HABEAS CORPUS
FUNDAMENTOS
TRÂNSITO EM JULGADO
PODERES DA RELAÇÃO
ACÓRDÃO
NOTIFICAÇÃO PESSOAL
EXTRADIÇÃO
RECURSO
PRAZO
EXTEMPORANEIDADE
INDEFERIMENTO
Sumário


I - O peticionante da providência de habeas corpus, pessoa procurada em processo judicial de extradição, tem de ser pessoalmente notificado do acórdão que determina a sua entrega ao Estado de Emissão, só após se iniciando o decurso do prazo de interposição de recurso (art.º 113º, n.º 10 do CPP, art.º 58º, n.º 1 da Lei 144/99 de 31 de Agosto).
II - Havendo o mandatário do peticionante, pessoa procurada no processo judicial de extradição, interposto recurso antes da efectivação desta notificação, tem-se este por extemporâneo, não determinando o decurso do prazo a que se refere o art.º 52º, n.º 3 da citada Lei 144/99, de 31 de Agosto.
III - É competente para conhecer do processo judicial de extradição, o tribunal da Relação em cuja área de jurisdição residir ou se encontrar a pessoa procurada ao tempo do pedido, sendo o julgamento da competência da secção criminal.
IV - Os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, são, apenas, os taxativamente enumerados nas alíneas do n.º 2 deste art.º 222.º do Código de Processo Penal.
V - O Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de verificar, (a)se a prisão resulta de uma decisão judicial exequível, (b)se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e, (c)se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial.
VI - Não cabe no âmbito da providência de Habeas Corpus apreciar e decidir se, (i)a “validação da detenção foi praticada em violação de caso julgado”, ou se (ii)estava precludido o poder do Tribunal da Relação de avaliar a detenção do arguido, ao abrigo do processo de extradição, uma vez que já o tinha feito.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça,

1. Relatório

1.1. AA, casado, nascido a D.M.1984, natural de ..., Escócia, Reino Unido, com o passaporte n.º .......44, com última morada conhecida em Portugal na Rua 1, ... Loulé, e com morada conhecida na Escócia em Localização 1, Escócia, (actualmente detido e a aguardar os termos do processo, pelos prazos previstos no artigo 52º, n.º 3 e 4 da Lei nº 144/99), vem formular petição de Habeas Corpus, subscrita pelo seu mandatário, nos termos e com os fundamentos seguintes (transcrição):

1. No dia 21 de setembro de 2023 o ARGUIDO foi presente ao Venerando Tribunal da Relação de Évora, tendo-lhe sido dado conhecimento de que existia um mandado de detenção europeu e daquele ato judicial nos termos do disposto no artigo 17.º n.º 1 e n.º 2 e artigo 18.º n.º 5 da lei 63/03 de 23/08.

2. Por douto despacho judicial desse mesmo dia de 21 de setembro de 2023, o ARGUIDO ficou sujeito a TIR e foi restituído à liberdade, tendo o processo prosseguido os seus normais trâmites.

3. No dia 21 de outubro de 2025, o ARGUIDO foi de novo detido pela Polícia Judiciária, tendo sido presente ao Venerando Tribunal da Relação de Évora, que decidiu manter a detenção do arguido como necessária, pelo que a validou, determinando que o extraditado aguardasse os ulteriores termos do processo nesta situação, pelos prazos previstos no referido artigo 52.º n.º 3 e n.º 4 da Lei 144/99 de 31 de Agosto em face do concreto perigo de fuga.

4. Com os fundamentos que melhor constam no despacho com a referência CITIUS n.º .....88.

5. Dispõe o artigo 222.º n.º 1 do CPP que o Supremo Tribunal de Justiça concede à pessoa que se encontre ilegalmente detida, a providência de habeas corpus.

6. A ilegalidade da detenção, resultará de ter sido ordenada por entidade incompetente; de ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

7. Em primeiro lugar, a validação da detenção foi praticada em violação de caso julgado, com efeito no dia 21 de setembro de 2023 o arguido AA foi restituído à liberdade por decisão judicial transitada em julgado, de modo a aguardar os ulteriores termos processuais.

8. Logo, a decisão de restituição à liberdade não podia ser revogada por nova decisão da Senhora Veneranda Juíza Desembargadora Relatora, quase dois anos depois.

9. Aliás, tanto assim é, que o Digno Ministério Público promovia prisão preventiva do arguido e não a “repristinação da sua detenção”, seja lá o que isso for – cf. fls. 2 do auto de inquirição do arguido, com a referência CITIUS n.º ...88.

10. Havendo caso julgado material da restituição do arguido à liberdade, após detenção, o Venerando Tribunal da Relação não podia repristinar a sua detenção, que aliás, nunca foi judicialmente determinada.

11. Além do mais, estava absolutamente precludido o poder do Venerando Tribunal da Relação de Évora de avaliar a detenção do ARGUIDO, ao abrigo do processo de extradição, uma vez que já o tinha feito, concluindo pela sua libertação.

