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JUIZ DE INSTRUÇÃO
INDÍCIOS
ABUSO DE PODER
Sumário
Sumário: I - O juiz de instrução, dentro dos limites da sua intervenção (sem oralidade, sem imediação e sem contraditório), tem, todavia, que proceder à apreciação dos elementos dos autos e procurar um grau de convicção semelhante ao julgamento, embora para atingir os juízos indiciários próprios desta fase processual (e não a prova). II - O concurso de contratação foi aberto na sequência de um pedido de necessidade de recrutamento de pessoal que emergiu da necessidade de transitar o Sistema de Informação Geográfica dos Serviços Municipalizados para o pelouro do Planeamento Urbanístico. III - A “urgência” determinou que o concurso tivesse outros critérios de avaliação que não aqueles que decorrem das normas procedimentais ordinárias de contratação pública. Não houve prova de conhecimentos. Apenas avaliação curricular e entrevista de selecção. IV - Homologada a classificação final do concurso, os dois candidatos vencedores continuaram a exercer as mesmas funções de secretário pessoal da Presidente da CM e no departamento jurídico da CM. Quer no período experimental, quer após tal período. Nada se alterou. E nada de geografia e planeamento. Afinal, desvaneceu-se a urgência (necessidade de recrutamento de pessoal para transitar o Sistema de Informação Geográfica dos Serviços Municipalizados para o pelouro do Planeamento Urbanístico. A urgência só serviu para alterar as regras do concurso. V - Os candidatos vencedores continuaram a fazer o que até faziam. Só que agora já eram técnicos superiores. VI - E AA esteve omnipresente quanto a BB. Era sua superiora hierárquica antes do concurso e monitorizou o seu período experimental. Tendo em conta a sua proximidade ao candidato, a sua participação no júri violou os deveres de isenção e neutralidade que impendem sobre membros do júri em concursos para funções públicas. VII - Há que julgar procedente o recurso e, por via disso, revogar o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro, considerando indiciados os factos descritos na acusação pública, e, em sequência, a pronunciar os arguidos CC, DD e AA, como autores materiais e na forma consumada, de um crime de abuso de poder, previsto e punido nos termos dos artigos 382.º e 386.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal.
Texto Integral
Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - Relatório
No Juízo de Instrução Criminal de ..., Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi proferido o seguinte despacho de não pronúncia: “ Decisão Instrutória Nos presentes autos em que são arguidos AA, BB e CC, veio a arguida CC requerer abertura de instrução, nos termos do disposto no art. 287.º do Código de Processo Penal, por se mostrar inconformada com o despacho de acusação proferido pelo Ministério Público, que lhe imputa a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de poder, previsto e punido pelos arts. 382.º e 386.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal. Pugnou, em súmula, pela prescrição do procedimento criminal, já que, no seu entender, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de cinco anos e, nessa medida, considerando a data do último acto praticado pelo júri (30.11.2016), não tendo ocorrido qualquer causa de suspensão ou de interrupção, o mesmo mostrou-se integralmente ultrapassado desde o dia 21.12.2021, sendo que em tal data a arguida ainda não havia sido constituída como arguida. Por outro lado, e caso se considere a data de notificação da acusação, entre o dia da alegada prática dos factos e a data de notificação do despacho de acusação, já haviam decorrido 7 anos e 11 meses, pelo que já havia decorrido o prazo de prescrição, acrescido de metade. Mais alegou, quanto à matéria de facto que lhe é imputada, que as funções exercidas pela arguida enquanto membro do júri se encontravam reguladas pela portaria 83 A/2009, de 22 de Janeiro, nomeadamente quanto ao dever de fundamentação, não estando assim a arguida vinculada às normas supletivas identificadas na acusação como tendo sido violadas, pelo que não se mostra preenchido o elemento objectivo do crime de abuso de poder. Por outro lado, entende que a acusação não descreve factos objectivos que possam sustentar que a arguida se encontrava em situação de impedimento, bem como existe falta de descrição na acusação da norma legal que estabelece o alegado impedimento da arguida. De igual modo, existe falta de descrição, na acusação, quanto à norma que impunha aos arguidos a aplicação da fórmula de ponderação da avaliação curricular feita constar no art. 31.º da acusação e, bem assim, que da acusação não consta a factualidade suficiente para o preenchimento dos elementos subjectivos do tipo de crime em análise. Termina, peticionando que seja proferido despacho de não pronúncia. * O Tribunal é o competente e o processo mostra-se isento de nulidades que o invalidem. * Da prescrição do procedimento criminal. Nos termos do art. 118.º do Código Penal “O procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos: a) 15 anos, quando se tratar de: (…) ii) crimes previstos nos arts. (…) 382.º, 383.º e 384.º do Código Penal”. O art. 120.º do Código Penal, prevê, por seu turno, as causas de suspensão da prescrição e o art. 121.º do mesmo diploma as suas causas de interrupção. Compulsados os autos, constatamos que os arguidos se encontram acusados da prática de um crime de abuso de poder, previsto e punido pelo art. 382.º do Código Penal, o que significa, nos termos do mencionado preceito, que o prazo de prescrição do procedimento criminal é de quinze anos e não de cinco, como arguido a arguida no seu RAI. E, assim sendo, considerando a data dos factos que consta da acusação, não se mostra ainda decorrido o aludido prazo de prescrição, sendo improcedente a excepção invocada. Notifique. * Inexistem outras questões prévias e/ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra, neste momento, conhecer. * Declarada aberta a instrução, procedeu-se à realização do debate instrutório, diligência que decorreu de acordo com as formalidades legais, conforme resulta da respectiva acta. * Aqui chegados, nos termos do disposto no artº 308.º nº 1 do CPP, cumpre proferir decisão instrutória, ou seja, apurar se dos autos resultam indícios suficientes de se verificarem os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena aos arguidos. Das finalidades da instrução: (…) O caso dos autos: Do crime de abuso de poder. Preceitua o art. 382.º do Código Penal que comete o crime de abuso de poder, "o funcionário que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa (...)". O crime de abuso de poder prevê a incriminação das condutas que não estejam abrangidas nos restantes tipos legais de crimes cometidos no exercício de funções públicas. O preenchimento do tipo objetivo de ilícito poderá ter lugar através do abuso de poderes ou da violação de deveres pelo funcionário, sendo que em ambos os casos terão que se tratar de poderes ou deveres inerentes à função. Este "abuso de poderes", de uma forma geral, define-se como uma instrumentalização dos poderes (inerentes à função), para finalidades contrárias às permitidas pelo direito. São várias as situações suscetíveis de configurar esse abuso de poderes por parte do funcionário, como sejam: o agente que excede os limites da sua competência, quanto à natureza dos assuntos que lhe são confiados, em razão do grau hierárquico, em razão do lugar ou em razão do tempo (incompetência relativa); a conduta do funcionário que desrespeite formalidades impostas por lei, ou atua fora dos casos estabelecidos na lei (violação da lei); o agente que faz uso dos seus poderes para um fim diverso daquele para o qual eles lhe foram conferidos (desvio de poder). A violação de deveres reporta-se aos casos em que o funcionário viola os deveres funcionais, isto é, os deveres que estão relacionados com o exercício da função (tanto os deveres funcionais específicos como os deveres funcionais genéricos). Os deveres funcionais específicos são os impostos por normas jurídicas ou instruções de serviço e os deveres funcionais genéricos, e no que concerne aos funcionários, referem-se a toda a atividade desenvolvida no âmbito da administração do Estado, como o dever de obediência, o dever de zelo, o dever de sigilo, o dever de isenção, o dever de lealdade, o dever de correção, o dever de assiduidade, o dever de pontualidade. O tipo subjetivo é doloso, exigindo-se ainda que o agente atue com a intenção de obter para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa. O benefício ilegítimo caracteriza-se como toda a vantagem que se pretende retirar de uma certa e determinada atuação, de forma ilegítima, enquanto reflexo da ilicitude decorrente da atuação do agente. Já o prejuízo causado a outrem deve ser entendido no sentido de que alguém é atingido, negativamente, com uma certa atuação ou decisão. Assim, para o preenchimento, ao nível subjetivo do tipo, dos pressupostos do crime de abuso de poder ou de violação de deveres inerentes às funções exercidas por funcionário, nos termos em que o mesmo resulta conformado pelas disposições conjugadas dos arts. 382º e 386º do CP, não basta o mero conhecimento e vontade de o arguido ter agido e querido agir nos termos em que agiu, e foram dados como provados, mas sim que, além do conhecimento e vontade relativamente ao objeto imediato dessas ações, o arguido as consumou ainda com uma específica intencionalidade, isto é, com o objetivo de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa. * Posto isto, importa aferir da existência de indícios de terem os arguidos praticado alguma conduta susceptível de preencher os elementos típicos do crime que lhes é imputado pelo Ministério Público, analisando para tal os elementos probatórios carreados para os autos durante as duas fases processuais conjugados com as breves considerações teóricas supra tecidas. A) O INQUÉRITO Em sede de inquérito foram recolhidos os seguintes elementos de prova: - Denúncia de fls. 3. - Documentos de fls. 11 a 17. - Emails de fls. 32 a 34. - Acta de fls. 35. - Documentos de fls. 46 a 48. - Documento de fls. 50 e 51 a 53. - Auto de inquirição de DD de fls. 54, que em súmula, atestou ter concorrido ao procedimento concursal em causa nos autos, destinado à ocupação de dois postos de trabalho da categoria de técnico superior, na área de Geografia e Planeamento do território; nessa sequência teve de apresentar um conjunto de documentação atestando não só o seu vínculo à função pública como também quais as funções que estava a desempenhar, a avaliação de desempenho e as habilitações académicas. Consignou que não apresentou qualquer reclamação ao aludido procedimento concursal pois que nunca exerceu funções na área do planeamento do território, pelo que entendeu que os candidatos admitidos teriam uma maior