RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL
REQUISITOS
RELEVÂNCIA JURÍDICA
INTERESSE DE PARTICULAR RELEVÂNCIA SOCIAL
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃO
ACIDENTE IN ITINERE
Sumário


I. A relevância jurídica prevista no art.º 672.º, n.º 1, a), do CPC, pressupõe uma questão que apresente manifesta complexidade ou novidade, evidenciada nomeadamente em debates na doutrina e na jurisprudência, e onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa assumir uma dimensão paradigmática para casos futuros.
II. Na sequência da diferenciação normativa entre o regime da anterior Lei dos Acidentes de Trabalho e a atualmente em vigor, assistiu-se de parte da nossa jurisprudência laboral a um crescente alargamento do conceito e inerente abrangência do acidente de trajeto que, a partir de tal alteração, passou a qualificar como sinistro laboral aquele ocorrido ainda no logradouro da residência do sinistrado, não obstante a sua índole particular ou privada, bem como a dar uma leitura socialmente mais ampla e compreensiva à referência do legislador a «trajetos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador» ou a «interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador».
III. O quadro factual e jurídico que deixámos traçado permite-nos afirmar que não se mostra preenchido o requisito da alínea a) do número 1 do artigo 672.º do NCPC, dado nos depararmos manifestamente com uma temática «cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
IV. Os interesses de particular relevância social respeitam a aspetos fulcrais da vivência comunitária, suscetíveis de, com maior ou menor repercussão e controvérsia, gerar sentimentos coletivos de inquietação, angústia, insegurança, intranquilidade, alarme, injustiça ou indignação.
V. Verifica-se, igualmente, a integração na alínea b) do mesmo número 1 do artigo 672.º dessas mesmas questões, por se nos afigurar que esta problemática dos acidentes de trajeto, pela dimensão, impacto e visibilidade que em termos do mundo do trabalho e da comunidade em geral possui, suscitando, nessa medida e naturalmente, atenção e preocupação por parte do nosso sentir coletivo, reconduz-se suficientemente a interesses de particular relevância social, com a configuração jurídica que antes deixámos aflorada.
VI. Finalmente, no que toca à integração da alínea c) do número 1 do artigo 672.º do NCPC, constata-se que, não obstante as diferentes situações factuais que se vivem em cada um dos Arestos em contraposição, as questões jurídicas que se colocam em ambos são, na sua essencialidade, equiparadas ou, pelo menos, muito próximas, o que nos permite considerar verificado também esse pressuposto de admissibilidade deste Revista Excecional, a saber, uma suficiente oposição, no que respeita ao fulcro das situações suscitadas neste recurso de revista excecional, entre o aresto recorrido e o acórdão fundamento que foi indicado pela recorrente Autora e que já transitou em julgado.

Texto Integral

RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL N.º 6083/21.2T8VNF.G1.S2 (4.ª Secção)

Recorrente: AA

Recorridas: FIDELIDADE - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

SEARA S.A.

(Processo n.º 6083/21.2T8VNF – Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia)

ACORDAM NA FORMAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 672.º, N.º 3, DO CPC, JUNTO DA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – RELATÓRIO

1. Por participação entrada em 29 de Outubro de 2021 neste Juízo do Trabalho, AA, devidamente identificada nos autos, participou o acidente de trabalho em que foi vítima mortal BB, quando trabalhava, sob as ordens, direção, organização e fiscalização da sua entidade empregadora, “SEARA, S.A.”, igualmente identificada nos autos, sendo seguradora “FIDELIDADE - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, também identificada nos autos.


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2. Decorrida a FASE CONCILIATÓRIA do processo, as partes não chegaram a acordo, uma vez que a seguradora não aceitou a existência do acidente, a sua caracterização como acidente de trabalho e o nexo causal entre o mesmo, as lesões e a morte, não aceitando a responsabilidade do acidente por não preencher os requisitos de um acidente de trabalho nos termos do disposto no artigo 8.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09.

Também a entidade empregadora não aceitou a caracterização do acidente como de trabalho, o nexo causal entre o mesmo, as lesões e a morte, não aceitando, ainda, a responsabilidade pela retribuição, por considerar que esta se encontrava integralmente transferida para a Seguradora.


