REINTEGRAÇÃO
NULIDADE
Sumário


I. A reintegração é uma consequência legal da declaração da ilicitude do despedimento (alínea b) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho), que tem lugar a não ser que o trabalhador ou o empregador optem pela indemnização substitutiva, não obstando a tal consequência legal eventuais dificuldades de gestão do empregador na sua concretização.
II. Só se verifica a nulidade por falta de fundamentação, prevista no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto e/ou de direito das decisões, não abrangendo as eventuais deficiências dessa fundamentação.

Texto Integral


Processo n.º 12510/19.1T8SNT.L1.S3

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

Digal — Distribuição e Comércio, S.A., Ré na presente ação declarativa de condenação com a forma de processo comum em que é Autor AA veio interpor recurso do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que a condenou a reintegrar o Autor (ponto 3 do segmento decisório) e a pagar-lhe a quantia de 23.310,47€ (vinte e três mil, trezentos e dez euros e quarenta e sete cêntimos), a título de subsídios de férias relativos aos anos de 2013 a 2018 (ponto 4.1), a quantia que se vier a apurar em liquidação posterior a título de subsídios de férias devidos de 1999 a 2012 e 2019 (ponto 4.2), a quantia de 23.310,47€ (vinte e três mil, trezentos e dez euros e quarenta e sete cêntimos), a título de subsídio de Natal relativo aos anos de 2013 a 2018 (ponto 4.3), a quantia que se vier a apurar em liquidação posterior a título de subsídio de Natal devido de 1999 a 2012 e 2019 (ponto 4.4), a quantia que se vier a apurar em liquidação posterior referente aos descontos a que se refere o ponto 80 dos factos provados (ponto 4.5), as retribuições que deixou de auferir desde 27-09-2019 até 27-02-2025, em quantia a apurar em liquidação posterior, a que deve ser deduzido o valor do subsídio de desemprego, se recebido no mesmo período (ponto 4.6) e a quantia de 15.000€ (quinze mil euros), a título de danos não patrimoniais (ponto 4.7), bem como juros à taxa legal, desde a data do vencimento de cada prestação a que alude 4.1, 4.2., 4.3, 4.4, e 4.6, e até integral pagamento (ponto 4.8), juros, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento relativamente à quantia referida em 4.5 (ponto 4.9) e, finalmente, juros, à taxa legal, desde a data do Acórdão até integral pagamento, relativamente à quantia referida em 4.7 (ponto 4.10).

Nas Conclusões do seu recurso afirma o seguinte:

“II- Não pode a ora Recorrente concordar com tal decisão,

III – Porquanto, cfr acima exposto, a mesma padece das nulidades enquadradas no nº1 do artº 615º do CPC – alíneas d) e b).

IV – Quer, no âmbito do ponto 3 da D. Decisão, por omissão do dever de pronúncia quanto a elementos relevantes para conformar o problema concreto a decidir e para permitir o cumprimento do D. Acórdão,

V – Quer por falta de especificação dos fundamentos de facto que fundamentam a Decisão quanto aos pontos 3, 4.1 e 4.3.

Em Conferência o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu Acórdão no qual decidiu não se verificarem as alegadas nulidades.

O Autor contra-alegou.

Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.

Fundamentação

De Facto

Considera-se reproduzida para todos os efeitos legais a integralidade da decisão da matéria de facto das instâncias, mormente do Acórdão do Tribunal da Relação objeto do presente recurso.

Com interesse direto para este recurso de revista deram-se como provados os seguintes factos:

37) A remuneração auferida mensalmente pelo Autor, e paga pela Ré, era apurada com base nos seguintes cálculos:

a) Por cada leitura realizada – 0,195 €;

b) Por cada leitura com pagamento efetuado – 0,30€;

c) Por cada deslocação a cliente ausente – 0,055€;

d) Entrega de segundos avisos para pagamento – 29,00€/dia;

e) Cortes no fornecimento (através da selagem da válvula) – 29,00€/dia;

f) Horas extraordinárias – 5, 75€/hora;

g) Por cada quilómetro percorrido em viatura própria - 0, 29€.

(…)

68) No ano de 2013, o Autor auferiu um rendimento anual total de € 50.534,08.

69) No ano de 2014, o Autor auferiu um rendimento anual total de € 51.428,93.

70) No ano de 2015, o Autor auferiu um rendimento anual total de € 51.950,06.

71) No ano de 2016, o Autor auferiu um rendimento anual total de € 41.587,93.

72) No ano de 2017, o Autor auferiu um rendimento anual total de € 44.665,85.

