorteados à 6.ª Secção, sendo a Sra. Juíza Desembargadora Anabela Calafate, como relatora, a Sra. Juíza Desembargadora Vera Antunes, como 1.ª Adjunta, e o Sr. Juiz Desembargador Jorge Esteves, como 2.º adjunto.
9) Em 03-06-2025, a Sra. Juíza Desembargadora Anabela Calafate proferiu despacho do seguinte teor: “Considerando o disposto no art. 218º do CPC e a decisão proferida pelo Exmo Presidente do Tribunal desta Relação em 13/05/2025 no Proc. 22446/18.8T(LSB-A.L2 no âmbito de conflito de distribuição, ordeno a remessa dos autos à secção central para que sejam distribuídos à Exma Relatora Dra Gabriela de Fátima Marques e Exmos Adjuntos Dr Adeodato Brotas e Dra Vera Antunes.”.
10) Na sequência, os autos foram redistribuídos, por atribuição, na Secção Central – em 04-06-2025 – à Sra. Juíza Desembargadora Gabriela Marques, como relatora, ao Sr. Juiz Desembargador Adeodato Brotas, como 1.º ajunto, e à Sra. Juíza Desembargadora Vera Antunes, como 2.º adjunto.
11) Em 09-06-2025, a Sra. Juíza Desembargadora Gabriela Marques proferiu despacho do seguinte teor: “Da inaplicabilidade da norma da distribuição prevista no artº 218º do Código de Processo Civil: AA interpôs a presente acção contra BB, CC E HH, EE, FF, E GG, todos com os demais sinais dos autos, pedindo: A) Que seja declarada a nulidade da escritura de justificação que legitima a 1.ª Ré como proprietária do prédio rústico, com a área de 737m2, descrito na Conservatória do Registo Predial da Calheta sob o n.º ... e inscrito na matriz predial sob o artigo .../001, localizado no sitio da Lagoa, freguesia do Paul do Mar, concelho da Calheta: B) Reconhecida a aquisição pela 1.ª Ré aos 2.ºs Réus, por compra do prédio rústico, identificado em A), pelo preço de 30.000,00 € (trinta mil euros); C) Declarado o Autor como legal preferente no contrato de compra e venda referido em B) e, por via disso ser reconhecido ao mesmo o direito de haver para si, pelo preço e despesas inerentes à escritura – depositando o preço –, o prédio rústico com a área de 737m2, descrito na Conservatória do Registo Predial da Calheta sob o nº ... e inscrito na matriz predial sob o artigo .../001, localizado no sitio da Lagoa, freguesia do Paul do Mar, concelho da Calheta, sub-rogando-se assim na posição de comprador na referida compra e venda e consequentemente declarado proprietário do referido prédio; D) Cancelado o registo da aquisição a favor da 1.ª Ré. do prédio rústico, identificado em A. Citados os RR. os quais contestaram e após vicissitudes dos autos em termos processuais, veio a ser proferida decisão de mérito no saneador julgando a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolvendo os Réus dos pedidos formulados. A decisão em causa tinha na sua base a circunstância de no entender do Tribunal de 1ª instância existir inaplicabilidade do vício correspondente à simulação estando em causa uma escritura de justificação, fundamentando-se, além do mais, que: «(…) que a escritura de justificação notarial constitui uma mera declaração, feita pelo interessado para efeitos de estabelecimento do trato sucessivo no registo predial, para reatamento do trato sucessivo no registo predial, ou, ainda, para estabelecimento de novo trato sucessivo no registo predial, nos termos dos artigos 89.º, 90.º e 91.º, todos do Código do Notariado. Acontece que mesmo que as declarações prestadas na escritura de justificação sejam falsas (e no caso são os próprios 1.ª Ré e 2.ºs Réus a reconhecer na contestação que o foram, ainda que tal justifiquem com ignorância e desconhecimento) e mesmo que tal como alegado pelo Autor, tal tivesse sido acordado entre a 1.º Ré e os 2.ºs Réus, o certo é que a escritura de justificação notarial constitui uma mera declaração, não é um contrato nem sequer um negócio jurídico unilateral receptício (como o é, por exemplo, o testamento). Sendo uma mera declaração, a escritura de justificação não é legalmente passível de simulação, prevista no artigo 240.º, n.º 1, do CC, nos termos do qual um negócio diz-se simulado quando, por acordo, entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante.». Concluindo ainda que: «Decorre do exposto, como também conclui o mesmo aresto, que a escritura de justificação notarial em causa nos autos, outorgada pela 1.º Ré BB, não é susceptível de fazer nascer a favor do Autor o direito de preferência que ele invoca na presente acção, previsto no artigo 1380.º, n.º 1, do CC. Por outro lado, mesmo que tenha existido por trás de tal escritura de justificação um acordo verbal de compra e venda do prédio em causa, como alega a petição, o certo é que tal negócio nunca seria válido por falta de forma, nos termos estabelecidos no artigo 875.