ADIANTAMENTOS
AJUDAS DE CUSTO
COMPENSAÇÃO
DESCONTO
ÓNUS DE PROVA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
ININTELIGIBILIDADE
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ANULAÇÃO DE ACÓRDÃO
Sumário


I - Situando juridicamente o pleito dos autos, há que compulsar, para além das regras convencionais da Regulamentação Coletiva aplicável [cf., a este respeito, os artigos 5.º da Petição Inicial e 7.º da Contestação], os contratos de trabalhos firmados pelas partes, a parte dos factos dados como assentes, onde se refletem acordos particulares entre Autor e Ré [formas distintas de obtenção dos «adiantamentos»] e, finalmente, o estatuído nos artigos 258.º e seguintes do Código de Trabalho de 2009, com especial enfâse para o disposto no artigo 279.º [compensações e descontos] e para a alínea f) do número 2 de tal disposição legal, quando determina, como exceção à proibição de compensações e deduções durante a pendência do contrato de trabalho que se acha prevista no seu número 1, os «abono ou adiantamento por conta da retribuição» [sendo certo que, no caso dos autos, as ajudas de custo possuem uma natureza mista, pois destinam-se a liquidar a alimentação do Autor nas viagens de transporte nacional e internacional que faz, mas também o trabalho nos dias de descanso, feriados e descansos compensatórios].
II – É a quem alega os factos impeditivos, modificativos ou extintivos dos direitos invocados pelo credor [o aqui Autor] que compete provar os mesmos, nos termos do número 2 do artigo 342.º do Código Civil.
III - Logo, a Ré tinha o ónus de provar que, embora tivesse feito os descontos referenciados nos recibos de vencimento, os mesmos destinavam-se, em sede de ajudas de custo liquidadas ao Autor, a compensar os adiantamentos efetuados ao trabalhador e que se revelaram excessivos, por falta de suporte em termos das despesas que visavam suportar ou simplesmente por ultrapassarem a importância mensal efetivamente devida.
IV - Não obstante não ter admitido a impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto deduzida pelo Autor recorrente e ter assim efetuado o seu julgamento sobre a mesma factualidade dada como assente e não assente pelo tribunal da 1.ª instância, o Acórdão recorrido limita-se, para o efeito, em repisar a regra legal da repartição do ónus de prova entre as partes para depois concluir pela condenação da Ré num valor muito superior e distinto do da condenação a que procedeu o Juízo do Trabalho, sem que avance com um mínimo de fundamentação complementar que explique, justifique e consinta a compreensão do raciocínio subjacente à decisão plural objeto do presente recurso de revista.
V - Há um salto lógico, de facto e de direito, no Aresto do TRL que não está suportado na devida interpretação dos factos relevantes, conforme foram dados como assentes e não assentes pela 1.ª instância, nem na inerente motivação, como finalmente numa argumentação jurídica concreta e suficiente.
VI - Não estamos, nessa medida, perante um erro de julgamento mas antes face a uma genuína nulidade de Aresto que não chegou a ser apreciada pelo tribunal da 2.ª instância, nos termos e para os efeitos do disposto no número 1 do artigo 617.º e 666.º do NCPC e não foi objeto de prévio despacho do relator no sentido da baixa dos autos de recurso com tal finalidade, como deveria ter acontecido, segundo o número 5 da mesma disposição legal, o que importa suprir agora, por via do presente Aresto, atendendo ao estatuído no artigo 679.º do CPC/2013, que desobriga o STJ de aplicar os artigos 662.º e 665.º do mesmo diploma.
VI - A redação desse único Ponto de Facto é, desde logo, muito infeliz, por se limitar a dizer, de «fugida» [perdoe-se-nos a expressão popular] e em termos globais, que os «adiantamentos» relativos ao referido período temporal de 2009 a 2015 efetivamente tiveram lugar, numa afirmação manifestamente conclusiva, por não ter qualquer outro suporte factual, traduzido em valores pecuniários, meses e anos que respeitariam aos ditos «adiantamentos».
VII - Apenas quanto ao segundo período laboral - 2016 a fevereiro de 2023 - é que ficou demonstrado que ocorreram descontos indevidos feitos pela empregadora no quadro das ajudas de custo internacionais e nacionais pagas ao Autor, por conta dos adiantamentos em excesso que lhe tinham sido feitos por parte da Ré e que depois eram compensados no final da cada mês, nada havendo de provado de efetivo e concreto quanto aos montantes respeitantes aos «adiantamentos» efetuados ao Autor entre 2009 e 2015 e à sua integral correspondência com os «descontos» feitos pela Ré nesse mesmo período e constantes dos recibos juntos aos autos [mesmo quando não assinados pelo trabalhador ].
VIII - Verifica-se aqui uma manifesta insuficiência factual no que respeita ao objeto do presente recurso de revista [restringido à questão dos «adiantamentos e descontos», dado já ter ocorrido o trânsito em julgado material das respetivas decisões judiciais relativamente às restantes pretensões formuladas pelo Autor], que implica o funcionamento da norma do número 3 do artigo 682.º do NCPC, com a anulação do Aresto recorrido e determinação oficiosa por este Supremo Tribunal de Justiça da baixa dos autos às instâncias para efeitos de ampliação da Decisão sobre a Matéria de Facto quanto aos concretos e efetivos «adiantamentos» efetuados pela Ré ao Autor no período entre 2009 e 2015, para efeitos do seu confronto posterior com os «descontos» efetuados e constantes dos recibos juntos aos autos.

Texto Integral


RECURSO DE REVISTA N.º 2933/23.7T8VFX.L1.S1 (4.ª Secção)

Recorrente DOCTRANS - TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DE MERCADORIAS, LDA.

Recorrido: AA

(Processo n.º 2933/23.7T8VFX – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte - Juízo do Trabalho de Vila Franca de Xira – Juiz 1)

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

I – RELATÓRIO

1. AA intentou, no dia 10/08/2023, contra DOCTRANS - TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DE MERCADORIAS, LDA. ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, peticionando:

“Termos em que, e nos melhores de direito que V.ª Ex.ª mui doutamente suprirá, deverá a presente ação ser recebida, e consequentemente deverá a Ré ser condenada a pagar ao Autor o valor global de € 83.974,15 (oitenta e três mil novecentos e setenta e quatro euros e quinze cêntimos), a título de créditos laborais, tudo acrescido de juros de mora à taxa de 4% desde a data do vencimento de cada parcela, até ao seu integral cumprimento.

Requer-se assim a V.ª Ex.ª:

a) Que condene a Ré no pagamento de €5.893,40 (cinco mil oitocentos e noventa e três euros e quarenta cêntimos), a título da falta de pagamento das diuturnidades.

b) Que condene a Ré no pagamento de €5.612,10 (cinco mil seiscentos e doze euros e dez cêntimos), a título das diferenças no correto pagamento da cláusula 74.ª.

c) Que condene a Ré no pagamento de €1.687,08 (mil seiscentos e oitenta e sete euros e oito cêntimos), a título das diferenças no pagamento da cláusula 61.ª.

d) Que condene a Ré no pagamento de €46.621,72 (quarenta e seis mil seiscentos e vinte e um euros e setenta e dois cêntimos), a título da devolução de descontos injustificados.

e) Que condene a Ré no pagamento de €3.080,13 (três mil e oitenta euros e treze cêntimos, a título do pagamento do trabalho suplementar realizado em dias úteis.

f) Que condene a Ré no pagamento de €4.629,98 (quatro mil seiscentos e vinte e nove euros e noventa e oito cêntimos), a título do pagamento do trabalho prestados aos sábados, domingos e feriados e respetivos descansos compensatórios.

g) Que condene a Ré no pagamento de €15.799,34 (quinze mil setecentos e noventa e nove euros e trinta e quatro cêntimos), a título da integração da média de remunerações relevantes no mês das férias e no subsídio de férias.

h) Que condene a Ré no pagamento de €650,40 (seiscentos e cinquenta euros e quarenta cêntimos), a título do pagamento das horas de formação profissional não ministradas nem pagas”.

Foi pelo Autor fixado, no final da sua Petição Inicial, o valor de € 83.974,15 à respetiva ação.


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2. O Autor alega, em síntese, que foi admitido ao serviço da Ré em 5 de novembro de 2008 para exercer, sob a sua autoridade e direção, as funções inerentes à categoria profissional de motorista de veículos pesados nos transportes de mercadorias, tendo a relação laboral cessado em 17 de março de 2023, mediante denúncia contratual com pré-aviso em janeiro por parte do Autor.

O Autor, como contrapartida dessa atividade profissional auferia a remuneração mensal fixa de € 837,67, a título de retribuição base, acrescida do complemento salarial de € 41,88, da cláusula 61.ª de € 451,47, do subsídio de trabalho noturno de € 83,77, de diuturnidades no valor de € 61,02, do prémio TIR de € 135,00 e ainda de parte variável.

Pela duração da relação laboral existem diuturnidades em dívida ao Autor a esse título e da cláusula 74.ª do CCT de 1980 e da cláusula 61.ª do CCT de 2018.

Desde o início da relação contratual até ao termo do contrato foi-lhe descontada injustificadamente a quantia global de € 46.621,72 no seu vencimento a título de adiantamentos.

O Autor trabalhou diversos fins de semana e feriados que nunca foram pagos e não gozou os respetivos dias de descanso compensatório.

Por as ajudas de custo pagas serem retribuição, deviam ser pagas nas férias e subsídio de férias, sendo assim o Autor credor a esse título da quantia de € 15.799,34 em relação aos anos de 2020 a 2023.

Finalmente, durante a relação contratual a Ré não lhe ministrou formação profissional.


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3. A Ré, que foi regularmente citada, contestou a ação, impugnando os factos alegados pelo Autor e alegando, nomeadamente, o seguinte:

- Que, no que respeita às diuturnidades, por ter havido a interrupção do contrato, as mesmas são devidas apenas no valor de 734,88 €;:

- Em consequência e em relação à cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT de 1980 apenas deve a quantia de 4.908,25 €;

- A título da cláusula 61.ª deve apenas 236,83 €.

- A par do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré DOCTRANS ficou acordado entre ambos, que as importâncias pagas sob as rubricas de “ajudas de custo internacional” – R43 e “ajuda de custo nacional” - R 44, incluíam o pagamento dos sábados domingos e feriados trabalhados pelo Autor e eventuais descansos compensatórios não gozados, para além do pagamento das despesas do Autor com a sua alimentação durante as viagens de transporte ao serviço da Ré;

- Sendo um acordo remuneratório parcial em substituição de regime retributivo acolhido nos aludidos instrumentos de regulamentação coletiva o mesmo foi reduzido a escrito em 2018;

- Os montantes relativos às ajudas de custo nacional e internacional que foram mensalmente pagos pela Ré DOCTRANS ao Autor eram calculados pela Ré multiplicando um valor pecuniário por quilómetro percorrido.

- As ajudas de custo nacional e internacional pagas pela Ré ao Autor foram superiores às devidas se cumprisse o CCTV, pelo que o esquema remuneratório praticado pela Ré é lícito, nada sendo devido ao Autor a título de dias de descanso semanal (obrigatório e facultativo) e feriados passados no estrangeiro e ajudas de custo.

- O Autor gozou todos os descansos compensatórios a que tinha direito, nada lhe sendo devido a este título.

- Todos os valores indicados como adiantados ao Autor e discriminados nos recibos de vencimento foram-lhe efetivamente adiantados, a sua solicitação e para custeamento de despesas suas, bem como, efetuou descontos no vencimento do mesmo respeitante a multas em que o Autor incorreu no exercício da sua profissão.

- A média das ajudas de custo não entram no cômputo da retribuição das férias e do subsídio de férias dos motoristas dos transportes internacionais de mercadorias.