73) No ano de 2018, o Autor auferiu um rendimento anual total de € 27.558,99.

74) Na vigência do contrato, o Autor gozou dias de férias não concretamente apurados.

75) A Ré nunca liquidou ao Autor qualquer subsídio de férias e de Natal.

(…)

De Direito

Começando a análise pela condenação da Recorrente em reintegrar o Autor na sequência da ilicitude do despedimento de que este último foi alvo, importa referir que a reintegração é uma consequência legal da declaração da ilicitude do despedimento (alínea b) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho), que tem lugar a não ser que o trabalhador ou o empregador optem pela indemnização substitutiva. As dificuldades que o empregador possa ter na reintegração foram atendidas pelo legislador em certos casos – designadamente quando se trate de microempresa ou de trabalhador que ocupe cargo de administração ou direção (cfr. n.º 1 do artigo 392.º do Código do Trabalho). A lei esclarece que a reintegração se deve fazer no mesmo estabelecimento da empresa e sem prejuízo da categoria e antiguidade do trabalhador (ver a já mencionada alínea b) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho). Não existe, assim, qualquer omissão de pronúncia “quanto a elementos relevantes para conformar o problema concreto a decidir e para permitir o cumprimento do D. Acórdão”, nem qualquer “falta de especificação dos fundamentos de facto que fundamentam a Decisão” quanto ao ponto 3 do segmento decisório.

Concorda-se, assim, inteiramente, com o que a este respeito se afirmou no Acórdão proferido em Conferência pelo Tribunal da Relação de Lisboa: ”Os moldes em que ocorre a reintegração resultam da lei, a saber a mesma far-se-á no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade. A Ré não questionou, no seu articulado de contestação, os moldes em que essa reintegração se pudesse fazer, pelo que não incidiu discussão sobre os mesmos e não incumbia, portanto, proferir decisão sobre eles, não ocorrendo qualquer omissão de pronúncia”.

Não se verifica, por conseguinte, qualquer nulidade quanto à condenação da Ré em reintegrar o Autor.

A Ré invoca, também, a falta de especificação dos fundamentos de facto subjacentes à decisão dos pontos 4.1 (respeitante aos subsídios de férias relativos aos anos de 2013 a 2018) e 4.3 (relativo aos subsídios de Natal em igual período).

A este propósito permitimo-nos transcrever um excerto do douto Parecer do Ministério Público junto aos autos neste Tribunal:

“Estatui a al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC que a sentença é nula quando «[n]ão especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;».

A jurisprudência, nomeadamente deste Supremo Tribunal, tem entendido que só se verifica a nulidade por falta de fundamentação, prevista no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, «quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto e/ou de direito das decisões, não abrangendo as eventuais deficiências dessa fundamentação», conforme se refere, por exemplo, no acórdão do STJ de 08-03-2023, proferido no proc. n.º 16978/18.5T8LSB.L2.S1.

No caso, constata-se que a decisão em causa encontra-se devidamente justificada, já que assentou na matéria de facto que já tinha sido dada como provada – pontos 37) e 68) a 73) da factualidade assente – cf. págs. 16 e 17 do acórdão recorrido.

Considerando o alegado pela recorrente, mais parece, no entanto, é que a mesma embora alegue a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, pretende suscitar não propriamente a falta de fundamentação, mas sim a insuficiência da matéria de facto para a correspondente decisão – o que acarretaria a necessidade do processo ser remetido ao tribunal recorrido para ampliação da matéria de facto, nos termos do art. 682.º, n.º 3, do CPC.

Só que, mesmo que assim fosse, afigura-se que, contrariamente ao mencionado, a matéria de facto que sustentou este segmento decisório mostra-se perfeitamente suficiente – o valor da retribuição mensal considerada corresponde à média mensal do montante que o autor comprovadamente recebeu pela prestação das suas funções.

Acresce que a recorrente nem sequer indica em concreto porque é que esses factos são insuficientes e sobre que matéria deveria incidir a prova de forma a se obter factualidade que suprisse essa insuficiência.

Pelo que não se encontra também qualquer fundamento para determinação da ampliação da matéria de facto, nos termos do art. 682.º, n.º 3, do CPC.

Em suma, o acórdão recorrido não padece da nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.”

Concorda-se, integralmente, com a argumentação transcrita pelo que improcede a invocada nulidade também quanto a estes segmentos 4.1 e 4.3 da decisão do Acórdão recorrido.

Decisão: Negada a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente

Lisboa, 29 de outubro de 2025

Júlio Gomes (Relator)

Mário Belo Morgado

Domingos José de Morais