º, do CC. Sendo que o exercício do direito de preferência, após efectuada a terceiro a alienação da coisa, pressupõe sempre a validade deste acto, pois não é possível, sob pena de contradição entre pedidos, pedir a nulidade de um negócio e, simultaneamente, a sua validade para efeitos de exercício do direito de preferência.». Vieram os RR. recorrer de tal decisão, pedindo que se ordene a revogação do despacho de indeferimento da ampliação, substituindo-o por outro que admita a ampliação do pedido requerida pelo A. e afinal proferido Acórdão que substitua a decisão por outra que julgue a acção procedente por provada. Por Acórdão proferido neste Tribunal, secção e colectivo, a 23/03/2023, foi julgado improcedente o recurso de apelação quanto à ampliação dos pedidos formulados pelo Autor e procedente o recurso de apelação e, consequentemente, revogou-se a decisão que absolveu os réus e ordenou-se o prosseguimento dos autos para conhecimento dos pedidos formulados. O Acórdão proferido assentou tal decisão, no essencial, na natureza jurídica da justificação notarial como enquadrável na categoria doutrinal dos “quase negócios jurídicos”. Pelo que tal como se expõe em tal decisão «(…)na justificação notarial não deixa de existir uma manifestação exterior de vontade, ou seja, enquanto os actos materiais são provocados pela simples vontade de agir, nos actos quase negociais é necessário que o agente queira e entenda o acto a produzir (neste sentido Castro Mendes in “Teoria Geral II” 18-25). Daí que Castro Mendes situa a usucapião na categoria de acto quase negocial, sendo que esta serve de base à escritura de justificação. Aqui chegados e concluindo pela natureza quase negocial da escritura em apreço importará aferir que regime jurídico se lhe aplica, sendo que para o efeito haverá que convocar o disposto no artº 295º do CC, que dispõe que ao acto jurídico aplicam-se as disposições sobre o negócio jurídico na medida da analogia das situações, ou seja, quando as razões determinantes dos respectivos preceitos legais o justifiquem.(…)». Prosseguindo-se em concreto que: «É manifesto que a declaração da 1ª ré foi de exteriorização de vontade e nessa medida ser-lhe-ão aplicáveis as normas relativas a esta, nomeadamente actos que a inquinam, neste caso a simulação do negócio, ou até a possibilidade de retratação, como ocorreu nos autos. Acresce que não permitir a um proprietário confinante invocar tal vício quando estivermos perante uma escritura de justificação, que não deixa de ser um acto translativo de propriedade, por forma a ver afirmado o seu direito de preferência, seria permitir afastar esse mesmo proprietário como interessado para efeito de permitir a impugnação pelo mesmo. Afastamo-nos assim, da doutrina defendida pelo Acórdão de Coimbra aludido na decisão recorrida e que a sustenta, pois entendemos que por força do critério analógico permitido pelo artº 295º do CC ao acto jurídico em causa, pode o Autor opor a simulação.». Resulta assim, que a decisão proferida nestes autos pela ora subscritora como relatora, decidiu definitivamente a questão relativa à possibilidade de o Autor poder opor aos réus os vícios da vontade alegadamente ocorridos no âmbito da escritura de justificação notarial, estando em causa quanto ao prosseguimento dos autos a comprovação ou não da simulação convocada. Na 1ª instância e face ao Acórdão foi assim, ordenado o prosseguimento dos autos nomeadamente com audiência de julgamento e realizado este foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “a) Julgar os Réus EE, FF e GG partes ilegítimas na presente ação e, em consequência, absolver os mesmos da instância; b) Declarar a nulidade da escritura de justificação que legitima(va) a 1ª R. como proprietária do prédio rústico mencionado em 3. dos factos dados como provados; c) Declarar o demais peticionado pelo Autor improcedente, por não provado e, subsequentemente, absolver a 1ª e os 2.º Réus de tais pedidos. d) Condenar as partes no pagamento das custas processuais, na proporção do decaimento, que se fixa em 3/5 para o Autor e 2/5 para os Réus.”. Inconformado com tal decisão veio o Autor recorrer da mesma. Admitido o recurso, neste Tribunal foi pela Sr. Juiz Desembargadora que presidiu à distribuição proferido o seguinte despacho: “Considerando o disposto no art. 218º do CPC e a decisão proferida pelo Exmo Presidente do Tribunal desta Relação em 13/05/2025 no Proc. 22446/18.8T(LSB-A.L2 no âmbito de conflito de distribuição, ordeno a remessa dos autos à secção central para que sejam distribuídos à Exma Relatora Dra Gabriela de Fátima Marques e Exmos Adjuntos Dr. Adeodato Brotas e Dra Vera Antunes.”. Entendemos que neste caso não é de aplicar o disposto no artº 218º do Código de Processo Civil, e por aplicação da decisão proferida pelo Presidente deste Tribunal o que ocorre é que a decisão proferida por este colectivo decidiu definitivamente a questão – a possibilidade de arguir a simulação na escritura de justificação notarial – não sendo de aplicar o preceito referido. Com efeito, na decisão convocada e proferida pelo Presidente da Relação, relativa à decisão no caso de conflito de distribuição, expõe-se que: «(…)estabelece o artigo 218.º do CPC - com a epígrafe "Manutenção do relator, no caso de novo recurso" — que: "Se, em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça dos poderes conferidos pelo n.º 3 do artigo 682.°, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator". É indiscutível que toda a norma jurídica carece de interpretação. E a interpretação da lei há-de efetuar-se seguindo uma metodologia hermenêutica que, levando em conta todos os elementos de interpretação - gramatical, histórico, sistemático e teleológico -, permita determinar o adequado sentido normativo da fonte correspondente ao "sentido possível" do texto (letra) da lei. (…). Como anotam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3J ed., 2023, p. 249): "Esta norma introduzida no CPC de 2013 rege estritamente sobre matéria recursória, constituindo expressão do princípio da plenitude da assistência do juiz (art. 605°). À mesma subjaz um intuito profiláctico de obviar à proliferação de decisões meramente formais nas instâncias superiores e prossegue também objectivos atinentes à eficácia dos mecanismos processuais, na medida em que a apreciação do novo recurso que venha a ser interposto incumbe ao mesmo relator". Pretende-se com o preceito, a continuidade do relator quando, em consequência de anulação ou revogação, a questão não ficou encerrada. Conforme se lê na exposição de motivos da Proposta de lei n.