experiência profissional no domínio exigido. Naquela data concorreu a dois procedimentos promovidos pela CM, não sentido que tenha existido qualquer diferença na forma como os dois júris dos concursos se comportaram e lidaram consigo nas respectivas entrevistas de selecção, sendo que colocaram fundamentalmente questões da mesma natureza. Os júris dos dois concursos mantinham apenas um elemento em comum, a arguida BB. Em nenhum momento no decurso do procedimento concursal teve conhecimento de qualquer facto ou acontecimento que possa ter posto em causa a transparência da tramitação ou o desfecho do referido procedimento concursal. - Auto de inquirição de EE, de fls. 58, tendo a mesma, em súmula, atestado que submeteu a sua candidatura por via postal, não contactou com os elementos do júri do referido procedimento concursal. Acabou por desistir do referido concurso, pois que, entretanto, se veio a confirmar um projecto profissional mais aliciante e que lhe permitia trabalhar mais perto de casa. Mais esclareceu não ter tido conhecimento de qualquer facto que a leve a pôr em causa a transparência da tramitação e/ou o desfecho do referido concurso. - Auto de inquirição de FF, de fls. 61, que atestou que à data dos factos exercia funções Na Câmara Municipal de …. Nunca antes trabalhou na CM nem teve qualquer contacto com os elementos do júri, tendo submetido a sua candidatura por via postal ou correio electrónico. No decurso do mencionado procedimento concursal apenas contactou com os elementos do júri e alguns candidatos que se encontravam à espera de ser entrevistados. No decurso do referido procedimento, não sentiu qualquer enviesamento com o procedimento adoptado nos vários procedimentos concursais a que concorreu. A título de exemplo, atestou que no âmbito deste procedimento, solicitou que pudesse admitir à entrevista de selecção do candidato que a antecedia e tal foi-lhe permitido. Não sentiu qualquer diferença na forma como o júri interagiu consigo e com o mencionado candidato, no seio da entrevista de selecção. Não tem conhecimento de qualquer facto que a leve a pôr em causa a transparência da tramitação e/ou desfecho do referido procedimento concursal. - Auto de apreensão de fls. 65. - Auto de inquirição de GG, de fls. 73, tendo o mesmo atestado ter concorrido ao procedimento concursal em causa, à semelhança de muitos outros procedimentos promovidos por diversas entidades, tendo procedido ao envio da documentação necessária por intermédio de correspondência postal; acrescentou que não conhecia nem mantem qualquer relação com os elementos do júri do procedimento, apenas conhecia HH e II, uma vez que foram colegas de faculdade. Mais atestou que acabou por não comparecer à entrevista profissional para a qual tinha sido convocado, bem como acabaria por desistir da sua participação no acima mencionado procedimento concursal, por razões de natureza pessoal e profissional. Não apresentou qualquer reclamação relativa à tramitação do procedimento, porém entende que a sua avaliação curricular foi injusta, designadamente, o depoente entende que o facto de à data exercer funções como técnico superior na área da Geografia na Câmara Municipal de …, tal facto não foi devidamente valorizado. Acrescentou não ter qualquer conhecimento de factos que o levem a crer que possa ter existido enviesamento intencional na tramitação e/ou desfecho do acima mencionado procedimento. - Informação do NAT de fls. 86 a 126, que se dá por reproduzida. -Auto de interrogatório do arguido AA, de fls. 133, tendo o mesmo, de relevante e em súmula, atestado que no âmbito das funções que exerce na CM é habitualmente nomeado para integrar júris de procedimentos concursais de diversa natureza, de entre os quais os destinados ao recrutamento e selecção de pessoal. Recorda-se de ter integrado júri do procedimento descrito nos autos, destinado à ocupação de dois postos de trabalho na carreira de técnico superior não conseguindo precisar a que departamentos se destinavam os acima mencionados postos de trabalho. Não se recorda de ter tido qualquer intervenção directa na definição dos critérios de avaliação curricular, crendo que estes tenham reflectido a necessidade de promover a contratação de profissionais mais jovens. Não se recorda da razão que motivou a aplicação de duas fórmulas de calculo quanto à avaliação curricular, mas assume que a mesma tenha tido intervenção do júri. Conhecia os candidatos HH e II, uma vez que estes também exerciam funções na CM, tendo sido orientador de estágio do primeiro. - Auto de interrogatório da arguida BB, de fls. 142, tendo a mesma atestado, em súmula, que à data da prática dos factos e por força das funções que exercia quanto Directora do Departamento de Recursos Humanos, foi nomeada por diversas ocasiões para integrar júris de procedimentos concursais, destinados ao recrutamento e selecção de pessoal destinado à CM. Integrou o júri do procedimento concursal em causa nos autos, estando em crer que o lançamento do mesmo teve por base um levantamento de necessidade de pessoal, proveniente dos dirigentes superiores e eleitos de cada área específica. À data dos factos integrou o júri de diversos procedimentos concursais, destinados à ocupação de diversos postos de trabalho das diversas categorias, mas não teve qualquer intervenção directa na elaboração do guião da prova de conhecimento ou definição dos critérios de avaliação curricular e respectiva ponderação. No que respeita ao guião da entrevista, confirma que participou, em conjunto com os demais elementos do júri, na sua elaboração e, quanto à definição das fórmulas a serem aplicadas eram definidas pelo Gabinete de Recrutamento, crendo que a escolha das fórmulas a serem aplicadas decorria da lei. Em momento anterior ao lançamento do procedimento concursal apenas conhecia dois candidatos, HH e II, uma vez que estes exerciam funções na CM, sendo que antes do referido procedimento concursal estes não estavam integrados na carreira de Técnico Superior. O candidato HH esteve sob a sua dependência hierárquica apenas no decurso dos anos 80, sendo que à data dos factos nenhum dos candidatos se encontrava sob a sua dependência hierárquica. Nessa mesma data, II encontrava-se a exercer funções sob a dependência hierárquica directa da arguida CC. Não teve qualquer intervenção no período experimental dos candidatos admitidos, nem sabe onde os mesmos o levaram a cabo ou quem terá desempenhado a função de orientador de estágio destes candidatos. - Auto de interrogatório da arguida CC, de fls. 157, tendo a mesma optado por não prestar declarações. - Documentos de fls. 164 a 166. - Auto de inquirição de JJ, de fls. 172, tendo o mesmo, em súmula, atestado que à data dos factos e no que concerne às tarefas decisórias dos procedimentos de recrutamento, como por exemplo determinar quais os critérios de avaliação dos candidatos, tal era da competência exclusiva dos elementos do júri. Nessa altura, era chamado a integrar os júris de diversos procedimentos concursais, porém tal não resultava da sua iniciativa, mas sim por determinação superior. O levantamento de necessidade de pessoal e a correspondente actualização do mapa de pessoal ficava a cargo do Gabinete de Apoio Técnico, da dependência directa da arguida BB. Integrou, enquanto vogal suplente, o procedimento concursal em causa nos autos, desconhecendo qual o critério subjacente à escolha dos elementos do júri do referido procedimento concursal. Não teve qualquer intervenção directa na promoção e tramitação do acima mencionado procedimento concursal, bem como em qualquer decisão que viria a condicionar o desfecho do mesmo; referiu ainda que o eventual guião de entrevista e os critérios de avaliação curricular, bem como a sua respectiva ponderação, são da responsabilidade exclusiva dos elementos do júri. Mais esclareceu que a aplicação de duas formulas de cálculo da avaliação curricular, quer o candidato tivesse ou não avaliação de desempenho, era o procedimento preconizado à data dos factos, uma vez que se entendia que o candidato não poderia ser prejudicado na eventualidade de não ter avaliação de desempenho, desde que tal facto não resultasse da sua intervenção. Actualmente a fórmula aplicada já não é a anterior, designadamente procede-se à aplicação de uma fórmula única de cálculo, sendo que é atribuído um valor mínimo para quem não tem avaliação de desempenho. Segundo tem conhecimento, não existiu qualquer reclamação à lista de classificação final dos candidatos do mencionado procedimento concursal. À data do concurso, HH estava na dependência hierárquica do gabinete de apoio à Presidência, enquanto II estava na dependência do departamento jurídico; esclareceu ainda que habitualmente o orientador do período experimental corresponde ao dirigente da unidade orgânica onde decorre o período experimental. - Auto de inquirição de KK, que atestou que não teve qualquer intervenção directa no procedimento concursal em causa nos autos, desconhecendo quais as unidades orgânicas a que se destinavam os postos de trabalho em causa, não podendo adiantar qualquer pormenor quanto relativo à sua tramitação, os critérios de avaliação dos candidatos e as decisões do júri do concurso. Posteriormente viria a ser nomeada para integrar o júri do período experimental do candidato II, sendo que tal não partiu da sua iniciativa, nem previamente lhe foi comunicado, porém está em crer que terá sido nomeada pelo vereador dos Recursos Humanos. Já conhecia o candidato, pois que este já exercia funções no mencionado departamento, desempenhando, segundo sabe, funções de apoio à Direcção do Departamento Jurídico. Enquanto esteve no departamento jurídico, II nunca esteve colocado fisicamente nas suas respectivas divisões, tendo sempre permanecido junto da Direcção do Departamento Jurídico. Viria a subscrever a avaliação do relatório final elaborado por II, uma vez que este fez uma tradução fidedigna do seu período experimental e que se limitou às tarefas desempenhadas no departamento jurídico, sendo que se tivesse abordado actividades no domínio da Geografia e Planeamento do Território teria tido mais dificuldade em avaliar o referido desempenho. Mais esclareceu que a arguida CC desempenhou funções de orientadora de estágio de II, sendo que àquela competia atribuir-lhe tarefas, motivo pelo qual não teve qualquer intervenção directa na definição dos objectivos e/ou tarefas a desempenhar no período experimental. Mais declarou que no seu entendimento não houve uma alteração significativa entre as funções desempenhadas pelo referido candidato antes e durante o período experimental. Após a conclusão do período experimental, II permaneceu no mesmo espaço físico e na dependência hierárquica de CC, não sabendo precisar se lhe foram atribuídas tarefas distintas das que desempenhava anteriormente. Segundo crê, em 2020, II transitou para a divisão de Modernização