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3. Em 17 de Junho de 2024, AA, viúva do falecido BB, requereu a abertura da fase contenciosa do processo contra a seguradora “FIDELIDADE - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” e “SEARA, S.A.”, formulando o seguinte pedido:

Deve a presente ação ser julgada totalmente procedente por provada para os devidos efeitos legais, devendo ser a 1.ª Ré Seguradora FIDELIDADE ‐ COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e a 2.ª Ré Empregadora SEARA S.A., consideradas responsáveis pelo acidente de trabalho descrito nos presentes autos e do qual resultou a morte do sinistrado BB. marido da ora Autora e pai do Interveniente Principal, ocorrido no passado dia 21/06/2021, a calcular em função da retribuição anual global bruta auferida/devida de €14.807,16, mais concretamente de 850,00 € x 14 meses (salário base), acrescido de 70,74€ x 14 meses (diuturnidades), de 4,50 € x 22 x 11 meses (subsídio de alimentação), de 25,00€ x 12 (prémio de assiduidade) e, por último, de 527,80 € x 1 (horas extra), – sendo a 1.ª Ré Seguradora FIDELIDADE ‐ COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. responsável com base na retribuição anual auferida/devida transferida de €14.279,36, mais concretamente de 920,74 € x 14 meses (retribuição base/diuturnidades), acrescido de 4,50 € x 22 x 11 meses (subsídio de alimentação) e de 25,00 € x 12 (prémio de assiduidade) e a 2.ª Ré Empregadora SEARA S.A., responsável com base na retribuição anual auferida/devida e não transferida de € 527,80, a título de 527,80 € x 1 (horas extra) ‐ , e em consequência:

A. Deve ser a 1.ª Ré Seguradora FIDELIDADE ‐ COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. com base na retribuição transferida de € 14.279,36, mais concretamente de 920,74 € x 14 meses (retribuição base/diuturnidades), acrescido de 4,50 € x 22 x 11 meses (subsídio de alimentação) e de 25,00€ x 12 (prémio de assiduidade) condenada a pagar à ora Autora AA Beneficiária/Viúva do falecido sinistrado BB, as seguintes quantias indemnizatórias/prestações:

a) A pensão anual, vitalícia e atualizável de 4.283,81 €, devida desde o dia 22.06.2021, dia seguinte ao do óbito, pensão essa que corresponde a 30% da retribuição do sinistrado, até perfazer a idade da reforma por velhice, sendo aumentada para 40% a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica, que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho (art.º 59.°, n.º 1, al. a), da lei 98/2009 de 04/09)

b) A título de subsídio por morte, a quantia de 2.896,14€ (correspondente a 50% que partilha com o filho), (cfr. art.º 65.º, n.ºs 1 e 2, ai. a), da Lei n.º 98/2009, de 04/09 e Portaria n.º 24/2019, de 17/01);

c) A título de despesas de funeral, com transladação, que suportou (cfr. fls. 81 a 82), a importância de 2.675,80 € (cfr. art.º 66.°, n.ºs 1, 2 e 4, da Lei n.º 98/2009, de 04/09 e Portaria n.º 24/2019 de 17/01);

d) A título de despesas de deslocação para comparência obrigatória a este Tribunal, a importância de 30,00 €;

e) Juros de mora sobre todas as prestações desde as datas dos respetivos vencimentos e até integral vencimento:

B. Deve ser a 2.ª Ré empregadora SEARA S.A., com base na retribuição total anual auferida/devida e não transferida de € 527,80, a título de 527,80 € x 1 (horas extra) condenada a pagar à ora Autora AA Beneficiária/Viúva do falecido sinistrado BB, as seguintes quantias indemnizatórias/prestações:

a) A pensão anual, vitalícia e atualizável de 158,34 €, devida desde o dia 22.06.2021, dia seguinte ao do óbito, pensão essa que corresponde a 30% da retribuição do sinistrado, até perfazer a idade da reforma por velhice, sendo aumentada para 40% a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica, que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho (art.º 59.º, n.º 1, al. a), da Lei 98/2009 de 04/09);

b) Juros de mora sobre todas as prestações desde as datas dos respetivos vencimentos e até integral vencimento;

C. Devem ser a 1.ª Ré Seguradora FIDELIDADE ‐ COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. com base na retribuição transferida de € 14.279,36, mais concretamente de 920,74 € x 14 meses (retribuição base/diuturnidades), acrescido de 4,50 € x 22 x 11 meses (subsídio de alimentação) e de 25,00 € x 12 (prémio de assiduidade) e a 2.ª Ré Entidade empregadora SEARA S.A., com base na retribuição total anual auferida/devida e não transferida de € 527,80, a título de 527,80€ x 1 (horas extra), condenada a pagar à ora Autora AA Beneficiária/Viúva do falecido sinistrado BB as custas legais, custas de parte e condigna procuradoria.”.

Mais requereu a intervenção principal provocada de CC, filho do falecido BB.


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4. Devidamente citadas, ambas as Rés contestaram e reiteraram, na sua essência, as posições já por si assumidas em sede da Tentativa de Conciliação.

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5. Citado o chamado CC, na qualidade de beneficiário do falecido, veio este apresentar articulado, declarando seus os articulados apresentados pela Autora, mais alegando ter atingido a maioridade em Fevereiro de 2024 e tendo frequentado até Junho um curso de cozinha e pastelaria.

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6. Fixado o valor da ação em € 95.998,43, foi proferido despacho saneador, após o que foi fixada a factualidade assente, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

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7. Realizou-se Audiência Final, com observância do legal formalismo.