° 113/XII, de 22-11-2012 (que deu origem ao Código de Processo Civil), a respeito do regime instituído pelo artigo 218.° do CPC: "Procede-se ao reforço do princípio da concentração do processo ou do recurso num mesmo juiz. No que respeita aos tribunais superiores, estabelece-se identicamente como regra a manutenção do relator, no caso de ter de ser reformulada a decisão recorrida e, na sequência de tal reformulação, de vir a ser interposto e apreciado um novo recurso. Se, em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça em sede de revista, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é. sempre que possível, distribuído ao mesmo relator". O critério que parece resultar da previsão normativa do artigo 218.° do CPC e na manutenção ou não do relator anterior assenta, pois, na circunstância de o objeto da reformulação da decisão primeiramente proferida - e do consequente recurso dela interposto - resultar encerrada, ou não, com o recurso decidido. Assim, se em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça dos poderes conferidos pelo n°. 3 do artigo 682°, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator. Nos mesmos moldes se orientou a decisão singular proferida pelo Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Évora de 13-02-2020 (P° 308/16.3T8SLV.E2, rel. CANELAS BRÁS): "... quando se encerra o tema objecto do recurso, se não ordena tal reformulação (apenas que se confirma ou revoga o decidido) e o processo volta a subir em novo recurso: aí já não vai para o mesmo relator". Assim, se a decisão do tribunal superior põe definitivamente termo à questão em causa no recurso, qualquer outro recurso que no mesmo processo venha a ser interposto posteriormente fica sujeito a distribuição e não a atribuição ao primitivo relator.» ( sublinhado no original). Volvendo ao caso destes autos, a questão decidida em anterior Acórdão ficou definitivamente decidida, sendo que a sentença objecto de recurso não decidiu a mesma questão, que era aliás prévia, ou seja, a possibilidade de se arguir a simulação, sendo que na decisão objecto deste recurso aferiu-se e decidiu-se se existia o vício de vontade convocado pelo Autor nos autos. De tudo o exposto resulta que não é de aplicar nos autos o previsto no artº 218º do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, a remessa dos autos à distribuição. Informe o Exmo. Sr. Juiz Presidente. D.N. (…)”.
12) Na sequência, os autos foram redistribuídos, por atribuição, na Secção Central – em 12-06-2025 – à Sra. Juíza Desembargadora Anabela Calafate, como relatora, à Sra. Juíza Desembargadora Vera Antunes, como 1.ª Adjunta, e ao Sr. Juiz Desembargador Jorge Esteves, como 2.º adjunto.
13) Em 13-06-2025, a Sra. Juíza Desembargadora Anabela Calafate proferiu despacho do seguinte teor: “No acórdão proferido em 23/03/2023 foi entendido pela Exma Relatora e pelos Exmos Adjuntos que o tribunal superior ainda não dispunha dos elementos necessários para conhecer do mérito da causa, referindo-se: «Aqui chegados, analisando o teor dos articulados juntos pelas partes podemos concluir pela confissão dos RR. quanto ao acto simulatório, porém, faltam elementos de prova que nos permitam aferir do teor absoluto do negócio havido entre as partes (o dissimulado), ainda que resulte que seja de compra e venda, faltará provar os seus termos concretos, mormente o preço. Logo, a revogação da decisão não importará por este tribunal a decisão em substituição, pois os autos devem prosseguir com o elenco dos factos a considerar tendo por base a confissão das partes e a prova que se imponha quanto aos factos ainda em falta.» De notar que a primeira sentença proferida pela 1ª instância julgou a acção improcedente, com total omissão de matéria de facto. Portanto, foi ordenado o prosseguimento dos autos para ser apurada a matéria de facto em ordem a constituir a base para ser proferida a decisão de direito. Por isso, sendo evidente que o anterior colectivo só considerou não ser possível proferir decisão final sobre o mérito da causa por não dispor de matéria de facto, deverá proferir o acórdão por já dispor desse elemento que estava em falta, como resulta claro das normas que referi no despacho anterior. Assim, vejo-me na necessidade de suscitar o conflito de distribuição perante o Exmo Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa. Remeta à secção central”.
14) Em 25-06-2025, o Ministério Público pronunciou-se, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 112.º, n.º 2, do CPC, por força do disposto no artigo 114.º do mesmo Código, concluindo que: “(…) a questão jurídica submetida à apreciação do tribunal, relacionada com a nulidade da escritura de justificação e com a validade do negócio dissimulado de compra e venda do terreno confinante e, ainda, com o reconhecimento do direito de preferência do A. na aquisição do imóvel, por ser proprietário confinante, não foi encerrada definitivamente com o Acórdão de 23.03.2023, razão porque entendemos que o novo recurso deve ser distribuído à senhora juíza desembargadora Gabriela de Fátima Marques que o prolatou”.