Administrativa e Gestão Territorial da CM, onde desempenha funções. Mais atestou que na sua opinião seria desnecessário promover um procedimento concursal destinado à contratação de HH e II, enquanto Técnicos Superiores, uma vez que estes já estavam integrados no regime intercarreiras, motivo pelo qual este objectivo podia ser alcançado através da correspondente consolidação. - Auto de inquirição de LL, de fls. 182, tendo a mesma esclarecido que não teve qualquer intervenção na tramitação do procedimento concursal em causa e destinado à ocupação de dois postos de trabalho em contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado na área de geografia e planeamento do território, sendo que só viria a ter uma intervenção na etapa do período experimental. No que concerne à definição de critérios de apreciação dos candidatos, esta tomada de decisão é da responsabilidade exclusiva do júri do concurso. Sobre o procedimento preconizado quanto à aplicação de duas fórmulas de cálculo no acima mencionado procedimento, não sabe precisar o que possa ter motivado a aplicação de duas fórmulas de càlculo, sabendo apenas que actualmente quando um candidato não tem avaliação de desempenho é lhe atribuído um valor mínimo. Pese embora tenha desempenhado a função de vogal do júri do período experimental destaca que não teve qualquer intervenção directa na definição dos objectivos e das tarefas propostas do candidato II, sendo que tal ficou a cargo do elemento do júri a quem competia fazer o acompanhamento, ou seja a arguida CC; mais atestou que a descrição das tarefas constantes do relatório final do período experimental do referido candidato não evidencia o desenvolvimento de um trabalho técnico no domínio da Geografia e Planeamento do Território, que findo o período experimental II permaneceu no departamento jurídico, não sabendo precisar se este permaneceu no mesmo local onde anteriormente se encontrava colocado ou sequer se lhe foram atribuídas outras tarefas compatíveis com a categoria de Técnico Superior. No decurso do ano de 2019 ou 2020, crê que o referido candidato viria a ser colocado no Departamento de Modernização Administrativa e Territorial e que, aquando da sua inquirição, o mesmo se encontrava a desempenhar funções de cariz técnico associadas às suas habilitações académicas. - Auto de inquirição de MM, de fls. 188, tendo o mesmo atestado não se recordar de ter sido nomeado para integrar, como vogal suplente, o júri do procedimento concursal em análise, não tendo tido qualquer intervenção a montante e na tramitação do mencionado procedimento concursal. No que respeita ao candidato HH, conhece-o pessoalmente, uma vez que este já exercia funções na CM quando o depoente ali ingressou; não teve qualquer intervenção na avaliação do período experimental de nenhum dos candidatos nem sabe precisar em que serviços foram os mesmos integrados findo o referido período experimental, estando em crer que quando abandonou a CM aqueles estariam integrados num departamento de cariz técnico e de conteúdo similar à sua formação académica base. - Informação de fls. 195. - Auto de inquirição de HH de fls. 197, tendo o mesmo atestado que ingressou na Câmara Municipal de ... em setembro de 1982, sendo que no decurso do seu percurso profissional exerceu funções nos seguintes serviços: que ingressou na CM na categoria de ajudante de obras, tendo inicialmente exercido funções no sector de obras; posteriormente transitou enquanto ajudante de obra para o gabinete de problemas locais, que se destinava acima de tudo a prestar apoio material ao movimento associativo; que por força de um procedimento concursal externo transitou para a categoria de escriturário; após três anos transitou, por intermédio de concurso público externo, para a categoria de oficial administrativo, sendo que exerceu funções administrativas no Departamento de Obras Municipais, Departamento de Recursos Humanos, designadamente, na área de recrutamento e seleção e na Divisão de Apoio Social; que em 2006 passou a desempenhar funções de secretário pessoal da então Presidente da CM, em regime de comissão de serviço e num cargo de confiança política; que segundo julga em 2014 transitou para a carreira de Técnico Superior na área de Geografia, por força de um procedimento concursal externo; que aquando da saída do anterior executivo, segundo está em crer em outubro de 2017 e enquanto Técnico Superior, passou a desempenhar funções na Divisão de Economia e Desenvolvimento Local; no final de 2021 foi transferido para a Divisão de Modernização Administrativa e Planeamento do Território. Esclarece que no seu entender, quando se encontrava a desempenhar funções de Técnico Superior na Divisão de Economia e Desenvolvimento Local, encontrava-se a desempenhar funções compatíveis com a sua formação académica e área funcional de Geografia, designadamente, na elaboração de diversos estudos (e.g estudo sobre alojamento local, do desemprego no município de ..., entre outros). Aclara que à sua revelia e da sua então chefia foi determinada a sua transferência para a Divisão de Modernização Administrativa e Planeamento do Território, onde atualmente desempenha funções e se encontra a realizar tarefas fundamentalmente de georreferenciação. Que lhe foi explicado que a sua transferência se deveu à existência do presente inquérito, sendo que no seu entender tal evidencia uma visão muito redutora de quais são as potenciais funções e incumbência de um Geógrafo numa Câmara, sendo que esta não se limita à realização de tarefas de georreferenciação, mas também, em tarefas de planeamento, organização e elaboração de estudos de natureza diversa. Confrontado com os documentos do procedimento concursal comum PCC – CTI n.º …/2015, destinado à ocupação de dois postos de trabalho da categoria de técnico superior, na área de geografia e planeamento do território, constantes de fls. 118 a 146 do Apenso I, vol. 3, o depoente confirma que estes documentos correspondem à sua candidatura ao referido procedimento. Por lhe ter sido perguntado, recorda-se que o processo de seleção do acima mencionado procedimento consistiu fundamentalmente na avaliação curricular e entrevista de seleção, sendo que face ao tempo decorrido não sabe precisar se lhe foi exigido a realização de alguma prova de conhecimentos. Esclarece que a entrevista de seleção foi levada a cabo por todos os elementos efetivos do júri, designadamente, o Presidente do Júri AA, a Diretora de Recursos Humanos BB e a jurista CC. Acrescenta que uma das outras candidatas pediu para assistir à sua entrevista, sendo que face ao tempo decorrido não sabe precisar o seu nome, sabendo apenas indicar que esta residia no Algarve. Que não só a outra candidata não manifestou qualquer descontentamento pelo modo como a sua entrevista foi conduzida, como no final viria a parabenizar o depoente pela sua prestação na entrevista de seleção. Que já concorreu a diversos procedimentos concursais promovidos pela CM, sendo que por normal o júri é composto por funcionários que desempenham cargos de direção, sendo que segundo está em crer o único impedimento face a uma eventual relação de proximidade consiste na existência de relações familiares entre os elementos do júri e os candidatos. Questionado refere que já em duas ocasiões anteriores concorreu a procedimentos concursais externos, destinados à ocupação de postos de trabalho de técnico superior, sendo que um deles foi promovido pela CM e outro pela Câmara Municipal de Torres Vedras. Esclarece que viria a desistir de ambos os acima mencionados procedimentos concursais, porém, por motivos distintos, sendo que no procedimento concursal da Câmara Municipal de Torres Vedras desistiu em função das eventuais dificuldades de deslocação e alojamento e no procedimento concursal promovido pela CM viria a desistir por uma questão de consciência, uma vez que também se encontrava a concorrer uma colega sua, que se encontrava há longa data a tentar transitar para os quadros, uma vez que até então encontrava-se em regime de contrato. Por lhe ter sido perguntado, refere que optou por concorrer ao acima mencionado procedimento concursal uma vez que se encontrava há aproximadamente um ano no desempenho de funções de Técnico Superior, na área funcional da sua licenciatura, sendo que teria de concorrer a um procedimento concursal de forma a consolidar esta modalidade. Que à data do acima mencionado procedimento concursal e conforme mencionou anteriormente desempenhava funções de secretário pessoal da então Presidente da CM NN, sendo que lhe competia desempenhar diversas tarefas, de entre as quais, articulação com os diversos grupos técnicos nos vários projetos a serem desenvolvidos (e.g. planeamento do PDM, entre outros) e depois informar o executivo sobre o estado dos diversos projetos, entre outras tarefas. Esclarece que as várias tarefas que desenvolvia encontravam-se bem espelhadas no seu relatório do período experimental. Que no âmbito da categoria que desempenhava, enquanto secretário pessoal do Presidente, reportava diretamente a quem desempenhava o cargo de Presidente da CM. Esclarece que quando exercia funções no Gabinete à Presidência da CM também lá exerciam funções um Chefe de Gabinete, um Adjunto e uma Secretária, sendo que a composição máxima previa ainda mais um Adjunto, mas que tal não se verificava. Por lhe ter sido perguntado, refere que quando saiu a lista de candidatos ao acima mencionado procedimento concursal, conhecia apenas o candidato II, uma vez que ambos são funcionários da CM e ambos detinham a licenciatura em Geografia. Que face ao tempo decorrido não sabe precisar quem teve conhecimento primeiro do lançamento do acima mencionado procedimento concursal, mas recorda-se de ter comentado com II que deveriam concorrer ao mesmo, uma vez que detinham as habilitações necessárias para o efeito. Esclarece que à data do lançamento do procedimento concursal, II desempenhava funções no Gabinete Jurídico, sendo que não sabe precisar quais as suas funções concretas ou sob que dependência hierárquica, porém, está em crer que num determinado hiato temporal II desempenhava funções junto da jurista OO. Quem em momento posterior e em função do falecimento da jurista OO, II viria a desempenhar funções junto da jurista CC. Esclarece que em data anterior ao lançamento do acima mencionado procedimento concursal conhecia todos os elementos do júri, até os suplentes, uma vez que todos estes desempenhavam funções na CM. Acrescenta que anteriormente havia desempenhado funções sobre a orientação do elemento do júri BB, uma vez que antes de passar a desempenhar funções de secretário pessoal da Presidente, desempenhava funções no Departamento de Recursos Humanos. Que quando desempenhava funções na Divisão de Apoio Social, a Sr.ª Dr.