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8. Por Sentença de 10/03/2025, a ação foi considerada improcedente e, em consequência, as Rés foram absolvidas dos pedidos, nos molde seguintes:

«Face ao exposto, julga-se a presente ação improcedente, e, em consequência absolvem-se as Rés “FIDELIDADE - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” e “SEARA, S.A.” dos pedidos.

Custas pela Autora e pelo Chamado (Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.

Valor da ação: o fixado em 15.11.2024.

Notifique.»


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9. Inconformada, a Autora interpôs recurso de Apelação, que foi admitido e seguiu a sua normal tramitação, tendo, por Acórdão de 10/07/2025, o Tribunal da Relação de Guimarães considerado improcedente o mesmo e mantido a decisão recorrida.

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10. A Autora interpôs recurso de Revista Excecional, ao abrigo do disposto no artigo 672.º, n.º 1, als. a), b) e c) do CPC.

11. Por despacho de 29/07/2025, foi admitido tal recurso de revista excecional e determinada a subida dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça.


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12. Chegados os autos de recurso a este Supremo Tribunal de Justiça e por despachos judiciais datados de 31/7/2025 e 5/09/2025 proferidos pelo respetivo relator, foi admitida a presente revista excecional, por se considerar verificados os requisitos gerais de recorribilidade assim como a existência de uma situação de dupla conforme, nos termos do número 3 do artigo 671.º, vindo, nessa medida, a remeter-se os autos à formação prevista no número 3 do artigo 672.º, ambos do NCPC.

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13. A recorrente AA resume nas suas conclusões as diversas facetas do mesmo:

«O presente Recurso de Revista Excecional, tem como fundamento o preceituado nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 672, do C. P. Civil, a saber:

ARTIGO 672.º, N.º 1, ALÍNEAS A) e B) DO C.P.CIVIL:

1. Como pressupostos de admissibilidade Revista Excecional, a autora/recorrente invoca desde já os das alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 672.º do dito Código. Com efeito,

2. Está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (artigo 672, n.º 1, alínea a) do C.P.C).

3. Está em causa uma questão em que estão em causa interesses de particular relevância social (artigo 672.º, n.º 1, alínea b) do C.P.C).

4. Estamos em face de uma questão de manifesta dificuldade e complexidade, cuja solução jurídica reclama aturado estudo e reflexão, porque se trata de uma questão que suscita divergências a nível doutrinal e jurisprudencial, sendo conveniente a intervenção do STJ para orientar os tribunais hierarquicamente inferiores.

5. A questão a tratar é uma questão autónoma e evidencia elevado grau de complexidade, controvérsia e de difícil resolução pelo largo debate que tem suscitado na jurisprudência e doutrina, justificando-se assim a intervenção excecional do STJ para a consecução da tarefa uniformizadora e requer a analise da doutrina e jurisprudência em busca de resultado orientador para os interessados naquela.

6. A questão de direito que se coloca é a de saber se o evento em causa consubstancia um acidente de trabalho no trajeto, também designado in itinere,

7. E se a situação em apreço nestes autos, em função da normalidade do acontecer e dos procedimentos habituais da generalidade das pessoas, pode ou não ser considerada como correspondendo a uma necessidade atendível do trabalhador.”

ARTIGO 672.º, N.º 1, ALÍNEA C) DO C.P.CIVIL:

8. O Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães ora recorrido está em contradição com outro Acórdão já transitado em julgado, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito (o caso julgado ou a autoridade de caso julgado), e não foi proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme (artigo 672, n.º 1, alínea a) do C.P.C).

9. Na esteira do doutamente decidido pelo Tribunal Constitucional, mais concretamente nos Doutos Acórdãos n.ºs 620/2013 e 588/2014, a Autora/Recorrente para a hipótese prevista no artigo 672, n.º 1, alínea c) e n.º 2, alínea c) do C.P.C, desde já indica o acórdão fundamento, bem como junta aos autos cópia do mesmo, a saber: Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-10-2023, p.° 2812/21.2T9VNF.G1, Relator Francisco Sousa Pereira “É acidente de trabalho, in itinere, aquele que ocorre dentro do intervalo para o almoço, no percurso para um estabelecimento que dista das instalações da empregadora cerca de200/300 metros, e onde a sinistrada pretendia tomar café, aproveitando para confraternizar com as colegas de trabalho, depois de ter tomado o almoço, que trouxera de casa, nas instalações da empregadora.” cuja cópia ora se junta e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais sob o Doc. n. 1

10. No referido Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães fundamento do presente recurso de revista excecional, os aspetos de identidade com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães e objeto do presente recurso são o seguintes:

1) Em ambos os casos se discute a questão de direito de saber se o evento em causa consubstancia um acidente de trabalho no trajeto, também designado in itinere,

2) Em ambos os casos se discute a questão de direito de saber se a situação em concreto, em função da normalidade do acontecer e dos procedimentos habituais da generalidade das pessoas, pode ou não ser considerada como correspondendo a uma necessidade atendível do trabalhador.”


