I – O percurso criminal do arguido – que conta já com cinco condenações pela prática dos crimes de condução de veículo em estado de embriaguez e desobediência, a que acresce a condenação dos presentes autos pelo crime de condução sem habilitação legal, praticado, ademais, no final do período da suspensão da execução de outra pena de prisão – para além de ser revelador de que o mesmo não assimilou ainda a ilicitude e o desvalor das suas condutas, demonstra igualmente que a ameaça da prisão contida nas três suspensões de execução de penas de prisão que lhe foram aplicadas não se revelou bastante para o afastar da criminalidade, deixando evidente a ineficácia das solenes censuras contidas nas condenações anteriores, razão pela qual não se revela possível realizar o juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena de prisão.
II - Levando em consideração a integração social e profissional do arguido e, bem assim, a circunstância de ao mesmo nunca ter sido aplicada uma pena privativa da liberdade, não se vislumbra que apenas o cumprimento efetivo da pena em estabelecimento prisional satisfaça de forma adequada as necessidades preventivas que o caso reclama, afigurando-se-nos que a ressocialização do arguido será ainda possível se o mesmo se mantiver recluído, junto da sua família, evitando-se o carácter estigmatizante do cumprimento da pena em meio prisional, mas restringindo-o, ainda assim, na sua liberdade e fazendo-o sentir a reprovação dos crimes praticados em razão do seu confinamento, cumprindo a pena em Regime de Permanência na Habitação, fiscalizado através de meios de controlo à distância, nos termos do artigo 43º do CP.
Nos presentes autos de processo sumário que correm termos no Juízo Local Criminal de …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º 2507/24.5PAPTM, foi o arguido AA, filho de BB e de CC, nacional e natural da …, nascido a ….1978, solteiro, pedreiro, residente na Rua …, …, em …, condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, numa pena de pena de 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e 6 meses, acompanhada de regime de prova e sujeita às seguintes regras de conduta, até ao termo do período da suspensão: a) o arguido deverá diligenciar pela renovação do título de residência; b) o arguido deverá, quando reunir todos os requisitos legais, inscrever-se em escola de condução, frequentar as aulas e submeter-se aos exames necessários, com vista à obtenção de nova carta de condução; c) o arguido deverá manter o tratamento junto da ETET, seguindo as orientações que ali lhe forem dadas, durante o período tido por necessário, até ao limite do termo da suspensão.
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Inconformado com tal decisão, veio o Ministério Público interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:
“1- O arguido AA, foi condenado por sentença pela prática de um crime de condução de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nº 1 e 2 DL 2/98 de 3.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e 6 meses, acompanhada de regime de prova e sujeita às seguintes regras de conduta, até ao termo do período da suspensão:
- o arguido deverá diligenciar pela renovação do título de residência;
- o arguido deverá, quando reunir todos os requisitos legais, inscrever-se em escola de condução, frequentar as aulas e submeter-se aos exames necessários, com vista à obtenção de nova carta de condução;
- o arguido deverá manter o tratamento junto da ETET, seguindo as orientações que ali lhe forem dadas, durante o período tido por necessário, até ao limite do termo da suspensão.
2- Face aos antecedentes criminais do arguido - e, até, à ineficácia das 5 penas – penas de multa, penas suspensas, todos eles relacionados com a prática de crimes de natureza rodoviária, as quais em nada serviram para afastar o arguido da prática de novo crime e, em especial, da prática de um novo e mesmo crime da mesma natureza, entende o Ministério Público que arguido foi, e bem, condenado na pena de 6 meses de prisão.
3 - A suspensão da execução da pena de prisão não é apenas facultativa, tratando-se antes, de um poder-dever dependendo dos pressupostos formais e materiais estipulados na lei.
4- É pressuposto material da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão a verificação de um prognóstico favorável pelo Tribunal, relativamente ao comportamento do condenado, tendo em atenção a sua personalidade e as circunstâncias do facto, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para o afastar da criminalidade, satisfazendo, simultaneamente, as exigências de prevenção geral, ínsitas na finalidade da punição, previstas no artigo 40°, do Código Penal.
5- Tendo-se em conta no necessário juízo de prognose a personalidade do arguido, as suas condutas anteriores ao facto punível e as circunstâncias deste mesmo facto, o seu percurso de vida, pautado pela prática reiterada do mesmo crime, o Ministério Público entende que tais circunstâncias denotam um quadro negativo de inserção social e comunitária, de molde a não justificar como razoável um juízo de prognose positiva no sentido de que a censura do facto e a ameaça da prisão serão suficientes para realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
6 - Não é possível fazer um juízo de prognose favorável a favor do arguido face às condenações sofridas;
7- Somos de parecer que a Mmª Juiz deveria ter aplicado uma pena de 6 meses de prisão a qual deveria ser efectivamente cumprida, ainda que em RPH e que não deveria ter suspendido a execução da pena de prisão.