12. Daqui decorre que tendo o ARGUIDO sido detido ao abrigo do processo de extradição e restituído à liberdade no dia 21 de setembro de 2023, não podia agora o Venerando Tribunal da Relação repristinar a sua detenção, que é assim ilegal, ilícita e motivada por facto que a lei não permite.

13. Acresce referir, igualmente que se a repristinação fosse válida, ainda assim, estariam esgotados os prazos fixados pela lei.

14. Decorre do disposto no artigo 52.º n.º 3 da Lei n.º 144/99 de 31 de agosto que a detenção não se pode manter, sem decisão do recurso, por mais de 80 dias, contados da data da interposição deste.

15. Ora o arguido interpôs recurso no dia 31 de janeiro de 2024, pelo que não poderia subsistir detido.

Conclusões:

I. No dia 21 de outubro de 2025, o ARGUIDO foi presente ao Venerando Tribunal da Relação de Évora que decidiu repristinar a detenção do dele, mantendo-o detido, pelo que determinou que o extraditado aguardasse os ulteriores termos do processo nesta situação, pelos prazos previstos no referido artigo 52.º n.º 3 e n.º 4 da Lei n.º 144/99 de 31 de Agosto em face do facto concreto perigo de fuga.

II. O Egrégio Supremo Tribunal de Justiça concede à pessoa que se encontre ilegalmente detida (ilegalidade da detenção, resultará de ter sido ordenada por entidade incompetente; de ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial) a providência de habeas corpus.

III. Em primeiro lugar, a validação da detenção foi praticada em violação de caso julgado, com efeito no dia 21 de setembro de 2023 o arguido AA foi restituído à liberdade por decisão judicial transitada em julgado, de modo a aguardar os ulteriores termos processuais – cf. despacho CITIUS com a referência n.º .....93.

IV. Havendo caso julgado material da restituição do arguido à liberdade, após detenção, o Venerando Tribunal da Relação não podia repristinar a sua detenção, que aliás, nunca foi judicialmente determinada.

V. Ora o ARGUIDO interpôs recurso da decisão de extradição no dia 31 de janeiro de 2024, pelo que não poderia subsistir detido atento o disposto no artigo 52.º n.º 3 da Lei n.º 144/99 de 31 de agosto que determina que a detenção não se pode manter, sem decisão do recurso, por mais de 80 dias, contados da data da interposição deste.

TERMOS EM QUE, deve ser, declarada a ilegalidade da detenção e ordenada a libertação imediata do ARGUIDO restituindo-o à Liberdade como é de Direito.”

1.2. Foi prestada informação a que se refere o artigo 223.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:

… “Em cumprimento do disposto no nº 1 do artigo 223º do Código de Processo Penal, lanço nos presentes autos a seguinte informação que se me afigura pertinente para esclarecer os contornos em que foi determinada e se mantém a detenção do Requerente de Habeas Corpus:

- O cidadão AA foi detido em 19/09/2023, com vista à sua extradição para a Escócia, para procedimento criminal no qual lhe é imputada, para além do mais, a prática de crimes de tráfico internacional de estupefacientes, associação criminosa e tentativa de homicídio;

- Na sequência da sua audição judicial neste Tribunal da Relação, foi restituído à liberdade, ficando sujeito a TIR, em 21/09/2023, com vista à prestação, pelo Estado de emissão, das garantias, a que alude o artigo 604.º, al. a) do Acordo entre a União Europeia e o Reino Unido;

- Na sequência da prestação de garantias pelo Estado de emissão, por acórdão

de 23/01/2024, foi determinada a entrega do requerido ao Estado de emissão;

- O Ilustre Mandatário do requerido interpôs, em 24 de janeiro de 2024, recurso do acórdão deste Tribunal da Relação, o qual não foi ainda apreciado (estando a sua admissão e processamento a aguardar a notificação pessoal do requerido).

A defesa do arguido AA veio requerer a imediata subida do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo alegado, para isso, que o recurso constitui uma garantia constitucional de defesa e que a retenção do mesmo viola essa garantia. Tal requerimento foi indeferido.

A defesa reclamou da retenção do recurso, tendo o Exmo. Sr. Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por decisão de 7 de fevereiro de 2025, desatendido a reclamação, em face da inultrapassada dificuldade de notificação do arguido;

- Apesar de todos os esforços desenvolvidos para se efetuar a notificação pessoal do requerido, e uma vez que o cidadão se encontrava em paradeiro desconhecido (resultando dos autos que a morada fornecida no TIR não existe e a que se apurou entretanto não estava a ser usada pelo mesmo), revelando-se manifesta intenção de se furtar à ação da justiça (propósito que consistentemente adotou desde a sua libertação, ciente que ficou de que contra si pende pedido de extradição), nos termos do disposto no artigo 78º-B da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, e no artigo 26.º, n.º4, da Lei n.º 65/2003 de 23 de agosto, e a fim de serem asseguradas as condições materiais necessárias para a entrega efetiva da pessoa procurada enquanto não se tornar definitiva a decisão proferida, e perante a circunstância de o requerido se encontrar em fuga, foi determinada por despacho de 4 de dezembro de 2024 a emissão de mandados de detenção do requerido para imediata notificação da decisão proferida nestes autos e posterior apresentação a este Tribunal da Relação no prazo de 48h a contar da detenção, com vista à aplicação e medida de coação, nos termos dos artigos 18.º, n.º3 e 26.º, n.º4, da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto;