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II.
Nos termos do disposto no artigo 203.º do CPC, o ato processual da “distribuição” – designado pelo legislador como “especial” – tem a seguinte finalidade: “É pela distribuição que, a fim de repartir com igualdade o serviço judicial, se designa a secção, a instância e o tribunal em que o processo há de correr ou o juiz que há de exercer as funções de relator.”.
De harmonia com o previsto no artigo 204.º do CPC, as operações de distribuição e registo previstas nos números 2 a 6, são realizadas por meios eletrónicos, as quais devem garantir aleatoriedade no resultado e igualdade na distribuição do serviço, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º (n.º 1).
A portaria a que se refere o referido normativo é – no que respeita aos tribunais judiciais -a portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto (retificada pela declaração de retificação n.º 44/2013, de 25 de outubro), alterada pelas portarias n.ºs. 170/2017, de 25 de maio (cfr. retificação n.º 16/2017, de 6 de junho), 267/2018, de 20 de setembro, 86/2023, de 27 de março e 360-A/2023, de 14 de novembro.
De harmonia com o disposto no n.º 3 do artigo 204.º do CPC, a distribuição é presidida por um juiz, designado pelo presidente do tribunal de comarca e secretariado por um oficial de justiça, com a assistência obrigatória do Ministério Público e, caso seja possível por parte da Ordem dos Advogados, de um advogado designado por esta ordem profissional, todos em sistema de rotatividade diária sempre que, quanto àqueles, a composição do tribunal o permita.
A distribuição obedece às seguintes regras (cfr. artigo 204.º, n.º 4, do CPC):
a) Os processos são distribuídos por todos os juízes do tribunal e a listagem fica sempre anexa à ata;
b) Se for distribuído um processo a um juiz que esteja impedido de nele intervir, deve ficar consignada em ata a causa do impedimento que origina a necessidade de fazer nova distribuição por ter sido distribuído a um juiz impedido, constando expressamente o motivo do impedimento, bem como anexa à ata a nova listagem;
c) As operações de distribuição são obrigatoriamente documentadas em ata, elaborada imediatamente após a conclusão daquelas e assinada pelas pessoas referidas no n.º 3, a qual contém necessariamente a descrição de todos os atos praticados.
A lei regula outros aspetos acessórios, prescrevendo, em particular, no n.º 6 do artigo 204.º do CPC (com a redação conferida pelo D.L. n.º 97/2019, de 26 de julho e pela Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto) que, “sem prejuízo do disposto nos números anteriores, nos casos em que haja atribuição de um processo a um juiz, deve ficar explicitada na página informática de acesso público do Ministério da Justiça que houve essa atribuição e os fundamentos legais da mesma”.
Por seu turno, estabelece o n.º 1 do artigo 205.º do CPC que, “a falta ou irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum ato do processo, mas pode ser reclamada por qualquer interessado ou suprida oficiosamente até à decisão final”.
A lei processual prevê disposições particulares sobre o ato de distribuição nos tribunais superiores, a que se referem, em particular, os artigos 213.º a 218.º do CPC, que, em suma, se podem resumir ao seguinte:
- A distribuição que contém as espécies referidas no artigo 214.º do CPC, é efetuada uma vez por dia, de forma eletrónica;
- A distribuição é presidida por um juiz, designado pelo presidente do respetivo tribunal e secretariado por um oficial de justiça, com a assistência obrigatória do Ministério Público e, caso seja possível por parte da Ordem dos Advogados, de um advogado designado por esta ordem profissional, todos em sistema de rotatividade diária, podendo estar presentes, se assim o entenderem, os mandatários das partes;
- É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 204.º, n.ºs. 4 a 6 do CPC, com as seguintes especificidades:
a) A distribuição é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro;
b) Deve ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo;
- Quando tiver havido erro na distribuição, o processo é distribuído novamente, aproveitando-se, porém, os vistos que já tiver; mas se o erro derivar da classificação do processo, é este carregado ao mesmo relator na espécie devida, descarregando-se daquela em que estava indevidamente;
- A distribuição é efetuada por meios eletrónicos, nos termos previstos nos artigos 204.º e 213.º do CPC; e
- Na distribuição atende-se à ordem de precedência dos juízes, como se houvesse uma só secção.