8-Atendendo ao disposto no artigo 43º do CP” sempre que o Tribunal concluir que, por este meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e, o condenado nisso consentir, poderá ser executada em regime de permanência na habitação a pena de prisão não superior a 2 anos.
9- Deveria o Tribunal ter aferido das condições para cumprir a pena de 6 meses em RPH.
10- Ao assim não ter decidido, violou a douta Sentença a quo o disposto nos artigos 40º, n° 1, 43°, n°s 1 a 4, 50º, n.ºs 1, 2 e 5 e 70°, todos do Código Penal.
11-Pelo que, em consequência, deverá a mesma ser substituída por sentença a proferir por esse Venerando Tribunal que condene o arguido nos termos acima pugnados.”
Termina pedindo alteração da pena imposta ao arguido, solicitando se determine o cumprimento efetivo da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios de controlo à distância.
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O recurso foi admitido.
Na 1.ª instância, o arguido pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“1. Por decisão do douto Tribunal a quo, o arguido foi condenado, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, nº.s 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03-01, na pena de 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e 6 meses, acompanhada de regime de prova e sujeito às seguintes regras de conduta, até ao termo do período da suspensão: i) o arguido deverá diligenciar pela renovação do título de residência; ii) o arguido deverá, quando reunir todos os requisitos legais, inscrever-se em escola de condução, frequentar as aulas e submeter-se aos exames necessários, com vista à obtenção de nova carta de condução: iii) o arguido deverá manter o tratamento junto da ETET, seguindo as orientações que ali lhe forem dadas, durante o período tido por necessário, até ao limite do termo da suspensão. iv) Foi ainda condenado o arguido, nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.s, reduzida a metade, atenta a confissão dos factos, incluindo encargos legais, bem como a compensação devida à defesa oficiosa, que será fixado e processada em conformidade com o regime legal actual.
2. O Ministério Público, inconformado, interpôs recurso proferido da douta sentença, proferida nos presentes autos.
3.O arguido foi titular de carta de condução portuguesa, com o número …, emitida em 03.08.2010, a qual foi cancelada devido à perda de pontos decorrentes da condenação em crimes rodoviários, com penas acessórias de proibição de conduzir.
4. O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
5. A suspensão da execução da pena de prisão é, sem dúvida, um poder vinculado do julgador, que terá de a decretar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos formais e materiais.
6. Bem considerou o douto tribunal a quo que, quanto ao crime sejam aplicáveis, alternativamente, uma medida privativa e uma medida não privativa da liberdade, tal como sucede com a multa, o tribunal deverá dará preferência à segunda, sempre que com estas estejam adequadamente protegidos os bens jurídicos e se permita a reintegração do agente na sociedade, cumprindo o âmbito de aplicação do artigo 70º do Código Penal.
7. Pelo que, encontra-se exemplarmente justificado o facto de o douto Tribunal “a quo” ter optado pela aplicação de pena de prisão, com recurso à aplicação do instituto da suspensão, dando assim cumprimento às mais elementares regras de Justiça.
8. Atentos os factos e a produção de prova, justifica-se, no caso em concreto, a aplicação de pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução, sendo a mesma adequada e proporcional com a culpa e gravidade da conduta delituosa do arguido.
9. Não devendo ser igualmente desvalorizado, o facto de que o arguido já foi portador de título de condução, embora caducada, aquele tem conhecimento prático e teórico, para a prática da condução, o que o difere de um agente que nunca tenha tido título a habilitar à condução.
10. Relevando a favor do arguido, também, o facto de este não ter causado, com a sua conduta, consequências a terceiros e não interveio em acidente de viação.
11. E, para além disso, o arguido é primário neste tipo de ilícito.
12. A pena concreta a aplicar ao arguido será determinada, dentro da moldura penal fixada no tipo incriminador de 1 mês a 2 anos, considerando todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo, possam ser a favor ou contra o mesmo.
13. E ao abrigo do número 2 do artigo 72 do Código Penal, tendo em conta as circunstâncias dirimentes e a favor do arguido, que resultaram da produção de prova, decidiu o douto tribunal, pela prática do crime em causa nos autos, condenar na pena 6 meses de prisão.
14. E doutamente entendeu o tribunal, ora recorrido, suspender a execução da pena de prisão aplicada, pelo período que decidiu fixar em 1 ano e 6 meses, em conformidade com o artigo 50 do código penal.
15. Porquanto, a decisão ora recorrida não merece qualquer censura, mantendo-se e fixando-se a pena em 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e 6 meses, acompanhada de regime de prova e sujeito às seguintes regras de conduta, até ao termo do período da suspensão.”
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A Exmª. Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da sua procedência.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II – Fundamentação.
II.I Delimitação do objeto do recurso.
Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.
