RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
Sumário


Para efeitos do disposto no art. 672º, nº 1, c), do CPC, há contradição entre acórdãos que – no domínio da mesma legislação e reportando-se a situações de facto que no essencial sejam idênticas – dão respostas diametralmente opostas quanto à mesma questão fundamental de direito.

Texto Integral


Processo n.º 2060/19.1T8OAZ.P1.S2


Acordam na Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I.



1. AA demandou, neste processo especial emergente de acidente de trabalho, Ageas – Companhia de Seguros, S.A., e Civopal, Sociedade de Construções e Obras Públicas Aliança, Lda.

2. Na 1ª Instância, a ação foi julgada totalmente procedente.

Para além do mais, que ora não releva, foi a ré Civopal condenada a pagar ao sinistrado, nos termos do artigo 79º, nº 5 da LAT, as seguintes prestações correspondentes ao agravamento da sua responsabilidade:

i. €10.079,67 a título de indemnização agravada pelo período 717 dias de incapacidade temporária absoluta sofrida pelo sinistrado.

ii. a pensão anual e vitalícia de €5.204,06 devida desde 20.04.2021, atualizada a partir de 1 de janeiro de 2022 para €5.256,10, a partir de 1 de janeiro de 2023 para €5.697,61 e a partir de 1 de janeiro de 2024 para €6.039,47.

3. Interposto recurso de apelação, o Tribunal da Relação do Porto (TRP) confirmou esta decisão.

4. A ré Civopal veio interpor recurso de revista excecional, com fundamento no art. 672º, nº 1, c), do CPC.

5. O A. contra-alegou, sendo que as contra-alegações da ré seguradora não foram admitidas.

6. No despacho liminar, considerou-se estarem verificados os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso.

7. Está em causa determinar se o recurso de revista excecional deve ser admitido no tocante à questão de saber se é necessário que ocorra a violação de uma regra ou norma concreta sobre segurança no trabalho, não bastando a violação de regras genéricas ou programáticas sobre esta matéria, para que se dê como preenchida a previsão do nº 1 do art. 18º da LAT (este, na interpretação do AUJ n.º 6/2024, de 13 de maio).

Decidindo.


II.


8. Para efeitos do disposto no art. 672º, nº 1, c), há contradição entre acórdãos que – reportando-se a situações de facto essencialmente idênticas – dão respostas diametralmente opostas quanto à mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação.

O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13.11.2020, Proc. n.º 1170/18.7T8LRA.C1, indicado como acórdão-fundamento, decidiu, na parte que ora releva, que, para que se preencha o quadro normativo previsto no nº 1 do art. 18º da LAT (Lei 98/2009, de 04/09), é necessário que ocorra a violação de uma regra ou norma concreta sobre segurança no trabalho (não bastando a violação de regras genéricas ou programáticas sobre esta segurança).

9. Por seu turno, a este propósito, ponderou o acórdão recorrido:

«Defende a Recorrente existir erro na aplicação do direito, desde logo, quanto à sua atuação culposa na ocorrência do acidente de trabalho sofrido pelo Autor/Recorrido.

Para tanto, alega que o enquadramento normativo subjacente ao artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09, pressupõe a falta de observância, por parte do empregador, de normas sobre segurança e saúde no trabalho.

Pelo que, é necessário identificar a norma de segurança concreta que não foi observada, havendo ainda que provar o nexo de causalidade entre tal inobservância e o acidente.

(…)

Alega que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2024, de fixação de jurisprudência, não tem aqui aplicabilidade porque, a montante, falta a demonstração da concreta violação de uma regra de segurança que as “circunstâncias concretas do caso” permitam enquadrar como uma situação de potenciação do sinistro, bem como a imputação subjetiva ao empregador.

Não se subscreve tal interpretação.

Isto porque:

(…)

Encontram-se elencados no artigo 127.º, n.º 1, alíneas c), g) e h) do Código do Trabalho, os seguintes deveres genéricos do empregador em matéria de segurança e saúde no trabalho:

• Proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral;

• Prevenir riscos e doenças profissionais, tendo em conta a proteção da segurança e saúde do trabalhador, devendo indemniza-lo dos prejuízos resultantes de acidentes de trabalho;

• Adotar, no que se refere a segurança e saúde no trabalho, as medidas que decorram de lei ou instrumento de regulamentação coletiva de trabalho;

• Fornecer ao trabalhador a informação e a formação adequadas à prevenção de riscos de acidente ou doença.

Por seu turno, de acordo com o artigo 15.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro (Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho):

• O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho.

• O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, designadamente, evitando os riscos.

Convém ainda destacar os artigos 73.º, 73.º-A, alíneas a) e b), 73.º-B, n.º 1, alíneas a), b), c), e), i), j) e o), do referido diploma, que tratam da organização dos serviços de segurança e saúde no trabalho, e o artigo 79.º, alínea a), que identifica, por exemplo, como de risco elevado:

“Trabalhos em obras de construção, escavação, movimentação de terras, de túneis, com riscos de quedas de altura ou de soterramento, demolições e intervenções em ferrovias e rodovias sem interrupção de tráfego”. (negrito nosso)

Em cumprimento da Diretiva 92/57/CEE, do Conselho, de 24 de junho, o Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de outubro, define as regras gerais de planeamento, organização e coordenação para promover a segurança e saúde no trabalho em estaleiro da construção.

Para o caso em análise, são particularmente relevantes os artigos 5.º a 14.º, 20.º e 22.º, n.º 1, alínea m), desse mesmo diploma legal.

