I. Declarada ilícita a exclusão de um trabalhador do processo de seleção relativo a um concurso interno destinado a prover 6 vagas relativas a três áreas funcionais, o empregador foi condenado a admiti-lo ao referido concurso e a proceder à avaliação e graduação do mesmo.
II. Tendo procedido a uma restrição ao decidido pelo Tribunal, reabrindo o concurso para menos áreas e vagas do que as inicialmente previstas na respetiva abertura, a embargante não deu cumprimento à sentença condenatória proferida na ação declarativa.
I.
2. Na 1.ª Instância, os embargos foram julgados improcedentes.
3. Interposto recurso de apelação pela embargante, o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) confirmou a decisão, com um voto de vencido.
4. Novamente inconformada, a embargante interpôs recurso de revista, tendo a parte contrária contra-alegado (sustentando a inadmissibilidade da revista, por o valor da causa ser de 30.000,00 €, mas erradamente, pois tal valor foi fixado em 30.000,01 € na sentença da 1ª Instância).
5. O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que as partes não responderam.
6. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC), em face das conclusões das alegações de recurso, a questão a decidir consiste apenas em saber se a recorrente deu adequado cumprimento à decisão exequenda.
Decidindo.
1 - Por decisão proferida nos autos principais, foi declarada ilícita a exclusão do autor do processo de seleção, concurso interno sob o número 03/DRH/2019, destinado a prover 6 vagas da área de quadros técnicos, tendo a ré sido condenada a admitir o autor ao referido concurso e a proceder à avaliação e graduação do mesmo.
2 - O concurso interno sob o número 03/DRH/2019, para técnicos licenciados, destinava-se a preencher uma vaga na direção jurídica; duas vagas na direção de logística e compras - área de compras; e três vagas na direção de tecnologias e sistemas de informação, sendo que destas três, duas eram da área de desenvolvimento de aplicações (bilhética e canais digitais, uma, e projeto CRM, outra) e a terceira era da área de gestão de infraestruturas e administração de bases de dados.
3 - O autor, licenciado (…) em tecnologia e gestão industrial, candidatou-se, no concurso referido em 1, manifestando preferência pela direção de logística e compras e pela direção de tecnologias e sistemas de informação.
4 - Na sequência da decisão referida em 1, a embargante determinou a admissão ao processo de seleção iniciado por via do concurso identificado em 1, para as vagas de compras e logística.
5 - Ao concurso referido em 1 apresentaram-se 15 candidatos.
6 - À reabertura do concurso referido em 1, na sequência da decisão proferida nestes autos, foram chamados 4 candidatos (entre os quais, o autor).
7 - O autor foi convocado para a prova de psicologia, no contexto do concurso referido em 1, tendo comparecido na data, hora e local indicados.
8 - Foi então solicitado que preenchesse um formulário, no qual se fazia constar que o autor estava a concorrer a vaga de técnico superior.
9 - O autor recusou preencher o formulário e recusou realizar a prova de avaliação psicológica, alegando que o concurso não era o mesmo, uma vez que pretendia concorrer a lugar de técnico licenciado.
10 - A categoria de técnico superior compreende duas subcategorias: técnico superior I e técnico superior II.
11 - Na data em que foi aberto o concurso referido em 1, o regime de carreiras vigente na ré compreendia a categoria de técnico licenciado e de técnico bacharel.
(…)
“[O] Tribunal determinou que a embargante admitisse o embargado a um dado concurso.
Esse concurso destinava-se ao preenchimento de vagas em três departamentos / direções.
O embargado manifestou preferência por dois departamentos / direções.
A embargante, na sequência da decisão proferida, apenas reabriu o concurso para as vagas de um departamento / direção.
Verifica-se, em face desta sequência, que consubstancia um resumo dos presentes autos, que a reabertura do concurso não tem a mesma amplitude, quer quantitativa (não é o mesmo número de vagas, pois só estão em causa as vagas do departamento de compras – duas vagas, e mesmo isso não é claro, pois o documento de reabertura do concurso refere “Área de compras e Área de apoio e controlo à gestão”), quer qualitativa (não estão em causa os mesmos departamentos / direções (aqueles em relação aos quais o autor manifestou preferência no concurso inicial: compras e tecnologias).
É certo que a embargante refere que o autor não dispunha de habilitações para o departamento de tecnologias.
A licenciatura do embargado é em tecnologia e gestão industrial.
A avaliação da adequação da habilitação do embargado à vaga a que se candidata deve ser realizada “dentro” do concurso (o que pressupõe a avaliação do currículo do candidato e a decisão, devidamente fundamentada).