- Admite que não ministrou formação profissional ao Autor embora não correspondam à importância por este reclamada de 650,40 €.

Termina peticionando que a ação seja julgada improcedente e a Ré absolvida de todos os pedidos formulados, com exceção dos créditos que confessa.

A Ré referiu no final da sua contestação, no que respeita ao valor da ação, o seguinte: “Valor: o da ação”.


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4. Foi proferido, no dia 22/01/2024, Despacho Saneador onde, a propósito do valor da ação, se fixou o montante de € 83.974,15.

Este despacho saneador, na parte da fixação do valor da ação, não foi objeto de recurso por nenhuma das partes dentro do prazo legal estabelecido.


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5. Foi realizada a Audiência de Discussão e Julgamento com observância do legal formalismo.

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6. Em 03/07/2024, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo final:

“Por tudo quanto se deixa exposto o Tribunal julga parcialmente procedente a ação e, em consequência:

6.1. - Condeno a Ré DOCTRANS – TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DE MERCADORIAS LDA. a pagar ao Autor AA:

a) 715,34 € (setecentos e quinze euros e trinta e quatro cêntimos) a título de diuturnidades, acrescida dos juros à taxa legal de 4% ao ano devidos desde o último dia do mês a que respeitam e vincendos até integral pagamento.

b) 4.962,93 € (quatro mil novecentos e sessenta e dois euros e noventa e três cêntimos) a título das diferenças de pagamento respeitantes à cláusula 74.ª, n.º7 do CCTV de 1980 em relação ao período de 2009 a 2017, acrescido dos juros de mora à taxa de legal de 4% ao ano devidos desde o último dia do mês a que respeitam e vincendos até integral pagamento.

c) 354,74 € (trezentos e cinquenta e quatro euros e setenta e quatro cêntimos), a título das diferenças de pagamento respeitantes às diferenças no pagamento da cláusula 61.ª dos CCTV de 2018 e 2019, acrescido dos juros de mora à taxa de legal de 4% ao ano devidos desde o último dia do mês a que respeitam e vincendos até integral pagamento.

d) 3.974,25 € (três mil novecentos e setenta e quatro euros e vinte e cinco cêntimos) a título de descontos indevidos dos adiantamentos no vencimento do mesmo, acrescidos dos juros de mora à taxa de legal de 4% ao ano devidos desde o último dia do mês a que respeitam e vincendos até integral pagamento.

e) 650,40 € (seiscentos e cinquenta euros e quarenta cêntimos) a título de formação profissional não prestada de março de 2020 a março de 2023, acrescidos dos juros de mora à taxa de legal de 4% ao ano devidos desde a data da cessação do contrato até integral pagamento.

6.2. - Absolvo a Ré do mais peticionado”.


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7. O Autor interpôs recurso de Apelação de tal sentença judicial que, vindo a ser admitido e seguido a sua normal tramitação, com a sua oportuna subida ao Tribunal da Segunda Instância, veio a ser objeto de acórdão datado de 26/03/2025, mediante o qual os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa proferiram o seguinte dispositivo:

Por acórdão de 26.03.2025, o Tribunal da Relação decidiu julgar a apelação parcialmente procedente e alterar a alínea d) da sentença recorrida nos seguintes termos:

“d) (condena a Ré a pagar ao Autor) 31.450,96 € (trinta e um mil quatrocentos e cinquenta e seis euros e noventa e seis cêntimos) a título de descontos indevidos dos adiantamentos no vencimento do mesmo, acrescidos dos juros de mora à taxa de legal de 4% ao ano devidos desde o último dia do mês a que respeitam e vincendos até integral pagamento”.


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8. A Ré DOCTRANS - TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DE MERCADORIAS, LDA. interpôs recurso ordinário de revista nos termos dos artigos 671.º, n.º 1, 675.º, n.º 1 e 676.º, n.º 1 “a contrario”, todos do CPC, ex vi artigo 1.º, n.º 2 alínea a) do CPT.

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9. O recurso foi admitido por despacho de 16/06/2025 e subido oportunamente a este Supremo Tribunal de Justiça, onde veio a ser aceite pelo relator do mesmo, por se mostrarem verificados os requisitos gerais legalmente previstos para esse efeito.

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10. A recorrente DOCTRANS - TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DE MERCADORIAS, LDA. resume nas suas conclusões recursórias as diversas facetas do mesmo:

«1.º - Versa o recurso sobre a decisão de condenação da Ré pelo TRL, no montante de € 31.450,96, pois no entendimento da recorrente, o Tribunal a quo não fundamentou esta decisão em oposição à decisão da 1.ª Instância, nem justificou porque considerou ser a Ré apenas titular de um crédito relativamente aos valores por si adiantados a favor do Autor de 14.688,00 € (46.621,72 € - 31.450,96 €), cuja compensação na retribuição do Autor, o acórdão sob recurso aceitou e não um crédito relativamente aos valores por si adiantados a favor do Autor de € 42.647,47, conforme decidido pela 1.ª Instância

2.º - Afigura-se à Ré que falece de mérito o douto acórdão em crise, seja no plano da sua fundamentação, seja da análise da questão e decisão, na medida em que ignorou a fundamentação da sentença de 1.ª Instância, designadamente todo o percurso lógico que conduziu à formação da convicção do julgador e que levou à condenação da Ré pela 1.ª Instância ao pagamento da importância de 3.974,25€ (três mil novecentos e setenta e quatro euros e vinte e cinco cêntimos) a título de descontos indevidos dos adiantamentos no vencimento do mesmo. Pois,

3.º - Limitou-se o acórdão sob recurso a dizer o seguinte:

«Ficou provada a realização de descontos na retribuição referido nos pontos 11 dos factos assentes, totalizando o efetivo desconto de 46.118,65. Foram efetuados levantamentos pelo autor nos termos demonstrados em 36,41,43 e 46, o que perfaz 14.688,00 €. Como nota a sentença recorrida “era a Ré que tinha o ónus de provar de que tinha efetuado o pagamento dos adiantamentos para poder efetua os descontos no vencimento do Autor (art.ºs 342.º, n.º 1 do Código Civil e 279.º, n.º 2, al. f) do Código do Trabalho)”. Não o fazendo a Ré terá de suportar o montante em causa, correspondente a um desconto injustificado. No entanto, face ao exposto, o efetivo montante dos descontos efetuados injustificadamente não corresponde ao montante apurado na alínea d) da parte decisória de 3.975,25, mas sim de 31.450,96.» (transcrição)

4.º - Porém, em sentido inverso do acórdão sob recurso, a decisão da 1.ª Instância não considerou, nem deu como provado, que a Ré tivesse efetuado descontos injustificados no vencimento do Autor no montante de € 31.450,96, mas sim de € 3.975,25, tendo condenado a Ré à reposição ao Autor desta importância.

5.º - Salvo melhor opinião, o Tribunal da Relação ao ter um entendimento distinto do que foi levado a cabo pelo Tribunal da 1.ª instância, fundamentando-se nos mesmos factos assentes por provados pela 1.ª instância, uma vez que o recurso sob a modificabilidade da decisão de facto apresentado pelo Autor foi rejeitado pelo Tribunal da Relação, configura apenas uma diferente convicção, que não nos parece encontrar-se justificada, limitando-se a um cálculo aritmético.

6.º - Mas na sentença de 1.ª instância não existiu um erro de cálculo, a decisão de 1.ª instância é clara ao condenar a ora recorrente no montante total de € 3.975,25. O teor da decisão, a sua fundamentação e justificação não deixa qualquer dúvida. Vejamos;

7.º - Um dos objetos do litígio em causa no processo, compreendia, ente outros, apreciar e julgar da legalidade dos descontos efetuados pela Ré nas retribuições do Autor, e que figuram nos recibos de vencimento como “adiantamentos”.

8.º - Em sede de Sentença prolatada pelo Tribunal de 1.ª instância, e sobre este específico objeto do litígio, recaiu como decisão, a condenação da Ré a pagar ao Autor a quantia por aquela retirada a este, de 3.974,25 € = (2.453,39 € + 920,95 € + 507,85 € + 92,06 €).

9.º - Ora o Tribunal de 1.ª Instância na pronúncia sobre a matéria de facto fez constar da sentença o seguinte, (transcrição):

Em suma, em face da prova produzida contrariamente ao alegado pelo Autor, o mesmo sabia a que título o desconto dos adiantamentos respeitava e os mesmos eram efetuados a pedido do Autor, não tendo este efetuado a prova que tenha reclamado alguma vez de eventuais descontos indevidos.

As testemunhas referiram que parte dos documentos, sobretudo, até 2017 comprovativos dos recebimentos dos adiantamentos se extraviaram, porém, e reitera-se que estando no contrato de trabalho do Autor que quando deslocado no estrangeiro terá direito ao adiantamento em dinheiro e em quantidade suficiente para fazer face a todas as despesas possíveis da viagem, não é crível que o mesmo durante 6 anos (entre 2009 e 2015) receba os recibos de vencimento verifique que mensalmente lhe estão ser descontados valores em regra de várias centenas de euros e alguns acima do milhar, que nunca tenha reclamado e agora venha dizer que não saiba a que se referem, bem como, considere que os descontos são indevidos e ainda assim continue normalmente a trabalhar, o que durou 6 anos e após voltar a reingressar ao serviço da Ré em 2017.

Não faz sentido! Assim, consideramos ter o mesmo até 2015 recebido as quantias a título de adiantamentos.” (sublinhado nosso)

10.º - Ou seja, o Tribunal de 1.ª Instância condenou a Ré a repor ao Autor, as quantias por ela retiradas a título de “Adiantamentos”, após 2015 e para as quais não fez prova de lhas ter adiantado, ou seja, por não ter provado ter um crédito proveniente de adiantamento sobre retribuição que lhe permitisse vir a compensá-lo na retribuição.

11.º - Do que resulta ter o tribunal de 1.ª Instância considerado que todos os adiantamentos vertidos nos recibos de vencimento até ao ano de 2015 foram recebidos pelo Autor, o que corresponde à importância de € 33.051,71, de acordo com o facto 11 assente por provado. E;

12.º - Por outro lado, quanto aos fundamentos jurídicos que justificaram a solução a que chegou o tribunal de 1.ª Instância, de condenar a Ré ao pagamento da importância de € 3.974,25 (2.453,39 € + 920,95 € + 507,85 € + 92,06 €) a título de descontos indevidos dos adiantamentos no vencimento do mesmo, estes consubstanciaram-se no seguinte:

“(…)A Ré ao longo da relação laboral do autor com esta até 2015 o Autor podia levantar os recibos nas bases, entre 2017 e 2019 os recibos podiam ser enviados para o seu correio eletrónico caso o Autor o solicitasse, sendo que a partir de 2019 era o próprio programa de processamento salarial da Ré “PRIMAVERA”, que remetia o recibo logo que era processado para cada um dos respetivos colaboradores, como o aqui Autor (4.1.30).

O Autor nunca reclamou junto da Ré as verbas que estão retratadas nos recibos como lhe tendo sido adiantadas e que o foram até 2015, nunca comunicou à ré que não tinha recebido essas verbas, nem que as não tinham solicitado, ou seja, nunca se queixou de que os valores apostos na rúbrica “adiantamento” não lhe tinham sido de facto adiantados (4.1.31).” (sublinhado nosso)

13.º - Novamente, e agora na fundamentação jurídica, na vertente da aplicação do direito, a decisão de 1.ª Instância considera que as verbas retratadas nos recibos de vencimento até 2015, como adiantamentos, foram adiantadas pela Ré ao Autor.

14.º - Ou seja, o Tribunal de 1.ª Instância condenou a Ré a repor ao Autor, as quantias por ela retiradas a título de “Adiantamentos”, após 2015 e para as quais não fez prova.