No presente recurso, e considerando as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, é apenas uma a questão a apreciar e a decidir:
A) Determinar se os critérios e os parâmetros utilizados pelo tribunal “a quo” para suspender a execução da pena de prisão se revelam adequados, ou se a aplicação correta dos critérios legais teria determinado o cumprimento efetivo da mesma em Regime de Permanência na Habitação com Vigilância Eletrónica.
* II.II - A decisão recorrida.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença que deu como provados os seguintes factos:
“Factos Provados:
1. No dia 11.10.2024, pelas 05h23m, o arguido conduziu o veículo automóvel de matrícula …, na Avenida …, em …, sem que estivesse devidamente habilitado para o efeito com a necessária carta de condução.
2. Com efeito, o arguido foi titular de carta de condução portuguesa, com o n.º …, emitida em 03.08.2010, a qual foi cancelada devido à perda de pontos decorrente da condenação em crimes rodoviários, com penas acessórias de proibição de conduzir.
3. O arguido sabia que para conduzir aquele veículo na via pública necessitava de ser titular de carta de condução válida, emitida por entidade competente, o que não o demoveu da sua conduta.
4. O arguido actuou de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.
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5. O arguido trabalha como pedreiro de 2.ª para uma empresa de construção civil, auferindo cerca de 1.000 euros mensais, sendo a entidade patronal que assume diariamente o transporte do arguido da sua residência para as obras em curso.
6. O arguido nasceu na …, onde viveu até aos seus 22 anos, e onde completou o ensino básico, migrando, depois, para Portugal.
7. Com experiência profissional na área da jardinagem, carpintaria e construção civil, o arguido fixou-se no ….
8. Durante 14 anos, manteve uma união de facto, até à separação do casal, em 2015, sobretudo devido aos problemas de alcoolismo do arguido.
9. Desde então, tem vivido sozinho, em diferentes locais, sempre de forma temporária, chegando a dormir no carro.
10. Actualmente, e desde há cerca de 1 ano, o arguido vive num quarto arrendado, pagando a renda mensal de 300 euros.
11. Tem dois filhos, com 21 e 17 anos de idade, que vivem com a sua ex-companheira, para cujo sustento contribui com quantias variáveis, entre os 150 e os 300 euros mensais, na medida da sua disponibilidade.
12. O arguido tem o 12.º ano de escolaridade, com um curso profissional.
13. O arguido está a ser seguido no ETET, para tratamento ao alcoolismo.
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14. O arguido já foi condenado:
a) Por sentença proferida em 07.09.2011, pela prática de um crime de desobediência, na pena principal de 50 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 meses (por factos praticados em 27.08.2011) – já extintas, pelo cumprimento;
b) Por sentença proferida em 01.07.2016, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena principal de 110 dias de multa, à taxa diária de 5,50 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 6 meses (por factos praticados em 19.06.2016) – já extintas, pelo cumprimento;
c) Por sentença proferida em 27.07.2017, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena principal de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e acompanhada de regime de prova, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 8 meses (por factos praticados em 17.07.2017) – já extintas, pelo cumprimento;
d) Por sentença proferida em 09.10.2019, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena principal de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, acompanhada de regime de prova, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 9 meses (por factos praticados em 10.12.2018) – já extintas, pelo cumprimento;
e) Por sentença proferida em 10.10.2022, e transitada em julgado em 09.11.2022, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena principal de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, acompanhada de regime de prova, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 1 ano (por factos praticados em 10.09.2022).
Factos Não Provados:
Não existem. (…)”
* Quanto à escolha e determinação da medida da pena, consignou-se na sentença recorrida: (…) Da Pena:
Subsumidos os factos ao direito importa seguidamente determinar a espécie e a medida da pena aplicável ao caso concreto. Os parâmetros fixados pelo legislador no que refere à operação de determinação da pena encontram-se consignados nos art.sº 71.º e 40.º do CPenal: por um lado, as exigências de prevenção geral e especial (atendíveis como limiar a partir do qual já se justifica e impõe uma punição) e por outro, a culpa do agente (atendível como limite máximo da pena aplicar). Quando ao crime sejam aplicáveis, alternativamente, uma medida privativa e uma medida não privativa da liberdade (tal como sucede com a multa), o Tribunal dará preferência à segunda sempre que esta proteja adequadamente os bens jurídicos e permita a reintegração do agente na sociedade (cfr. art.º 70.º do Código Penal). Ora, sendo elevadas as exigências de prevenção geral, atento o elevado número de crimes desta natureza praticados, quer a nível nacional, quer a nível desta comarca, são também significativas as exigências de prevenção especial. Com efeito, o arguido regista já um total de 5 (cinco) condenações anteriores, todas relacionadas, directa ou indirectamente (como é o caso do crime de desobediência), com a condução sob o efeito do álcool. E pelas mesmas foi sofrendo penas sucessivamente mais severas, ainda que sempre não privativas da liberdade, tendo praticado os presentes factos no decurso da suspensão de uma pena de prisão. Como assim, pese embora se encontre socialmente inserido, é de afastar a aplicação de uma pena de multa, já que a mesma não realiza, de modo adequado ou suficiente, as finalidades punitivas que no caso se fazem sentir. Em consequência, decide-se aplicar uma pena de prisão. A pena concreta a aplicar ao arguido será determinada, dentro da moldura penal fixada no tipo incriminador (de 1 mês a 2 anos), considerando todas as circunstâncias que, não fazendo parte daquele tipo, deponham a favor ou contra o mesmo. Assim, e ao abrigo do n.