Não é de crer que a prisão domiciliária (com a consequente ameaça do seu cumprimento em estabelecimento prisional) realize de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão quando desde 2003 e até 2024, o arguido sofreu condenações sucessivas pela prática de vários crimes, mas com especial incidência nos relacionados com a condução sob o efeito do álcool (sendo 9, em 13, as condenações pela prática dos crimes de condução em estado de embriaguez, violação de proibições ou interdições e desobediência). Pela prática desses crimes foi condenado, por 3 vezes, em pena de multa e, nas demais, em pena de prisão. Destas, todas elas foram suspensas na sua execução, exceto uma, em que que cumpriu a pena de 1 ano de prisão em regime de permanência na habitação. Após o cumprimento de tal pena o arguido praticou e foi condenado pela prática de mais 3 crimes (desobediência, abuso de confiança fiscal e violação de imposições).
1.1 Decisão recorrida
Por sentença de 21 de fevereiro de 2025, o arguido AA foi condenado, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sendo autorizado ao exercício da sua atividade laboral em horário não superior a dez horas diárias, a que acresce o período máximo necessário à sua deslocação entre o local de trabalho ate à residência e vice-versa, que a DGRSP vier a apurar.
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1.2 Recurso
Inconformado com a decisão, o Ministério Público interpôs recurso de cujas motivações extraiu as seguintes conclusões (transcrição):
«1.ª AA foi condenado pela prática em 10 de março de 2019, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, substituída por prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância e autorização para trabalhar pelo período máximo de 10 horas.
2.ª A pena de 8 meses de prisão aplicada é excessivamente benevolente e deve ser elevada.
3.ª Na operação de doseamento da pena de prisão feita na sentença consideraram-se erradamente em benefício do condenado, para o efeito do previsto no artigo 71.º n.º 2 do Código Penal, dois fatores (o hiato temporal decorrido entre estes factos e a anterior condenação por crime de desobediência, e a admissão parcial de factos) que são a ponderar contra ele em termos de intensificarem a culpa e as exigências de prevenção especial.
4.ª A pena de 8 meses de prisão não permite alcançar as finalidades das penas como se enunciam no artigo 40.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal.
5.ª O limite superior da pena é dado pela culpa do agente (a pena não pode ultrapassar a medida da sua culpa).
6.ª O limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva.
7.ª Satisfeitas as expetativas da comunidade, a medida exata da pena deve ser a que resulta das necessidades de prevenção individual ou especial de socialização (é necessário que a pena leve o condenado a não cometer outros crimes e que passe a respeitar os princípios dominantes na comunidade).
8.ª Portanto, a pena não pode ser tão baixa que não corresponda às expectativas da comunidade nem tão alta que exceda a medida da culpa e tem de conduzir o condenado a não voltar a delinquir.
9.ª A pena de 8 meses de prisão fica aquém da medida certa à satisfação da finalidade de prevenção geral porque não assegura à comunidade o respeito pela autoridade do Estado, tendo em conta o que se conhece do condenado, a sua persistência em praticar crimes, ora repetindo os mesmos, ora praticando diversos, antes e depois de 10 de março de 2019.
10.ª A culpa revelada nos factos é elevada e consente uma pena coincidente com o máximo da moldura aplicável, de um ano de prisão.
11.ª A necessidade de prevenção especial é premente atento o percurso longo e variado pela prática de crimes, a sua atitude de desresponsabilização,
12.ª Ao que acresce que revela ligeireza na sua atuação e falta de consciencialização perante o desvalor da sua conduta.
13.ª Fazendo um juízo de ponderação sobre a culpa como medida superior da pena, considerando as exigências de prevenção e as demais circunstâncias previstas no artigo 71.º do Código Penal a pena a aplicar ao arguido deverá ser superior a 8 meses de prisão.
14.ª na sentença fez-se uma errada concretização do pressuposto material previsto no artigo 43.º, n.º 1 do Código Penal para substituição da pena de prisão pelo cumprimento em regime de permanência na habitação.