15.º - Com efeito, como referido na sentença de 1.ª Instância, e seguido no acórdão sobre recurso, cumprimento do pagamento da retribuição devida como facto extintivo do crédito invocado incumbe ao devedor nos termos do art.º 342.º, n.º 2 do Código Civil.

16.º - Tendo o tribunal de 1.ª Instância entendido que a ré fez prova de ter efetuado os adiantamentos sobre a retribuição do Autor, reclamados até ao ano de 20215 e, posteriormente ao ano de 2015, ter feito apenas prova parcial dos adiantamentos, condenando-a por essa razão ao pagamento de € 3.974,25 €.

17.º - Porém, o acórdão do Tribunal da Relação, apesar de ter julgado improcedente a impugnação da matéria de facto apresentada pelo Autor e em consequência não a ter apreciado e não existindo nenhum erro de julgamento, que o acórdão sob recurso não imputou, veio condenar a Ré a pagar ao Autor os valores que constam nos recibos de vencimento até 2015, como adiantados, não indicando o douto TRL os fundamentos pelos quais considerou, ao contrário da decisão de 1.ª instância, que os adiantamentos vertidos nos recibos e descontados na retribuição do Autor, não haviam sido efetivamente pagos adiantadamente pela Ré ao Autor, não sendo possível controlar a racionalidade da sua decisão, como estabelece o art.º 607, n.º 5 do CPC.

18.º - Considera a recorrente, em conformidade, que foi violado o disposto no n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

19.º - O douto acórdão recorrido, não pode subsistir, por, fazendo tábua rasa da motivação da fundamentação sobre a matéria de facto produzida na primeira instância, vir condenar a ré no pagamento de adiantamentos vertidos nos recibos de vencimento até 2015.

20.º - E por outro lado, não apresentou quaisquer fundamentos jurídicos diferentes dos usados pela 1.ª Instância, que justificassem a solução a que chegou, nomeadamente erro na interpretação ou aplicação da lei.

21.º - Pelo contrário, foi buscar os mesmos fundamentos jurídicos, o de que o ónus da prova compete à Ré, o que a Ré reconhece e o artigo 279.º, n.º 2 f) do Código do Trabalho, à luz do qual foram efetuados os descontos na retribuição dos adiantamentos feitos por conta desta.

22.º - Face à dita fundamentação, o acórdão deveria ter decidido no mesmo sentido da sentença de 1.ª Instância, pois o Réu ao apelar, não deu cabal cumprimento às determinações legais na matéria de recurso da matéria de facto.

23.º - Não se vislumbra como mantendo-se a matéria de facto, pois a pretendida impugnação da matéria de facto pelo Autor ao recorrer para o TRL foi rejeitada por preterição dos requisitos impostos no n.º 1 do art.º 640.º do CPC e mantendo-se a fundamentação jurídica, concordando como enquadramento jurídico perfilhado na decisão da 1.ª instância, pode o acórdão sob recurso chegar a conclusão diferente da sentença de 1.ª instância

24.º - Afigurando-se, que neste contexto, o desfecho deveria ser o oposto ao que chegou, mantendo-se a decisão de 1.ª Instância.

25.º - Pelo que e salvo melhor opinião, entende-se existir nulidade do acórdão, por contradição, decorrente da ininteligibilidade do discurso decisório, dando conclusão inesperada e adversa à linha de raciocínio adotada, nos termos disposto no artigo 615.º, n.º 1 alínea c) do CPC aplicável ex vi artigos 666.º e 679.º do CPC.

26.º - Verificando-se deste modo, violação da exigência constitucional de fundamentação das decisões – art.º 205.º, n.º 1 da CRP e legal – art.ºs 154.º, 607.º e 663.º todos do CPC.

Nestes termos e invocando o douto suprimento de Vossas Excelências, requer-se que seja concedido provimento à presente Revista, devendo ser julgada por verificada a nulidade de fundamentação do acórdão recorrido, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»


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11. O Autor BB não veio apresentar contra-alegações dentro do prazo legal, apesar de notificado para o efeito.

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12. O ilustre Procurador-Geral Adjunto colocado junto deste Supremo Tribunal de Justiça proferiu Parecer, nos termos do número 3 do artigo 87.º do CPT, tendo concluído o mesmo, nos seguintes moldes:

«Pelo que, somos de parecer que o presente recurso de revista deverá ser considerado procedente, embora com fundamento diferente, revogando-se o douto acórdão recorrido e repristinando-se a douta sentença de 1.ª instância.»


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13. As partes não vieram responder dentro do prazo legal de 10 dias a tal Parecer do Magistrado o Ministério Público, apesar de notificadas para esse efeito.

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14. Cumpre decidir, tendo sido remetido previamente o projeto de Acórdão aos restantes membros do coletivo e tendo estes últimos tido acesso ao processo no CITIUS.

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II. FACTOS

15. Com relevância para a decisão, há a considerar os factos provados que constam do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa [TRL] de 26/03/2025 e que correspondem aos já dados como assentes pelo tribunal da 1.ª instância, na sua sentença, dado a impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto deduzida pelo Autor ter sido julgada improcedente:

A – FACTOS DADOS COMO PROVADOS

1. O Autor foi admitido para trabalhar, sob direção da Ré, mediante contrato de trabalho a termo certo, com início em 05/11/2008, para exercer funções de motorista no transporte de mercadorias internacionais.

2. Este contrato foi-se renovando sucessivamente, até ao limite das três renovações, tendo a Ré, em 17 de outubro de 2011, comunicado por escrito ao Autor a cessação do contrato de trabalho, com efeitos a 04.11.2011.

3. Posteriormente, celebrou o Autor com a Ré, os seguintes contratos de trabalho, para a mesma função com início em:

- 28 de novembro de 2011, contrato de trabalho a termo, o qual se converteu em contrato sem termo, por força das suas sucessivas renovações.

- 02 de dezembro de 2017, foi admitido ao serviço da Ré DOCTRANS através de contrato de trabalho sem termo.

4. Em 01 de novembro de 2015 a Ré DOCTRANS cedeu a sua posição contratual no contrato de trabalho que detinha com o Autor, à sociedade comercial 1, o que fez com o consentimento e autorização do autor, tendo este em 02 de dezembro de 2017 posto fim à relação laboral que então mantinha com a empresa 1, rescindindo o contrato de trabalho com esta sociedade.

5. A relação contratual do Autor com a Ré DOCTRANS terminou no dia 17 de março de 2023, mediante denúncia contratual com pré-aviso em janeiro por parte do Autor.

6. À data do términus da relação contratual a retribuição do Autor era composta por uma componente fixa e outra variável, nos seguintes termos, atendendo aos seus recibos de vencimento: Componente fixa i. Vencimento base - €837,67; ii. Complemento salarial- €41,88; iii. Subsídio noturno - €83,77; iv. Cláusula 61.ª- €451,47; v. Diuturnidades- €61,02; vi. Prémio TIR- €135,00.

7. O Autor tinha um horário de 40 horas semanais, distribuídas por 5 dias da semana.

8. As diuturnidades apenas começaram a ser pagas ao Autor a partir de janeiro de 2023;

9. Entre janeiro de 2009 e outubro de 2015 e no mês de dezembro de 2017 foram pagos ao Autor os seguintes montantes a título da cláusula 74.ª:

[TABELAS CONSTANTES DA FACTUALIDADE DADA COMO PROVADA PELAS INSTÂNCIAS NAS RESPETIVAS DECISÕES JUDICIAIS, PARA ONDE SE REMETE]

10. Entre outubro de 2018 a dezembro de 2022 foram pagas ao autor pela Ré as seguintes quantias a título da Cláusula 61.ª dos CCTV de 2018 e 2019:

[TABELAS CONSTANTES DA FACTUALIDADE DADA COMO PROVADA PELAS INSTÂNCIAS NAS RESPETIVAS DECISÕES JUDICIAIS, PARA ONDE SE REMETE]

11. A Ré efetuou os seguintes descontos no vencimento do Autor constando dos recibos a rúbrica de adiantamentos:

[TABELAS CONSTANTES DA FACTUALIDADE DADA COMO PROVADA PELAS INSTÂNCIAS NAS RESPETIVAS DECISÕES JUDICIAIS, PARA ONDE SE REMETE]

12. O Autor entre 4 de junho de 2022 e 17 de março de 2023 conduziu, efetuou outros trabalhos, esteve em disponibilidade e descansou nos seguintes horários e períodos:

[TABELAS CONSTANTES DA FACTUALIDADE DADA COMO PROVADA PELAS INSTÂNCIAS NAS RESPETIVAS DECISÕES JUDICIAIS, PARA ONDE SE REMETE]

13. O Autor prestou serviço nos dias abaixo indicados:

[TABELAS CONSTANTES DA FACTUALIDADE DADA COMO PROVADA PELAS INSTÂNCIAS NAS RESPETIVAS DECISÕES JUDICIAIS, PARA ONDE SE REMETE]

13-A. Em 2022 não gozou descanso compensatório em relação aos domingos e feriados de 19 e 26 de junho, 13.11.2022 e 20.11.2022, 8, 11 e 18 de dezembro.

13-B. Em 2023 não gozou descanso compensatório em relação aos domingos e feriados de 1 e 8 de janeiro, 12 e 26 de fevereiro, 5 de março

14. O Autor auferiu as seguintes ajudas de custo:

[TABELAS CONSTANTES DA FACTUALIDADE DADA COMO PROVADA PELAS INSTÂNCIAS NAS RESPETIVAS DECISÕES JUDICIAIS, PARA ONDE SE REMETE]

15. Entre março de 2020 e março de 2023 não foram ministradas pela Ré ao Autor as horas devidas de formação profissional.

16. De acordo com os recibos de vencimento do Autor, este no ano de 2023, de janeiro a abril, recebeu da Ré, mensalmente, a título de retribuição as seguintes importâncias:

- retribuição base de – 837,67 € - Complemento salarial de € 41,88 - Prestação pecuniária da Cl.ª 61, n.º 1 € 451,47 - Prémio TIR no valor de € 135,00 – - Subsídio de trabalho noturno de € 83,77, diuturnidades- € 61,02.

17. No ano de 2022, o Autor recebeu da Ré, mensalmente, a título de retribuições, as seguintes importâncias:

- retribuição base de – 777,05 € - Complemento salarial de € 38,85 - Prestação pecuniária da Cl.ª 61.ª, n.º 1 € 391,63 - Prémio TIR no valor de € 135,00 – Subsídio de trabalho noturno de € 77,71.

18. No ano de 2021, o Autor recebeu da Ré, mensalmente, a título de retribuições, as seguintes importâncias:

- retribuição base de – 733,07 € - Complemento salarial de € 36,65 - Prestação pecuniária da Cl.ª 61, n.º 1 € 369,47 - Prémio TIR no valor de € 135,00 – - Subsídio de trabalho noturno de € 73,31.

19. No ano de 2020, o autor recebeu da Ré, mensalmente, a título de retribuições, as seguintes importâncias:

- retribuição base de – 700,00 € - Complemento salarial de € 35,00 - Prestação pecuniária da Cl.ª 61, n.º 1 € 352,80 - Prémio TIR no valor de € 135,00 – Subsídio de trabalho noturno de € 70,00.

20. Entre 2009 e 2015 o Autor auferiu a retribuição base de 600,00 €, em 2019 auferiu de retribuição base o valor de 630,00 €, o complemento salarial de 63,00 em janeiro e fevereiro e de 31,50 € entre março e dezembro e o subsídio noturno de 63,00 €;

21. Dos recibos de vencimento do Autor resulta que este, para além das retribuições descritas nos artigos acima recebia da Ré DOCTRANS, mensalmente, umas importâncias monetárias variáveis a título de ajudas de custo, que constavam nos recibos de vencimento sob as seguintes designações e rúbricas: “ajudas de custo internacional” – Rúbrica 43 dos recibos de vencimento e “ajuda de custo nacional” – Rubrica 44, dos recibos de vencimento, conforme recibos juntos aos autos.