ª BB desempenhava funções de Chefe daquela Divisão, motivo pelo qual naquele hiato temporal estava sob a dependência hierárquica direta de BB. Esclarece, porém, que à data dos factos não mantinha qualquer vínculo hierárquico direto com nenhum dos elementos do júri. Que após a homologação da lista final dos candidatos admitidos, deu início do período experimental que decorreu no Gabinete de Apoio à Presidência e que decorreu segundo julga por um período aproximado de um ano e seis meses. Que face ao tempo decorrido não sabe precisar com exatidão quais os elementos que compunham o júri do período experimental ou quem desempenhou a função de orientador do período experimental, porém, está em crer que a avaliação do período experimental e do correspondente relatório terá ficado a cargo do Chefe de Gabinete PP, bem como, o próprio Presidente da CM terá sido interveniente neste processo. Por lhe ter sido perguntado, refere que não teve qualquer acréscimo das funções que desempenhava no decurso do período experimental, em função das que anteriormente desempenhava, uma vez que já anteriormente era responsável pelo desenvolvimento de acções do foro integráveis no perfil funcional do geógrafo, designadamente, no desenvolvimento de projetos de planeamento do território. Confrontado com cópia de relatório de período experimental, constante de fls. 43 a 59 do Apenso I, Vol. 1, o depoente confirma que esta coincide com o documento que elaborou e que sustentou a sua avaliação no âmbito do acima mencionado período experimental. Que segundo está em crer que entregou três exemplares do acima mencionado relatório de período experimental, sendo que procedeu ao envio por intermédio de protocolo para o Departamento de Recursos Humanos, motivo pelo qual ainda mantém à sua guarda um exemplar digitalizado do seu relatório, bem como, do comprovativo da entrega por protocolo. Que pretende salientar as folhas número 17, 19 e 21 e 23 do acima mencionado relatório experimental, uma vez que no seu entender o seu conteúdo ilustra bem a natureza das tarefas que desempenhou e o seu vínculo com a Geografia. - Auto de inquirição de II, de fls. 203, tendo o mesmo atestado que ingressou na Câmara Municipal de ... em 1988 ou 1989, sendo que no decurso do seu percurso no CM iniciou funções enquanto viveirista no …; posteriormente viria a exercer funções de técnico profissional de execuções fiscais no Gabinete de Execuções Fiscais da CM, tendo permanecido neste serviço durante aproximadamente 10 (dez) anos; após, foi transferido para o Gabinete de Consultadoria Jurídica da CM, onde permaneceu durante aproximadamente 10 (dez) anos, quando este Gabinete foi extinto; que à data da extinção do Gabinete de Consultadoria Jurídica viria a ser convidado pela jurista CC e desempenhar funções de seu secretário administrativo, no Departamento Jurídico (i.e. que integra Gabinete de Execução Fiscal, Gabinete de Consultadoria Jurídica, Gabinete de Contraordenações e Gabinete de Apoio à Contratação), sendo que já anteriormente tinha exercido funções sob a dependência de CC no Gabinete de Execuções Fiscais. Mais atestou que após transitar para a categoria de Técnico Superior permaneceu em funções de assessor da então Diretora do Departamento Jurídico CC e, em data posterior e por força a existência do presente inquérito foi transferido para a atual Divisão de Modernização Administrativa e Gestão Territorial, sem que tal fosse da sua iniciativa e do atual Diretor do Departamento Jurídico. Esclareceu que quando exerceu funções de secretário da Diretora do Departamento Jurídico já tinha concluído a licenciatura em Geografia, pese embora, inicialmente desempenhasse estas funções na categoria de Assistente Técnico, sendo que apenas posteriormente e ao abrigo do regime de mobilidade intercarreiras integrou a categoria de Técnico Superior. Que no âmbito das funções que exerce atualmente compete-lhe fundamentalmente carregar e atualizar legislação, face à sua experiência profissional na área jurídica, sendo que também exercem funções na Divisão de Modernização Administrativa e Gestão Territorial elementos com formação em Geografia, Engenheira, Psicologia e o Geóloga. Aclara que quando exercia funções de secretário da Diretora do Departamento Jurídico da CM CC competia-lhe, entre outras tarefas, organizar a equipa de trabalho, controlo de assiduidade, gestão do economato, distribuição de tarefas, análise estatística e análise de pareceres, em conjunto com a então Diretora. Acrescenta que aquando da mudança do executivo de CM e a consequente mudança de Direção do Departamento Jurídico, foi entendimento do atual Diretor que se mantinha a pertinência da sua colocação naquele departamento. Confrontado com os documentos do procedimento concursal comum PCC – CTI n.º 31/2015, destinado à ocupação de dois postos de trabalho da categoria de técnico superior, na área de geografia e planeamento do território e constante de fls. 268 a 289 do Apenso I, Vol 3., o depoente confirmou que estes documentos consistiam na sua candidatura e documentos anexos. Por lhe ter sido perguntado, refere que o processo de seleção do acima mencionado procedimento concursal consistiu na etapa de avaliação curricular e entrevista de seleção, tendo a entrevista de seleção foi levada a cabo por todos os elementos efetivos do júri, sendo que as questões incidiram fundamentalmente em matérias do planeamento do território. Atestou ainda que os elementos do júri mais intervenientes na sua entrevista de seleção foram o Sr. Arquiteto AA e a então Diretora do Departamento dos Recursos Humanos BB, sendo que a Sr.ª CC colocou apenas uma ou duas questões. Que se recorda que assistiu à sua entrevista de seleção uma outra candidata, porém, que face ao tempo decorrido não sabe precisar o seu nome. Que o acima mencionado procedimento concursal foi o primeiro concurso para geógrafo a que concorreu, sendo que é a sua convicção que o referido procedimento e todos os lotes que o compunha pretendia fazer face à necessidade da CM requalificar vários assistentes técnicos que exerciam funções na CM, sendo que esta tomada de decisão é da exclusiva responsabilidade do então executivo. Aclara que entende que o procedimento concursal a que concorreu não foi tramitado de forma distinta dos restantes procedimentos concursais promovidos em simultâneo. Que decidiu concorrer ao acima mencionado procedimento concursal porque sempre teve aspirações em exercer funções próximas da sua área de formação, sendo que quando transitou definitivamente para área de técnico superior na área de Geografia manifestou a sua disponibilidade à Sr.ª Dr.ª CC e ao Sr. Arq.º AA para ser tansferido do Departamento Jurídico, porém, que viria a permanecer ao serviço do Departamento Jurídico sob a direção da Dr.ª CC. Esclareceu que com a saída de Dr.ª CC do Departamento Jurídico foi-lhe solicitado pelo novo Diretor do Departamento Jurídico QQ que permanecesse neste Departamento em função dos seus conhecimentos e experiência adquirida. Por lhe ter sido perguntado, referiu que conhecia apenas um dos restantes candidatos ao acima mencionado procedimento concursal, sendo ele HH, uma vez que este também era funcionário da CM e ambos são Geógrafos. Que à data do lançamento do acima mencionado procedimento concursal HH desempenhava funções de secretário da Presidente da CM, motivo pelo qual estava sob a sua dependência direta. Esclareceu que à data dos factos conhecia todos os elementos do júri, uma vez que, todos exerciam funções na CM, porém, que apenas exerceu funções sob a dependência hierárquica direta da Dr.ª CC. Aclarou que, por norma, os elementos do júri são superiormente nomeados para o efeito, sendo que muitas vezes essa nomeação é feita à revelia da iniciativa dos elementos do júri. Após a homologação da lista final de candidatos admitidos, viria a dar início ao período experimental, que segundo está em crer teve uma duração de aproximadamente seis meses e viria a decorrer no Departamento Jurídico, sendo que viria a permanecer no local e com as funções que anteriormente lhe estavam atribuídas. Esclarece que não houve qualquer enquadramento no período experimental, uma vez que se limitou a desempenhar as funções que anteriormente lhe estavam atribuídas, conforme consta do seu relatório do período experimental. Acrescentou que está em crer que a sua orientadora do período experimental foi a Dr.ª CC, uma vez que o período experimental foi desenvolvido sob a sua supervisão e direção. Na sequência do período experimental elaborou o correspondente relatório, que segundo está em crer submeteu à apreciação da Sr.ª Dr.ª CC e a Dr.ª Fábia, uma vez que estas integravam o júri do período experimental. Reiterou que procedeu ao envio, com recurso a protocolo, de três exemplares do seu relatório de período experimental e que no referido relatório viria a discriminar as várias tarefas desenvolvidas no decurso do período experimental. Clarificou que embora as tarefas desenvolvidas no período experimental não se integram na assunção clássica da geografia e planeamento do território, entende que o conteúdo da área funcional da geografia integra diversas tarefas de gestão e organização que podem ser implementados em diversos serviços. Que estaria disponível a realizar o período experimental num serviço sob a dependência do Arq. AA e como tal diretamente vinculado à área funcional da geografia e planeamento do território, porém, que a administração da CM não lhe propôs essa solução. - Documentos de fls. 210. - Auto de inquirição de RR, de fls. 282, tendo a mesma atestado, em súmula, que ingressou na CM em Julho de 1987, sendo que no hiato temporal entre 2015 e 2017 exercia funções no departamento jurídico, sob a dependência hierárquica directa de CC; não teve qualquer intervenção no procedimento concursal descrito nos autos. Conhece os candidatos HH e II uma vez que ambos exercem funções na CM bem como os filhos de ambos frequentaram a creche dos funcionários da CM, na mesma altura que os seus filhos frequentaram essa mesma creche. Em determinado período de tempo partilhava o gabinete com II, sendo que este era contíguo ao ocupado por CC; posteriormente CC viria a ocupar um gabinete noutro piso, sendo que aquele a acompanhou na sua mudança de espaço físico. Enquanto permaneceu no mesmo gabinete que II não se apercebeu que este tenha levado a cabo qualquer tarefa no domínio da geografia e planeamento do território. - Inquirição de SS de fls. 242, tendo o mesmo atestado que no hiato temporal de 2013 a 2017 desempenhava funções de Vereador responsável pelo pelouro dos Recursos Humanos daquela mesma Câmara. Esclareceu que a responsabilidade inerente à selecção e recrutamento de pessoal não residia num único individuo ou serviço, sendo partilhada entre a Presidência, a Câmara, a Assembleia Municipal, restantes vereadores com pelouro e depois pelo membro eleito responsável por aquele pelouro em concreto, uma vez que a abertura de procedimento concursal implica vários factores. Competia à Direcção