O Regulamento nº 269/2021, de 22 de março, do Conselho Superior da Magistratura, Regulamento das Situações de Alteração, Redução ou Suspensão da Distribuição de Processos (publicado no DR nº 56/2021, Série II, de 22-03-2022) veio estabelecer, por seu turno, os princípios, critérios, requisitos e procedimentos a que deve obedecer a determinação pelo Conselho Superior da Magistratura das medidas a que aludem os artigos 149.º, n.º 1, alíneas n) e o), 151.º, alínea c), e 152.º-C, n.º 1, alíneas g) e h), do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aplicáveis aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Primeira Instância, definindo diversas situações:
a) Distribuição: conjunto de operações de repartição automática, semiautomática e manual, por sorteio, dos processos entrados em Juízo, nos Juízos que integrem mais do que um Magistrado Judicial;
b) Alteração da distribuição: modificação das operações de repartição dos processos entrados em Juízo, nos Juízos que integrem mais do que um Magistrado Judicial, realizada no sistema informático de suporte à atividade dos Tribunais, através do modo manual por certeza;
c) Redução da distribuição: modificação das operações de repartição dos processos entrados em Juízo, realizada no sistema informático de suporte à atividade dos Tribunais, operada através da fixação de uma percentagem do número total de processos ou na limitação das espécies processuais a repartir, com os fundamentos previstos na alínea h) do n.º 1 do artigo 152.º -C do Estatuto dos Magistrados Judiciais, sendo que em caso de limitação quantitativa, a diferença entre o número de processos correspondente à percentagem fixada e o número total de processos que deveria ser repartido pelo Magistrado, de acordo com os modos de distribuição que comportem sorteio, é repartido pelos demais Magistrados que integrem a unidade orgânica, efetuando o sistema informático, de forma automática, as compensações nos contadores da distribuição;
d) Suspensão da distribuição: interrupção, por tempo determinado, das operações de repartição dos processos entrados em Juízo, nos Juízos que integrem mais do que um Magistrado Judicial, realizada no sistema informático de suporte à atividade dos Tribunais;
e) Redistribuição: repetição do conjunto de operações de repartição automática, semiautomática e manual, por sorteio, dos processos entrados em Juízo, nos Juízos que integrem mais do que um Magistrado Judicial, a qual pode comportar ou não a exclusão de um ou mais Magistrados Judiciais da nova repartição e pressupõe, em qualquer caso, que os processos objeto da mesma já tinham sido distribuídos em momento anterior, pela forma indicada em a).
Estabelece o artigo 4.º do referido Regulamento os princípios gerais nesta matéria: “A alteração, suspensão, redução da distribuição ou a consequente redistribuição de processos, pressupõe a impossibilidade de substituição por outro juiz, devendo garantir aleatoriedade no resultado e igualdade na distribuição do serviço, assegurando a salvaguarda dos princípios do juiz natural, da legalidade, da proibição do desaforamento, da independência e da imparcialidade dos tribunais”, regulando-se, nos artigos seguintes do Regulamento, as diversas situações que podem determinar a alteração, redução ou suspensão de distribuição.
Sobre situações de “segunda distribuição” dispõe o artigo 217.º do CPC, nos seguintes termos: “1 - Se no ato da distribuição constar que está impedido o juiz a quem o processo foi distribuído, é logo feita segunda distribuição na mesma escala; o mesmo se observa caso, mais tarde, o relator fique impedido ou deixe de pertencer ao tribunal. 2 - Se o impedimento for temporário e cessar antes do julgamento, dá-se baixa da segunda distribuição, voltando a ser relator do processo o primeiro designado e ficando o segundo para ser preenchido em primeira distribuição; se o impedimento se tornar definitivo, subsiste a segunda distribuição”.
Por seu turno, estabelece o artigo 218.º do CPC – com a epígrafe “Manutenção do relator, no caso de novo recurso” – que: “Se, em consequência de anulação ou revogação da decisãorecorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça dos poderes conferidos pelo n.º 3 do artigo 682.º, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator”.
É indiscutível que toda a norma jurídica carece de interpretação. E a interpretação da lei há-de efetuar-se seguindo uma metodologia hermenêutica que, levando em conta todos os elementos de interpretação - gramatical, histórico, sistemático e teleológico -, permita determinar o adequado sentido normativo da fonte correspondente ao "sentido possível" do texto (letra) da lei.
Referia Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, II Vol., p. 525) que: “(...) Nos tribunais superiores (Relações e Supremo Tribunal de Justiça) de constituição colectiva, é pela distribuição que se apura quais os juízes que hão-de intervir no julgamento do feito (...). Lê-se no artigo 209.º que a distribuição aponta o juiz que há-de exercer as funções de relator; e dos artigos 226.º, 227.º e 700.º se conclui igualmente que a distribuição visa somente a determinar o desembargador ou o conselheiro a quem cabe exercer o papel de relator. Mas como os desembargadores e os conselheiros estão colocados no tribunal por certa ordem, previamente fixada, (...), e, por outro lado, os juízes chamados a intervir são os imediatos ao relator (arts. 707.º e 728.º), segue-se que, designado o relator, ficam necessariamente designados os outros julgadores. (...)”.
De facto, nos tribunais superiores, antes da entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto, a distribuição bastava-se com a determinação aleatória do relator, pois, estando os juízes desembargadores ou conselheiros colocados no tribunal por certa ordem pré-fixada, em termos da sua antiguidade na categoria correspondente, assim se determinava a composição do tribunal coletivo (mostrando-se, por consequência, que não seria necessária qualquer previsão no sentido de abranger na previsão do artigo 218.º do CPC, então em vigor, a expressa referência aos juízes adjuntos que compunham, com o relator, o coletivo.
Sucede que, com a alteração conferida pela Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto, as alíneas do n.º 3 do artigo 213.º do CPC passaram a prever que a distribuição “é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro” e que “deve ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo”.