22. Rúbricas estas, que lhe têm sido sempre pagas desde a sua admissão, com o contrato de 5/11/2008 e que se mantiveram com a celebração dos novos contratos, de 28.11.2011 e 2.12.2017.

23. Aquando da contratação do Autor pela Ré DOCTRANS, foi negociado e acordado entre as partes, que as importâncias pagas na rubrica de “ajudas de custo internacional” – R43” e “ajuda de custo nacional” - R 44”, incluíam, para além do pagamento das despesas de alimentação que estes tinham por força do exercício das respetivas atividades de motoristas ao serviço da Ré, o pagamento do trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriados e eventuais descansos compensatórios não gozados.

24. Entre o Autor e a Ré DOCTRANS vigorava um acordo remuneratório parcial em substituição de regime retributivo acolhido nos aludidos instrumentos de regulamentação coletiva, constituindo uma prática remuneratório, no caso do Autor, instituída há 15 anos.

25. Os montantes relativos às ajudas de custo nacional e internacional eram pagos independentemente de o Autor apresentar despesas alimentação ou outras despesas que tivessem, correspondendo o seu valor e o seu cálculo ao resultado da multiplicação de um valor pecuniário por quilómetro percorrido.

26. O Autor nunca se mostrou desconfortável com esta prática de pagamento do trabalho prestado em dias descanso obrigatório, complementar e feriados e eventuais descansos compensatórios não gozados e alimentação, nunca contra ela se insurgiu, aquando da assinatura dos contratos três contratos de trabalho que celebrou com a Ré.

27. Perante a denuncia com pré-aviso apresentada pelo Autor junto da Ré, esta comunicou-lhe que ficaria em gozo de férias a partir do dia 9/03/2023 até ao dia 17/04/2023.

28. Para evitar que o Autor tivesse de adiantar do seu dinheiro para o pagamento dessas despesas durante as viagens ao estrangeiro em serviço da Ré que esta lhe adiantava as importâncias apostas nos seus recibos de vencimento, como adiantamentos.

29. No contrato celebrado entre o Autor e a Ré DOCTRANS em 05/11/2008, consta da sua cl.ª 5.ª, no n.º 2 que o Autor tinha direito a um adiantamento em dinheiro e em quantidade suficiente para fazer face a todas as possíveis despesas de viagem, bem como no contrato de trabalho celebrado por este com a Ré, em 30/11/2017, encontra-se inserida no texto deste contrato uma cláusula com o conteúdo semelhante.

30. A Ré ao longo da relação laboral do Autor com esta até 2015 [o Autor] podia levantar os recibos nas bases, entre 2017 e 2019 os recibos podiam ser enviados para o seu correio eletrónico caso o Autor o solicitasse, sendo que a partir de 2019 era o próprio programa de processamento salarial da Ré “PRIMAVERA”, que remetia o recibo logo que era processado para cada um dos respetivos colaboradores, como o aqui Autor.

31. O Autor nunca reclamou junto da Ré as verbas que estão retratadas nos recibos como lhe tendo sido adiantadas e que o foram até 2015, nunca comunicou à Ré que não tinha recebido essas verbas, nem que as não tinham solicitado, ou seja, nunca se queixou de que os valores apostos na rúbrica “adiantamento” não lhe tinham sido de facto adiantados.

32. Até final do ano de 2018, a entrega dos adiantamentos era efetuada a solicitação do Autor, nas áreas de serviço de ... que se situam próximo da fronteira de Espanha e França, por ..., e por ..., na fronteira Espanha/França, pela Catalunha.

33. A Ré tinha, então, nestas áreas de serviço, contratado a prestação de um serviço, que consistia na entrega dos adiantamentos aos seus motoristas, atribuindo a essas áreas de serviço as verbas destinadas para esse fim.

34. O Autor estava autorizado pela Ré a levantar nessas áreas de serviço, importâncias de 150,00 € por viagem, que aí lhe eram entregues em numerário, devendo para o efeito apor as respetivas assinaturas, a data do levantamento no documento onde eram retratados os levantamentos.

35. Sendo posteriormente estes montantes descontados pela Ré ao Autor nas rúbricas das ajudas de custo e vinham retratados nos recibos de vencimento como “adiantamentos”.

36. Pelo Autor foram efetuados os seguintes levantamentos, nas áreas de serviço:

[TABELAS CONSTANTES DA FACTUALIDADE DADA COMO PROVADA PELAS INSTÂNCIAS NAS RESPETIVAS DECISÕES JUDICIAIS, PARA ONDE SE REMETE]

37. A partir de janeiro de 2019, foi instituído pela Ré uma outra forma de o Autor, à semelhança dos demais motoristas das Rés, proceder ao levantamento dos adiantamentos, que funcionava cumulativamente com o procedimento anteriormente descrito.

38. O levantamento das importâncias para pagamento das despesas pessoais do Autor, designadamente a alimentação, durante as viagens, passou a poder ser efetuado através de Caixas de ATM, situadas nas Bases da empresa 2, em Espanha, designadamente em ..., podendo o Autor levantar importâncias monetárias, através de uma aplicação instalada no telemóvel da empresa que lhe estava atribuído, designada “PRIMACASH”, até ao montante máximo mensal de € 1.200,00, apenas podendo, excecionalmente, ser levantadas quantias superiores a este montante, quanto estivessem em causa viagens para destinos mais longínquos.

39. Para este fim, de levantamento dos adiantamentos, foi facultado ao Autor, no início de Janeiro de 2019, um número de usuário - (ID interno)- e um código pessoal para a ativação da aplicação “PRIMACASH”.

40. Para cada operação de levantamento de quantias monetárias, solicitadas pelo autor na aplicação “PRIMACASH”, que este fazia no telemóvel da empresa que lhe estava atribuído e após introduzir o respetivo USERNAME e a sua Password, era enviado um código para o telemóvel, no momento em que inicia a operação, o qual é intransmissível, pessoal e só para aquele específico levantamento, e é esse código que o Autor insere na caixa ATM e é-lhes dispensado o valor que solicitara, sendo ainda que, o código que recebe no seu telemóvel pessoal tem de ser usado nos 2 minutos subsequentes à receção da mensagem.

41. O Autor procedeu ao levantamento nos anos de 2019 e 2020 e 2021 através do sistema PRIMACASH, das seguintes importâncias:

[TABELAS CONSTANTES DA FACTUALIDADE DADA COMO PROVADA PELAS INSTÂNCIAS NAS RESPETIVAS DECISÕES JUDICIAIS, PARA ONDE SE REMETE]

42. Para além destes dois procedimentos de entrega de importâncias monetárias adiantadas por conta das ajudas de custo, passou a ré a efetuar dois adiantamentos por mês, na importância de 300,00€ ou 400,00€ cada um deles, através de transferência Bancária para a conta bancária da Autor, cumulativamente com a possibilidade de aquela poder continuar a usar o sistema de levantamento nas caixas ATM designadas “PRIMACASH”.

43. Foram adiantadas no ano de 2020, pela Ré DOCTRANS ao Autor, as seguintes importâncias monetárias:

- 400,00 €, no dia 30/09/2020

- 400,00 € no dia 14/10/2020

44. Os descontos a título de multas, encontram-se reportados nos recibos de vencimento do Autor autonomamente, na rubrica sob o CÓD “D07”.

45. Verificam-se a este título, os seguintes descontos nos recibos de vencimento do Autor nesta rúbrica:

Ano 2020 – setembro - 45,00, 100,00 € outubro, 230,00 € novembro, dezembro – 65,00€ - Total 440,00 €

Ano 2021 – Fev. 45,00 €, Abril 25,00 €, Agosto 135,00 €, Setembro – 115,00 €, Outubro 15,00 € - Total - 335,00 €

Ano 2022 - Abril – 218,00 €

Ano 2023 - Jan- 62,06 €; Fev. 30,00 €; - total 92,06 €

46. As multas reportam-se a multas estradais, tendo o Autor sido multado por conduzir com excesso de velocidade, o camião TIR que lhe estava atribuído de marca Scania, com a matrícula ..-TS-.. nos anos de 2020 e 2021 e com a matrícula AL..OR, nos anos de 2022 e 2023, dando origem, por cada uma das vezes que conduziu com excesso de velocidade a um processo de contraordenação, que obrigou ao pagamento das respetivas coimas, pagamentos estes que foram sempre realizados adiantadamente pela Ré DOCTRANS à respetiva autoridade policial e que totalizaram 2020 o valor de 240,00€, em 2021 o valor de 210,00€ e em 2022 o valor de 218,00€.

47. Estes pagamentos eram efetuados pela Ré DOCTRANS após a notificação da contraordenação pelas respetivas autoridades da infração estradal cometida pelo Autor, pois caso o pagamento não fosse efetivamente realizado, numa qualquer operação policial de rotina, realizada no país onde a infração tinha sido praticada, fosse recolhida informação de estava pendente o pagamento de uma coima, o camião TIR ficava de imediato retido, com todos os prejuízos que isso implicava no transporte que estivesse a ser executado.

B - FACTOS DADOS COMO NÃO PROVADOS:

1. Que o contrato de trabalho a termo celebrado entre o Autor e a Ré em 28 de novembro de 2011 tenha vigorado até ao dia 30 de outubro de 2015.

2. Que o Autor tenha trabalhado nos dias 7.4.2023, 8.4.2023, 15.4.2023, 22.4.2023, 25.4.2023, 29.4.2023, 20.5.2023 e 27.5.2023. »


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III – OS FACTOS E O DIREITO

16. É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 679.º, 639.º e 635.º, n.º 4, todos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).


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A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

17. Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos autos dos quais depende o presente recurso de revista, atendendo à circunstância da instância da ação declarativa com processo comum laboral ter sido efetivamente intentada no dia 10/08/2023, com a apresentação, pelo Autor da sua Petição Inicial, ou seja, já muito depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 107/2019, datada de 4/9/2019 e que começou a produzir efeitos em 9/10/2019.

Tal ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.

Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Revista.

Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.

Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos recursórios terem ocorrido na vigência dos Código de Trabalho de 2003 e 2009, que, como se sabe, entraram em vigor, respetivamente, em 1/12/2003 e 17/02/2009, sendo, portanto, os regimes deles decorrentes que fundamentalmente aqui irão ser chamados à colação em função da factualidade a considerar e consoante as normas que se revelarem necessárias à apreciação e julgamento do objeto do presente recurso de Revista.

B – OBJETO DA PRESENTE REVISTA

18. No presente recurso de revista está em causa apenas saber se se o Autor AA tem direito à devolução dos descontos efetuados nos recibos de vencimento e em que montante.

A Ré recorrente parece estar de acordo com a condenação, de que foi alvo por parte do tribunal da 1.ª instância, no montante de 3.974,25 €, a título de descontos indevidos dos adiantamentos no vencimento do mesmo, acrescidos dos juros de mora à taxa de legal de 4% ao ano devidos desde o último dia do mês a que respeitam e vincendos até integral pagamento mas já não com a alteração introduzida pelo Tribunal da Relação de Lisboa quanto ao valor que veio a ser quantificado no correspondente Acórdão aqui recorrido e que foi de 31.450,96 € (trinta e um mil quatrocentos e cinquenta e seis euros e noventa e seis cêntimos).