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14. A Ré SEARA, SA. veio apresentar as suas contra-alegações, que finalizou nos seguintes moldes:

« A. A lei protege o dano emergente de um acidente ainda que haja um desvio no percurso (falha do elemento espacial) ou uma interrupção (falha do elemento temporal) desde que a interrupção e/ou desvio do trabalhador sejam determinadas por “necessidades atendíveis”, “motivo de força maior” ou “caso fortuito”.

B. In casu, concluiu-se não estarmos perante um motivo de força maior ou caso fortuito, pelo que se impunha verificar se estávamos perante uma necessidade atendível.

C. «Pese embora a flutuação jurisprudência sobre o tipo de situações concretas que podem caber no conceito, tem havido convergência no sentido de que ali se abarcam as situações concretas da vida real que, segundo o seu circunstancialismo, são compreensíveis segundo um padrão de adequação social e de razoabilidade» [1].

D. De modo que, salvo o devido respeito por opinião contrária, inexiste a apontada oposição de acórdãos invocada pela Recorrente.

E. Certo é que, da matéria de facto provada, resultou que, após registar o fim da jornada de trabalho, o sinistrado saiu das instalações da Recorrida empregadora e fez um desvio no seu trajeto, acedendo ao prédio de terceiro - a empresa 1 que se encontra desativada – situado a cerca de 100 metros do prédio da aqui Recorrida – Factos Provados sob as alíneas H) e I).

F. Para tanto, ao invés de se dirigir ao veículo automóvel em que se faria transportar até à respetiva residência como o fazia habitualmente, o sinistrado saiu das instalações da Recorrida empregadora acompanhado do colega de trabalho DD, o qual o sinistrado convidou a deslocar-se ao prédio da 1 com a intenção de cortar e apanhar ameixas diretamente da árvore de fruto plantada naquele prédio, e acederam ao prédio a partir da via pública – Factos Provados sob a alínea K).

G. Com o intuito de colher as ameixas diretamente da árvore, o sinistrado subiu ao telhado (a cobertura das instalações da 1) mediante escalamento do muro e sem utilizar arnês ou cinto de proteção, tendo a cobertura cedido, porque uma das chapas partiu, e o sinistrado caiu no interior do armazém com uma altura de sete metros – Factos Provados sob as alíneas J), L), M) e N).

H. Ora, apanhar ameixas diretamente da árvore de fruto, entrando, para tanto, em prédio alheio e subindo à cobertura/telhado do armazém aí existente, não consubstancia uma necessidade compreensível, nem tem conexão com a relação laboral.

I. Antes revela um comportamento de risco adotado pelo sinistrado, o qual exorbita o âmbito do convívio social e de uma necessidade de alimentação, indiciando inclusive a prática de um crime e tornando exigível um outro comportamento ao trabalhador.

J. Bem andou o Tribunal Recorrido ao entender que «O comportamento em toda a sua abrangência, é completamente desrazoável, sendo desconforme às mais elementares regras de cuidado e bom senso. Colocar-se num risco tão elevado para colher umas ameixas, que simplesmente poderia adquirir num supermercado, não se afigura comportamento socialmente adequado, nem consentâneo com os modelos de comportamento normais.»

K. Destarte, entende a Recorrida que, considerando a factualidade provada, a entender-se que se trata de um acidente de trabalho, sempre o mesmo se descaracteriza, não dando lugar à reparação (art.º 14.º da LAT), já que proveio exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.

L. De facto, a conduta do sinistrado traduz-se numa conduta, fortemente indesculpável por violar as cautelas mais elementares, o que foi a causa exclusiva do acidente, que infelizmente se revelou fatal para o trabalhador.

M. Sufraga-se a conclusão do douto Acórdão recorrido: «O próprio ato de escalamento e colocação em cima do telhado sem proteções constitui em si um risco elevado, em violação de regras elementares de segurança, constituindo conduta temerária. Seria incompreensível colocar tal risco a cargo da empregadora, que por lei é obrigada a fazer cumprir regras de segurança por parte dos seus trabalhadores e no desempenho das respetivas tarefas.»

Termos em que o recurso interposto pela Recorrente não deve merecer provimento, assim se fazendo a habitual Justiça.»


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15. A Ré Seguradora não apresentou contra-alegações dentro do prazo legal de 15 dias, não obstante ter sido notificada para esse efeito.

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16. Cumpre decidir, tendo sido remetido previamente o projeto do Acórdão aos restantes membros da formação e tendo estes últimos tido acesso ao processo no CITIUS.