- O Requerido veio a ser detido em execução dos mandados emitidos, em 21 de outubro de 2025, pelas 12H45, tendo sido apresentado neste Tribunal da Relação de Évora no dia 22 de outubro;

- Procedeu-se à audição do detido e, por douto despacho de 22 de outubro de 2025, determinou-se a manutenção da detenção para que nessa situação o extraditando aguarde os termos do processo, pelos prazos previstos no artigo 52º, nrs. 3 e 4 da Lei nº 144/99;

- Encontra-se em curso prazo concedido ao Sr. Tradutor para verter para a língua inglesa o teor do Acórdão proferido nos autos em 23 de janeiro de 2024 e do auto de interrogatório de 22 de outubro de 2025, para efeitos de notificação pessoal ao requerido.”

1.3. O processo encontra-se instruído com a documentação processual tida por

pertinente, junta com esta informação, a que se refere o artigo 223.º, n.º 1, do CPP, ou seja,

“- requerimento inicial – fls. 2 a 5;

- tradução na língua portuguesa do mandado de detenção emitido pelas autoridades judiciárias da Escócia – fls. 31 a 48;

- auto de audição de 21.09.2023 – fls. 57 a 60;

- Termo de Identidade e Residência - TIR – fls. 61 e 62;

- Acórdão de 23 de janeiro de 2024 – fls. 186 a 219;

- Requerimento de fls. 246 a 271;

- certidão negativa de notificação – fls. 284;

- despacho de fls. 295 -296;

- despacho de fls. 235-236;

- requerimento de fls. 341 a 344;

- despacho de fls. 351 e 352;

- decisão do Exmo. Sr. Vice-Presidente do STJ que desatendeu a reclamação;

- expediente de fls. 404 a 406;

- auto de interrogatório de fls. 407 a 412;

- expediente de fls. 415 a 420 e 441 a 447.”

1.4. Convocada a secção criminal e notificados, o Ministério Público e o defensor, realizou-se a audiência, em conformidade com o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 223.º do CPP.

Após, reuniu o tribunal para deliberar (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP), fazendo-o nos termos que seguem.

2. Fundamentação

2.1. Dados de facto.

2.1.1. Da petição, da informação a que se refere o artigo 223.º, n.º 1, do CPP e

dos elementos/documentos juntos, resulta esclarecido, em síntese e no mais relevante para a decisão, que:

-O peticionante AA, em execução de Mandado de Detenção Internacional, emitido pelas autoridades judiciárias do Reino Unido – Escócia, no âmbito dos casos C.......13 e ST......06, inserido no Sistema Interpol com o n.º 2023/...81, foi detido pela Polícia Judiciária, em 19/09/2023, para apresentação e audição no Tribunal da Relação de Évora, com vista à sua extradição para o Reino Unido (Escócia), para procedimento criminal no qual lhe é imputada, para além do mais, a prática de crimes de tráfico internacional de estupefacientes, associação criminosa e tentativa de homicídio;

-O detido foi constituído arguido e prestou termo de identidade e residência, sendo-lhe nomeado defensor oficioso e interprete de língua inglesa,

-Apresentado no Tribunal da Relação de Évora e requerida, pelo Ministério Publico, a sua audição, teve esta lugar a 21.09.2023,

-Após audição judicial, foi restituído à liberdade, ficando sujeito a Termo de Identidade e Residência, em 21/09/2023,

-E o processo a aguardar a prestação, pelo Estado de emissão, das garantias, a que alude o artigo 604.º, al. a) do Acordo entre a União Europeia e o Reino Unido;

- Na sequência da prestação de garantias pelo Estado de emissão, por acórdão de 23/01/2024, foi determinada a entrega do requerido ao Estado de emissão, no âmbito dos casos C.......13 e ST......06, consignando-se que o cidadão visado não renunciou ao princípio da especialidade;

- O Ilustre Mandatário do requerido, a 31 de janeiro de 2024, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação, o qual não foi ainda apreciado e decidido,

-Estando a sua admissão e processamento a aguardar a notificação pessoal do requerido, que apesar das inúmeras tentativas não foi conseguida,

-A defesa do peticionante AA, a 09.01.2025, veio requerer a imediata subida do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo alegado, para isso, que o recurso constitui uma garantia constitucional de defesa e que a retenção do mesmo viola essa garantia.