º 2 do art.º 72.º do CP cumpre atender: - Contra o arguido - a) o grau de ilicitude: é mediano; b) o carácter doloso da conduta: de intensidade mediana; c) o arguido tem antecedentes criminais, pela prática de crimes rodoviários, sofrendo condenação em penas de multa seguidas de penas de prisão, suspensa na sua execução e acompanhadas de regime de prova, tendo praticado os presentes factos na fase final do período de suspensão da última pena aplicada; - A favor do arguido - a) o arguido confessou os factos, assumindo responsabilidade pelos seus actos; b) o arguido é primário quanto a este crime; c) o arguido praticou os factos quando lhe faltava menos de 1 mês para terminar o período da suspensão;
d) o arguido está a tratar da renovação do seu título de residência, para se inscrever em escola de condução; e) o arguido não causou, com a sua conduta, consequências a terceiros (não interveio em acidente de viação); Em face de tudo quanto fica exposto e devidamente ponderado afigura-se adequado punir a prática deste crime na pena de 6 (seis) meses de prisão.
* DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Considerando que a pena fixada é inferior a 1 ano de prisão; que que o arguido nunca sofreu pena privativa da liberdade, estando socialmente inserido; que o arguido confessou os factos, assumindo os motivos pelos quais assim agiu e pelos quais se mostrou arrependido; cumpriu as penas anteriormente aplicadas (ressalvada a pena suspensa ainda em curso); e que não regista condenações anteriores pela prática deste tipo de crime; afigura-se não ser necessário executar a prisão para prevenir o cometimento de futuros crimes. Impõe-se, assim, substituir a pena de prisão por multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, nos termos do disposto no art.º 45.º do CPenal.
Ora, considerando o tipo de crime cometido pelo arguido, as circunstâncias da sua execução, e o seu passado criminal, é de afastar a substituição por pena de cariz pecuniário, já que a mesma não corresponderia, adequadamente, às finalidades punitivas que no caso se sentir. Com efeito, apesar do sacrifício económico que tal pena representa, a mesma não traduz, na sua plenitude, as exigências de prevenção geral e especial em causa, transmitindo, à comunidade e ao próprio, uma desvalorização da gravidade da conduta praticada, que não se satisfaz com uma simples prestação financeira, tanto mais, desadequada à interiorização do desvalor da conduta. Pelas mesmas razões, se afigura ser de afastar a substituição da prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade. Ante o exposto, e por se entender que a censura que vai contida nesta condenação e a ameaça de cumprimento efectivo da pena ainda realizam, de forma adequada e suficiente, as finalidades punitivas que o caso reclama, sendo de prever que, em face desta condenação e do solene aviso contido na mesma, o arguido passará a respeitar, com a sua conduta, as regras jurídicas referentes à mais básica coesão social, decido suspender a execução da pena de prisão aplicada, pelo período que se decide fixar em 1 (um) ano e 6 (seis) meses, cfr. art.º 50.º do CPenal, afastando-se a aplicação de qualquer outra pena não privativa da liberdade, por se afigurar que só aquela se mostra adequada a motivar continuamente o arguido a conformar o seu comportamento de modo normativo, permitindo um acompanhamento permanente do mesmo e potenciando de modo positivo o seu processo de reinserção social.
Decido, ainda, fazer acompanhar a presente suspensão de regime de prova, que assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio da Direcção Geral de Reinserção Social, durante o tempo de duração da suspensão, por se afigurar conveniente e adequado a promover a reintegração do mesmo na sociedade, cfr. art.º 53.º, n.º 1 do CPenal. Mais se decide, por forma a promover a reintegração do arguido na comunidade, ao abrigo do disposto no art.º 52.º do CPenal, impor, ao arguido, as seguintes regras de conduta, pelo tempo de duração da suspensão: - o arguido deverá diligenciar pela renovação do título de residência; - uma vez que o arguido manifestou intenção de obter nova carta de condução, deverá, quando reunir todos os requisitos legais, inscrever-se em escola de condução, frequentar as aulas e submeter-se aos exames necessários, com vista à obtenção de nova carta de condução; - atendendo, ainda, àquela intenção, aos antecedentes criminais do arguido e ao problema de alcoolismo de que sofre, deverá, também, manter o tratamento ao alcoolismo junto da ETET, seguindo as orientações que ali lhe forem dadas, durante o período tido por necessário, até ao limite do termo da suspensão. . (…)”
*** II.III - Apreciação do mérito do recurso.
O recorrente não impugna a prática dos factos que determinaram a condenação, nem questiona a qualificação jurídica dos mesmos, nem mesmo a medida concreta da pena de prisão que foi aplicada ao arguido. O que põem em causa é unicamente a decisão do tribunal recorrido de aplicar a pena substitutiva de suspensão da execução da referida pena, preconizando que se revogue a sentença nessa parte e se condene o arguido em prisão efetiva, cumprida na habitação com fiscalização de meios de controlo à distância.