II. FACTOS

17. Com relevância para a decisão, há a considerar os factos provados e não provados que constam do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães [TRG] de 10/3/2025 e que correspondem à matéria de facto dada como assente pelo tribunal da primeira instância:

A. BB, nascido em ... de ... de 1971, faleceu em ... de ... de 2021, no estado de casado com AA.

B. CC nasceu em ... de ... de 2006 e é filho de BB e de EE.

C. Em 21 de Junho de 2021, BB trabalhava, por conta, sob as ordens, direção e fiscalização de “SEARA, S.A.”, com a categoria profissional de ..., e auferia a retribuição anual ilíquida de € 14.279,36 [(€ 850 x 14) + (€ 70,74 x 14) + (€ 4,50 x 22 x 11) + (€ 25 x 12)] – salário base, diuturnidades, subsídio de alimentação, prémio de assiduidade).

D. A Ré “SEARA, S.A.” havia transferido para a Ré “FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” a sua responsabilidade infortunística pelos acidentes de trabalho sofridos pelos seus trabalhadores, entre os quais o BB, através de contrato de seguro de acidentes de trabalho válido e eficaz titulado pela apólice n.º 1, pela retribuição anual global bruta de € 14.279,36 [(€ 920,74 x 14) + (€ 4,50 x 22 x 11) + (€ 25 x 12)] – salário base/diuturnidades, subsídio de alimentação e prémio de assiduidade).

E. Para além da retribuição referida em C., BB auferiu, ainda, entre junho de 2020 e junho de 2021, a quantia de € 527,80 a título de horas extra.

F. No ano de 2020, BB prestou trabalho suplementar nos meses de junho, julho, agosto, novembro e dezembro, em quantias variáveis.

G. No ano de 2021, BB prestou trabalho suplementar nos meses de janeiro, fevereiro e abril, em quantias variáveis.

H. No dia 21 de Junho de 2021, cerca das 20 horas e 10 minutos, na Rua 1, BB entrou nas instalações da empresa 1, situada a cerca de 100 metros da portaria das instalações da Ré “SEARA, S.A.”, que se encontra desativada, para colher ameixas de uma ameixoeira, subiu à cobertura dessas instalações e, quando se encontrava no telhado, este cedeu, partiu-se e BB caiu no interior do armazém de uma altura de 7 (sete) metros.

I. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em H., BB, após ter terminado a sua jornada de trabalho, pelas 20 horas, e ter saído da portaria das instalações da Ré “SEARA, S.A.”, deslocava-se dessas instalações para a sua residência habitual.

J. BB subiu ao telhado referido em H. com o intuito de colher ameixas para as comer.

K. Ao invés de se dirigir ao seu veículo automóvel em que se faria transportar, como habitualmente, para a sua residência, BB saiu das instalações da Ré “SEARA, S.A.” e convidou o colega DD, a deslocar-se ao prédio propriedade da empresa 1 com a intenção de cortar e apanhar ameixas diretamente da árvore de fruto plantada naquele prédio.

L. Para colher as ameixas, BB acedeu, por escalamento do muro, à cobertura do pavilhão industrial da 1.

M. A cobertura dista mais de 6 metros do solo e é composta por chapas com vários metros de comprimento.

N. BB não utilizou arnês ou cinto de segurança.

O. Como consequência direta e necessária da queda resultaram para BB as lesões descritas no relatório de autópsia de fls. 42 a 46, cujo teor se dá por reproduzido, as quais lhe determinaram, direta e necessariamente, a morte, verificada nesse mesmo dia 21 de junho de 2021.

P. A Autora despendeu com o funeral de BB, com transladação, a quantia de € 2.675,80.

Q. A Autora e CC despenderam, cada um deles, a importância de € 30,00 em transportes para comparência obrigatória ao Tribunal.

R. CC entre os anos letivos de 2021/2022 e 2023/2024 frequentou e concluiu o Curso de Restauração – ... na “2”.


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FACTOS NÃO PROVADOS

«Com interesse para a decisão da causa, NÃO SE PROVARAM quaisquer outros factos, designadamente que:

1. BB trabalhava por turnos e tinha como horário de saída as 20 horas.

2. BB deslocava-se habitualmente para a sua residência habitual a pé.

3. As chapas que compunham a cobertura estavam em mau estado de conservação, e várias delas deficientemente fixas.

4. O mau estado de conservação do telhado era visível.

5. BB sabia que se o telhado cedesse cairia para o seu interior.»


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III - QUESTÕES SUSCITADAS AO ABRIGO DAS ALÍNEAS A), B) e C) DO NÚMERO 1 DO ARTIGO 672.º DO NCPC [2]

18. Nos termos e para os efeitos do art.º 672.º, n.º 1, alínea a), reclamam a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça as questões “cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, como tal se devendo entender, designadamente, as seguintes:

– “Questões que motivam debate doutrinário e jurisprudencial e que tenham uma dimensão paradigmática para casos futuros, onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa ser utilizada como um referente.” (Ac. do STJ de 06-05-2020, Proc. n.º 1261/17.1T8VCT.G1.S1, 4.ª Secção).