15.ª Nos termos do previsto no artigo 43.º, n.º 1 do Código Penal, quando o tribunal concluir que as finalidades da execução da pena de prisão ficam asseguradas com o cumprimento em regime de permanência na habitação, pode a pena de prisão em meio prisional ser substituída.
16.ª No entanto, embora o regime de cumprimento da pena de prisão na habitação vise evitar o cumprimento de penas curtas de prisão em meio prisional, exige-se a formulação de um juízo de prognose favorável visando a reinserção do agente na sociedade, no sentido de que seja expectável que, por causa da sua aplicação, o condenado não volte a cometer novos crimes.
17.ª Ora, este juízo não pode ser formulado relativamente ao condenado neste processo.
18.ª Ademais, a pena cumprida mediante permanência na habitação deve ser adequada e suficiente a prosseguir as finalidades da execução da pena de prisão.
19.ª Na sentença elegeu-se a integração sociofamiliar e profissional como o principal “ponto de apoio” da formulação de um juízo de prognose favorável. Contudo, tal fundamento é insuficiente e outros se sobrepõem em sentido oposto.
20.ª Efetivamente, o condenado apesar da sua integração sociofamiliar e profissional ser de longa data, tal não o impediu de praticar o crime de desobediência deste processo, tal como já o havia praticado (outro crime de desobediência) em 28 de abril de 2018 (processo 620/18.7GBABF).
21.ª Por outro lado, no seu passado criminal registam-se treze condenações transitadas em julgado, desde o ano de 1997 (processo 1408/97.2TAFAR) até ao dia 4-7-2023 (processo 1655/23.3…).
22.ª Acresce que, no processo 718/15.3… foi condenado em 72 dias de prisão por dias livres, substituída por 12 meses de prisão cumprida mediante permanência na habitação.
23.ª Portanto, já cumpriu pena de permanência na habitação, a qual foi declarada extinta com efeitos desde o dia 24 de outubro de 2019.
24.ª Apesar da pena cumprida em permanência na habitação, quando foi libertado ainda praticou: um crime de abuso de confiança, processo 187/20.6…, praticado em 20-11-2019, menos de um mês depois de readquirir liberdade, e um crime de violação de interdições, proibições e interdições (processo 1655/23.3…, praticado no dia 4-7-2023).
25.ª Não há circunstâncias que sustentem a afirmação de ser expectável que a pena de prisão aplicada nos autos, uma vez cumprida em regime de permanência na habitação, realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão.
26.ª O cumprimento, outra vez, de nova pena de prisão mediante permanência na habitação não é adequada nem suficiente para realizar as finalidades esperadas com a pena de prisão aplicada devendo ser revogada a sentença também na parte em procede à substituição da pena de prisão aplicada a título principal.
27.ª O cumprimento em meio prisional é necessário à satisfação da necessidade de prevenção, geral e especial.».
1.3 – Reposta / Parecer
O arguido apresentou resposta, da qual constam as seguintes conclusões:
1. O arguido foi efectivamente condenado numa pena de prisão
2. A medida da pena foi devidamente ponderada pelo tribunal.
3. As circunstâncias atenuantes e agravantes foram consideradas pela douta sentença.
4. O Ordenamento Jurídico Português determina que, quando ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência a esta última sempre que, verificados os respetivos pressupostos, ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
5. In Casu não restam duvidas que a pena não privativa da liberdade deveria ser aplicada, sendo que, o arguido irá ainda assim cumprir pena de prisão porquanto assim deve ser considerado o regime de permanência na habitação.
6. Também ficou claro que, no que respeita ao arguido, não obstante o elevado numero de condenações sofridas, ainda permite realizar um juízo prognose favorável quanto ao efeito dissuasor da eventual substituição da pena de prisão efetiva.