Analisemos então se lhes assiste razão.
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Da não suspensão da pena de prisão
Atentemos na factualidade provada relativa à situação pessoal do arguido que extraímos dos factos provados:
- O arguido nasceu na …, onde viveu até aos seus 22 anos, e onde completou o ensino básico, migrando, depois, para Portugal.
- Trabalha como pedreiro de 2.ª para uma empresa de construção civil, auferindo cerca de 1.000 euros mensais, sendo a entidade patronal que assume diariamente o transporte do arguido da sua residência para as obras em curso.
- Durante 14 anos, manteve uma união de facto, que terminou em 2015, sobretudo devido aos problemas de alcoolismo do arguido, vivendo, desde então, sozinho, em diferentes locais, sempre de forma temporária, chegando a dormir no carro.
- Atualmente, e desde há cerca de um ano, vive num quarto arrendado, pagando a renda mensal de 300 euros.
- Tem dois filhos, com 21 e 17 anos de idade, que vivem com a sua ex-companheira, para cujo sustento contribui com quantias variáveis, entre os 150 e os 300 euros mensais, na medida da sua disponibilidade.
- Tem o 12.º ano de escolaridade, com um curso profissional e está a ser seguido no ETET, para tratamento ao alcoolismo.
- Tem os seguintes antecedentes criminais: a) Por sentença proferida em 07.09.2011, foi condenado pela prática de um crime de desobediência, na pena principal de 50 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 meses (por factos praticados em 27.08.2011) – já extintas, pelo cumprimento;
b) Por sentença proferida em 01.07.2016, foi condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena principal de 110 dias de multa, à taxa diária de 5,50 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 6 meses (por factos praticados em 19.06.2016) – já extintas, pelo cumprimento;
c) Por sentença proferida em 27.07.2017, foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena principal de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e acompanhada de regime de prova, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 8 meses (por factos praticados em 17.07.2017) – já extintas, pelo cumprimento;
d) Por sentença proferida em 09.10.2019, foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena principal de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, acompanhada de regime de prova, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 9 meses (por factos praticados em 10.12.2018) – já extintas, pelo cumprimento;
e) Por sentença proferida em 10.10.2022, e transitada em julgado em 09.11.2022, foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena principal de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, acompanhada de regime de prova, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 1 ano (por factos praticados em 10.09.2022).
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É o artigo 50.º, nº 1 do CP que estabelece os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão, dispondo da seguinte forma:
“O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior aos factos e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Dogmaticamente, a suspensão da execução da pena de prisão, prevista no preceito transcrito, assume a natureza de uma verdadeira pena – uma pena de substituição, aplicada em vez da execução de uma pena principal concretamente determinada – necessariamente valorada à luz dos critérios gerais de determinação da pena concreta estabelecidos pelo artigo 71.º do CP.1
A suspensão da execução da pena de prisão assentará sempre na existência de uma prognose favorável ao arguido e só deverá ser decretada quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e das demais circunstâncias elencadas no preceito transcrito, ser essa pena adequada e suficiente para afastar o delinquente da criminalidade. Constitui uma advertência solene ao condenado, visando produzir um efeito positivo sobre o seu comportamento futuro, em benefício da sua reintegração social. Verificados os dois pressupostos básicos da sua aplicação – o de natureza formal, que se traduz na aplicação de uma pena de prisão não superior a cinco anos e o de natureza material, consubstanciado na formulação de um juízo de prognose favorável acerca da ressocialização do arguido em liberdade – a opção pela suspensão da execução da pena de prisão pressuporá sempre a verificação de um risco prudencial sobre a personalidade do arguido, sobre as condições da sua vida, sobre a sua conduta anterior e posterior à prática do crime e sobre as circunstâncias deste, revelando-se imperioso concluir que a simples censura do facto e a ameaça da execução da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Para além das exigências de prevenção especial, deverá ainda o julgador ter presentes as de prevenção geral. Enquadrado pelo princípio consagrado no artigo 40.º, nº1do CP, o juízo final a realizar exige que se conclua que a suspensão da pena não comprometerá a manutenção da confiança da comunidade na ordem jurídica e, em particular, na norma penal que foi violada. A este propósito, nos seus “Estudos em Homenagem ao Professor Eduardo Correia”, refere Anabela Rodrigues “(…) quanto à prevenção geral, resulta do facto de nenhum ordenamento jurídico suportar pôr-se a si próprio em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal. A sociedade tolera uma certa perda do efeito preventivo geral - isto é, conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição, mas, quando a sua aplicação possa ser entendida pela sociedade, no caso concreto, como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a substituição cedem, devendo aplicar-se a prisão”2.