Nesta fase, o que importa é que, em cumprimento da decisão proferida, o embargado seja colocado na situação concursal em que se encontrava quando foi excluído. E essa situação compreende o concurso às vagas pelas quais o candidato manifestou interesse.
Admite-se que não se procedesse à reabertura da vaga no departamento jurídico, decisivamente porque o embargado não manifestou então interesse por tal vaga.
Porém, quanto às demais vagas (pelas quais o candidato manifestou preferência), a reabertura do concurso tinha de as contemplar. Só assim seria dado cumprimento ao decidido pelo Tribunal.
A avaliação e a graduação do embargado seriam os passos seguintes. O que compreende, naturalmente, a adequação das habilitações do candidato para as vagas. Devendo ser o passo seguinte, não pode ser o passo anterior, delimitando-se o que o Tribunal havia decidido.
Assim, da decisão do Tribunal decorre a obrigação de colocar o embargado no concurso com as preferências que manifestou. Tal obrigação só é integralmente cumprida por via da reabertura das vagas nos departamentos em questão.
Não foi isso que aconteceu. A CP apenas reabriu o concurso para as vagas do departamento de compras.
Trata-se de uma restrição ao decidido pelo Tribunal, pelo que não se pode afirmar que a decisão tenha sido integralmente cumprida. E é o cumprimento integral do decidido que na exceção para prestação de facto o exequente pretende concretizar.
Realce-se que o embargado, por força da decisão do Tribunal não adquiriu direito à colocação numa qualquer categoria. Mas também não decorre da decisão do Tribunal que a embargante possa antecipar decisões que só podem ser tomadas no contexto do concurso.
O que a decisão exequenda determina, como já se salientou, é que o embargado tem de ser colocado na situação em que se encontrava, em termos de concurso, quando foi excluído. E essa situação é a de concorrer aos dois departamentos / direções pelos quais manifestou preferência. A adequação do currículo às vagas é avaliação a fazer posteriormente.
Os presentes autos improcedem, portanto, devendo a execução prosseguir.”
9. Por seu turno, o TRL reiterou este entendimento, acrescentando:
“A única resposta admissível é que não cumpriu o determinado pela sentença exequenda, incorrendo, primeiro, persistindo depois, na assunção de um erro que, em espelho, imputa ao Tribunal a quo: é que este não pretendeu em momento algum substituir-se-lhe na decisão concursal, limitando-se a afirmar e apenas que a apelada terá que admitir o embargante no concurso que abrira, para nele, uma vez reaberto, avaliar e decidir quem deverá ser provido nas vagas abertas; ou seja, (…) trata-se apenas de colocar o apelado na situação devida e essa era apenas a habilitação ao concurso a que se candidatara e não a qualquer outro, cabendo depois à apelante, e apenas à apelante, no âmbito do concurso reaberto e no confronto do apelado com os demais concorrentes a ele admitidos, decidir quem deverá ser provido nas vagas nele disponibilizadas.”
10. Também o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no Parecer por si proferido neste Supremo Tribunal, conclui que a embargante não deu cumprimento à sentença condenatória proferida na ação declarativa, em virtude de ter procedido a “uma restrição ao decidido pelo Tribunal”, ao reabrir o concurso para menos áreas e vagas do que as inicialmente previstas na abertura do mesmo.
11. Acompanhamos as considerações expendidas pelas instâncias, cujo acerto não nos suscita a menor dúvida, bem como o sentido decisório atingido.
Em contrário, afirma a Senhora Desembargadora que votou vencida: “se após a prolação da sentença exequenda o AE foi alterado e a categoria pretendida pelo trabalhador deixou de existir e lhe corresponde uma nova, julgo que a empregadora cumpriu a prestação em que foi condenada ao reabrir o concurso para a categoria nova correspondente à categoria extinta, não fazendo sentido abrir um concurso para uma categoria que já não existe”.
Acontece que o plano lógico-jurídico em que os embargos foram decididos é alheio à questão de saber qual a categoria para a qual a embargante devia/deve abrir o concurso, situando-se antes no plano do número de áreas funcionais e de vagas que o concurso deve abranger, pelo que não se vê que as razões invocadas sejam suscetíveis de pôr em crise a linha argumentativa que fez vencimento na Relação.
Não se vislumbrando a necessidade de quaisquer desenvolvimentos complementares, improcede, pois, a revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 29.10.2025
Mário Belo Morgado, relator
Domingos Morais
José Eduardo Sapateiro