7. Assim como é cristalino resultar da douta sentença, ser possível efetuar um juízo de prognose favorável, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, no sentido de concluir a execução da pena de 8 meses de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»
Neste Tribunal da Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer de concordância com o recurso apresentado pelo Ministério Público, pronunciando-se pela sua procedência.
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2. Questões a decidir no recurso
As questões a apreciar resumem-se à medida concreta da pena de prisão e à forma da sua execução.
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3. Fundamentação
3.1. Factualidade provada/não provada na sentença
Factos provados
a) Por sentença proferida em 01/06/20218, no âmbito do processo sumário n.º 620/18.7…, que correu termos no Juízo Local Criminal de …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, foi o arguido condenado, além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, de qualquer categoria, pelo período de 8 meses, tendo sido notificado que, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado dessa sentença, teria de entregar o seu título de condução junto da secretaria desse Tribunal ou no posto policial da sua área de residência, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência.
b) O arguido compareceu na referida data à leitura da aludida sentença, foi regularmente notificado dessa sentença e tomou conhecimento do conteúdo dessa decisão, ficando ciente da pena que lhe foi aplicada, bem como dos deveres que sobre si recaiam no respeitante à necessidade de entregar o seu título de condução junto do Tribunal ou de um posto policial no prazo indicado para o efeito.
c) O arguido recorreu dessa sentença, tendo o Tribunal da Relação de Évora proferido o seu acórdão a 22/01/2019, negando provimento ao recurso.
d) O arguido foi notificado desse acórdão, tendo essa decisão transitado em julgado a 27/02/2019.
e) Contudo, pese embora o arguido tenha ficado bem ciente de tal decisão e da legitimidade de quem a emitia, bem como que a deveria acatar e apesar de ter na sua posse a sua carta de condução, o arguido optou por não o fazer, não entregando a sua carta de condução no prazo estabelecido para tal, nem após o decurso desse prazo.
f) Ao agir da forma descrita, o arguido quis, como conseguiu não entregar o seu título de condução junto do Tribunal ou junto de um posto policial no prazo de 10 dias a contar a partir do trânsito em julgado da referida decisão condenatória, ocorrido a 27/02/2019, bem sabendo que a ordem de entrega do seu título de condução era legítima, proveniente de autoridade competente, que lhe tinha sido regularmente comunicada e que por esse motivo lhe devia obediência, o que não o coibiu de agir do modo descrito.
g) O arguido agiu, assim, deliberada, voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se apurou que:
h) O arguido exerce a atividade empresarial de restauração, auferindo a renumeração mensal de €1.100,00.
i) Reside com a companheira, a qual labora, numa habitação arrendada pelo montante mensal de €600, no período de Inverno, e €700,00 no período de veraneio.
j) Concluiu o 2.º ciclo de escolaridade.
k) O arguido foi condenado:
- Por sentença proferida no Proc. n.º 367/01.3… do …º Juízo do Tribunal de …, transitada em julgado a 26/03/2003, pela prática de um crime de descaminho, na pena de oito meses de prisão, suspensa condicionada pelo período de dois anos; pena extinta por cumprimento.
- Por sentença proferida no Proc. n.º 911/03.1… do ….º Juízo Comp. Criminal do Tribunal de …, transitada em julgado a 19/01/2005, pela prática de um crime de condução de veiculo em estado de embriaguez, na pena de 65 dias de multa, à taxa diária de €3,00 e na pena acessória de inibição de condução pelo período de 3 meses e 15 dias; pena extinta por cumprimento.
- Por sentença proferida no Proc. n.º 58/05.6… do ….º Juízo do Tribunal de …, transitada em julgado a 06/07/2005, pela prática de um crime de condução de veiculo em estado de embriaguez e de um crime de violação de proibições ou interdições, na pena única de 7 meses de prisão, suspensa pelo período de 2 anos e na pena acessória de inibição de condução pelo período de 6 meses; pena extinta por cumprimento.