Tendo presentes as considerações de natureza jurídica que antecedem, importa ponderar se a factualidade provada na decisão recorrida, em especial no que diz respeito aos antecedentes criminais do arguido, não suporta a aplicação da pena de substituição aplicada na sentença, nos termos propugnados no recurso. Desde já adiantamos que, em nosso entender, assiste razão ao recorrente.
Da análise objetiva dos antecedentes criminais do arguido acima enumerados resulta claramente que o mesmo tem uma forte inclinação para a prática de crimes, com especial destaque para os crimes rodoviários. O arguido conta já no seu registo criminal com cinco condenações pela prática dos crimes de condução de veículo em estado de embriaguez e desobediência, a que acresce a condenação dos presentes autos pelo crime de condução sem habilitação legal, praticado, ademais, no final do período da suspensão da execução de outra pena de prisão.
Tal percurso criminal, para além de ser revelador de que o arguido não assimilou ainda a ilicitude e o desvalor das suas condutas, demonstra igualmente que a ameaça da prisão contida nas três suspensões de execução de penas de prisão que lhe foram aplicadas não se revelou bastante para o afastar da criminalidade, tendo voltado a delinquir, praticando crimes de natureza semelhante. Dito de outro modo, o arguido revela não ter aprendido com os seus erros anteriores, deixando evidente a ineficácia das condenações anteriores aos factos sub judice e das solenes censuras nelas contidas para o reencaminhar para um comportamento conforme aos bens jurídicos tutelados pelas normas em causa.
Nas palavras de Jescheck, “(…) a prognose favorável do réu, que deve verificar-se em todos os casos, consiste na esperança de que o condenado sentirá a condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum delito. Com razão não se exige já a perspetiva de uma "vida futura ordenada e conforme à lei", já que para o fim preventivo da suspensão é suficiente que não volte a delinquir no futuro. Esperança não significa certeza. O Tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudencial; mas se existem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que se lhe oferece, a prognose deve ser negativa, o que de facto supõe um "in dubio contra reo" (…)”3.
Estas as razões pelas quais, não obstante a sua integração social e o facto de ter mostrado arrependimento pela prática dos factos, entendemos, não se revelar possível realizar o juízo de prognose favorável que sustentou a suspensão da execução da pena de prisão decidida pelo tribunal recorrido.
Não podemos, pois, concordar com a fundamentação da sentença no sentido de que “(…)Considerando que a pena fixada é inferior a 1 ano de prisão; que que o arguido nunca sofreu pena privativa da liberdade, estando socialmente inserido; que o arguido confessou os factos, assumindo os motivos pelos quais assim agiu e pelos quais se mostrou arrependido; cumpriu as penas anteriormente aplicadas (ressalvada a pena suspensa ainda em curso); e que não regista condenações anteriores pela prática deste tipo de crime; afigura-se não ser necessário executar a prisão para prevenir o cometimento de futuros crimes.(…)
(…) por se entender que a censura que vai contida nesta condenação e a ameaça de cumprimento efectivo da pena ainda realizam, de forma adequada e suficiente, as finalidades punitivas que o caso reclama, sendo de prever que, em face desta condenação e do solene aviso contido na mesma, o arguido passará a respeitar, com a sua conduta, as regras jurídicas referentes à mais básica coesão social(…)”
Com efeito, atendendo às razões acima expostas, não vemos como poderemos concluir que uma nova ameaça da prisão se revelaria suficiente para afastar o arguido da criminalidade, pois que nada nos autos aponta para que o arguido propenda para alterar os seus comportamentos.
Concluindo, diremos que, perante o passado criminal do arguido e levando em conta a sua personalidade, que se tem revelado reiteradamente avessa ao respeito pelas normas jurídicas e propensa à prática de crimes – quer por imperativos de prevenção geral4, quer por exigências inultrapassáveis de prevenção especial – é nossa convicção não ser possível fazer um juízo de prognose positivo no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, que tal censura, concretizada na determinação da suspensão da execução da pena se revele suficiente para afastar o arguido da criminalidade. Procede, pois, a argumentação apresentada pelo recorrente para justificar o cumprimento efetivo da pena de prisão aplicada nos presentes autos.