-Tal requerimento foi indeferido por despacho de 14.01.2025,

-A defesa do peticionante reclamou da retenção do recurso, tendo o Exmo. Sr. Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por decisão de 7 de fevereiro de 2025, desatendido a reclamação, em face da inultrapassada dificuldade de notificação do arguido;

-Apesar de todos os esforços desenvolvidos para se efetuar a notificação pessoal do requerido, uma vez que o cidadão se encontrava em paradeiro desconhecido,

-Resultando dos autos que a morada fornecida no Termo de Identidade e Residência não existe,

-E a morada que se apurou, entretanto, não estava a ser usada pelo peticionante,

-Assim, nos termos do disposto no artigo 78º-B da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, e no artigo 26.º, n.º4, da Lei n.º 65/2003 de 23 de agosto, e a fim de serem asseguradas as condições materiais necessárias para a entrega efetiva da pessoa procurada enquanto não se tornar definitiva a decisão proferida, e perante a circunstância de o requerido se encontrar em fuga, foi determinada por despacho de 4 de dezembro de 2024 a emissão de mandados de detenção do requerido para imediata notificação da decisão proferida nestes autos e posterior apresentação no Tribunal da Relação no prazo de 48h a contar da detenção, com vista à aplicação e medida de coação, nos termos dos artigos 18.º, n.º3 e 26.º, n.º4, da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto;

-O peticionante veio a ser detido pela Polícia Judiciária a 21 de outubro de 2025, pelas 12H45, em Vale Navio, Albufeira, tendo sido apresentado no Tribunal da Relação de Évora no dia 22 de outubro;

- Nesta data, procedeu-se à audição do detido e, por despacho de 22 de outubro de 2025, determinou-se a manutenção da detenção para que, nessa situação, o extraditando aguarde os termos do processo, pelos prazos previstos no artigo 52º, n.º 3 e 4 da Lei nº 144/99;

- Encontra-se em curso prazo concedido ao Sr. Tradutor para verter para a língua inglesa o teor do Acórdão proferido nos autos em 23 de janeiro de 2024 e do auto de interrogatório de 22 de outubro de 2025, para efeitos de notificação pessoal ao requerido.”

2.2. Direito

2.2.1. Dispõe o art.º 27º da Constituição da Republica Portuguesa – CRP -, sob a epígrafe “direito à liberdade e à segurança”, que todos têm direito à liberdade e à segurança, ninguém podendo ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de (i)sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de (ii)aplicação judicial de medida de segurança.

Integrado no capítulo dos Direitos Liberdades e Garantias pessoais, o direito à

liberdade é entendido como o direito à liberdade de movimentos, à liberdade ambulatória, à liberdade física, à livre circulação nas circunstâncias de tempo, modo e lugar que a cada cidadão aprouverem.

Constitui, assim, um direito fundamental dos cidadãos constitucionalmente garantido, ou uma garantia constitucional do direito à liberdade individual, também tutelado por instrumentos jurídicos internacionais aos quais Portugal está vinculado, como a Convenção Europeia dos Direitos Humanos-CEDH e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos-PIDCP.

Com efeito, o art.º 5º da CEDH, reconhece que “toda a pessoa tem direito à liberdade”, ninguém podendo ser privado da liberdade, salvo se for preso em cumprimento de condenação, decretada por tribunal competente, de acordo com o procedimento legal. Reconhece que a pessoa privada da liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal1.

E nos termos do art.º 9º do PIDCP prevê-se que, “todo o indivíduo tem direito à liberdade” pessoal. Proibindo a detenção ou prisão arbitrárias, estabelece que “ninguém poderá ser privado da sua liberdade, excepto pelos motivos fixados por lei e de acordo com os procedimentos nela estabelecidos”. Determina, ainda, que, “toda a pessoa que seja privada de liberdade em virtude de detenção ou prisão tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, com a brevidade possível, sobre a legalidade da sua prisão e ordene a sua liberdade, se a prisão for ilegal.

Não sendo um direito absoluto o direito a não ser detido, preso ou privado da liberdade, total ou parcialmente, elenca o art.º 27º n.º 3 da CRP os casos em que se pode ser privado da liberdade, o que consta, também, das alíneas a), b), c) d) e f) do n.º 1 do art.º 5º da CEDH, preceito, no qual se inspirou o art.º 27º da CRP2.

Não sendo respeitadas ou sendo violadas, prevê a CRP e o CPP meios processuais de reacção a eventual detenção ou prisão ilegal.

Para além dos meios normais de reacção, (como a arguição de invalidade, reclamação ou recurso), preveem os artigos 31º da CRP e 222º do CPP, a providência de habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegais.

O artigo 31.º da Constituição da República Portuguesa, sob a epigrafe Habeas Corpus, dispõe que haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.

Consagra este preceito constitucional, o direito à providência de habeas corpus como direito fundamental contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegais.

Densificando o artigo 31.º n.º 1 da CRP, dispõe o artigo 222.º do CPP que, a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus – n.º 1.