– Quando “existam divergências na doutrina e na jurisprudência sobre a questão ou questões em causa, ou ainda quando o tema se encontre eivado de especial complexidade ou novidade” (Acs. do STJ de 29-09-2021, P. n.º 681/15.0T8AVR.P1.S2, de 06-10-2021, P. n.º 12977/16.0T8SNT.L1.S2, e de 13-10-2021, P. n.º 5837/19.4T8GMR.G1.S2).

– “Questões que obtenham na Jurisprudência ou na Doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação que suscite problemas de interpretação, nos casos em que o intérprete e aplicador se defronte com lacunas legais, e/ou, de igual modo, com o elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, em todo o caso, em todas as situações em que uma intervenção do STJ possa contribuir para a segurança e certeza do direito.” (Ac. do STJ de 06-10-2021. P. n.º 474/08.1TYVNG-C.P1.S2).

– “Questões que obtenham na jurisprudência ou na doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação com elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, suscetíveis, em qualquer caso, de conduzir a decisões contraditórias ou de obstar à relativa previsibilidade da interpretação com que se pode confiar por parte dos tribunais.” (Ac. do STJ de 22-09-2021, P. n.º 7459/16.2T8LSB.L1.L1.S2).

– Questão “controversa, por debatida na doutrina, ou inédita, por nunca apreciada, mas que seja importante, para propiciar uma melhor aplicação do direito, estando em causa questionar um relevante segmento de determinada área jurídica” (Ac. do STJ de 13-10-2009, P. 413/08.0TYVNG.P1.S1).

– “Questão de manifesta dificuldade e complexidade, cuja solução jurídica reclame aturado estudo e reflexão, ou porque se trata de questão que suscita divergências a nível doutrinal, sendo conveniente a intervenção do Supremo para orientar os tribunais inferiores, ou porque se trata de questão nova, que à partida se revela suscetível de provocar divergências, por força da sua novidade e originalidade, que obrigam a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, suscetíveis de conduzir a decisões contraditórias, justificando igualmente a sua apreciação pelo STJ para evitar ou minorar as contradições que sobre ela possam surgir.” (Ac. do STJ de 02.02.2010, P. 3401/08.2TBCSC.L1.S1).


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19. A nossa jurisprudência, quanto aos invocados interesses de particular relevância social que são enunciados na alínea b) do número 2 do artigo 672.º, fala-nos em “aspetos fulcrais para a vida em sociedade” (Ac. do STJ de 13.04.2021, P. 1677/20.6T8PTM-A.E1.S2), assuntos suscetíveis de, com maior ou menor repercussão e controvérsia, gerar sentimentos coletivos de inquietação, angústia, insegurança, intranquilidade, alarme, injustiça ou indignação (Acs. do STJ de 14.10.2010, P. 3959/09.9TBOER.L1.S1, e de 02.02.2010, P. 3401/08.2TBCSC.L1.S1), ou que “exista um interesse comunitário significativo que transcenda a dimensão inter partes” (Ac. do STJ de 29.09.2021, P. n.º 686/18.0T8PTG-A.E1.S2), sendo certo que nesta matéria “não basta o mero interesse subjetivo do recorrente” (Ac. do STJ de 11.05.2021, P. 3690/19.7T8VNG.P1.S2).

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20. A Autora e Recorrente, vem invocar também a alínea c) do número 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil de 2013, com fundamento na manifesta contradição entre o Aresto recorrido e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26/10/2023, p.° 2812/21.2T9VNF.G1, Relator Francisco Sousa Pereira “É acidente de trabalho, in itinere, aquele que ocorre dentro do intervalo para o almoço, no percurso para um estabelecimento que dista das instalações da empregadora cerca de 200/300 metros, e onde a sinistrada pretendia tomar café, aproveitando para confraternizar com as colegas de trabalho, depois de ter tomado o almoço, que trouxera de casa, nas instalações da empregadora.”, incidindo ambos sobre as mesmas questões fundamentais de direito.

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21. Debrucemo-nos então sobre a questão que foi remetida para apreciação por esta formação, de maneira a apurarmos se os exatos contornos em que a mesma se acha suscitada e discutida pelas partes nos seus articulados e alegações e tratada pelas instâncias, lhe confere a relevância jurídica proeminente reclamada pelo alínea a) do número 1 do artigo 672.º do NCPC.

Está aqui basicamente em questão a interpretação jurídica que deve ser dada ao artigo 9.º da Lei dos Acidentes de Trabalho de 2009 que, com a epígrafe de «Extensão do conceito» quando, por referência aos chamados acidentes de trajeto estatui o seguinte: «1 - Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido: a) No trajeto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste, nos termos referidos no número seguinte; […] 2 - A alínea a) do número anterior compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajetos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador: […]», esclarecendo o número 3 que «Não deixa de se considerar acidente de trabalho o que ocorrer quando o trajeto normal tenha sofrido interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito.».