- Por sentença proferida no Proc. n.º 3/04.6… do ….º Juízo do Tribunal de …, transitada em julgado a 26/10/2006, pela prática de um crime de condução de veiculo em estado de embriaguez na pena de 8 meses de prisão, suspensa pelo período de 3 anos e na pena acessória de inibição de condução pelo período de 12 meses; pena extinta por cumprimento.
- Por sentença proferida no Proc. n.º 447/06.9… do ….º Juízo do Tribunal de …, transitada em julgado a 04/05/2007, pela prática de um crime de violação de proibições ou interdições, na pena de 7 meses de prisão, suspensa pelo período de 3 anos e 6 meses; pena extinta por cumprimento.
- Por sentença proferida no Proc. n.º 218/08.8… do ….º Juízo Criminal do Tribuna Família e Menores e Comarca de …, transitada em julgado a 17/02/2010, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 8 meses de prisão, suspensa pelo período de 12 meses; pena extinta por cumprimento.
- Por sentença proferida no Proc. n.º 291/12.4… do ….º Juízo do Tribunal de …, transitada em julgado a 14/05/2012, pela prática de um crime de condução de veiculo em estado de embriaguez na pena de 9 meses de prisão, substituída por 270 horas de TFC e na pena acessória de inibição de condução pelo período de 1 ano e meses; pena extinta por cumprimento.
- Por sentença proferida no Proc. n.º 2088/11.0… do ….º Juízo do Tribunal de …, transitada em julgado a 20/09/2013, pela prática de um crime de ameaça agravada na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €7,00; pena extinta por cumprimento.
- Por sentença proferida no Proc. n.º 718/15.3… do Juízo Local Criminal de … – Juiz …, transitada em julgado a 16/02/2016, pela prática de um crime de condução de veiculo em estado de embriaguez na pena de 72 períodos de prisão por dias livres, substituída por 12 meses de prisão em regime de permanência na habitação e na pena acessória de inibição de condução pelo período de 20 meses; pena extinta por cumprimento.
- Por sentença proferida no Proc. n.º 620/18.7… do Juízo Local Criminal de … – Juiz …, transitada em julgado a 27/02/2019, pela prática de um crime de desobediência na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €6,50 e na pena acessória de inibição de condução pelo período de 8 meses; pena extinta por cumprimento.
- Por sentença proferida no Proc. n.º 187/20.6… do Juízo Local Criminal de … – Juiz …, transitada em julgado a 26/04/2023, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €5,00; pena extinta por cumprimento.
- Por sentença proferida no Proc. n.º 1655/23.3… do Juízo Local Criminal de … – Juiz …, transitada em julgado a 26/09/2024, pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições na pena de 8 meses de prisão, suspensa pelo período de dois anos.
3.2. – Factos Não Provados
Com interesse para a decisão da causa, não ficaram factos por provar».
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3.2 – Medida concreta da pena de multa
O recorrente entende que a pena aplicada se mostra baixa, devendo ser fixada no seu limite máximo, 1 ano de prisão.
Invoca para tanto, no essencial, que a pena fixada fica aquém da medida certa à satisfação da finalidade de prevenção geral porque não assegura à comunidade o respeito pela autoridade do Estado, tendo em conta o que se conhece do condenado e a sua persistência em praticar crimes.
O tribunal recorrido indicou como elementos de ponderação e fixação da pena, além das demais circunstâncias concretas do caso, as necessidades de prevenção geral e especial, que considerou elevadas em ambos os casos, a intensidade e nível da ilicitude, entendidas como moderadas e ainda o grau elevado da culpa do arguido, decorrente de ter atuado com dolo direto.
Vejamos.
A determinação da medida concreta da pena deve ser efetuada com recurso aos critérios gerais estabelecidos no art. 71º, do Cód. Penal, ou seja, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. E, o art.40º, do mesmo diploma, estipula, como finalidades das penas:
- a proteção dos bens jurídicos violados, visando a confiança da comunidade na validade e eficácia das normas em causa;
- a ressocialização do agente o qual, através da sanção, deve ser estimulado a interiorizar a censurabilidade da sua conduta, a necessidade de adotar um comportamento conforme o direito e a abster-se, no futuro, de praticar novos ilícitos
E, tal como estabelece o nº2, do mesmo artigo “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. De tal decorre que a pena deverá ser a necessária, adequada e proporcional à culpa do agente.