E que a petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de, (i)ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente, (ii)ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite, ou, (iii)manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial – n.º 2.

No sentido da doutrina e jurisprudência, o pedido de habeas corpus, visa reagir contra o abuso de poder, por prisão ou detenção ilegal e constitui não um recurso, mas uma providência extraordinária com natureza de acção autónoma e com fim cautelar, destinada a pôr termo no mais curto espaço de tempo a uma situação ilegal de privação de liberdade3. E extraordinária porque singular, com finalidade e processamento próprios4.

No que aqui mais releva, a providência de habeas corpus, não se destina a apreciar a validade e o mérito de decisões judiciais, a apurar se foram ou não observadas as disposições da lei do processo e se ocorreram ou não irregularidades ou nulidades resultantes da sua inobservância; trata-se de matérias para as quais se encontram legalmente previstos meios próprios de intervenção no processo, onde devem ser conhecidas, de acordo com o estabelecido nos art.ºs. 118.º a 123.º, do CPP e por via de recurso para os tribunais superiores (art.º 399.º e ss., do CPP)5.

E nos casos de abuso de poder, este há de ser facilmente perceptível dos elementos constantes do processo, há de tratar-se de um “erro grosseiro, patente e grave, na aplicação do direito”, em todas situações elencadas nas três alíneas do n.º 2 do art.º 222.º do CPP, entendimento que tem sido reiterado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça6.

2.2.2. Tecidas estas considerações, no caso, com esta providência, vem o peticionante requerer a concessão da providência de “habeas corpus”, concluindo que deve ser, declarada a ilegalidade da detenção e ordenada a libertação imediata do Arguido restituindo-o à Liberdade como é de Direito.

Invocando o art.º 222º, n.º 1 do CPP, fundamenta o pedido, alegando, em resumo, que:

1-Em primeiro lugar, a validação da detenção foi praticada em violação de caso julgado, pois que no dia 21 de setembro de 2023, o arguido AA foi restituído à liberdade por decisão judicial transitada em julgado, de modo a aguardar os ulteriores termos processuais. Logo, a decisão de restituição à liberdade não podia ser revogada por nova decisão da Senhora Veneranda Juíza Desembargadora Relatora, quase dois anos depois. Aliás, tanto assim é, que o Digno Ministério Público promovia prisão preventiva do arguido e não a “repristinação da sua detenção”, seja lá o que isso for – cf. fls. 2 do auto de inquirição do arguido, com a referência CITIUS n.º ...88). Havendo caso julgado material da restituição do arguido à liberdade, após detenção, o Venerando Tribunal da Relação não podia repristinar a sua detenção, que aliás, nunca foi judicialmente determinada.”

2-Depois, estava absolutamente precludido o poder do Venerando Tribunal da Relação de Évora de avaliar a detenção do Arguido, ao abrigo do processo de extradição, uma vez que já o tinha feito, concluindo pela sua libertação.

3-Por fim, diz que, acresce referir, igualmente que se a repristinação fosse válida, ainda assim, estariam esgotados os prazos fixados pela lei. Decorre do disposto no artigo 52.º n.º 3 da Lei n.º 144/99 de 31 de agosto que a detenção não se pode manter, sem decisão do recurso, por mais de 80 dias, contados da data da interposição deste. Ora o arguido interpôs recurso no dia 31 de janeiro de 2024, pelo que não poderia subsistir detido.

2.2.3. Os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, têm de reconduzir-se à previsão das alíneas do n.º 2 deste art.º 222.º do CPP, de enumeração taxativa.

Pelo que, o Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de verificar, (a)se a prisão resulta de uma decisão judicial exequível, (b)se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e (c)se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial7.

A petição de habeas corpus não é, nem pode transformar-se em mais uma instância de recurso.

Não é objecto do âmbito da providência de Habeas Corpus apreciar e decidir se, (i)a “validação da detenção foi praticada em violação de caso julgado”, bem como saber se, (ii) estava absolutamente precludido o poder do Venerando Tribunal da Relação de Évora de avaliar a detenção do Arguido, ao abrigo do processo de extradição, uma vez que já o tinha feito.

Estas questões não cabem no âmbito do pedido de Habeas Corpus. Para apreciação e conhecimento delas deverá o peticionante socorrer-se dos meios judiciais comuns de reação, como a arguição de invalidade, reclamação ou o recurso, junto do tribunal da condenação, como, aliás, dos autos resulta que também se socorreu.

Mas não agora, com o pedido de habeas corpus junto do Supremo Tribunal de Justiça. Pois, a petição de habeas corpus não é o meio processual adequado a apreciar e decidir estas matérias.

Pelo que vai indeferido o pedido do requerente quanto a estas razões agora invocadas.