A referida lei teve por base o projeto de Lei 553/XIV/2ª, que visou introduzir mecanismos de controlo da distribuição eletrónica dos processos judiciais, procedendo à décima alteração ao Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho lendo-se na respetiva Exposição de motivos, nomeadamente, o seguinte: “(…) Determinam-se regras claras a que deve obedecer a distribuição: (i) os processos são distribuídos por todos os juízes do tribunal, ficando a listagem anexa à ata; (ii) se for distribuído um processo a um juiz que esteja impedido de nele intervir, deve ficar consignada em ata a necessidade de fazer nova distribuição por ter sido distribuído a um juiz impedido, constando expressamente o motivo do impedimento, bem como anexa à ata a nova listagem; (iii) as operações de distribuição são obrigatoriamente documentadas em ata, elaborada imediatamente após a conclusão daquelas e assinada pelas pessoas nelas presentes, a qual contém necessariamente a descrição de todos os atos praticados. Nos casos em que haja atribuição de um processo a um juiz, exige-se que fique explicitada na página informática de acesso público do Ministério da Justiça que houve essa atribuição e os fundamentos legais da mesma. (…) As alterações ora introduzidas ao Código do Processo Civil aplicam-se à distribuição de processos não só nos tribunais de 1.ª instância, mas também nos tribunais superiores, concretamente nas Relações e no Supremo Tribunal de Justiça, sendo que nestes últimos se introduzem as seguintes especificidades: (i) a distribuição é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro; (ii) deve ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo de juízes. Estas especificidades justificam-se para eliminar as eventuais cumplicidades existentes entre os juízes que compõem o coletivo decisor do recurso e para favorecer a existência de uma efetiva equipa que aprecia e decide o objeto do recurso. Como é sabido, no atual sistema, o relator a quem é distribuído o processo nos tribunais superiores é, por regra, acompanhado sempre dos mesmos juízes-adjuntos, o que gera climas de confiança excessivos e propícios a análises menos ponderadas por parte destes últimos, sendo exatamente isto que este projeto também pretende evitar. É precisamente para evitar que situações dessas sucedam que se propõe que as distribuições nos tribunais superiores sejam feitas por relator e por juízes-adjuntos, procurando-se garantir que não sejam sempre os mesmos juízes a constituir a dupla decisora (no crime) ou o trio decisor (no cível) (…)”.
Sucede que, com a entrada em vigor da referida lei, para além de se ter deixado intocada a previsão do n.º 2 do artigo 652.º do CPC e do artigo 203.º do CPC, não se alterou o regime constante do artigo 218.º do mesmo Código.
Em face da conjugação das normas atualmente em vigor pode, assim, questionar-se, no caso de ocorrer a situação prevista no artigo 218.º do CPC – de se manter o relator, no caso de novo recurso e tenha, no primeiro, ocorrido decisão de anulação ou revogação com remessa do processo à 1.ª instância (caso em que o processo lhe deverá ser atribuído) – se deverá proceder-se, ou não, à distribuição do processo por novos adjuntos em conformidade com o previsto nas mencionadas alíneas do n.º 3 do artigo 213.º do CPC.
A interpretação normativa da previsão do artigo 218.º do CPC há-de efetuar-se, não só, no seu sentido literal, mas, compreender-se não só no contexto histórico – sendo que a sua previsão literal fazia sentido num regime em que os juízes adjuntos estavam pré-determinados, por força da consideração da respetiva ordenação – mas também, interpretando a referida norma atualística e sistematicamente, por forma a concluir que, em caso de se ter determinado primeiramente a anulação ou revogação com remessa do processo para julgamento e, ocorrendo este, venha a ter lugar novo recurso, não visou o legislador (salvo se ocorra motivo de impedimento de um dos juízes adjuntos), que se efetuasse nova distribuição, pela simples circunstância de que, o ato de distribuição inicialmente efetuado não padece de qualquer erro ou irregularidade, antes, tendo, legitima e propriamente à face da lei então em vigor, determinado o relator (e os juízes adjuntos) que deveriam julgar o recurso inicial e, que, caso a decisão fosse de anulação ou de revogação de decisão da 1.ª instância – e o processo houvesse de prosseguir termos – em caso de novo recurso, julgariam o novo recurso.
A constituição do coletivo com novos juízes adjuntos, na apontada situação, determinaria, na prática, uma situação de desaforamento ilegítimo (cfr. artigo 39.º da LOSJ) face à designação legal dos juízes determinada pela primeira operação distributiva efetuada (e com referência à determinação dos juízes adjuntos que a lei, à data, então, compelia a efetuar).
*
III.
Dispõe o artigo 218º do CPC que: “Se em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça dos poderes conferidos pelo nº. 3 do artigo 682º, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator”.
Como anotam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., 2023, p. 249): “Esta norma introduzida no CPC de 2013 rege estritamente sobre matéria recursória, constituindo expressão do princípio da plenitude da assistência do juiz (art. 605º). À mesma subjaz um intuito profiláctico de obviar à proliferação de decisões meramente formais nas instâncias superiores e prossegue também objectivos atinentes à eficácia dos mecanismos processuais, na medida em que a apreciação do novo recurso que venha a ser interposto incumbe ao mesmo relator”.
Pretende-se com o preceito, a continuidade do relator quando, em consequência de anulação ou revogação, a questão não ficou encerrada.