Se quisermos situar juridicamente o pleito dos autos, há que compulsar, para além das regras convencionais da Regulamentação Coletiva aplicável [cf., a este respeito, os artigos 5.º da Petição Inicial e 7.º da Contestação], os contratos de trabalhos firmados pelas partes, a parte dos factos dados como assentes, onde se refletem acordos particulares entre Autor e Ré [formas distintas de obtenção dos «adiantamentos»] e, finalmente, o estatuído nos artigos 258.º e seguintes do Código de Trabalho de 2009, com especial enfâse para o disposto no artigo 279.º [compensações e descontos] e para a alínea f) do número 2 de tal disposição legal, quando determina, como exceção à proibição de compensações e deduções durante a pendência do contrato de trabalho que se acha prevista no seu número 1, os «abono ou adiantamento por conta da retribuição» [sendo certo que, no caso dos autos, as ajudas de custo possuem uma natureza mista, pois destinam-se a liquidar a alimentação do Autor nas viagens de transporte nacional e internacional que faz, mas também o trabalho nos dias de descanso, feriados e descansos compensatórios – cf.- Pontos 21 a 23].

C – SENTENÇA DA 1.ª INSTÂNCIA [EXCERTO DA FUNDAMENTAÇÃO]

19. A fundamentação que consta da sentença da 1.ª instância acerca da problemática dos descontos indevidos efetuados pela Ré, por referência aos adiantamentos por ela feitos por conta das aludidas despesas reclamadas pelas viagens internacionais e nacionais é a seguinte:

«d) Desconto indevido dos adiantamentos

O Autor peticiona a condenação da Ré no pagamento de €46.621,72 (quarenta e seis mil seiscentos e vinte e um euros e setenta e dois cêntimos), a título da devolução de descontos injustificados.

Ficou provado que a Ré efetuou os seguintes descontos no vencimento do Autor constando dos recibos a rúbrica de adiantamentos (4.1.11):


Ficou ainda provado que no contrato celebrado entre o Autor e a ré DOCTRANS em 05/11/2008, consta da sua Cl.ª 5.ª, no n.º 2 que o Autor tinha direito a um adiantamento em dinheiro e em quantidade suficiente para fazer face a todas as possíveis despesas de viagem, bem como no contrato de trabalho celebrado por este com a ré, em 30/11/2017, encontra-se inserida no texto deste contrato uma cláusula com o conteúdo semelhante (4.1.29).

A Ré ao longo da relação laboral do autor com esta até 2015 o Autor podia levantar os recibos nas bases, entre 2017 e 2019 os recibos podiam ser enviados para o seu correio eletrónico caso o Autor o solicitasse, sendo que a partir de 2019 era o próprio programa de processamento salarial da ré “Primavera”, que remetia o recibo logo que era processado para cada um dos respetivos colaboradores, como o aqui Autor (4.1.30)

O Autor nunca reclamou junto da Ré as verbas que estão retratadas nos recibos como lhe tendo sido adiantadas e que o foram até 2015, nunca comunicou à ré que não tinha recebido essas verbas, nem que as não tinham solicitado, ou seja, nunca se queixou de que os valores apostos na rúbrica “adiantamento” não lhe tinham sido de facto adiantados (4.1.31)

Até final do ano de 2018, a entrega dos adiantamentos era efetuada a solicitação do Autor, nas áreas de serviço de ... que se situam próximo da fronteira de Espanha e França, por..., e por ..., na fronteira Espanha/ França, pela Catalunha (4.1.32).

A ré tinha, então, nestas áreas de serviço, contratado a prestação de um serviço, que consistia na entrega dos adiantamentos aos seus motoristas, atribuindo a essas áreas de serviço as verbas destinadas para esse fim (4.1.33)

O Autor estava autorizado pela Ré a levantar nessas áreas de serviço, importâncias de 150,00€ por viagem, que aí lhe eram entregues em numerário, devendo para o efeito apor a respetiva assinatura, a data do levantamento no documento onde eram retratados os levantamentos( 4.1.34)

Sendo posteriormente estes montantes descontados pela Ré ao Autor nas rúbricas das ajudas de custo e vinham retratados nos recibos de vencimento como “adiantamentos” (4.1.35).

Ficou provado que no ano de 2018 foram efetuados levantamentos, nas áreas de serviço pelo Autor que em 2018 totalizam 3.150,00 €, em 2019 totalizam 1.800,00 € e em 2020 totalizam 150,00 € (4.1.36).

A partir de janeiro de 2019, foi instituído pela Ré uma outra forma de o Autor, à semelhança dos demais motoristas das Rés, proceder ao levantamento dos adiantamentos, que funcionava cumulativamente com o procedimento anteriormente descrito (4.1.37).

O levantamento das importâncias para pagamento das despesas pessoais dos autores, designadamente a alimentação, durante as viagens, passou a poder ser efetuado através de Caixas de ATM, situadas nas Bases de da empresa 2, em Espanha, designadamente em ..., podendo o Autor levantar importâncias monetárias, através de uma aplicação instalada no telemóvel da empresa que lhe estava atribuído, designada “PRIMACASH”, até ao montante máximo mensal de €1200,00, apenas podendo, excecionalmente, ser levantado quantias superiores a este montante, quanto estivessem em causa viagens para destinos mais longínquos.(4.1.38)

Para este fim, de levantamento dos adiantamentos, foi facultado ao autor, no início de Janeiro de 2019, um número de usuário - (ID interno)- e um código pessoal para a ativação da aplicação Prima Cash”. (4.1.39)

Para cada operação de levantamento de quantias monetárias, solicitadas pelo autor na aplicação “PRIMACASH”, que este fazia no telemóvel da empresa que lhe estava atribuído e após introduzir o respetivo USERNAME e a sua PASSWORD, era enviado um código para o telemóvel, no momento em que inicia a operação, o qual é intransmissível, pessoal e só para aquele específico levantamento, e é esse código que o Autor insere na caixa ATM e é-lhes dispensado o valor que solicitara, sendo ainda que, o código que recebe no seu telemóvel pessoal tem de ser usado nos 2 minutos subsequentes à receção da mensagem. (4.1.40)

Ficou provado que o Autor procedeu ao levantamento nos anos de 2019 e 2020 e 2021 através do sistema PRIMACASH, das importâncias que totalizaram respetivamente 3.220,00€ em 2019, 4800,00€ em 2020 e 100,00€ em 2021 (4.1.41).

Para além destes dois procedimentos de entrega de importâncias monetárias adiantadas por conta das ajudas de custo, passou a ré a efetuar dois adiantamentos por mês, na importância de 300,00€ ou 400,00€ cada um deles, através de transferência Bancária para a conta bancária da Autor, cumulativamente com a possibilidade de aquela poder continuar a usar o sistema de levantamento nas caixas ATM designadas “PRIMACASH”.(4.1.42)

Foram adiantadas no ano de 2020, pela Ré DOCTRANS ao Autor, 800,00 € a título de transferências bancárias (4.1.43).

Os descontos a título de multas, encontram-se reportados nos recibos de vencimento do Autor autonomamente, na rubrica sob o Cód. “D07” (4.1.44)

Verificam-se a este título, os seguintes descontos nos recibos de vencimento do Autor nesta rúbrica: Ano 2020 – setembro - 45,00 €, 100,00 € outubro, 230,00 € novembro, dezembro – 65,00 € - Total 440,00 €

Ano 2021 – Fev. 45,00 €, Abril 25,00 €, Agosto 135,00 €, Setembro – 115,00 €, Outubro 15,00 €. Total - 335,00 €

Ano 2022 -Abril – 218,00 €

Ano 2023 – Jan - 62,06 €; Fev. 30,00 €; - total 92,06 € (4.1.45).

As multas reportam-se a multas estradais, tendo o Autor sido multado por conduzir com excesso de velocidade, o camião TIR que lhe estava atribuído de marca Scania, com a matrícula ..-TS-.. nos anos de 2020 e 2021 e com a matrícula AL..OR, nos anos de 2022 e 2023, dando origem, por cada uma das vezes que conduziu com excesso de velocidade a um processo de contraordenação, que obrigou ao pagamento das respetivas coimas, pagamentos estes que foram sempre realizados adiantadamente pela Ré DOCTRANS à respetiva autoridade

policial e que totalizaram 2020 o valor de 240,00€, em 2021 o valor de 210,00€ e em 2022 o valor de 218,00€.(4.1.46)

Estes pagamentos eram efetuados pela Ré DOCTRANS após a notificação da contraordenação pelas respetivas autoridades da infração estradal cometida pelo Autor, pois caso o pagamento não fosse efetivamente realizado, numa qualquer operação policial de rotina, realizada no país onde a infração tinha sido praticada, fosse recolhida informação de estava pendente o pagamento de uma coima, o camião TIR ficava de imediato retido, com todos os prejuízos que isso implicava no transporte que estivesse a ser executado.(4.1.47)

Ora, no que respeita ao ano de 2020 a Ré comprova documentalmente os adiantamentos e descontos de multa efetuados que totalizam a quantia de 5.990,00€ (150,00€ + 4.800,00€ + 800,00€ + 240,00€).

Em 2021 a Ré comprova documentalmente os adiantamentos e descontos de multa efetuados que totalizam a quantia de 310,00€ (100,00€ + 210,00€).

No ano de 2022 foram efetuados descontos de multa no valor de 218,00€.

Assim, em relação ao período de 2009 a 2015 foi dado por provado o Autor ter recebido os adiantamentos da Ré.(4.1.31)

Em relação ao ano de 2020 tendo a Ré efetuado descontos no valor de 8.443,39€ e comprovado ter efetuado adiantamentos e descontos com as multas no valor de 5.990,00€ deverá proceder ao pagamento da diferença que é de 2.453,39€.

Em relação ao ano de 2021 tendo a Ré efetuado descontos no valor de 1.230,95€ e comprovado ter efetuado adiantamentos e descontos com as multas no valor de 435,00€ deverá proceder ao pagamento da diferença que é de 920,95€.

Em relação ao ano de 2022 tendo a Ré efetuado descontos no valor de 725,85€ e comprovado ter efetuado adiantamentos e descontos com as multas no valor de 218,00€ deverá proceder ao pagamento da diferença que é de 507,85€.

Em relação ao ano de 2023 foram efetuados descontos de 92,06€.

Nos termos do art.º 279.º, n.º1 do Código do Trabalho “Na pendência de contrato de trabalho, o empregador não pode compensar a retribuição em dívida com crédito que tenha sobre o trabalhador, nem fazer desconto ou dedução no montante daquela”.

Era a Ré quem tinha o ónus da prova de que tinha efetuado o pagamento dos adiantamentos para poder efetuar os descontos no vencimento do Autor (art.º 342.º, n.º1 do Código Civil e art.º 279.º, n.º2, al f) do Código do Trabalho), pelo que, não o tendo feito, não existe justificação para a realização desses descontos, pelo que, é devido ao Autor a quantia de 3.974,25€ (2.453,39€ + 920,95€ + 507,85€ + 92,06€) a título de descontos indevidos dos adiantamentos no vencimento do mesmo.»


*


D – ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA [EXCERTO DA FUNDAMENTAÇÃO]

20. Leia-se agora a motivação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa quanto ao objeto do presente recurso de Revista:

«Dos descontos na retribuição.

Ficou provada a realização dos descontos na retribuição referidos no ponto 11 dos factos assentes, totalizando o efetivo desconto de 46.118,96 €.

Foram efetuados levantamentos pelo Autor nos termos demonstrados em 36, 41, 43 e 46, 0 que perfaz 14.688,00 €.

Como nota a sentença recorrida, “era a Ré que tinha o ónus da prova de que tinha efetuado o pagamento dos adiantamentos para poder efetuar os descontos no vencimento do Autor (art.º 342, n.º 1, do Código Civil e 279.º, n.º 2, al. f) do Código do Trabalho)”.