2.2.4. O Supremo Tribunal de Justiça, como referido, apenas tem de verificar, se se verifica alguma das situações a que se referem as alíneas do n.º 2 do art.º 222º, do CPP, ou seja, (i)se a prisão resulta de uma decisão judicial exequível, (ii)se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e (iii)se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial7.

a.Ora, o peticionante foi detido a 19.09.2023, pela Polícia Judiciária, em execução de Mandado de Detenção Internacional, emitido pelas Autoridades do Reino Unido-Escócia, inserido no Sistema Interpol com o n.º 2023/59781, para apresentação e audição no Tribunal da Relação competente, com vista à sua extradição para o Reino Unido (Escócia), para procedimento criminal no qual lhe é imputada, para além do mais, a prática de crimes de tráfico internacional de estupefacientes, associação criminosa e tentativa de homicídio.

O Mandado de Detenção Internacional é tramitado nos termos da Lei 144/99 de 31 de Agosto – Lei da Cooperação Judiciária Penal em Matéria Penal -, sendo-lhe aplicável, subsidiariamente, a Lei 65/2003, de 23 de Agosto – que aprova o regime jurídico do mandado de detenção europeu (em cumprimento da Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho), e, no caso, ainda o Acordo de cooperação judiciária entre a União Europeia e o Reino Unido aplicável a partir de 01 de janeiro de 2021.

Competente para conhecer do Mandado de Detenção Internacional é o Tribunal da Relação com competência na área de residência da pessoa procurada – art.º 49º da Lei 144/99, de 31 de Agosto.

Sendo o requerente encontrado e detido, primeiro em Vilamoura e depois em Vale Navio, Albufeira, competente para a decisão é o Tribunal da Relação de Évora, e nele foi, aliás, ouvido e tomada a decisão de entrega ao Estado requerente, aguardando detido a execução da decisão.

Donde se conclui que foi a entidade competente que tomou esta decisão, sendo a mesma exequível. Encontra-se, assim, verificada a situação a que se refere a alínea a) do art.º 222º do CPP.

b.Com a detenção da pessoa procurada pretende-se a entrega desta, o ora

requerente, ao Estado de emissão do Mandado de Detenção Internacional. Este, por sua vez, pode ter por fim o procedimento criminal ou o cumprimento de pena.

No caso, destina-se a procedimento criminal contra o peticionante, a quem é “imputada, para além do mais, a prática de crimes de tráfico internacional de estupefacientes, associação criminosa e tentativa de homicídio”, como referido no art.º 2º do requerimento inicial do Ministério Público e no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23.01.2024.

Aí se pode ler que “1º - [c]onforme comunicação do GNI (Gabinete Nacional da Interpol) o “Sheriff of Lothian and Borders de Edimburgo”, no âmbito do processo EO/.57/23, que corre termos no Edinburgh Sheriff Court, emitiu em 13.09.2023, um mandado de detenção internacional, relativo ao indivíduo acima identificado, com vista à sua detenção e extradição para o Reino Unido, com o objectivo de ser processado pelos crimes pelos quais foi acusado.

2º - O cidadão em causa – AA, está acusado da prática dos seguintes crimes:

- Secção 30(1)(a) da Lei da Justiça Criminal e Licenças da Escócia – 2010 relativa ao seu envolvimento no fornecimento de drogas controladas;

- Secção 28(1) da Lei da Justiça Criminal e Licenças da Escócia – 2010, relativa ao seu envolvimento em crime organizado grave;

- Secção 170(2) da Lei de Gestão de Alfândegas e Impostos Especiais de 1979, relativa ao seu envolvimento na evasão fraudulenta. Neste caso, os bens específicos a que se refere a proibição de importação são drogas controladas.

- Secção 4(3)(b) da Lei sobre o uso indevido de Drogas – 1971, neste caso envolve o fornecimento de droga, classe A, cocaína;

- Secção 4(3)(b) da Lei sobre o uso indevido de Drogas – 1971, neste caso envolve o fornecimento de droga, classe A, diamorfina (heroína);

- Secção 4(3)(b) da Lei sobre o uso indevido de Drogas – 1971, neste caso envolve o fornecimento de droga, classe B, cannabis;

Estes crimes são também previstos e punidos pela Lei portuguesa, mormente o disposto no art.º 21º do Dec-Lei 15/93 de 22.01 (Lei da Droga)”, crime punível com pena de prisão de 4 a 12 anos.

“- Tentativa de homicídio;

Este crime também é previsto e punido pela Lei portuguesa, mormente o disposto nos art.º 131º, 22º e 23º todos do CP.

“- Secção 2 da Lei rodoviária de 1988, refere-se à conduta do arguido que conduz perigosamente um veículo de propulsão mecânica numa estrada ou noutro local público. O perigo referido é o de ferimentos a qualquer pessoa ou de danos graves à propriedade.

Este crime também é previsto e punido pela Lei portuguesa, mormente o disposto no art.º 289º do CP”, punível com pena de prisão de 1 a 8 anos de prisão.

“- Tentativa de obstrução da justiça, que ocorre quando a pessoa acusada faz esforços para evitar a detenção.