do Departamento de Recursos Humanos, naquela data encabeçada pela arguida BB, proceder à elaboração e actualização do mapa de pessoal e propondo a abertura de procedimento ao vereador competente. Esclareceu que no que concerne à nomeação dos elementos do júri de procedimento concursal de contratação de pessoal, a indicação dos elementos do júri era da responsabilidade da Directora de Recursos Humanos e a tramitação dos procedimentos ficava ai cuidado dessa mesma Direcção. Atestou ainda não se recordar de quaisquer pormenores relativos à tramitação do referido procedimento concursal, sendo que este foi apenas um dos muitos procedimentos concursais nos quais terá tido intervenção, esclarecendo que a abertura do referido procedimento só poderá ter surgido de uma necessidade manifestada pelo departamento de Urbanismo. Não sabe precisar que funções na área específica da Geografia e Planeamento do Território, foram desempenhadas por HH ou II, a montante do procedimento concursal ou no decurso do período experimental. Entende que após o desfecho do acima mencionado procedimento concursal, II e HH deveriam ter sido colocados em serviços ligados à Geografia e Planeamento do Território, não sabendo precisar porque imediatamente após o período experimental estes permaneceram nos seus serviços e funções de origem, sendo que no caso concreto de HH não saberá precisar se terá pendido o facto deste exercer funções nomeadas e como tal teria de ser proposto o fim da referida nomeação. Mais esclareceu que não sabe precisar o motivo pelo qual a arguida CC aceitou integrar o júri do acima mencionado procedimento concursal e período experimental de II, porém está em crer que não o fez com qualquer intenção de favorecer ou prejudicar alguém. - Auto de inquirição de PP, de fls. 247, tendo o mesmo atestado ter desempenhado, no mandato de 2013 a 2017, as funções de chefe de gabinete da Presidência. Mais esclareceu que nesse período HH também exercia funções como secretário no Gabinete da Presidência, competindo-lhe levar a cabo, fundamentalmente, a conferência e validação dos processos de pagamento. Mais assegurou que face ao tempo decorrido não se recorda de nenhuma situação concreta na qual HH tenha desempenhando qualquer tarefa em grupos de trabalho ou projectos relacionados com o urbanismo, planeamento do território ou geografia. Questionado, atestou não ter presente se terá tido qualquer intervenção directa no procedimento concursal em análise nos autos. De igual modo, atestou não se recordar de nenhum hiato temporal em que o HH se tenha ausentado continuadamente do Gabinete da Presidência de forma a levar a cabo o período experimental, sabendo apenas que o mesmo se ausentava ocasionalmente, não sabendo precisar o motivo, nomeadamente se para realizar tarefas no âmbito do período experimental ou com vista à conclusão da sua formação académica. - Auto de inquirição de TT, de fls. 251, tendo a mesma atestado que no hiato temporal em que se encontrou em funções de apoio administrativo à Direcção do Departamento Jurídico, competia a II secretariar a então directora e prestar apoio administrativo a funcionamento daquela direcção, reportando directamente à arguida CC e ao Dr. UU. Não teve intervenção no procedimento concursal em causa. Segundo o que tem conhecimento, II não esteve ausente de forma continuada do departamento Jurídico, entre 2016-2017, não tendo tido conhecimento que este tenha passado a desempenhar tarefas de natureza ou complexidade distintas das que anteriormente desempenhava, nomeadamente no domínio específico da Geografia e Planeamento do Território. - Auto de inquirição de VV, tendo o mesmo atestado que não teve qualquer intervenção no procedimento concursal em causa, apenas vindo a ter conhecimento do mesmo por via de HH. Quanto a II sabe que o mesmo à data dos factos desempenhava funções naquele que era conhecido como o departamento de assuntos jurídicos, trabalhando directamente com a arguida CC. Não consegue precisar nenhuma tarefa específica no domínio da geografia e planeamento do território que tenha ficado ao cuidado de HH, porém admite que tal possa ter acontecido, uma vez que são áreas de muita relevância na CM. - Auto de inquirição de WW, de fls. 259, tendo a mesma atestado não ter tido conhecimento de que, enquanto secretário da presidência, HH tenha sido interveniente ou estivesse vinculado a qualquer pasta ligada ao domínio da geografia, planeamento do território e/ou urbanismo, ainda que sempre tenha manifestado muito interesse pelas referidas áreas. Não teve qualquer intervenção no procedimento concursal em análise nos autos. No hiato temporal de 2015-2017 não se apercebeu que tal tenha correspondido a uma alteração da natureza e complexidade das tarefas por ele desempenhadas. - Documentos de fls. 264 a 273. - Auto de inquirição de XX, de fls. 275, tendo o mesmo atestado que HH era secretário do gabinete de apoio ao Presidente da CM, por nomeação, sendo que o mesmo transitou em tais funções do anterior executivo eleito. Mais atestou que, enquanto secretário, HH terá tido uma intervenção em diversos projectos com impacto no domínio do ordenamento do território. Não teve qualquer intervenção directa no procedimento concursal em causa. Não teve qualquer intervenção no período experimental de HH e II. Sabe que HH nunca se ausentou do Gabinete de Apoio à Presidência. No entanto, crê que após o período experimental e o fim do exercício de funções nomeadas, HH viria a ser colocado num departamento e funções próximas da área do urbanismo e planeamento do território. - Documentos de fls. 279 a 283 e 285 a 300. - Auto de inquirição de YY, de fls. 410, tendo o mesmo, em súmula, atestado estar convencido de não ter tido intervenção no procedimento concursal referido nos autos, não conhecendo o candidato II nem sabendo tão pouco que se o mesmo exerceu qualquer função na CM. Conhecia o HH, mas não acompanhou o processo de transição do mesmo para a categoria de Técnico Superior. - Auto de inquirição de ZZ, de fls. 415, tendo a mesma, em súmula, atestado que não teve qualquer intervenção no procedimento concursal em causa, motivo pelo qual não conhece quaisquer pormenores relativos à tramitação e desfecho do mesmo, sendo que terá discutido com os dirigentes dos serviços competentes qual o perfil básico dos candidatos a admitir nos mencionados postos de trabalho, porém o desenrolar do referido procedimento concursal ficou aos cuidados dos serviços de recursos humanos competentes. O preenchimento dos acima mencionados postos de trabalho resultou de um pedido de necessidade de recrutamento de pessoal do qual teve conhecimento e que emergiu da necessidade de transitar o Sistema de Informação Geográfica dos Serviços Municipalizados para o pelouro do Planeamento Urbanístico. Acrescentou que embora esta transição só se tenha vindo a efectivar no mandato seguinte, o objectivo era dotar profissionais capazes de integrar o Sistema de Informação Geográfica. Não teve qualquer intervenção no período experimental, nem acompanhou o desenrolar desse período. Findo o procedimento concursal e período experimental viria a questionar o motivo pelo qual os candidatos admitidos não viriam a exercer, de forma imediata, funções no SIG, tendo então sido informada que no que concerne ao HH tal se prendia com o facto deste ter sido nomeado enquanto secretário do Gabinete da Presidência, motivo pelo qual este não poderia transitar de forma imediata para as novas funções. - Auto de inquirição de AAA, de fls. 419, tendo o mesmo atestado que há data dos factos era vereador na CM, não integrando júris dos procedimentos concursais promovidos pela CM. Não participou no procedimento em causa e desconhece qualquer pormenor relativo ao mesmo, nomeadamente quem integrou o júri no procedimento concursal e correspondente período experimental. - Auto de inquirição de BBB, de fls. 422, tendo a mesma, em súmula, atestado ter sido Vereadora da CM até Maio de 2014; nunca foi chamada a integrar júris de procedimentos concursais ou colaborou na tramitação de qualquer desses procedimentos. Sabe que o levantamento das necessidades de pessoal era submetido à consideração dos Vereadores, mediante parecer dos directores municipais dos respectivos serviços e que após validação política, estes pedidos eram encaminhados para o Departamento de Recursos Humanos. Não teve intervenção no procedimento em causa, não sabendo qual a intervenção dos aqui arguidos. B) A INSTRUÇÃO Em sede de instrução, não foi produzida qualquer prova, tendo-se apenas procedido a debate instrutório. * Aqui chegados, e sopesando os elementos de prova referidos nomeadamente os recolhidos em sede de inquérito, cumpre ponderar se existem nos autos indícios suficientes da prática pelos arguidos de factos que preencham os elementos objectivos e subjectivo do crime que lhes é imputado. Entendemos que não. Na realidade, da prova recolhida em sede de inquérito e que consta supra, nomeadamente do depoimento de ZZ, a fls. 417, resulta que as duas vagas criadas e levadas a concurso não foram criadas especificamente para aqueles dois candidatos, já que o preenchimento dos mencionados postos de trabalho resultou de um pedido de necessidade de recrutamento de pessoal que emergiu da necessidade de transitar o SIG dos Serviços Municipalizados para o Pelouro do Departamento Urbanístico. Mais resulta que a fórmula de cálculo adoptada e publicitada em data anterior à apresentação das candidaturas, nomeadamente a aplicação de duas fórmulas de cálculo de avaliação curricular, era o procedimento preconizado à data da prática dos factos, para todos os procedimentos concursais, uma vez que se entendia que o candidato não poderia ser prejudicado na eventualidade de não ter avaliação de desempenho, desde que tal facto não resultasse da sua intervenção (conforme resulta do depoimento de JJ, a fls. 172). Ou seja, sendo uma fórmula que, bem ou mal, era sempre adoptada à data dos factos para todos os procedimentos concursais, é manifestamente impossível concluir pela existência de indícios que indiquem que a referida fórmula foi decidida por este júri e com vista a favorecer estes dois candidatos em concreto. Também, resulta dos autos que a fórmula de cálculo de avaliação curricular foi determinada em momento anterior à publicitação do procedimento concursal e, por inerência, em data anterior à apresentação das candidaturas, sendo assim manifestamente impossível que os arguidos soubessem, e por isso inexistem indícios, de que aquando da decisão da fórmula a aplicar, este júri (ou seja os arguidos) já sabiam quais os candidatos que se iriam propor ao concurso em causa. Poder-se-ia dizer que os arguidos determinaram aquela fórmula de cálculo conhecendo as características pessoais dos candidatos HH e II e, nessa medida, ao manter a fórmula, os pretendiam beneficiar. Contudo, tal não resulta da prova recolhida e, em bom