I. O Supremo Tribunal de Justiça carece do poder de alterar o valor da causa.
II. Tendo tanto a 1.ª instância como o Tribunal da Relação decidido que o despedimento do Autor foi lícito, o valor da causa foi fixado na 1.ª instância e se a parte não concordar com tal valor deverá suscitar tempestivamente o respetivo incidente.
III. Também a revista excecional está sujeita aos pressupostos do valor e da alçada.
Acordam, em Conferência, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,
AA, Autor na presente ação em que é Ré Tescap Portugal - Têxteis e Componentes de Assentos, S.A., veio reclamar para a Conferência da decisão do Relator neste Tribunal que indeferiu a sua Reclamação e confirmou o despacho proferido no Tribunal da Relação que não admitiu o seu recurso de revista (nem o comum, nem o de revista excecional) em virtude do valor da causa ficar aquém da alçada do Tribunal da Relação.
Na referida decisão objeto da presente Reclamação pode ler-se:
“Na sua Reclamação o Autor afirma que tratando-se de uma ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, com processo especial, em que não há petição inicial o Autor não teria de indicar o valor da ação; e “também não [teria] aplicabilidade a regra geral do artigo 306.º, n.º 2 do C.P.C, nos termos da qual compete ao juiz fixar o valor da causa no despacho saneador, devendo o mesmo, nos termos do artigo 98º-P, n.º 2, do C.P.T ser “…fixado a final pelo juiz tendo em conta a utilidade económica do pedido, designadamente o valor da indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos”; e afirma que caso o Tribunal da Relação tivesse considerado ilícito o despedimento teria que proceder a uma nova avaliação do valor da ação que tivesse em conta a indemnização de antiguidade pedida pelo Autor e os salários de tramitação. Em suma, “[c]aber-lhe-ia, nos termos do disposto no artigo 98.º-P, n.º 2 do C.P.T., fixar no acórdão o valor da causa para os efeitos estabelecidos no artigo 296.º, n.º 1 do C.P.C, por só então a utilidade económica do pedido ter ficado definida” (n.º 12 da Reclamação).
Defende, ainda, que na revista excecional, mormente ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC o requisito da alçada não deveria ser obstáculo à admissibilidade do recurso.
Cumpre analisar.
Em primeiro lugar, sublinhe-se que este Supremo Tribunal de Justiça carece do poder de alterar o valor da causa o qual deve ser decidido pelas instâncias. Em regra, e como se afirma no Acórdão do STJ de 08-03-2018, processo n.º 4255/15.8T8VCT-A.G1.S1 (CHAMBEL MOURISCO), cabe ao juiz do tribunal de primeira instância fixar o valor da causa e se a parte não concordar com tal valor deverá suscitar o respetivo incidente.
Acresce que no caso dos autos a sentença decidiu que o despedimento de que o Autor foi alvo foi lícito e idêntica decisão foi proferida pelo Tribunal da Relação, que no seu Acórdão afirmou expressamente que o valor do recurso era “o da ação fixado em 1.ª instância, artigo 12.º n.º 2 do RCP”.
A situação dos autos é bem distinta daqueloutra referida na Reclamação em que a sentença considerasse o despedimento lícito e o Acórdão do Tribunal da Relação se pronunciasse pela sua ilicitude.
Assim, não tendo o Autor suscitado o incidente aquando da fixação do valor pela 1.ª instância não pode o seu recurso de revista ser admitido.
É também pacífico na jurisprudência deste Supremo Tribunal que “[a] revista excecional, cujos requisitos específicos estão previstos no n.º 1 do art.º 672.º do Código [do Processo Civil], depende da prévia verificação dos pressupostos gerais da revista” (Acórdão de 13-10-2020, processo n.º 32/18.2T8AGD-A.P1-A.S1, FERNANDO SAMÕES; cfr., igualmente, Acórdão de 17-09-2024, processo n.º 4047/19.5T8CBR-J.C1.S1, LEONEL SERÔDIO: “A revista “excecional” apenas é admissível desde que se verifiquem os pressupostos da revista “normal”). Com efeito, aplica-se aqui o artigo 629.º n.º 1 do CPC e a revista excecional não consta das exceções constantes do n.º 2 do referido artigo 629.º”
Analisada a Reclamação para a Conferência verifica-se que esta não apresenta argumentos novos em defesa da tese do Autor/Recorrente:
- Assim, defende-se que o valor “só pode ser considerado fixado, a final, após o respetivo trânsito em julgado, nos termos do disposto no artigo 98.º. n.º 2 do C.P.T. (o que nos presentes autos ainda não ocorreu)” (n.º 10 da Reclamação). Acrescenta-se que “[a]dmitindo o recurso e sendo o mesmo procedente, nos termos e fundamentos peticionados pelo ora Reclamante, revogar-se-ia o douto Acórdão da Relação do Porto, substituindo-o por outro que reconhecesse a ilicitude do despedimento e o consequente pagamento da indemnização, nos termos peticionados pelo Autor/reclamante, aqui se definindo a respetiva utilidade económica” (n.º 15 da Reclamação)
- Invoca-se que se trata de uma revista excecional fundada na alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.
Reitera-se a argumentação da decisão individual, sublinhando-se que também a revista excecional está sujeita aos pressupostos do valor e da alçada e que, se a tese da Recorrente estivesse correta, qualquer recurso de uma decisão de despedimento seria sempre suscetível de recurso de revista uma vez que o valor da ação só seria fixado depois de decidido o recurso.
Decisão: Acorda-se em indeferir a reclamação, mantendo a decisão objeto da mesma e não se admitindo o recurso de revista.
Custas pelo Reclamante
Lisboa, 29 de outubro de 2025
Júlio Gomes (Relator)
José Eduardo Sapateiro
Domingos José de Morais