Não será talvez despiciendo recordar aqui que a atual redação do artigo 9.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, que procede à regulamentação do regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, difere nesta matéria dos acidentes in itinere, da correspondente regulação que emergia do artigo 6.º da Lei n.º 100/97 de 13/09 e subsequente regulamentação constante também do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 143/99 de 30/4.

Na sequência de tal distinção normativa, assistiu-se de parte da nossa jurisprudência laboral a um crescente alargamento do conceito e inerente abrangência do acidente de trajeto que, a partir de tal alteração, passou a qualificar como sinistro laboral aquele ocorrido ainda no logradouro da residência do sinistrado, não obstante a sua índole particular ou privada, bem como a dar uma leitura socialmente mais ampla e compreensiva à referência do legislador a «trajetos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador» ou a «interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador». [3]

A Autora, em sede das suas conclusões, destinadas à matéria de fundo propriamente dita que é objeto do seu recurso afirma o seguinte:

«4) A questão que se coloca é a de saber se subir ao telhado das instalações de um prédio com intenção de cortar e apanhar ameixas de uma árvore de fruto plantada nesse prédio para as comer constituiu uma necessidade atendível, de acordo com um critério de adequação social, consubstanciando assim um acidente de trabalho no trajeto, também designado in itinere.

5) A Autora, salvo o devido respeito e melhor opinião em contrário, entende que após uma longa jornada de trabalho, de mais de oito horas, subir ao telhado das instalações de um prédio com intenção de cortar e apanhar ameixas de uma árvore de fruto plantada nesse prédio para as comer constituiu uma necessidade atendível e compreensível de acordo com um critério de adequação social.

6) Segundo o artigo 9.º, n.º 3 da Lei 98/2009, de 4-09: “Não deixa de se considerar acidente de trabalho o que ocorre quando o trajeto normal tenha sofrido interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito.”

7) Ainda que haja um desvio no percurso ou uma interrupção a lei protege ainda o dano emergente de um acidente desde que a interrupção e/ou desvio do trabalhador sejam determinadas por “necessidades atendíveis”, “motivo de força maior” ou “caso fortuito”.

8) Necessidade atendível apesar do vocábulo “necessidade”, sob pena de redundância, não se pode entender como um comportamento que seja inevitável, imprescindível, que se imponha, que seja um dever, que seja urgente, que seja premente, ou como que um “estado de necessidade”.

9) Necessidade atendível reporta-se simplesmente a motivos do trabalhador relacionados com a sua vida pessoal e familiar que não sejam censuráveis, mas antes socialmente compreensíveis, inteligíveis para alguém de bom senso, razoáveis do ponto de vista do comportamento do ser humano, não tendo de tratar-se de necessidades básicas.

10) “Atendível será a necessidade que, de algum modo pode ser evitada ou adiada, muito embora, se o não for, seja facilmente desculpável ou aceitável, de acordo com os critérios dominantes em determinado momento, local e circunstâncias”

11) “Podem tratar-se de necessidades fisiológicas, de tomar um café ou um pequeno-almoço no caminho para o trabalho ou de almoçar findo o trabalho e antes de regressar a casa, de comprar medicamentos numa farmácia ou enviar uma carta registada, de levar ou ir buscar os filhos à escola ou ao jardim de infância”.

12) Veja-se a este propósito um conjunto de situações concretas da vida real que, segundo o seu circunstancialismo, são compreensíveis segundo um padrão de adequação social e de razoabilidade

1. Ac. de 25-09-2014, p. 771/12.1TTSTB.E1.S1 (sinistrado que faz interrupção de duração não determinada, motivada pelo almoço com o pai que se encontrava internado em estabelecimento situado naquele percurso);

2. Acs. da RE de 12-06-2019, p.282/16.6T8FAR.E1 (trabalhador condutor de pesados, com défice de repouso/convívio faz interrupção para conversar com amigo cerca de 20m) e de 26-04-2018, p. 2477/15.00T8PTM.E1 (sinistrada que faz compras no supermercado, ainda dentro do supermercado onde trabalhava, embora já fora do posto de trabalho-peixaria);

3. Ac. RL de 5-12-2108 p. 4899/16.0T8LRS.L1-4 (desvio e interrupção destinadas a aquisição de prenda -camisola de futebol - para oferecer ao afilhado, por curto período de tempo) e de 19-12-2024, p. 22380/22.7T8LSB.L1-4 (trabalhadora que utiliza dois autocarros e, de permeio, faz caminhada e compras no supermercado e usa o telemóvel);

4. Acs. RP 18-09-2023, p. 398/18.4 T8VNG.P1 (trabalhador que se deteve a conversar com amigo sobre uma cirurgia).

5. Ac. RG 26-10-2023, p.° 2812/21.2T9VNF.G1, Relator Francisco Sousa Pereira […]4

13) Pelo supra exposto o acidente supra descrito nos autos e que vitimou o sinistrado BB, preenche os requisitos de um acidente de trabalho in itinere, nos termos do disposto nos art.ºs 8.° e 9.º, n.ºs 1, al. a), 2 e 3 da Lei n.º 98/2009 de 04 de setembro, na medida em que ocorreu quando o trajeto normal sofreu um desvio determinado pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador.»