Importa ainda considerar a Portaria n.º 101/96, de 3 de abril. Esta portaria regulamenta as prescrições mínimas de segurança e saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros temporários ou móveis, em cumprimento da referida Diretiva n.º 92/57/CEE, do Conselho, de 24 de junho. Nomeadamente,

Artigo 2.º (Estabilidade e solidez)

1. “Os materiais, os equipamentos, bem como todos os elementos que existam nos locais e nos postos de trabalho, devem ter solidez e ser estabilizados de forma adequada e segura.

2. O acesso a qualquer local que não obedeça às exigências referidas no número anterior só pode ser autorizado desde que sejam fornecidos equipamentos ou outros meios adequados, que permitam executar o trabalho em segurança.

3. Todas as instalações existentes no estaleiro devem possuir estrutura e estabilidade apropriadas ao tipo de utilização previsto.

4. Os postos de trabalho móveis ou fixos, situados em pontos elevados ou profundos, devem ter estabilidade e solidez de acordo com o número de trabalhadores que os ocupam, as cargas máximas que poderão ter de suportar, bem como a sua repartição pelas superfícies e as influências externas a que possam estar sujeitos.

5. Os postos de trabalho referidos no número anterior devem ser concebidos de forma a impedir qualquer deslocação intempestiva ou involuntária do seu conjunto ou de partes que os constituam.

6. Para além das verificações prévias da estabilidade e da solidez dos postos de trabalho, devem ser feitas outras, sempre que haja modificações, nomeadamente na altura ou na profundidade.” (negrito nosso)

E o artigo 11.º (Quedas em altura):

1. “Sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de proteção coletiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de proteção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente, o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil.

2. Quando, por razões técnicas, as medidas de proteção coletiva foram inviáveis ou ineficazes, devem ser adotadas medidas complementares de proteção individual, de acordo com a legislação aplicável. (negrito nosso)

Por último, quanto às normas específicas de segurança a adotar nos trabalhos em altura e telhados, importa considerar o artigo 1.º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41.821, de 11/08/58:

É obrigatório o emprego de andaimes nas obras de construção civil em que os operários tenham de trabalhar a mais de 4.º metros do solo ou de qualquer superfície contínua que ofereça as necessárias condições de segurança”.

O artigo 150.º daquele Regulamento, refere o seguinte:

“A entidade patronal deve pôr à disposição dos operários os cintos de segurança, máscaras e óculos de proteção que forem necessários”.

§ único: “Os operários utilizarão obrigatoriamente estes meios de proteção sempre que o técnico responsável ou a entidade patronal assim o prescrevam”.

O artigo 44.º sob a epígrafe Obras em telhados, diz o seguinte:

No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela sua inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo”.

§ 1.º “As plataformas terão a largura mínima de 0,40 m e serão suportadas com toda a segurança. As escadas de telhador e as tábuas de rojo serão fixadas solidamente”.

§ 2.º “Se as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis, os operários utilizarão cintos de segurança providos de cordas que lhes permitam prender-se a um ponto resistente da construção”.

O artigo 45.º:

“Nos telhados de fraca resistência e nos envidraçados usar-se-á das prevenções necessárias para que os trabalhos decorram sem perigo e os operários não se apoiem inadvertidamente sobre pontos frágeis.”

E, o artigo 46.º:

“Não devem trabalhar sobre telhados operários que tenham revelado não possuir firmeza e equilíbrio indispensáveis para esse efeito.”

Posto isto,

Prescreve o artigo 18.º, n.º 1, da NLAT:

1. Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.”

(…)

E que o segundo segmento do artigo 18.º, n.º 1, é o que tem sido mais utilizado por não ser necessário provar a culpa, mas apenas a violação das regras de segurança e saúde no trabalho.

Conforme defendem Júlio Gomes e Viriato Reis, nestas situações, admite-se a consideração de uma ampla gama de normas de segurança, além, das legais, não se vê qualquer obstáculo a que se considerem, a este respeito, regras impostas pelas “legis artis” do setor de atividade em causa, pelo uso, por normas internas da empresa e até pela contratação coletiva.» [todos os destaques são os constantes do texto original]

10. Não vemos que daqui decorra que, para os efeitos em causa, o acórdão recorrido sustente a desnecessidade de violação de uma regra ou norma concreta sobre segurança no trabalho.

Para além de citar várias regras/norma concretas de segurança, é o que também decorre da parte da fundamentação em que se sustenta que, para além da violação de normas legais, igualmente releva neste âmbito a violação de «regras impostas pelas “legis artis” do setor de atividade em causa, pelo uso, por normas internas da empresa e até pela contratação coletiva», sendo que este tipo de regras/normas revestirá à partida, pelo menos em grande parte, natureza concreta.

É certo que a páginas tantas, no quinto parágrafo do texto citado, o acórdão recorrido refere “não se subscreve tal interpretação”. Afigura-se-nos, porém, que com isso se está a reportar ao conjunto da tese defendida pela recorrente e não a este ponto específico.

Não deixando de se admitir que as concretas regras consideradas poderiam ter sido objeto de tratamento específico e mais claramente identificadas, a verdade é que elas foram explicitadas, apesar de isso ter sido efetuado entre todo um conjunto mais alargado de argumentação, que também incluía normas genéricas.

Encontrando-se, assim, inverificada a contradição de acórdãos invocada pela recorrente, impõe-se conclui pela não admissão excecional da revista.


III.


11. Nestes termos, acorda-se em não admitir o recurso de revista excecional em apreço.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 29.10.2025

Mário Belo Morgado, relator

José Eduardo Sapateiro

Julio Manuel Vieira Gomes