rigor, ainda que a fórmula pudesse beneficiar os referidos candidatos, nunca poderia afastar-se a possibilidade de que poderia também beneficiar, nos precisos termos, outros tantos concorrentes, que se apresentassem a concurso e se encontrassem nas mesmas condições daqueles o que faz vergar a existência de indícios necessários ao preenchimento do elemento subjectivo do tipo de crime em análise. Por outro lado, não resulta dos autos nem da acusação proferida, uma ligação de proximidade ou dependência hierárquica directa, à data do concurso, entre os arguidos AA e BB e os candidatos em causa. Existem, é certo, indícios de que existia essa dependência hierárquica directa entre o candidato II e a arguida CC, o que resulta aliás do depoimento prestado pelo próprio II; não obstante, tal não significa, necessária e automaticamente, a existência de impedimento sendo necessário alegar e demonstrar factualmente que a referida dependência criava uma dúvida séria sobre a imparcialidade da arguida CC, o que não sucede na acusação. Efectivamente, quanto à declaração de inexistência de qualquer impedimento por banda desta arguida, é verdade, conforme se alega no RAI, que a acusação não contem factos objectivos em que se possa alicerçar esse impedimento e que exigissem a declaração de impedimento. Entendemos, por outro lado, que não existem nos autos indícios de que esta arguida, tendo uma maior proximidade com um dos candidatos e por isso podendo pretender beneficiar este candidato em específico, tenha, por qualquer forma, determinado/convencido os demais membros do júri (ou seja os restantes arguidos) a adoptar critérios e proceder a determinadas avaliações de forma a favorecer ou prejudicar qualquer daqueles candidatos, sendo que essa “forma de convencimento” ou actuação da arguida, que não resulta do inquérito, também não consta da matéria de facto vertida na acusação. E, dos autos, não resultam indícios de que os restantes arguidos conhecessem e quisessem, com a sua actuação, beneficiar especificamente os dois candidatos que viriam a ser admitidos. De igual modo, analisada a fórmula de cálculo apresentada na acusação como sendo aquela que teria de ser adoptada pelo júri, a verdade é que a mesma, podendo ser mais justa e adequada, não resulta de qualquer disposição legal, pelo que a sua não aplicação não determina, nem pode determinar, por si só, a prática de qualquer crime. O que resulta da Portaria 83-A/2009 de 22 de Janeiro é que, quando por razões não imputáveis ao candidato não exista avaliação de desempenho, o júri do concurso deve prever e contemplar na respectiva fórmula um valor positivo, o que não obriga, necessariamente, à adopção da fórmula apresentada na acusação nem exigiria, em bom rigor, que o referido valor positivo fosse de “10” (o valor teria de ser um valor positivo, que não necessariamente 10). Tanto assim, que no relatório de fls. 118, se indica a referida fórmula a título de exemplo e não com base em norma legal que a imponha nos seus precisos termos. Tal portaria estabelece ainda que “ao júri compete fixar os parâmetros de avaliação, a sua ponderação, a grelha classificativa e o sistema de valoração final de cada método de selecção”. Ora, da prova recolhida não resulta que tais parâmetros não tenham sido fixados, já que os mesmos constam, mais ou menos incompletos, do ponto 19 da acusação. Igualmente, nenhuma das testemunhas inquiridas, conforme depoimentos supra que damos por reproduzidos, foi capaz de reportar qualquer favorecimento ou tratamento distinto entre os vários candidatos: ao contrário e no que concerne, por exemplo, à entrevista profissional, a mesma terá decorrido com a transparência necessária já que a testemunha FF, a fls. 61, atestou que no decurso do mencionado procedimento concursal apenas contactou com os elementos do júri e alguns candidatos que se encontravam à espera de ser entrevistados e não sentiu qualquer enviesamento com o procedimento adoptado nos vários procedimentos concursais a que concorreu. Esta testemunha atestou, no seu depoimento, que solicitou que pudesse admitir à entrevista de selecção do candidato que a antecedia e tal foi-lhe permitido. Mais atestou esta testemunha, que não sentiu qualquer diferença na forma como o júri interagiu consigo e com o mencionado candidato, no seio da entrevista de selecção, não tendo assim conhecimento de qualquer facto que a leve a pôr em causa a transparência da tramitação e/ou desfecho do referido procedimento concursal. Ora, o procedimento de contratação pública é matéria de direito administrativo, sendo um procedimento que culmina com um acto administrativo (o acto que se traduz na escolha da parte contratante). O crime de abuso de poder está integrado no designado abuso de autoridade, mas abuso de autoridade no seu sentido clássico de prestação/atuação do Estado para o exterior, ou seja, numa posição de superioridade ou de supremacia. Essa “superioridade” tem de resultar dos autos, através de indícios que permitam concluir que da actuação dos arguidos resulta um claro abuso de autoridade, naquela decisão em concreto. Efectivamente, considerando que o bem jurídico protegido por tal tipo de ilícito é a integridade do exercício das funções públicas e, acessoriamente, os interesses patrimoniais ou não patrimoniais de outra pessoa, ou a autoridade e a credibilidade da administração do Estado, ao ser afetada a imparcialidade e a eficácia dos seus serviços, é necessário que existam indícios nos autos que esse mesmo bem jurídico se mostra atingido pelo comportamento dos arguidos. E tal não resulta, de modo suficiente, da prova recolhida. A noção legal de indícios suficientes consta do art. 283.º n.º 2 do CPP e é válida tanto para a acusação como para a decisão instrutória, dados os termos do art. 308.º, n.º 1 do mesmo diploma legal. Decorre, pois, daquelas normas que tanto no Inquérito como na Instrução, a existência de indícios suficientes significa que os indícios, com o sentido de conjunto da prova recolhida nas fases preliminares, são suficientes para submeter o arguido a julgamento, o que se verifica quando deles resultar uma possibilidade razoável de o arguido vir a ser condenado. Sobre o significado da locução “possibilidade razoável de condenação”, utilizada neste preceito, podem distinguir-se três correntes fundamentais: “- Uma primeira solução afirma que basta uma mera possibilidade, ainda que mínima, de futura condenação em julgamento; - Numa segunda resposta possível, é necessária uma maior probabilidade de condenação, do que de absolvição; - Uma terceira via defende ser necessária uma possibilidade particularmente forte de futura condenação.” Com Carlos Adérito Teixeira, entendemos que “…apenas o critério da possibilidade particularmente qualificada ou probabilidade elevada de condenação, (…) responde convenientemente às exigências do processo equitativo, da estrutura acusatória, da legalidade processual e do estado de Direito democrático, e é o que melhor se compatibiliza com a tutela da confiança do arguido, com a presunção de inocência de que ele beneficia e com o in dubio pro reo”. O juízo ou convicção a estabelecer na fase de instrução, como no termo da fase de inquérito, será equivalente ao de julgamento, designadamente no que respeita à apreciação do material probatório e ao grau de convicção, que não se compadece com a ideia de verosimilhança ou de admissão da margem “razoável” de dúvida. A prova suficiente há-de corresponder à que em julgamento levaria à condenação, se aquele ocorresse com o quadro probatório, no tempo e nas circunstâncias que determinam o libelo acusatório ou o despacho de pronúncia. Tal como se entendeu no Ac. TC 439/2002 de 23 de Outubro, a decisão instrutória não pode, pois, excluir o princípio in dubio pro reo da valoração das provas que subjaz à decisão de pronúncia ou não pronúncia. O Acórdão da Relação do Porto de 20 de Outubro de 1993 prescreve, também, que “...indícios, no sentido em que a expressão é utilizada no art.° 308°, do CPP, são meios de prova enquanto são causas ou consequências, morais ou materiais, recordações ou sinais, do crime... Para a pronúncia ou para a acusação, a lei não exige a prova, no sentido da certeza moral da existência do crime, bastando-se com á existência de indícios, de sinais dessa ocorrência... No juízo de quem acusa, como de quem pronuncia, deverá estar sempre presente a defesa da dignidade da pessoa humana, nomeadamente a necessidade de protecção contra intromissões abusivas na sua esfera de direitos, mormente os salvaguardados na DUDI-I e que entre nós se revestem de dignidade constitucional (art. 2.°, da DUDH e art.° 27°, da CRP)...”. O mesmo acórdão salienta que “...quer a doutrina quer a jurisprudência vêm entendendo que aquela possibilidade razoável de condenação é uma possibilidade mais positiva do que negativa; o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido...”, isto é, “...os indícios são suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.” (in Colectânea de Jurisprudência, Ano XVIII, Tomo 4, pág. 259/260). A ponderação dos indícios e o estabelecimento da sua suficiência abrange a representação da dimensão histórico-naturalística do facto, a inerente imputação objectiva, a declaração da culpa e o confinamento do quadro de consequências legais, concatenado com o material probatório coligido. No caso dos autos, e face a todo o exposto, entendemos que não existem indícios suficientes que permitam imputar factos aos arguidos que preencham os elementos objectivos e subjectivo do crime em análise pois que não se demonstrou, para lá daquela que seria uma dúvida razoável, que os arguidos tenham actuado, em qualquer dos momentos do procedimento concursal, em violação dos deveres inerentes ao exercício das suas funções, com intenção de beneficiar dois candidatos em específico e em detrimento dos demais candidatos e que aqueles candidatos, sem a actuação dos arguidos, não poderiam ter conseguido aceder à categoria/carreira de Técnico Superior de Geografia e Planeamento do Território. Nestes termos e tudo ponderado, realizando um juízo de prognose sobre a produção de prova nos presentes autos e respectivo exercício do contraditório, em sede de futura audiência de discussão e julgamento, entendo que não existem indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação aos arguidos de uma pena pelo que terá de ser proferido despacho de não pronúncia, quanto a todos. * DECISÃO: Por tudo quanto fica exposto, ao abrigo do previsto nos arts. 307.º, n.º 1 e 308.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, decido não pronunciar os arguidos AA, BB e CC, pela em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de poder, p. e p. pelos arts. 382.º e 386.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal. * Sem custas. Declaro extintas as medidas de coacção aplicadas nos autos. Notifique. Oportunamente, arquivem-se os autos.”