Conforme se lê na exposição de motivos da Proposta de lei n.º 113/XII, de 22-11-2012 (que deu origem ao Código de Processo Civil), a respeito do regime instituído pelo artigo 218.º do CPC: “Procede-se ao reforço do princípio da concentração do processo ou do recurso num mesmo juiz. No que respeita aos tribunais superiores, estabelece-se identicamente como regra a manutenção do relator, no caso de ter de ser reformulada a decisão recorrida e, na sequência de tal reformulação, de vir a ser interposto e apreciado um novo recurso. Se, em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça em sede de revista, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator”.
O critério que parece resultar da previsão normativa do artigo 218.º do CPC e na manutenção ou não do relator anterior assenta, pois, na circunstância de o objeto da reformulação da decisão primeiramente proferida – e do consequente recurso dela interposto – resultar encerrada, ou não, com o recurso decidido.
Assim, se em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça dos poderes conferidos pelo nº. 3 do artigo 682º, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator.
Nos mesmos moldes se orientou a decisão singular proferida pelo Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Évora de 13-02-2020 (Pº 308/16.3T8SLV.E2, rel. CANELAS BRÁS): “…quando se encerra o tema objecto do recurso, se não ordena tal reformulação (apenas que se confirma ou revoga o decidido) e o processo volta a subir em novo recurso: aí já não vai para o mesmo relator”.
Assim, se a decisão do tribunal superior põe definitivamente termo à questão em causa no recurso, qualquer outro recurso que no mesmo processo venha a ser interposto posteriormente fica sujeito a distribuição e não a atribuição ao primitivo relator.
Se, por exemplo, o tribunal de recurso decide sobre a não admissão de um meio prova, sobre a admissão de incidente de intervenção de terceiros, sobre a não suspensão da instância, sobre a competência absoluta do tribunal, ou condene em multa ou outra sanção processual, qualquer outro recurso que venha posteriormente a ser interposto fica sujeito a distribuição, uma vez que se hão-de considerar encerradas as questões objeto do recurso.
Porém, se a decisão do tribunal ad quem não põe termo definitivo à questão em discussão no recurso e implica uma nova decisão, como por exemplo, nos casos em que tribunal superior ordena a produção ou renovação de produção de meios de prova, manda corrigir deficiências de fundamentação de facto, manda aditar novos factos, ou determina o aperfeiçoamento de articulados, então, não pondo essas decisões termo definitivo à questão subjacente ao objeto do recurso, operará a regra da manutenção do relator estabelecida no artigo 218.º do CPC.
Vejamos a situação dos autos:
No caso em apreço, a Sra. Juíza Desembargadora Anabela Calafate remeteu os autos ao anterior coletivo – que julgou o recurso e prolatou o acórdão de 23-03-2023 – invocando verificar-se a situação prevista no artigo 218.º do CPC.
Ao invés, a Sra. Juíza Desembargadora Gabriela Marques, considera não se verificar a situação prevista no artigo 218.º do CPC, por o acórdão de 23-03-2023 ter decidido definitivamente a questão referente à “possibilidade de arguir a simulação na escritura de justificação notarial”.
Ora, afigura-se-nos líquido que o conhecimento do objeto recursório, empreendido pelo acórdão proferido em 23-03-2023, compreendeu que, não merecia revogação, a decisão proferida sobre a admissibilidade da ampliação dos pedidos formulados e, quanto ao mais, decidiu sobre a bondade do juízo de improcedência formulado na decisão então recorrida, no que respeita à impossibilidade de ocorrer simulação no âmbito da escritura de justificação notarial.
Estes segmentos do recurso foram apreciados e mostram-se decididos e as questões que, por eles se suscitaram, estão “encerradas”.
A questão coloca-se, contudo, relativamente ao apuramento dos termos do negócio dissimulado de compra e venda celebrado entre os réus, tendo por base a confissão das partes e a prova que se impunha quanto aos factos ainda em falta quanto ao preço e condições de pagamento acordados, questões que já estavam latentes no recurso primitivamente interposto.
O acórdão de 23-03-2023 expendeu sobre este ponto, em particular, o seguinte: “(…) analisando o teor dos articulados juntos pelas partes podemos concluir pela confissão dos RR. quanto ao acto simulatório, porém, faltam elementos de prova que nos permitam aferir do teor absoluto do negócio havido entre as partes (o dissimulado), ainda que resulte que seja de compra e venda, faltará provar os seus termos concretos, mormente o preço. Logo, a revogação da decisão não importará por este tribunal a decisão em substituição, pois os autos devem prosseguir com o elenco dos factos a considerar tendo por base a confissão das partes e a prova que se imponha quanto aos factos ainda em falta. Acresce que ao contrário do defendido na sentença recorrida em nada releva para efeito da afirmação ou não do direito de preferência do Autor a alegada declaração da ré no sentido de ter sido dado sem efeito a escritura de justificação em causa, consubstanciando-se tal circunstância como sendo alegada causa de inutilidade superveniente da lide e, logo, da sua extinção. Aliás a afirmação de que tal escritura já havia “legalmente” sido revogada é contraditória com a natureza jurídica que a própria sentença confere a tal acto, pois a possibilidade de revogação é igualmente própria dos negócios jurídicos e essa possibilidade apenas é permitida nos termos da doutrina do critério analógico previsto no artº 295º do CC, critério esse afastado pela sentença ao excluir a possibilidade de simulação relativo a tal acto jurídico. Quanto à consequência da alegada revogação para o eventual direito de preferência do Autor relativamente ao negócio dissimulado, importa ter presente que a revogação ocorreu após a citação dos réus nesta acção, ou seja já após o pedido de afirmação de tal direito pelo Autor. Pelo que obsta à consideração de tal acto revogatório, afirmada que seja a preferência aquando da subsunção dos factos a apurar ao direito, o disposto no nº 2 do artº 1410º do CC, ao dispor que o direito de preferência e a respectiva acção não são prejudicados pela modificação ou distrate da alienação, ainda que estes efeitos resultem de confissão ou transacção judicial. De tudo o exposto, procede a apelação quanto à revogação do despacho, ordenando-se que os autos prossigam para conhecimento do direito do Autor (…).”.