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Concluindo-se pela não aplicação da pena substitutiva de suspensão da execução da pena de prisão, impõe-se ponderar a adequação da determinação do cumprimento daquela em em Regime de Permanência na Habitação, nos termos também propugnados no recurso. O Regime de Permanência na Habitação encontra a sua previsão legal no artigo 43º do CP, sendo que com a atual redação de tal norma penal, conferida pela Lei nº 94/2017 de 23.08, o referido regime veio a consagrar-se também como forma de execução da pena, e não apenas como pena de substituição, sendo esta última a única natureza que resultava da anterior redação do mencionado preceito. Com efeito, dogmaticamente, o Regime de Permanência na Habitação assume atualmente uma natureza mista: de pena de substituição em sentido amplo ou impróprio – na medida em que, tendo natureza privativa da liberdade, pode ser decidida na sentença condenatória em alternativa ao cumprimento da pena de prisão em meio prisional – e de mera modalidade ou forma de execução da pena de prisão – uma vez que pode ser aplicada na fase de cumprimento de pena em consequência da revogação de pena não privativa da liberdade aplicada em substituição da pena de prisão, nos termos do artigo 43º, nº 1, al. c), do Código Penal. Na situação vertente, encontramo-nos perante a apreciação deste regime na sua vertente de pena de substituição em sentido amplo ou impróprio, uma vez que avaliamos a possibilidade de substituir o cumprimento efetivo da pena de prisão pelo mencionado Regime de Permanência na Habitação.
Ora, dispõe, então, o artigo 43º do Código Penal, que: “Artigo 43.º Regime de permanência na habitação 1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos; b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º; c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º 2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas. 3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado. 4 - O tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir, nomeadamente: a) Frequentar certos programas ou atividades; b) Cumprir determinadas obrigações; c) Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado; d) Não exercer determinadas profissões; e) Não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas; f) Não ter em seu poder objetos especialmente aptos à prática de crimes.”
A norma transcrita – à qual subjaz o entendimento de que o cumprimento em meio prisional das penas curtas de prisão deve ser evitado por não contribuir necessariamente para a ressocialização efetiva do condenado – admite expressamente que o condenado em pena de prisão efetiva não superior a dois anos possa cumprir a pena em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, regime que se situa a meio caminho entre a suspensão da execução da pena de prisão e a reclusão efetiva do condenado.
Como pressupostos formais deste regime, exige-se que a condenação em pena de prisão efetiva não seja superior a dois anos (artigo 43.º, n.º 1, al. a) do CP) e, bem assim, o consentimento do condenado e das pessoas maiores de 16 anos que com ele coabitem (artigo 43.º, n.º 1, do CP e artigo 4.º, n.ºs 1, 2 e 7, da Lei n.º 33/2010, de 02.09).
Como pressuposto material, o artigo 43.º, n.º 1 do CP exige que o tribunal conclua que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão, ou seja, as finalidades preventivo-especiais, no sentido da reintegração social do recluso, “preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”, sem prejuízo de satisfazer também exigências de prevenção geral positiva, “servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes” (artigo 42.º, n.º 1, do CP).
É no âmbito deste enquadramento jurídico que importa ponderar se a factualidade provada na decisão recorrida suporta a aplicação do regime de permanência na habitação. Pensamos que sim.
Com efeito, está em causa pena de prisão efetiva não superior a dois anos (seis meses), sendo que, não se encontrando prestados os devidos consentimentos, a averiguação de tal requisito formal, bem como da verificação das demais condições materiais para instalação da vigilância eletrónica caberá ao tribunal recorrido.
Quanto ao requisito material, levando em consideração a integração social e profissional do arguido e, bem assim, a circunstância de ao mesmo nunca ter sido aplicada uma pena privativa da liberdade, não se vislumbra que apenas o cumprimento efetivo da pena em estabelecimento prisional satisfaça de forma adequada as necessidades preventivas que o caso reclama. Pelo contrário, o contacto do condenado com o nocivo ambiente do meio prisional sempre será de evitar caso aquele reúna as condições necessárias ao cumprimento da pena de prisão em regime domiciliário devidamente controlado por meios de controlo à distância. Nestes termos, afigura-se-nos que a ressocialização do arguido será ainda possível se o mesmo se mantiver recluído, junto da sua família, evitando-se o carácter estigmatizante do cumprimento da pena em meio prisional, mas restringindo-o, ainda assim, na sua liberdade e fazendo-o sentir a reprovação dos crimes praticados em razão do seu confinamento à habitação.
Conclui-se, assim, que se encontra verificado o requisito material do qual a lei faz depender a aplicação do cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com meios de fiscalização de controlo à distância, o que se determinará, na condição de vir a atestar-se a verificação dos requisitos formais acima enunciados, verificação que deverá ser feita pelo tribunal recorrido.
Por outro lado, nos termos do artigo 43.º, n.º 3 do CP “O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado”, no mesmo sentido dispondo o artigo 11.º, n.º 1, da Lei n.º 33/2010, de 02 de setembro.