*
Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, concluindo do seguinte modo: “ 1. O Juízo de Instrução Criminal de ... proferiu decisão de não pronúncia dos arguidos CC, AA e BB, por considerar não existirem indícios suficientes de que (i) as duas vagas para Técnico Superior de Geografia e Planeamento do Território foram criadas para II e HH, (ii) que a fórmula de avaliação beneficiava-os face aos demais concorrentes, (iii) que deram tratamento favorável e distintivo, durante o procedimento, a II e HH e (iv) que violaram os deveres inerentes às funções para beneficiar II e HH, de entre os quais, o princípio da imparcialidade da arguida CC, à data superior hierárquica de II. 2. O Ministério Público discorda da decisão instrutória pelos seguintes motivos: 3. Incorre na prática do crime de abuso de poder, o funcionário que, no uso dos poderes que lhe são conferidos em virtude do cargo, subverte-os ou viola-os para obter um benefício para si ou para outrem. 4. Tratando-se de um crime que tutela a autoridade e credibilidade das instituições administrativas do Estado, há um necessário cruzamento entre a análise jurídicopenal e jurídico-administrativa para apurar a prática do crime: é do ato administrativo praticado pelo funcionário que decorre a ilicitude que subjaz ao crime de abuso de poder. 5. O Ministério Público apurou em sede de inquérito que os arguidos (i) omitiram a fundamentação dos critérios de valoração da formação e experiência profissional da ata de 22 de dezembro de 2015; (ii) omitiram que a arguida CC era superior hierárquica direta de II, assim violando o princípio da imparcialidade que subjaz à norma administrativa dos impedimentos; e (iii) através da fórmula de avaliação beneficiaram II e HH em detrimento dos demais candidatos, alguns dos quais com classificação e competências superiores. 6. A querela entre aquela que é a interpretação do Ministério Público e a decisão instrutória de não pronúncia, reside na bitola indiciária aplicada no inquérito e na instrução. 7. Atendendo aos artigos 124.º e 127.º do Código de Processo Penal, é a valoração das provas recolhidas em inquérito que permite o juízo de prognose de acordo com o qual o arguido será condenado em julgamento. Esta valoração é efetuada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente em cada uma das fases processuais. Cada uma das entidades – Ministério Público no inquérito, e Juiz de Instrução Criminal na instrução – tem uma liberdade de apreciação controlada e guiada pelas regras da ciência, da lógica e da fundamentação, abrindo-se, deste modo, a porta à denominada “prova indireta”. 8. A prova indireta determina que a demonstração dos factos constitutivos do ilícito decorrem, por um lado da prova inabalável de um determinado facto do qual, caso não demonstre a totalidade do facto ilícito-típico, pode, por inferência e de acordo com as referidas regras da experiência e convicção do decisor, demonstrar os restantes factos a provar. Esta inferência retirada do facto provado tem, também ela de ser inabalável – i.e., não pode permitir conclusão diversa àquela que se pretende provar. 9. Nos termos da Comunicação de Serviço ../2015 da Câmara Municipal de ..., o concurso público n.º …/2015 destinava-se ao preenchimento, em regime de contrato de trabalho por tempo indeterminado, de dois postos de trabalho existente no Mapa de Pessoal na carreira de Técnico Superior de Geografia e Planeamento do Território para satisfação de necessidades urgentes e inadiáveis no Gabinete da Presidência e no Departamento de Assuntos Jurídicos. A referida “urgência” determinou que o concurso tivesse como critérios de avaliação outros que não aqueles que decorrem das normas procedimentais ordinárias de contratação pública. 10. Apurou-se em inquérito que o concurso de contratação foi aberto na sequência de um pedido de necessidade de recrutamento de pessoal que emergiu da necessidade de transitar o Sistema de Informação Geográfica dos Serviços Municipalizados para o pelouro do Planeamento Urbanístico (Testemunha ZZ, a fls. 415-418). 11. Apurou-se, igualmente, que durante o período experimental, II e HH mantiveram as funções no Departamento Jurídico e no Secretariado da Presidência, sem que tivessem assumido qualquer função no pelouro do Planeamento Urbanístico ou na área da Geografia e Planeamento do Território. 12. O concurso foi aberto a … de 2015. Os contratos de trabalho outorgados entre o Município de ... e II e HH foram outorgados a … de 2016. Entre … de 2016 e … de 2017 decorreu o período experimental, não tendo II e HH assumido qualquer função de Técnico Superior de Geografia e Planeamento do Território (fls. 180-181, 184, 188-190, 232-234, 242-246, 253 e 263). 13. O Ministério Público entende que as provas falam por si. Que através da prova testemunhal e documental é possível inferir que a urgência de contratação alegada no aviso n.º …/2015, a qual possibilitou a aplicação de critérios de avaliação distintos e discricionários, não existia. O que não podia ser desconhecido pelos arguidos CC, AA e BB: as duas vagas destinavam-se ao pelouro do urbanismo, que fazia parte das competência do arguido AA; as necessidades de contratação eram transmitidas ao Departamento de Recursos Humanos dirigido pelo arguida BB, e o Departamento de Assuntos Jurídicos dirigido pela arguida CC estava encarregue da preparação dos concursos públicos de contratação (fls. 172-177 e 415-418). 14. A prova direta e indireta demonstra que o concurso foi feito à medida dos candidatos II e HH, de forma a garantir que mantinham o vínculo laboral com a Câmara Municipal de ... numa categoria profissional pública superior à que detinham à data da abertura do concurso. 15. Conforme alegado nos factos 14, 23, 24 e 26 da acusação pública, o Ministério Público concluiu que a arguida CC violou o princípio da imparcialidade, o que era conhecido pelos arguidos AA e BB. 16. A arguida CC era, há mais de 5 anos, superior hierárquica direta de II, o que era do conhecimento de todos funcionários da Câmara Municipal de .... A omissão dessa condição viola o princípio da imparcialidade previsto no artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, e artigo 9.º do Código do Procedimento Administrativo. Princípio, esse, que subjaz e enforma, na sua interpretação mais lata, o regime de impedimentos em sede de contratação pública. 17. Através da decisão de aplicar a fórmula de cálculo da avaliação curricular AC = (Habilitações Académicas + Formação Profissional + Experiência Profissional)/3, omitindo o fator de avaliação de desempenho, os arguidos beneficiaram diretamente II e HH. 18. O artigo 11.º, n.º 3 da Portaria n.º 83-A/2009 impunha que, caso o candidato não dispusesse de avaliação de desempenho por culpa que não lhe é imputável, o júri teria que atribuir uma nota positiva na avaliação de desempenho (nota positiva que podia ir de 10 a 20). Os arguidos optaram por omitir a avaliação de desempenho de II e HH, o que permitiu que estes obtivessem médias finais superiores às demais concorrentes, todas com avaliação de desempenho e com notas classificativas superiores nas outras áreas. 19. A bitola indiciária propugnada, determina que a demonstração probatória da violação dos princípios da imparcialidade, adequação e equidade, aliada à demonstração de que não existiam necessidades urgentes de contratação de Técnicos Superiores para o Pelouro do Urbanismo, permite inferir que a opção pela fórmula de avaliação curricular (que viola o princípio da legalidade) teve em vista beneficiar os candidatos II e HH. Propósito que os três arguidos visaram e lograram alcançar. 20. Da demonstração destes factos, através de prova testemunhal e documental (direta), o Ministério Público considera que o Juízo de Instrução Criminal deveria ter concluído que existe prova indireta que permite concluir pelo favorecimento de II e HH no procedimento concursal. Afigura-se-nos notória a construção de um concurso “à medida” de II e HH, para que conseguissem aceder à categoria de Técnico Superior nas valências da Geografia e Planeamento do Território. 21. O Ministério Público reitera que, em face de toda a prova, existem indícios suficientes que permitirão ao Juiz de julgamento concluir que houve um claro favoritismo e compadrio na contratação de II e HH, perpetrado pelos arguidos, através da instrumentalização e violação dos princípios e deveres a que estão adstritos por via dos cargos que ocupavam na Câmara Municipal de .... 22. Deve, nessa medida, os Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa reverter a decisão instrutória, pronunciando todos os arguidos nos precisos termos e nos crimes indicados na acusação pública.”
Respondeu o arguido AA, sem oferecer conclusões, mas a pugnar pela improcedência do recurso.
A arguida não respondeu ao recurso.
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O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Uma vez remetido a este Tribunal, a Exm.ª Senhora Procuradora-Geral Adjunta deu parecer no sentido da procedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP.
Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II – Objecto do recurso
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal.
É o seguinte o fundamento do recurso: Devem os Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa reverter a decisão instrutória, pronunciando todos os arguidos nos precisos termos e nos crimes indicados na acusação pública.
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III – Fundamentação
É proferido despacho de pronúncia se tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, considerando-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança. Caso contrário, é proferido despacho de não pronúncia – artigos 308.º, n.º 1 e 2 e 283.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal.
Como se refere no acórdão do Relação do Porto de 07.12.2016, processo n.º 866/14.7PDVNG.P1, a avaliação dos elementos de prova com vista ao despacho de pronúncia, e que conduzem aos juízos de indícios, é feita de forma indirecta, sem imediação, sem oralidade, sem concentração e sem contraditório, e, por isso, não conduz ao mesmo grau de certeza dos juízos probatórios que se adquirem em julgamento.
Não obstante, o juízo indiciário a estabelecer na fase de instrução, como no termo da fase de inquérito, no que respeita à apreciação do material probatório e ao grau de convicção, há-de ser equivalente ao de julgamento, que não se compadece com a ideia de verosimilhança ou de admissão da margem “razoável” de dúvida. O juízo suficiente há- -de corresponder ao juízo probatório que em julgamento levaria à condenação, com o quadro probatório, no tempo e nas circunstâncias que determinam o despacho de pronúncia – cfr. acórdão da Relação de Évora de 16.10.2002, processo n.º 76/08.2MAPTM.E1, que cita Carlos Adérito Teixeira, Revista do CEJ, nº1 – 2004, pp 160 e 161. Vd em sentido idêntico J. Noronha e Silveira, O Conceito de Indícios Suficientes no Processo penal Português in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Coord. F. Palma, Almedina-20 171 e 172, 180 e 181; Dá Mesquita, Direcção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária, Coimbra Editora-2003 pp. 90-4 e Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal (1967-1968) pp.38 e 39.
O juiz de instrução, dentro dos limites da sua intervenção (sem oralidade, sem imediação e sem contraditório), tem, todavia, que proceder à apreciação dos elementos dos autos e procurar um grau de convicção semelhante ao julgamento, embora para atingir os juízos indiciários próprios desta fase processual (e não a prova).
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Apreciemos.
Nos termos da Comunicação de Serviço …/2015 da Câmara Municipal de ..., o concurso público n.º …2015 destinava-se ao preenchimento, em regime de contrato de trabalho por tempo indeterminado, de dois postos de trabalho existentes no Mapa de Pessoal na carreira de Técnico Superior de Geografia e Planeamento do Território para satisfação de necessidades urgentes e inadiáveis no Gabinete da Presidência e no Departamento de Assuntos Jurídicos. A referida “urgência” determinou que o concurso tivesse como critérios de avaliação outros que não aqueles que decorrem das normas procedimentais ordinárias de contratação pública.
O concurso de contratação foi aberto na sequência de um pedido de necessidade de recrutamento de pessoal que emergiu da necessidade de transitar o Sistema de Informação Geográfica dos Serviços Municipalizados para o pelouro do Planeamento Urbanístico (Testemunha ZZ, a fls. 415-418).
Os candidatos HH e II não estavam integrados na carreira de Técnico Superior (declarações do arguido AA, de fls. 133). Arguido que referiu que, à data do concurso, o candidato II encontrava-se a exercer funções sob a dependência hierárquica directa da arguida CC. A testemunha KK, do departamento jurídico, confirmou que II desempenhava funções de apoio à Direcção do Departamento Jurídico. Mais disse esta testemunha que II, enquanto esteve no departamento jurídico, nunca esteve colocado fisicamente nas suas respectivas divisões, tendo sempre permanecido junto da Direcção do Departamento Jurídico. Mais esclareceu que a arguida CC desempenhou funções de orientadora de estágio de II, sendo que àquela competia atribuir-lhe tarefas, motivo pelo qual não teve qualquer intervenção directa na definição dos objectivos e/ou tarefas a desempenhar no período experimental. Mais declarou que no seu entendimento não houve uma alteração significativa entre as funções desempenhadas pelo referido candidato antes e durante o período experimental. Após a conclusão do período experimental, II permaneceu no mesmo espaço físico e na dependência hierárquica de CC, não sabendo precisar se lhe foram atribuídas tarefas distintas das que desempenhava anteriormente.