Não o fazendo, a Ré terá de suportar o montante em causa, correspondente a um desconto injustificado.

No entanto, face ao exposto, o efetivo montante dos descontos efetuados injustificadamente não corresponde ao montante apurado na alínea d) da parte decisória (3.974,25 €), mas sim a 31.450,96 €.

É este, pois, o montante devido.»


*


E – PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO

21. Importa atentar ainda na posição do Parecer do ilustre Procurador-Geral Adjunto colocado neste Supremo Tribunal de Justiça que foi proferido nos autos e que tem o seguinte teor:

«Ora, do cotejo destes segmentos da fundamentação de direito das decisões decorre que, apesar da matéria de facto dada como provada seja a mesma, enquanto a sentença de 1.ª instância considera que foi dado como provado que, em relação ao período de 2009 a 2015, o recorrido recebeu os adiantamentos da recorrente, já o acórdão do Tribunal da Relação entende em sentido contrário.

E, é com base neste pressuposto que, por mero cálculo aritmético, as decisões encontram um valor diferente em relação ao crédito do recorrido.

Ora, o ponto 31) da matéria de facto dada como provada tem a seguinte redação:

«31. O Autor nunca reclamou junto da Ré as verbas que estão retratadas nos recibos como lhe tendo sido adiantadas e que o foram até 2015, nunca comunicou à ré que não tinha recebido essas verbas, nem que as não tinham solicitado, ou seja, nunca se queixou de que os valores apostos na rúbrica “adiantamento” não lhe tinham sido de facto adiantados.».

De uma análise interpretativa à expressão que «as verbas que estão retratadas nos recibos» como tendo sido adiantadas ao recorrido «e que o foram até 2015» parece só poder resultar que aquelas verbas foram efetivamente adiantadas até 2015 (sublinhado nosso).

E, se dúvidas houvesse, veja-se que consta claramente na fundamentação da matéria de facto na sentença de 1.ª instância que:

«As testemunhas referiram que parte dos documentos, sobretudo, até 2017 comprovativos dos recebimentos dos adiantamentos se extraviaram, porém, e reitera-se que estando no contrato de trabalho do Autor que quando deslocado no estrangeiro terá direito ao adiantamento em dinheiro e em quantidade suficiente para fazer face a todas as despesas possíveis da viagem, não é crível que o mesmo durante 6 anos (entre 2009 e 2015) receba os recibos de vencimento verifique que mensalmente lhe estão ser descontados valores em regra de várias centenas de euros e alguns acima do milhar, que nunca tenha reclamado e agora venha dizer que não saiba a que se referem, bem como, considere que os descontos são indevidos e ainda assim continue normalmente a trabalhar, o que durou 6 anos e após volte a reingressar ao serviço da Ré em 2017. Não faz sentido! Assim, consideramos ter o mesmo até 2015 recebido as quantias a título de adiantamentos.» (sublinhado nosso).

A isto importa acrescentar que no recurso de apelação interposto pelo recorrido não foi admitida a impugnação sobre a matéria de facto, sendo que o acórdão recorrido também não a alterou oficiosamente, pelo que ficou a mesma cristalizada.

E, em consequência, o acórdão recorrido aceita-a, transcrevendo-a.

Só que, na aplicação do direito aos factos, não foi considerado ter sido dado como provado os adiantamentos efetuados ao recorrido até 2015, constantes do ponto 31) da factualidade assente.

Com efeito, refere-se apenas que «[f]oram efetuados levantamentos pelo autor nos termos demonstrados em 36, 41, 43 e 46, o que perfaz 14.688,00 €».

É verdade que a redação do referido ponto 31) não é, em nosso entender, a melhor, por manifesta falta de clareza.

E diga-se, en passant, apesar de não ter sido questão suscitada, que também nos merece algumas dúvidas a própria fundamentação para ser dada como provada essa factualidade, que residiu essencialmente na presunção judicial de que não é razoável que o recorrido, tendo a possibilidade de saber os valores que lhe tinham sido adiantados pela consulta aos recibos, nunca tenha reclamado a falta desses pagamentos num período que durou seis anos, e se tenha mantido a trabalhar normalmente – embora se reconheça não estarmos perante uma presunção que viole qualquer norma legal, padeça de evidente ilogicidade, nem que tenha partido de factos não provados [1].

Ou seja, o certo é que se encontra dado como provado que as verbas constantes nos recibos como adiantamentos até 2015 foram pagas.

Quais as consequências a retirar?

Não nos parece existir no acórdão recorrido, e de forma alguma, qualquer contradição ou ininteligibilidade no discurso decisório, já que, pelo contrário, percebe-se perfeitamente o raciocínio utilizado.

O mesmo assenta é sobre um pressuposto que não se encontra correto, mais concretamente numa interpretação errada da factualidade que foi considerada assente.

Tal situação, em nosso modesto entender, não configura qualquer nulidade do acórdão, abrangida pelo art.º 615.º do CPC, mas sim um erro de julgamento – conforme tem sido entendido pela jurisprudência, de que são exemplos os acórdãos do STJ de 08-09-2021, proc. n.º 1592/19.6T8FAR.E1.S1, do STJ de 03-03-2021, proc. n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, do STJ de 29-10-2020, proc. n.º 1872/18.8T8LRA.C1.S12 –, o qual deverá ser reparado.

Pelo que, somos de parecer que o presente recurso de revista deverá ser considerado procedente, embora com fundamento diferente, revogando-se o douto acórdão recorrido e repristinando-se a douta sentença de 1.ª instância.»

F – NULIDADE DE ACÓRDÃO POR CONTRADIÇÃO, AMBIGUIDADE OU ININTEGIBILIDADE

22. A Ré encara a fundamentação de direito expressa no Aresto recorrido como constituindo uma nulidade de sentença.

Lidas as conclusões da empregadora, ressaltam das mesmas que a irregularidade do Acórdão do TRL que aí se acha arguida é a que se mostra prevista no artigo 615.º, número 1, alínea c) do NCPC [“É nula a sentença quando: c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”], estipulando ainda o artigo 607.º, número 3, desse texto legal, a propósito da estrutura da sentença, que “…seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes concluindo pela decisão final” [2].

Acerca desse vício de natureza formal e ainda que no âmbito do anterior Código de Processo Civil, convirá ouvir FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA [3] quando diz: “Na alínea c) do número 1 do artigo 668.º, a lei refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. Diversa desta situação, por não respeitar a um vício lógico na construção da sentença, mas a uma contradição aparente é a que deriva de simples erro material, quer na fundamentação, quer na decisão, que se elimina por simples despacho, de harmonia com o disposto no artigo 667.º

(…) Registe-se que a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão-pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento”.

Ainda a respeito desta irregularidade contemplada no (antigo) artigo 668.º, número 1, alínea c) do Código de Processo Civil, ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA [4] afirmam o seguinte:

A segunda categoria de deficiências da sentença, que podem determinar a intervenção do juiz depois de ela ter sido proferida, é a das nulidades da decisão.

Da enumeração taxativa das causas de nulidade sujeitas, aliás em termos muito limitados, ao processo de retificação regulado no artigo 670.º, duas conclusões ressaltam imediatamente:

a) A de que não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário, ao contrário do que sucedia no Código de 1876 (art.º 1159.º, & 2.º); (…)

A lei refere-se, na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º, à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. Neste caso, efetuada por despacho a correção adequada, nos termos do artigo 667.º, a contradição fica eliminada.

Nos casos abrangidos pelo artigo 668.º, número 1, alínea c), há um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples “lapsus calami” do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direção diferente”.

Como ensina o Prof. JOSÉ ALBERTO DOS REIS, em “Código de Processo Civil Anotado”, Volume V, Coimbra Editora, 1981, página 141, tal nulidade da alínea c) do artigo 668.º, número 1 do Código de Processo Civil ocorre quando «(…) a sentença enferma de vício lógico que a compromete (…), quando a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto (…)».

Por seu turno, JOSÉ LEBRE DE FREITAS, em “Código de Processo Civil Anotado”, volume 2.º, Coimbra Editora, pág. 670, diz que «(…) entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (…)».

ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA [5], quanto à segunda parte da alínea c) do número 1 do artigo 615.º do NCPC sustentam o seguinte: «A decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes».

G – LITÍGIO DOS AUTOS – ENQUADRAMENTO FACTUAL E JURÍDICO

23. Impõe-se fazer um rápido enquadramento da situação vivida nesta ação, importando dizer, desde logo e nesta matéria dos «adiantamentos» e «descontos», que o Autor na sua Petição Inicial se limita a afirmar que desconhece em absoluto a razão dos descontos em questão que sempre constaram dos seus recibos de vencimento ao longo de 14 anos e 3 meses da sua relação laboral, em paralelo com as ajudas de custo internacionais e nacionais ali também referenciadas, reclamando depois o pagamento da totalidade de tais deduções efetuadas como «adiantamentos» e pela soma do valor destes últimos, conforme ressaltam dos ditos documentos [6].

A Ré veio contestar essa alegação do Autor, dizendo que ele estava perfeitamente ciente do que constituíam esses «adiantamentos», que eram disponibilizados ao trabalhador para o mesmo fazer face, de antemão, às normais despesas que iria ter nas viagens de transporte internacionais e nacionais, tendo, para o efeito, alegados muitos dos factos que vieram a ser dados como provados pelo Juízo do Trabalho de Vila Franca de Xira e juntado, para o efeito, diversa documentação .

A recorrente, depois de confrontada com uma condenação, com a qual se conformou, no valor de € 3.974,25 €, veio depois a ser confrontada com uma condenação bem superior, no valor de 31.450,96 €, explicando-se tal diferença de montantes pela circunstância de o tribunal da 2.ª instância ter englobado, para esse efeito, todo o tempo do vínculo laboral, ao contrário do que fez o Juízo do Trabalho de Vila Franca de Xira que entendeu que até ao ano de 2015, inclusive, as contas referentes às ajudas de custo, respetivos adiantamentos e inerentes descontos estavam fechadas, nada sendo devido pela Ré ao Autor a esse propósito.

Pensamos que o tribunal da 1.ª instância refletiu tal convicção apenas no texto do Ponto 31. da Factualidade dada como Provada e que reza o seguinte:

«31. O Autor nunca reclamou junto da Ré as verbas que estão retratadas nos recibos como lhe tendo sido adiantadas e que o foram até 2015, nunca comunicou à Ré que não tinha recebido essas verbas, nem que as não tinham solicitado, ou seja, nunca se queixou de que os valores apostos na rúbrica “adiantamento” não lhe tinham sido de facto adiantados.» [sublinhado da nossa responsabilidade], sendo importante atentar também no que se disse na respetiva sentença judicial, em sede de Motivação da Decisão sobre a Matéria de Facto, no que respeita a esta matéria dos adiantamentos, desconto e ajudas de custo, em termos de valoração da prova produzida a esse respeito [7].

Não se ignora, naturalmente, que quem alega os factos impeditivos, modificativos ou extintivos dos direitos invocados pelo credor [o aqui Autor] compete provar os mesmos, nos termos do número 2 do artigo 342.º do Código Civil.

Logo, a aqui Recorrente tinha o ónus de provar que, embora tivesse feito os descontos referenciados nos recibos de vencimento, os mesmos destinavam-se, em sede de ajudas de custo liquidadas ao Recorrido, a compensar os adiantamentos efetuados ao trabalhador e que se revelaram excessivos, por falta de suporte em termos das despesas que visavam suportar ou simplesmente por ultrapassarem a importância mensal efetivamente devido.

O tribunal da 1.ª instância entendeu que tal ónus foi cumprido quanto às quantias relativas aos anos de 2009 a 2015, ao passo que a 2.ª instância parece considerar que se verifica uma situação de incumprimento relativamente a todo o período temporal da relação laboral.