3º - Em face do pedido formulado pelas autoridades judiciárias / policiais inglesas, o aludido AA foi inserido na lista do GNI como pessoa a deter, tendo em vista a sua extradição para o Reino Unido.

4º - O referido AA veio a ser detido no dia 19.09.2023, pelas 11horas, em Vilamoura – Algarve, área desta Relação de Évora.

5º - Nos termos do disposto na Lei 87/2021 de 15.12, a extradição do cidadão (do Reino Unido) AA, rege-se pelas normas relativas ao MDE (Lei 65/2003 de 23.08).

6º - Porém e conforme consta do expediente “cinco dos crimes com base nos quais este mandado foi emitido são passíveis de pena ou medida de segurança privativas de liberdade com carácter perpétuo”.

Donde se vê que os factos praticados constituem crime quer no Estado de Emissão, Reino Unido-Escócia, quer em Portugal, enquanto Estado de Execução e que estes crimes são puníveis com pena de prisão, fundamentando a emissão e execução de Mandado de Detenção Internacional.

Estão verificados os pressupostos de que depende a emissão e execução de Mandado de Detenção Internacional no caso, encontrando-se motivada por facto que a lei admite a privação da liberdade, situação prevista na al. b) do n.º 2 do art.º 222º do CPP.

c.Mais alega o peticionante que, acresce referir, igualmente que se a repristinação fosse válida, ainda assim, estariam esgotados os prazos fixados pela lei. Decorre do disposto no artigo 52.º n.º 3 da Lei n.º 144/99 de 31 de agosto que a detenção não se pode manter, sem decisão do recurso, por mais de 80 dias, contados da data da interposição deste. Ora o arguido interpôs recurso no dia 31 de janeiro de 2024, pelo que não poderia subsistir detido.

Dispõe o art.º 52º, n.º 3 da Lei 144/99, de 31 de Agosto, sob a epígrafe “prazo de detenção” que [s]em prejuízo do disposto no artigo 40.º, a detenção subsiste no caso de recurso do acórdão da Relação que conceder a extradição, mas não pode manter-se, sem decisão do recurso, por mais de 80 dias, contados da data da interposição deste.

Porém, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido a 23.01.2024, não chegou a ser notificado ao peticionante até à data em que foi detido pela segunda vez, a 21 de Outubro de 2025.

Apenas a partir desta data, depois de detido e ouvido e determinado por despacho judicial que ficasse a aguardar detido a tramitação do processo, se encontra em curso, como informado, prazo concedido ao Sr. Tradutor para verter para a língua inglesa o teor do Acórdão proferido nos autos em 23 de janeiro de 2024 e do auto de interrogatório de 22 de outubro de 2025, para efeitos de notificação pessoal ao requerido.

E, só depois de notificado do acórdão de 23.01.2024, notificação que tem de lhe ser feita pessoalmente (art.º 113º, n.º 10 do CPP), pode, então, interpor recurso da mesma decisão.

Até lá, o recurso é prematuro, como se concluiu no despacho do Exmo. Conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal do Justiça, que decidiu a reclamação que a defesa do peticionante apresentou junto do STJ.

Com efeito aí se diz que, referindo-se ao disposto no art.º 113º, n.º 10, do CPP, … [só] se exige a notificação pessoal do arguido nos casos ressalvados na segunda parte do referido artigo, onde se inclui a sentença ou acórdão (decisão de tribunal coletivo).

O conhecimento pessoal da decisão é essencial para que o requerido possa exercer o direito ao recurso, como meio integrante dos seus direitos de defesa.

Diversa interpretação do artigo 113.º, n.º 10, do CPP, afetaria o art.º 32.º, 1 da CRP.

Por isso, as condições para efetivo exercício do direito ao recurso, no caso de decisão que determina a execução do mandado de detenção europeu ordenando a entrega do requerido ao Estado membro de emissão, não se bastam com a notificação ao defensor, impondo-se, por interpretação declarativa da norma do art.º 113.º, n.º 10, do CPP que obriga à notificação da sentença (decisão de tribunal singular) ao arguido que também aquele acórdão (decisão de coletivo), proferido em 1.ª instância, pelo Tribunal da Relação, tem de ser pessoalmente notificado à pessoa procurada.

Assim, enquanto a pessoa a entregar ao Estado-membro de emissão não for pessoalmente notificada do acórdão que decretou a entrega, é prematuro o recurso que tenha sido interposto pelo seu defensor porque ainda se não iniciou o decurso do prazo legal para recorrer da decisão de entrega.

Nem podia ser outra a interpretação sob pena de o Estado-membro de execução poder incorrer, com frequência (sempre que a pessoa procurada não está detida) em violação grosseira do direito da União Europeia, adotando quanto à notificação da sentença ou acórdão proferido em 1.ª instância, soluções diversas, opostas mesmo, conforme seja proferida/o em processo penal interno (obrigatoriamente notificada ao arguido) ou em processo de execução do MDE (que se bastaria com a notificação ao defensor).