Do exposto indiciariamente decorre que, à data do concurso, II estava na dependência hierárquica da arguida CC, directora do gabinete jurídico. Durante o período experimental após o concurso, o candidato manteve-se nas mesmas funções, sob a orientação da mesma CC, o que também ocorreu quando terminou tal período. Nunca exerceu funções de Técnico Superior de Geografia e Planeamento do Território (área de geografia e de planeamento do território).
À data do concurso, HH era secretário pessoal da Presidente da Câmara Municipal, com tarefas de articulação com os diversos grupos técnicos nos vários projetos a serem desenvolvidos (e.g. planeamento do PDM, entre outros) e depois informar o executivo sobre o estado dos diversos projetos, entre outras tarefas. Candidato que disse que tinha que concorrer para ficar na carreira de técnico superior. Mais referiu que, após a homologação da lista final dos candidatos admitidos, deu início do período experimental que decorreu no Gabinete de Apoio à Presidência e que decorreu segundo julga por um período aproximado de um ano e seis meses. E que não teve qualquer acréscimo das funções que desempenhava no decurso do período experimental.
O candidato II exercia funções de secretário da Diretora do Departamento Jurídico da CM CC, competindo-lhe, entre outras tarefas, organizar a equipa de trabalho, controlo de assiduidade, gestão do economato, distribuição de tarefas, análise estatística e análise de pareceres, em conjunto com a então Diretora. Mais referiu que, após a homologação da lista final de candidatos admitidos, viria a dar início ao período experimental, que segundo está em crer teve uma duração de aproximadamente seis meses e viria a decorrer no Departamento Jurídico, sendo que viria a permanecer no local e com as funções que anteriormente lhe estavam atribuídas. Esclareceu que não houve qualquer enquadramento no período experimental, uma vez que se limitou a desempenhar as funções que anteriormente lhe estavam atribuídas, conforme consta do seu relatório do período experimental. Acrescentou que está em crer que a sua orientadora do período experimental foi a Dr.ª CC, uma vez que o período experimental foi desenvolvido sob a sua supervisão e direção. Na sequência do período experimental elaborou o correspondente relatório, que segundo está em crer submeteu à apreciação da Sr.ª Dr.ª CC e a Dr.ª CCCuma vez que estas integravam o júri do período experimental. Clarificou que embora as tarefas desenvolvidas no período experimental não se integram na assunção clássica da geografia e planeamento do território, entende que o conteúdo da área funcional da geografia integra diversas tarefas de gestão e organização que podem ser implementados em diversos serviços.
RR (do departamento jurídico) referiu que enquanto permaneceu no mesmo gabinete que II não se apercebeu que este tenha levado a cabo qualquer tarefa no domínio da geografia e planeamento do território.
SS (vereador) disse que era seu entendimento que após o desfecho do procedimento concursal, II e HH deveriam ter sido colocados em serviços ligados à Geografia e Planeamento do Território, não sabendo precisar porque imediatamente após o período experimental estes permaneceram nos seus serviços e funções de origem, sendo que no caso concreto de HH não saberá precisar se terá pendido o facto deste exercer funções nomeadas e como tal teria de ser proposto o fim da referida nomeação.
PP, chefe de gabinete da Presidência, esclareceu que nesse período HH também exercia funções como secretário no Gabinete da Presidência, competindo-lhe levar a cabo, fundamentalmente, a conferência e validação dos processos de pagamento, não se recordando de nenhuma situação concreta na qual HH tenha desempenhando qualquer tarefa em grupos de trabalho ou projectos relacionados com o urbanismo, planeamento do território ou geografia. Mais disse não se recordar de nenhum hiato temporal em que o HH se tenha ausentado continuadamente do Gabinete da Presidência de forma a levar a cabo o período experimental, sabendo apenas que o mesmo se ausentava ocasionalmente, não sabendo precisar o motivo, nomeadamente se para realizar tarefas no âmbito do período experimental ou com vista à conclusão da sua formação académica.
TT, de fls. 251, que exercia funções de apoio administrativo à Direcção do Departamento Jurídico, disse que competia a II secretariar a então directora e prestar apoio administrativo a funcionamento daquela direcção, reportando directamente à arguida CC e ao Dr. UU. Mais referiu que II não esteve ausente de forma continuada do departamento Jurídico, entre 2016-2017, não tendo tido conhecimento que este tenha passado a desempenhar tarefas de natureza ou complexidade distintas das que anteriormente desempenhava, nomeadamente no domínio específico da Geografia e Planeamento do Território.
VV, disse, quanto a II, que o mesmo à data dos factos desempenhava funções naquele que era conhecido como o departamento de assuntos jurídicos, trabalhando directamente com a arguida CC. Não consegue precisar nenhuma tarefa específica no domínio da geografia e planeamento do território que tenha ficado ao cuidado de HH.
WW referiu não ter tido conhecimento de que, enquanto secretário da presidência, HH tenha sido interveniente ou estivesse vinculado a qualquer pasta ligada ao domínio da geografia, planeamento do território e/ou urbanismo, ainda que sempre tenha manifestado muito interesse pelas referidas áreas.
Finalmente, ZZ, referiu que o preenchimento dos acima mencionados postos de trabalho resultou de um pedido de necessidade de recrutamento de pessoal do qual teve conhecimento e que emergiu da necessidade de transitar o Sistema de Informação Geográfica dos Serviços Municipalizados para o pelouro do Planeamento Urbanístico. Mais disse que, findo o procedimento concursal e período experimental viria a questionar o motivo pelo qual os candidatos admitidos não viriam a exercer, de forma imediata, funções no SIG, tendo então sido informada que no que concerne ao HH tal se prendia com o facto deste ter sido nomeado enquanto secretário do Gabinete da Presidência, motivo pelo qual este não poderia transitar de forma imediata para as novas funções.
Ora, aqui chegados, há claros indícios que dão razão ao recorrente.
Como refere o Ministério Público, o concurso foi feito à medida dos candidatos HH e II. O primeiro era secretário pessoal da Presidente da CM e o segundo trabalhava no Departamento Jurídico da CM. Nenhum deles exercia funções na área da geografia e planeamento do território. HH era secretário pessoal da Presidente da Câmara Municipal, com tarefas de articulação com os diversos grupos técnicos nos vários projetos a serem desenvolvidos (e.g. planeamento do PDM, entre outros) e depois informar o executivo sobre o estado dos diversos projetos, entre outras tarefas. II exercia funções de secretário da Diretora do Departamento Jurídico da CM CC, competindo-lhe, entre outras tarefas, organizar a equipa de trabalho, controlo de assiduidade, gestão do economato, distribuição de tarefas, análise estatística e análise de pareceres, em conjunto com a então Diretora.
O concurso de contratação foi aberto na sequência de um pedido de necessidade de recrutamento de pessoal que emergiu da necessidade de transitar o Sistema de Informação Geográfica dos Serviços Municipalizados para o pelouro do Planeamento Urbanístico (Testemunha ZZ, a fls. 415-418).
A “urgência” determinou que o concurso tivesse outros critérios de avaliação que não aqueles que decorrem das normas procedimentais ordinárias de contratação pública. Não houve prova de conhecimentos. Apenas avaliação curricular e entrevista de selecção.
Note-se que o candidato HH referiu que precisava do concurso para se consolidar na carreira técnico-superior.
Homologada a classificação final do concurso, os dois candidatos vencedores – HH e II – continuaram a exercer as mesmas funções de secretário pessoal da Presidente da CM e no departamento jurídico da CM. Quer no período experimental, quer após tal período. Nada se alterou. E nada de geografia e planeamento. Afinal, desvaneceu-se a urgência (necessidade de recrutamento de pessoal para transitar o Sistema de Informação Geográfica dos Serviços Municipalizados para o pelouro do Planeamento Urbanístico. A urgência só serviu para alterar as regras do concurso.
Os candidatos vencedores continuaram a fazer o que até faziam. Só que agora já eram técnicos superiores.
E CC esteve omnipresente quanto a II. Era sua superiora hierárquica antes do concurso e monitorizou o seu período experimental. Tendo em conta a sua proximidade ao candidato, a sua participação no júri violou os deveres de isenção e neutralidade que impendem sobre membros do júri em concursos para funções públicas.
Em suma, acolhe-se o que sustenta o recorrente: 5. O Ministério Público apurou em sede de inquérito que os arguidos (i) omitiram a fundamentação dos critérios de valoração da formação e experiência profissional da ata de 22 de dezembro de 2015; (ii) omitiram que a arguida CC era superior hierárquica direta de II, assim violando o princípio da imparcialidade que subjaz à norma administrativa dos impedimentos; e (iii) através da fórmula de avaliação beneficiaram II e HH em detrimento dos demais candidatos, alguns dos quais com classificação e competências superiores. 12. O concurso foi aberto a … de 2015. Os contratos de trabalho outorgados entre o Município de ... e II e HH foram outorgados a … de 2016. Entre … de 2016 e … de 2017 decorreu o período experimental, não tendo II e HH assumido qualquer função de Técnico Superior de Geografia e Planeamento do Território (fls. 180-181, 184, 188-190, 232-234, 242-246, 253 e 263). 17. Através da decisão de aplicar a fórmula de cálculo da avaliação curricular AC = (Habilitações Académicas + Formação Profissional + Experiência Profissional)/3, omitindo o fator de avaliação de desempenho, os arguidos beneficiaram diretamente II e HH.
Face ao exposto, há que julgar procedente o recurso e, por via disso, revogar o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro, considerando indiciados os factos descritos na acusação pública, e, em sequência, a pronunciar os arguidos AA, BB e CC, como autores materiais e na forma consumada, de um crime de abuso de poder, previsto e punido nos termos dos artigos 382.º e 386.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal.
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IV – Decisão
Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso, e, por via disso, revogar o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro, considerando indiciados os factos descritos na acusação pública, e, em sequência, a pronunciar os arguidos AA, BB e CC, como autores materiais e na forma consumada, de um crime de abuso de poder, previsto e punido nos termos dos artigos 382.º e 386.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal.
Sem custas.
Lisboa, 04 de Novembro de 2025
Paulo Barreto
Alexandra Veiga
Rui Coelho, com a seguinte declaração de voto:
«Voto a decisão mas entendo que, atenta a conclusão alcançada, deveria o Tribunal da Relação de Lisboa proferir a pronúncia ao invés de ordenar ao Tribunal a quo a substituição do despacho revogado»