Afirmamos que parece, pois o Tribunal da Relação de Lisboa, como bem refere a Ré, não explica minimamente o seu raciocínio, especialmente por referência ao sustentado pelo Juízo do Trabalho na respetiva decisão judicial.

H – NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO

24. Ora, chegados aqui, defrontamo-nos com uma situação de fronteira entre um potencial «erro de julgamento» e essa eventual irregularidade de índole meramente formal ou processual da alínea c) do número 1 do artigo 615.º do NCPC.

Há que dizer, no caso concreto dos autos, que muito embora nada impeça o julgador de uma instância superior de divergir da qualificação jurídica ou da forma como foi aplicado o direito aos mesmos factos pela instância inferior, sendo certo, por outro lado, que os juízes não estão sujeitos, nessa mesma matéria, às alegações das partes – artigo 5.º, número 3 do NCPC], deparamo-nos com um cenário que se nos afigura de efetiva inintegibilidade entre a fundamentação de facto e a de direito do Aresto recorrido.

Afigura-se-nos que o mesmo, não obstante não ter admitido a impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto deduzida pelo Autor recorrente e ter assim efetuado o seu julgamento sobre a mesma factualidade dada como assente e não assente pelo tribunal da 1.ª instância, limita-se, para o efeito, em repisar a regra legal da repartição do ónus de prova entre as partes para depois concluir pela condenação da Ré num valor muito superior e distinto do da condenação a que procedeu o Juízo do Trabalho de Vila Franca de Xira, sem que avance com um mínimo de fundamentação complementar que explique, justifique e consinta a compreensão do raciocínio subjacente à decisão plural objeto do presente recurso de revista.

Há um salto lógico, de facto e de direito, no Aresto do TRL que não está suportado na devida interpretação dos factos relevantes, conforme foram dados como assentes e não assentes pela 1.ª instância, nem na inerente motivação, como finalmente numa argumentação jurídica concreta e suficiente.

Não estamos, nessa medida, perante um erro de julgamento mas antes face a uma genuína nulidade de Aresto que não chegou a ser apreciada pelo tribunal da 2.ª instância, nos termos e para os efeitos do disposto no número 1 do artigo 617.º e 666.º do NCPC e não foi objeto de prévio despacho do relator no sentido da baixa dos autos de recurso com tal finalidade, como deveria ter acontecido, segundo o número 5 da mesma disposição legal, o que importa suprir agora, por via do presente Aresto, atendendo ao estatuído no artigo 679.º do CPC/2013, que desobriga o STJ de aplicar os artigos 662.º e 665.º do mesmo diploma.

I – AMPLIAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

25. Chegados aqui e sem olvidar as restrições a que o STJ está sujeito no que concerne ao erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa [cf. artigos 674.º, número 3 e 682.º, número 3 do CPC/2013], nada nos impede de ponderar acerca da coerência e suficiência da Decisão sobre a Matéria de Facto quanto a esta matéria dos «adiantamentos» e «descontos», com especial realce para aqueles que tiveram lugar nos anos de 2009 a 2015.

Não se pode deixar de estranhar a posição tomada pelo Autor na Sua Petição Inicial e antes reproduzida numa anterior Nota de Rodapé, quanto ao seu total desconhecimento da natureza e razão dos descontos que lhe eram feitos no seu vencimento, por referência aos «adiantamentos» antes efetuados e que se revelavam excedentários, face ao texto dos três contratos de trabalho juntos a esta ação pela Ré, que se mostram assinados pelo Recorrido e em que é feita expressa previsão e referência a tais «adiantamentos».

A Ré veio também apresentar nos autos os recibos de vencimento do ano de 2015, que, ao contrário dos demais, se mostram todos assinados pelo Autor, como forma de reconhecimento do recebimento das quantias neles mencionadas e quitação por tal pagamento, aí se referindo as prestações e deduções aqui em causa.

No que concerne aos demais recibos de vencimento juntos ao processo, embora não estando assinados e sendo emitidos unilateralmente pela Ré, ao abrigo do disposto no número 3 do artigo 276.º do Código do Trabalho de 2009, seguro é que muitos deles estavam na posse do Autor, que os juntou conjuntamente com a sua Petição Inicial, sendo comum ver-se, no texto dos mesmos, as menções a «ajudas de custo», na parte dos créditos e «adiantamentos» na parte dos «débitos».

Importa ainda referir o conjunto de documentos avulsos comprovativos dos “adiantamentos” feitos ao Autor e juntos pela Ré, constando em muitos deles a assinatura ou rubrica do trabalhador, sendo outros emitidos por entidades terceiras de cariz bancário ou equivalente, por iniciativa e atuação do Autor [para além de outros que comprovam a abertura de processos contraordenacionais por infrações estradais].

Todo este quadro documental, só por si, suscita muitas dúvidas quanto à boa-fé da litigância do Autor nesta matéria, por referência ao afirmado na sua Petição Inicial [absoluto desconhecimento] e dá conteúdo e suporte a uma provável versão oposta ao aí alegado, assim como contextualiza, embora apenas em parte, a motivação factual e a posição do tribunal da 1.ª instância no que respeita à verificação presumida de um acerto de contas entre as partes nos anos de 2009 a 2015, assim como ao texto do Ponto 31. dos Factos dados como Provados [8].

Ora, começaremos por dizer que a redação de tal Ponto de Facto é, desde logo, muito infeliz, por se limitar a dizer, de «fugida» [perdoe-se-nos a expressão popular] e em termos globais, que os «adiantamentos» relativos ao referido período temporal de 2009 a 2015 efetivamente tiveram lugar, numa afirmação que se nos afigura manifestamente conclusiva, por não ter qualquer outro suporte factual, traduzido em valores pecuniários, meses e anos que respeitariam aos ditos «adiantamentos»,

Não será despiciendo fazer aqui o confronto entre os factos que abrangem essa primeira fase do vínculo laboral e os que abrangem a fase subsequente de 2016 a março de 2023, para constatar que, quanto aos «adiantamentos» e «descontos» verificados nessa segunda temporada da relação de trabalho dos autos houve a preocupação de elencar os primeiros, discriminando-os em termos de valores, meses e anos em que foram avançados ou levantados pelo Autor [cf. a esse respeito, os Pontos 36., 41. e 43. assim como os Pontos 45. e 46. quanto às multas – coimas? – de natureza contraordenacional por violação de regras estradais liquidadas, à cabeça, pela Ré e deduzidas depois na retribuição do Autor].

No que concerne ao período laboral de 2009 a 2105, quedamo-nos pela tabela de «descontos» efetuados com a denominação de «adiantamentos» ao longo de todo o vínculo laboral – 2009 a 2023 -, conforme constam dos recibos de vencimento emitidos pela Ré [Ponto 11.], assim como pela descrição dos sistemas que se sucederam no tempo, por referência à maneira como eram processados tais «adiantamentos» ao trabalhador recorrido [cf. Pontos 32. a 35., 37. a 40., 42., 46. e 48.].

Logo, apenas quanto ao período laboral seguinte - 2016 a fevereiro de 2023 - é que ficou demonstrado que ocorreram descontos indevidos feitos pela empregadora no quadro das ajudas de custo internacionais e nacionais pagas ao Autor, por conta dos adiantamentos em excesso que lhe tinham sido feitos por parte da recorrente e que depois eram compensados no final da cada mês, nada havendo provado de efetivo e concreto quanto aos montantes respeitantes aos «adiantamentos» efetuados ao Recorrido entre 2009 e 2015 e à sua integral correspondência com os «descontos» feitos pela Ré nesse mesmo período e constantes dos recibos juntos aos autos [mesmo quando não assinados pelo Autor].

Esta leitura da factualidade dada como assente é confirmada pelo teor da fundamentação de direito da sentença da 1.ª instância que, enquanto omite, na prática, uma abordagem objetiva, sistemática e consistente desse primeiro período temporal, quanto aos «adiantamentos» e «descontos» efetuados [que parece, na sua essência, ter deixado resolvido em sede da Motivação da Decisão sobre a Matéria de Facto, como se de meros factos instrumentais se tratassem], já desenvolve, quanto ao segundo período laboral uma bem elaborada apreciação e fundamentação dessa mesma problemática.

Logo, verifica-se aqui uma manifesta insuficiência factual no que respeita ao objeto do presente recurso de revista [restringido à questão dos «adiantamentos e descontos», dado já ter ocorrido o trânsito em julgado material das respetivas decisões judiciais relativamente às restantes pretensões formuladas pelo Autor], que implica o funcionamento da norma do número 3 do artigo 682.º do NCPC, com a anulação do Acórdão recorrido e a determinação oficiosa por este Supremo Tribunal de Justiça da baixa dos autos às instâncias para efeitos de ampliação da Decisão sobre a Matéria de Facto quanto aos concretos e efetivos «adiantamentos» efetuados pela Ré ao Autor no período entre 2009 e 2015, para efeitos do seu confronto posterior com os «descontos» efetuados e constantes dos recibos juntos aos autos.

J - CONCLUSÃO

26. Sendo assim e em conclusão, ordena-se a anulação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa para efeitos de ampliação da matéria de facto nos moldes acima referenciados [artigo 682.º, número 3 do NCPC], sem perder de vista, no entanto, o que também se deixou referenciado quanto à nulidade do mesmo, por inintegibilidade da sua fundamentação de direito [artigo 615.º, número 1, alínea c), segunda parte do CPC/2013], a ser devidamente considerado em futuro Acórdão a prolatar pelo tribunal da 2.ª instância.

IV – DECISÃO

27. Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 615.º, número 1, alínea c) artigo 682.º, número 3 do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça, em anular o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa para efeitos de ampliação da matéria de facto nos moldes acima referenciados, bem como por efeitos da nulidade de sentença traduzida na inintegibilidade da sua fundamentação de direito [artigo 615.º, número 1, alínea c), segunda parte do CPC/2013], a ser devidamente considerada em futuro Acórdão a prolatar pelo tribunal da 2.ª instância.