E nem se objete que a/o primeira/o é condenatória e o segundo de entrega da pessoa ao Estado-membro de emissão porque também aquela, sempre recorrível, pode não ser a decisão definitiva do objeto do processo.

E assim tem de interpretar-se, mormente para não abrir a porta a que a decisão de execução do MDE, não possa culminar na entrega da pessoa procurada. Se fosse admitido recurso, o acórdão que no STJ que do mesmo conhecesse seria, como está assente na jurisprudência do STJ e do TC, notificado apenas ao defensor (constituído ou não o havendo, oficioso).

Transitando em julgado 10 dias após, se não for arguido de nulidade ou interposto recurso para o Tribunal Constitucional.

Tanto a Decisão-quadro como a nossa lei que a transpôs estabelecem em 10 dias (de calendário) o prazo para a entrega, contados do trânsito em julgado da decisão que decide mandar executar o MDE.

Não estando a pessoa procurada localizável nesse curto período, a decisão de execução que não foi possível notificar ao procurado por se desconhecer o seu paradeiro, não passaria de letra morta porque jamais se executava pelo esgotamento do prazo legalmente estabelecido para a entrega ao Estado-membro de emissão.

Como referido, só após a detenção a 21 de outubro de 2025, será possível a notificação do peticionante daquele acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23.01.2024, e só a partir da notificação poderá este interpor recurso desta decisão.

Até lá o recurso, interposto apenas pelo seu mandatário é extemporâneo por ainda não se haver iniciado o decurso do prazo legal para recorrer da decisão de entrega da pessoa procurada ao Estado de emissão, em execução de Mandado de Detenção Internacional, não determinando o decurso do prazo a que se refere o art.º 52º, n.º 3 da Lei 144/99, de 31 de Agosto (lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal).

E, assim, o referido prazo de 80 dias, contados da data da interposição deste (recurso), nem sequer se iniciou, ainda. Não se iniciando, impossível seria que houvesse expirado, não se verificando, também, a situação prevista na alínea c) do n.º 2 do art.º 222º do CPP.

2.2.5. Em suma, apesar do inconformismo do arguido/recorrente, não se verifica qualquer das situações a que se referem as alíneas a), b) e c) do n.º 2 do art.º 222º, do CPP.

Verifica-se, antes, que a situação de detenção, em que a peticionante atualmente se encontra, resulta de uma decisão judicial exequível, decisão proferida pelo tribunal competente, que a privação da liberdade se encontra motivada por factos pelos quais a lei a admite e que estão respeitados os respetivos limites temporais fixados por lei.

É, pois, manifesta a falta de fundamento para a presente petição de habeas corpus, já que os fundamentos invocados não cabem no âmbito desta providência, nem se verifica qualquer das situações taxativamente previstas nas alíneas do n.º 2 do art.º 222º do CPP.

Com efeito, fácil é de concluir, através da leitura dos fundamentos invocados, que, sem margem para dúvidas, esta petição de habeas corpus está votada ao insucesso.

Improcede, assim, a requerida providência de habeas corpus, requerida por AA.

3. Decisão

Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, em:

(i)-indeferir o pedido de habeas corpus apresentado por AA, por manifesta falta de fundamento - artigo 223.º, n.º 4, al. a), e n.º 6, do CPP;

(ii)-condenar o peticionante nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs, nos termos do artigo 8.º, n.º 9, e da Tabela III do Regulamento das Custas

Processuais;

(iii)-condenar, ainda, o peticionante ao pagamento de uma quantia de 6 UC – art.º 223º, n.º 6 do CPP.


*


Supremo Tribunal de Justiça, 05 de Novembro de 2025.

António Augusto Manso (relator)

Antero Luis (Adjunto)

Maria da Graça Santos Silva (Adjunta)

Nuno António Gonçalves (Presidente da secção)

________

1. v. ac. do STJ, de 14.07.2021, proc. 2885/10.3TXLSB-AA.S1, www.dgsi.pt.

2. v. ac. do STJ, de 24.04.2024, Proc. n.º 2592.08.7PAPTM-C.S1, www.dgsi.pt.

3. v. ac. do STJ de 02.06.2021, 156/19.9T9STR-A.S1, www.dgsi.pt.)

4. Eduardo Maia Costa, 2016, p. 48, citado por Tiago Caiado Milheiro in Comentário Judiciário ao CPP, AAVV, Coimbra, Almedina, tomo III, em anotação ao art.º 222º do CPP

5. Ac. do STJ de 16.11.2022, proc. 4853/14.7TDPRT-A.S1, www.dgsi.pt.

6. Ac. do STJ de 20.11.2019, proc. n.º 185/19.2ZFLSB-A.S1,www.dgsi.pt.

7. Ac. do STJ de 16.11.2022, proc. 4853/14.7TD PRT-A.S1, www.dgsi.pt.