O arguido encontra-se atualmente a trabalhar. A continuidade da sua atividade profissional, para além de lhe permitir a angariação de meios de subsistência para si e para a sua família, contribuirá para a sua ressocialização, evitando a ociosidade, pelo que, caso venha a concretizar-se o cumprimento da pena em Regime de Permanência na Habitação, autorizam-se as ausências necessárias para o efeito, dentro do horário respetivo (se este existir). Mais se autorizam as ausências para a frequência das aulas teóricas e práticas em escola de condução e para a submissão aos respetivos exames habilitantes à condução de veículos com motor, caso o arguido comprove a sua inscrição durante o período de cumprimento da reclusão na habitação, devendo a competente equipa da DGRSP fiscalizar e monitorizar todas as ausências autorizadas.
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Atendendo às razões enunciadas, o recurso merece provimento, pelo que se decidirá alterar a decisão recorrida em conformidade.
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III - Dispositivo.
Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso, decidindo, consequentemente, revogar a decisão recorrida no que tange à pena de substituição concretamente aplicada, fixando-se a pena da seguinte forma:
- Pena de 6 (seis) meses de prisão, que o arguido cumprirá em regime de permanência na habitação, desde que seja prestado o seu consentimento, bem como das restantes pessoas que o devam prestar, e desde que se verifiquem as condições materiais e técnicas necessárias à instalação dos meios de vigilância e controlo eletrónico, autorizando-se as seguintes ausências, que deverão ser fiscalizadas e monitorizadas pela competente equipa da DGRSP:
a) As necessárias para trabalhar, dentro do horário respetivo (se este existir), incluindo o tempo adequado para as respetivas deslocações;
b) As necessárias para a frequência das aulas teóricas e práticas em escola de condução e para a submissão aos respetivos exames habilitantes à condução de veículos com motor, incluindo o tempo adequado para as respetivas deslocações, caso o arguido comprove a sua inscrição durante o período de cumprimento da reclusão na habitação.
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Em conformidade com o decidido, deverá o tribunal de primeira instância dar cumprimento ao disposto nos artigos 4º nºs 1 a 5 e 7º n.º 2 todos da Lei nº 33/2010 de 2 de setembro, consignando-se que a falta de algum dos consentimentos legalmente exigidos ou das condições materiais e técnicas necessárias à instalação dos meios de vigilância e controlo eletrónico determinará o cumprimento da pena em meio prisional.
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Sem custas (artigo 522º, nº 1 do CPP).
(Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelos signatários)
Évora, 14 de outubro de 2025
Maria Clara Figueiredo
Carla Oliveira
Manuel Soares
Sumário
I – O percurso criminal do arguido – que conta já com cinco condenações pela prática dos crimes de condução de veículo em estado de embriaguez e desobediência, a que acresce a condenação dos presentes autos pelo crime de condução sem habilitação legal, praticado, ademais, no final do período da suspensão da execução de outra pena de prisão – para além de ser revelador de que o mesmo não assimilou ainda a ilicitude e o desvalor das suas condutas, demonstra igualmente que a ameaça da prisão contida nas três suspensões de execução de penas de prisão que lhe foram aplicadas não se revelou bastante para o afastar da criminalidade, deixando evidente a ineficácia das solenes censuras contidas nas condenações anteriores, razão pela qual não se revela possível realizar o juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena de prisão.
II - Levando em consideração a integração social e profissional do arguido e, bem assim, a circunstância de ao mesmo nunca ter sido aplicada uma pena privativa da liberdade, não se vislumbra que apenas o cumprimento efetivo da pena em estabelecimento prisional satisfaça de forma adequada as necessidades preventivas que o caso reclama, afigurando-se-nos que a ressocialização do arguido será ainda possível se o mesmo se mantiver recluído, junto da sua família, evitando-se o carácter estigmatizante do cumprimento da pena em meio prisional, mas restringindo-o, ainda assim, na sua liberdade e fazendo-o sentir a reprovação dos crimes praticados em razão do seu confinamento, cumprindo a pena em Regime de Permanência na Habitação, fiscalizado através de meios de controlo à distância, nos termos do artigo 43º do CP.
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1 A este propósito, encontramos referências várias na doutrina, tais como, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 90-91; Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2020, pp. 30 e Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. III, Universidade Católica Editora, 2014, pp. 295 e na jurisprudência – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 16 de junho de 2015, relatado pelo Desembargador Clemente Lima; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 5 de abril de 2017, relatado pela Desembargadora Olga Maurício; Decisão Sumária do Tribunal da Relação de Évora, de 20 de Fevereiro de 2019, relatado pela Desembargadora Ana Brito; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de Janeiro de 2021, relatado pelo Desembargador Paulo Barreto, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
2 Critério de escolha das penas de substituição no código penal português, Anabela Miranda Rodrigues, in: Estudos em homenagem ao professor Doutor Eduardo Correia: número especial 1 (1984); pp. 21-53.
3 Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, II Volume, pág. 1154.
4 Pois seria comunitariamente insuportável a insistência numa eventual suspensão da execução da pena de prisão, que seria interpretada como uma verdadeira absolvição, perceção negativa e desqualificadora das sanções penais a que o Tribunal necessariamente terá que obstar.