Ora, face ao que deixámos explanado, podemos afirmar objetivamente que a apreciação das questões citadas neste recurso de revista excecional se evidencia claramente necessária para uma melhor aplicação do direito devido à sua relevância jurídica?

A resposta a tal pergunta tem de ser afirmativa, pois a temática exposta é, na atualidade jurídica e judiciária, ainda de significativa relevância em termos de análise de direito, não apenas face às divergências e dúvidas em termos doutrinários e jurisprudenciais que se continuam a verificar, como ainda pela abrangência quantitativa assinalável e a repercussão qualitativa presente e futura, em termos jurídicos, que possui.

Logo, pelo seu significado e benefício para uma maior compreensão e melhor aplicação do regime legal aplicável – por referência a um preenchimento da noção de acidente in itinere, nos seus diversos elementos típicos e vertentes, de uma forma cada vez rigorosa, objetiva e segura – justifica-se a intervenção e o julgamento excecional por parte deste Supremo Tribunal de Justiça de tais matérias, para os efeitos da alínea a) do número 1 do artigo 672.º do NCPC.


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22. O mesmo há a dizer quando à integração na alínea b) do mesmo número 1 do artigo 672.º dessas mesmas questões, por se nos afigurar que esta problemática dos acidentes de trajeto, pela dimensão, impacto e visibilidade que em termos do mundo do trabalho e da comunidade em geral possui, suscitando, nessa medida e naturalmente, atenção e preocupação por parte do nosso sentir coletivo, reconduz-se suficientemente a interesses de particular relevância social, com a configuração jurídica que antes deixámos aflorada.

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23. Finalmente, no que toca à integração da alínea c) do número 1 do artigo 672.ºdo NCPC e no confronto que há que fazer entre o Acórdão recorrido e o Acórdão-fundamento, afigura-se-nos que, não obstante as diferentes situações factuais que se vivem em cada um deles, as questões jurídicas que se colocam em ambos são, na sua essencialidade, equiparadas ou, pelo menos, muito próximas, o que nos permite considerar verificado também esse pressuposto de admissibilidade deste Revista Excecional, a saber, uma suficiente oposição, no que respeita ao fulcro das situações suscitadas neste recurso de revista excecional, entre o aresto recorrido e o acórdão fundamento que foi indicado pela recorrente Autora e que já transitou em julgado.

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IV – DECISÃO

24. Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 672.º, números 1, alíneas a), b) e c) e 3 do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça e pelos fundamentos expostos, em admitir o presente recurso de Revista excecional interposto pela Autora AA.

Custas a cargo da parte vencida a final - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Lisboa, 29 de outubro de 2025

José Eduardo Sapateiro - Juiz Conselheiro relator

Júlio Gomes – Juiz Conselheiro Adjunto

Mário Belo Morgado – Juiz Conselheiro Adjunto

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1. «Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 20/02/2025, processo n.º1587/22.2T8VCT.G1, in www.dgsi.pt» - NOTA DE PÉ DE PÁGINA DAS CONCLUSÕES TRANSCRITAS, COM O NÚMERO 7.↩︎

2. As referências teóricas e jurisprudenciais constantes da presente fundamentação, assim como dois dos pontos do Sumário, foram extraídos, com a devida vénia, dos dois Acórdãos de 11/9/2024 e de 12.04.2024, proferidos, respetivamente, no Processo n.º 511/20.1T8FAR.E1.S2 (revista excecional) e no Processo n.º Processo n.º 3487/22.7T8VIS.C1.S1 (revista excecional), ambos relatados pelo Juiz Conselheiro MÁRIO BELO MORGADO.↩︎

3. Não se pode ignorar, quanto a esta temática, a obra fundamental de JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, “O Acidente de Trabalho - O acidente in itinere e a sua descaracterização”, outubro de 2013, 1.ª Edição, Coimbra Editora, nem os estudos de SÉRGIO SILVA DE ALMEIDA intitulados “Reflexões sobre a noção de acidente in itinere” e “Notas sobre acidentes in itinere : qualificação e descaraterização” e publicados, respetivamente, no Boletim da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, 2006, páginas 155 e seguintes e Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 2 (2017), Centro de Estudos Judiciários, Coimbra Editora, págs.185 e seguintes.

Cite-se finalmente e a este mesmo propósito, a Tese de Mestrado denominada “o Acidente de Trabalho In Itinere”, da autoria de DÁLIA CRISTINA LOPES SANTOS, sob a orientação do Professor Doutor António Moreira, Universidade Lusíada do Porto, 2014, Porto.↩︎

4. Mostra-se reproduzido o Sumário deste Acórdão do TRG noutros locais deste Aresto.↩︎