A necessidade de cumprimento do ordenado pelo Tribunal da Relação ocasionou um novo julgamento e uma nova decisão da 1ª. instância, sendo que o objeto do litígio por esta apreciado, versou sobre aspetos que já estavam presentes na primitiva discussão recursória, “não encerrada” por falta de prova, tendo sido determinado, precisamente, que fossem apurados os termos do negócio dissimulado de compra e venda celebrado entre os réus, tendo por base a confissão das partes e a prova que se impunha quanto aos factos ainda em falta quanto ao preço e condições de pagamento acordados, visando o reconhecimento ou não do direito de preferência invocado.
De facto, tendo a decisão do tribunal superior de 23-03-2023 posto “definitivamente” termo à questão prévia da possibilidade de arguição da simulação no âmbito de escritura de justificação notarial, já não o fez, por não dispôr de elementos para o efeito - quanto às questões relacionadas com a nulidade da escritura de justificação, com a validade do negócio dissimulado de compra e venda do terreno confinante e com a verificação (ou não) do invocado direito de preferência - e determinou o prosseguimento dos autos para julgamento.
Acolhem-se, neste sentido, as considerações tecidas no parecer emitido pelo Ministério Público, que se transcrevem: “O Acórdão do TRL de 23.03.2023, pese embora tenha decidido ser de aplicar o vício de simulação à escritura de justificação notarial, revogando nessa parte a primeira decisão de 1ª instância, não encerrou definitivamente a questão jurídica em discussão, que continuou em aberto para efeitos de apreciação do negócio dissimulado de compra e venda celebrado pelos RR. Por tal razão, não decidiu de mérito por não dispor dos elementos de facto suficientes para apreciar os contornos da venda, tendo ordenado a baixa dos autos à 1ª instância para apurar os factos relativos aos contornos desse negócio, nomeadamente o preço pago para aquisição do imóvel. Nessa sequência, em cumprimento do acórdão desta Relação, o tribunal a quo ordenou a produção de prova, tendo proferido nova sentença a declarar a nulidade da do negócio simulado da escritura justificação e a validade do negócio dissimulado da compra e venda celebrada entre as partes, bem como a improcedência de tudo o demais peticionado pelo A., nomeadamente do direito de preferência no negócio de compra e venda dissimulado. Mais uma vez inconformado com o decidido, interpôs o A. novo recurso de apelação a impugnar a matéria de facto dada por assente, pugnando pela revogação do decidido em 1ª instância. Resulta assim do exposto que a questão jurídica submetida à apreciação do tribunal, relacionada com a nulidade da escritura de justificação e com a validade do negócio dissimulado de compra e venda do terreno confinante e, ainda, com o reconhecimento do direito de preferência do A. na aquisição do imóvel, por ser proprietário confinante, não foi encerrada definitivamente com o Acórdão de 23.03.2023 (…)”.
Neste sentido, tem operatividade a prescrição a que se reporta o artigo 218.º do CPC, na medida em que a revogação da decisão então recorrida, operada pelo acórdão de 23-03-2023 não encerrou as questões então em discussão, pelo que, sendo agora interposto novo recurso, o mesmo deverá ser apreciado pelo coletivo de juízes que julgou o primitivo recurso.
Não deverá, pois, subsistir a distribuição operada em 29-05-2025, uma vez que não havia fundamento legal para se proceder a nova operação distributiva.
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IV.
Nos termos expostos, decide-se o presente conflito de distribuição, no sentido de que, atento o disposto no artigo 218.º do CPC, é competente para a decisão a proferir relativamente ao recurso interposto, o coletivo de juízes a quem foi distribuído o primitivo recurso - a Sra. Juíza Desembargadora Gabriela Marques, como relatora, e os Srs. Juízes Desembargadores Adeodato Brotas e Vera Antunes, como 1.º e 2.º adjuntos, respetivamente.
Não existindo fundamento legal para a operação distributiva operada em 29-05-2025, deve dar-se baixa da correspondente distribuição.
Sem custas.
Notifique, d.n. e, após trânsito, publique-se na base de dados de acórdãos deste Tribunal da Relação de Lisboa (https://www.dgsi.pt), remetendo-se a mesma, por email, através do secretariado da Presidência, a todos os Srs. Juízes Desembargadores das Secções Cíveis, da Secção de Comércio, da Secção Social e da Secção da P.I.C.R.S.