Custas do recurso a fixar a final pela parte vencida - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Lisboa, 29 de outubro de 2025

José Eduardo Sapateiro - Juiz Conselheiro relator

Domingos José de Morais – Juiz Conselheiro Adjunto

Júlio Gomes – Juiz Conselheiro Adjunto

___________________________________________________________________

1. “Sobre o poder de fiscalização do uso das presunções judiciais pelo STJ: cf., por exemplo, o acórdão do STJ de 03-02-2022, proc. n.º 428/19.2T8LSB.L1.S1, disponível em: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d93d227b7fa5df5c802587de0080d3ef?OpenDocument» - NOTA DE RODAPÉ DE PARTE DO PARECER TRANSCRITO, COM O NÚMERO 1↩︎
2. Convoque-se ainda, quanto a esta irregularidade formal de sentença e à sua extensão às decisões coletivas dos tribunais superiores, o disposto nos artigos 666.º e 679.º do NCPC.↩︎
3. Em “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 6.ª Edição, Almedina, páginas 53 e 54.↩︎
4. No seu “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1985, 2.ª Edição Revista e Atualizada, págs. 684 a 691.↩︎
5. Em “Código de Processo Civil Anotado”, Volume I [Parte Geral e Processo de Declaração – Artigos 1.º a 702.º], setembro de 2020, 2.ª Edição, ALMEDINA, páginas 761 a 764, Nota 12.↩︎
6. Pode ler-se na Petição Inicial e a esse respeito o seguinte:
«E. DOS ADIANTAMENTOS
51. Ao Autor todos os meses eram descontados valores avultados com a denominação de “adiantamentos” e por vezes “multas”.
52. No entanto o Autor afirma não saber do que se trata, tendo chegado a pedir esclarecimento à Ré que apenas lhe comunicou que se tratavam de acertos.
53. A Ré é assim devedora desses descontos injustificados, que de acordo com os recibos de vencimento já juntos se conseguem observar, e que melhor se demonstram na tabela abaixo:
[TABELA CONSTANTE DESSE ARTICULADO INICIAL DO AUTOR]
54. Face ao exposto, a Ré é devedora desses descontos injustificados que perfazem um montante de € 46.621,72 (quarenta e seis mil seiscentos e vinte e um euros e setenta e dois cêntimos).»↩︎
7. «Pontos 4.1.29) a 4.1.47): Quanto aos adiantamentos resulta desde logo dos próprios contratos de trabalho do Autor de 5.11.2008 e de 30.11.2017 onde consta na cláusula 5.ª, n.º 2 quando deslocado no estrangeiro o Autor terá direito ao adiantamento em dinheiro e em quantidade suficiente para fazer face a todas as despesas possíveis da viagem e ainda dos depoimentos das testemunhas CC, ..., DD, coordenadora ..., na DOCTRANS na Azambuja, desde março de 2012 e de EE, ... na DOCTRANS até 2018, e depois operador ..., o sistema de adiantamentos que vigorava na empresa até 2018, sendo os mesmos entregues em dinheiro aos motoristas em 2 estações de serviço em Espanha perto da fronteira com França.
A partir de 2019 passou a vigorar o sistema PRIMACASH que vigorou na empresa até 2022/2023, sendo máquinas da empresa, e os motoristas têm de estar próximo da máquina recebem um código (TOKEN) no telemóvel da empresa ou pessoa mas depois de terem feito um pedido e que depois inserem na máquina para levantar dinheiro, sendo certo que cada motorista já tinha um USER NAME e contrassenha. O sistema impossibilitava que fosse outra pessoa a receber o dinheiro em vez do Autor, em face do USER NAME e contrassenha e ainda do TOKEN que lhe era enviado.
O dinheiro é para as despesas do trabalhador.
Os adiantamentos não são obrigatórios de receber só o terá se quiser. Fica ao critério do trabalhador. Os adiantamentos vêm retidos nos recibos.
Referiu a testemunha DD que nunca teve qualquer queixa do Autor a reclamar o desconto de um adiantamento não recebido e atendendo ao caráter do Autor se ele não tivesse de acordo com isso, manifestava-se.
Posteriormente, os adiantamentos passaram também a ser efetuados por transferência bancária e não apenas através do sistema PRIMACASH.
No que respeita ao sistema PRIMACASH o documento 12 de 1.1.2019 junto com a contestação permite-nos ver a senha do utilizador e a contrassenha do mesmo estando o documento assinado digitalmente pelo Autor, que não foi objeto de impugnação pelo Autor.
As testemunhas EE e DD referiram de forma bastante convincente que a forma como o sistema vigorava, os requisitos para que fosse apenas o motorista a poder ter os seus códigos pessoais para proceder aos levantamentos e o TOKEN que era transmitido aos motoristas.
Do mesmo modo do relatório que é o documento 13 junto com a contestação consta o código do Autor, as datas dos levantamentos, os valores levantados pelo utilizador com o número interno.
Ora, quanto ao sistema PRIMACASH ficámos plenamente convencidos de que o Autor utilizou o mesmo e em face do código pessoal que lhe era transmitido e do documento n.º 13 junto com a contestação é possível verificar as quantias que o mesmo recebeu entre 12.10.2019 e 08.10.2021.
Quanto às transferências efetuadas a título de adiantamentos decorre dos documentos 14 e 15 juntos com a contestação os montantes transferidos para a conta do Autor, que as testemunhas DD e EE referiram que a Ré nos dias 1 e 15 de cada mês pode transferir os adiantamentos (atualmente em 300,00€ para motorista de 2.ª em cada uma das ocasiões), porém, será sempre a pedido do motorista.
Finalmente, entre os anos de 2018 a 2020 foram juntas pela Ré folhas como documentos 8 a 10 juntos com a contestação, que não foram impugnados pelo Autor.
Dos depoimentos das testemunhas EE e DD decorre de forma bastante convincente o modo como o sistema vigorava na empresa até 2018, sendo os adiantamentos entregues em dinheiro aos motoristas em 2 estações de serviço em Espanha perto da fronteira com França e onde eram dadas folhas para os mesmos assinarem em como tinham recebido o dinheiro (normalmente quantias de 150,00€) e onde era colocada a data da entrega, o nome do motorista, o montante, a matrícula do camião do motorista, o número do cartão de cidadão do motorista a quem era entregue o dinheiro, a rúbrica do motorista e a rúbrica do funcionário que entregava o dinheiro.
A empresa enviava a listagem dos motoristas que iriam passar a fronteira, chegava à pessoa que estava numa das estações de serviço e era dado o dinheiro, rubricando o motorista o recebimento, sendo indicado o número do cartão de cidadão e a matrícula do veículo.
Havia um funcionário do grupo 2 em Espanha que na véspera organizava uma lista de motorista e enviavam à ... para terem a lista para entregar o dinheiro, e depois remetia as folhas já assinadas pelo trabalhador. Após devolviam por e-mail as folhas assinadas ou se não tivesse assinado não teria sido entregue o dinheiro referente ao adiantamento. Esse controlo era diário porque todos os dias eram enviadas listas para a ....
Ora, dos documentos 8 a 10 juntos com a contestação consta a entrega ao Autor de quantias de 150,00 € e 300,00 € durante os anos de 2018 a 2020.
Era o sistema que a Ré tinha então em vigor de forma a executar o que estava estipulado no contrato de trabalho com o Autor.
Ora, salvo o devido respeito, em face da prova produzida quer documentalmente, quer pelas testemunhas ouvidas, não ficámos nada convencidos que o Autor conforme alegou na sua petição inicial que afirma não saber do que se trata, tendo chegado a pedir esclarecimento à Ré que apenas lhe comunicou que se tratavam de acertos e que se tratavam de descontos injustificados.
Desde logo, a Ré juntou os recibos de vencimento assinados pelo Autor por debaixo da expressão “Declaro que recebi a quantia … constante neste recibo, do qual me foi entregue cópia” em relação ao ano de 2015, conforme documento 16 junto com a contestação, ora, o Autor ao ter assinado os referidos recibos e constando dos mesmos os montantes que lhe estavam a ser descontados a título de adiantamentos o mesmo tinha conhecimento de quais eram os montantes que estavam a ser descontados e segundo a testemunha DD, coordenadora dos recursos humanos da Ré, e com quem o Autor falou por várias vezes o mesmo nunca se queixou a reclamar o desconto de um adiantamento não recebido.
Aliás segundo referiu a testemunha o AA disse-lhe quando saiu que não se passava nada com a empresa apenas queria mudar de ares. Nunca se queixou, mesmo quando ela lhe ligou a saber o motivo da saída. Desde 2009 nunca a questionou de valores que não tivesse recebido.
Antes de 2015 os recibos eram solicitados pelos trabalhadores nas bases porque só aí os tinham para assinar, entre 2015 a 2017 passou a ser por e-mail mas a pedido dos motoristas e a partir de 2017 passa a ser automático o envio dos recibos.
Ora, o Autor juntou grande parte dos recibos dos anos de 2009 a março de 2023, o que significa que os tinha na sua posse e aí foi podendo verificar quais os montantes descontados a título de adiantamentos e multas.
Acresce que não foi feita qualquer prova pelo Autor em como ao ter na sua posse os recibos de vencimento que juntou que não os tivesse lido ou que não tivesse verificado os montantes descontados a título de adiantamentos ou multa.
Ora, não é crível que estando previsto nos contratos do Autor a realização de adiantamentos, tendo o mesmo na sua posse grande parte dos recibos em relação aos quais constavam o desconto dos adiantamentos e sendo esses descontos de várias centenas de euros ou mesmo ultrapassando o milhar (ex: em outubro de 2009 - 1506,59€, junho de 2011- 1056,43€, abril de 2011 – 1055,94€, junho de 2012 – 1054,11€, novembro de 2013 – 945,01€, junho de 2014 – 1134,55€) e continuasse a trabalhar sem reclamar com os pagamentos pese embora conforme alega na sua petição inicial “não saber do que se trata, tendo chegado a pedir esclarecimento à Ré que apenas lhe comunicou que se tratavam de acertos”, pelo que, não é crível que não tenha recebido na totalidade esses adiantamentos sem que levantasse qualquer questão em face do valores elevados que lhe foram descontados mensalmente, em função até do vencimento que auferia (recorde-se que o vencimento de base rondava nesses anos os 600,00 €/700,00 €), e aliás deixou de trabalhar na Ré em novembro de 2015 e regressou em dezembro de 2017, tendo-se mantido até março de 2023.
Em suma, em face da prova produzida contrariamente ao alegado pelo Autor, o mesmo sabia a que título o desconto dos adiantamentos respeitava e os mesmos eram efetuados a pedido do Autor, não tendo este efetuado a prova que tenha reclamado alguma vez de eventuais descontos indevidos.
As testemunhas referiram que parte dos documentos, sobretudo, até 2017 comprovativos dos recebimentos dos adiantamentos se extraviaram, porém, e reitera-se que estando no contrato de trabalho do Autor que quando deslocado no estrangeiro terá direito ao adiantamento em dinheiro e em quantidade suficiente para fazer face a todas as despesas possíveis da viagem, não é crível que o mesmo durante 6 anos (entre 2009 e 2015) receba os recibos de vencimento verifique que mensalmente lhe estão ser descontados valores em regra de várias centenas de euros e alguns acima do milhar, que nunca tenha reclamado e agora venha dizer que não saiba a que se referem, bem como, considere que os descontos são indevidos e ainda assim continue normalmente a trabalhar, o que durou 6 anos e após volte a reingressar ao serviço da Ré em 2017. Não faz sentido! Assim, consideramos ter o mesmo até 2015 recebido as quantias a título de adiantamentos.
Nos anos de 2020 a 2022 a Ré tinha um sistema de adiantamentos denominado PRIMACASH e ainda efetuava adiantamentos por transferências bancárias, ora, em face dos documentos juntos com a contestação (documentos 14 e 15), consideram-se provados em relação a esse período os montantes tidos como adiantados nesses documentos a que ainda se acrescentará o do documento 10 junto com a contestação.
Resulta ainda do depoimento de EE e DD que em relação às contraordenações rodoviárias que os motoristas incorrem passou a ser controlado por um departamento da Ré, são multas de excesso de velocidade, conferem com o registo do tacógrafo e depois pagam a multa e é descontado no final do mês a multa no vencimento deles.
Foram os motoristas que começaram a pedir para que fosse a empresa a pagar as multas.
A Ré juntou os documentos 17 a 19 com a contestação onde constam várias contraordenações rodoviárias de que o Autor foi alvo e o valor das mesmas e em relação às quais foi notificada para pagar, pelo que, considerando os valores aí constantes, os depoimentos das testemunhas EE e DD e as rúbricas constantes dos recibos onde é indicada a rúbrica D07 – multa, deu-se por provado que foram descontados no vencimento do Autor o valor das multas rodoviárias em relação às quais a Ré foi notificada para pagar.» [sublinhados a negrito da nossa responsabilidade]↩︎
8. Com o seguinte texto:
«31. O Autor nunca reclamou junto da Ré as verbas que estão retratadas nos recibos como lhe tendo sido adiantadas e que o foram até 2015, nunca comunicou à Ré que não tinha recebido essas verbas, nem que as não tinham solicitado, ou seja, nunca se queixou de que os valores apostos na rúbrica “adiantamento” não lhe tinham sido de facto adiantados.»↩︎