Vejamos assim, no caso, a conduta concreta do arguido.
Resultou provado que o arguido foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 8 meses, tendo sido devidamente notificado (e com as cominações legais) para proceder à entrega do seu título de condução, o que não fez, nem na data, estipulada nem posteriormente. Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Além disso, resulta demonstrado que o arguido já sofreu 3 condenações pela prática de idêntico crime (duas delas antes da prática dos factos aqui em causa e uma após), todas elas em pena de prisão suspensa na sua execução. Além dessas, sofreu também condenação pela prática de 8 crimes (2 delas em pena de multa e as demais em pena de prisão).
No demais, encontra-se social e familiarmente integrado. Exerce atividade laboral permanente e que lhe proporciona rendimento suficiente para assegurar as suas despesas.
De tudo isto resulta que o grau de ilicitude e culpa do arguido, na forma de execução do ilícito, se mostram medianos, sendo os habituais na prática do crime em questão. Com efeito, as circunstâncias que rodearam a sua prática são apenas aqueles factos concretos que integram os seus elementos objetivo e subjetivo e essenciais ao cometimento do crime. A prática do crime em causa na modalidade de dolo direto é, aliás, a habitual sendo residuais as situações em que outro se verifique. Porém, no caso, a circunstância do arguido já ter sofrido várias condenações (incluindo uma em pena privativa da liberdade) pela prática do mesmo crime e de outros, agrava a sua culpa. O recorrido agiu com uma censurabilidade acrescida, decorrente da maior consciência da ilicitude da sua conduta, das suas consequências e da atuação contra a proibição que violou.
Desta forma, a sua culpa deve ser situada num nível elevado.
No que respeita às suas condições pessoais, as mesmas são adequadas sem que, como se viu, tal tenha servido até ao momento, como fator de contenção. Por último, saliente-se, as necessidades de prevenção geral mostram-se elevadas, atenta não só a recorrência do tipo de ilícito, como também a sua gravidade e as suas consequências nefastas, quer as diretas, que põem em causa a autoridade do Estado e dos seus Tribunais, quer as indiretas que se traduzem frequentemente numa condução não autorizada.
No que respeita às necessidades de prevenção especial, considerando os antecedentes criminais do arguido, é manifesta a sua premência.
De tudo o que se deixa dito decorre que a pena adequada ao caso, tendo como limite um grau de culpa elevado, não pode ir muito além do segundo terço da penalidade. Com efeito, num raciocínio abstrato, se dividirmos a culpa em 3 graus (moderada, elevada e muito elevada), poderemos fazer corresponder a cada um dos graus, respetivamente, o 1/3, o 2/3 e o 3/3 da pena.
No caso, tendo em conta tudo o que se deixa dito, entende-se como adequada uma pena que se situe próximo do 2/3 da penalidade. E, a pena fixada, 8 meses de prisão, mostra-se fixada nessa medida, atendendo por isso a tal critério.
Entende-se por isso que, nesta parte, não assiste qualquer razão ao recorrente, mostrando-se a pena de prisão adequadamente fixada.
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3.3 – Da forma de cumprimento da pena.
Invoca o recorrente que a pena de prisão a aplicar ao arguido deverá ser executada em prisão efetiva, não se mostrando adequado o regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância. Funda a sua pretensão, essencialmente, nos antecedentes criminais do arguido e na circunstância do mesmo já ter cumprido pena de prisão, em regime de permanência da habitação, sem que tal o tenha afastado da prática criminosa.
Apreciando.
O tribunal recorrido fundamentou a sua decisão, nos seguintes termos:
«Dispõe o novo art. 43.º do Código Penal, introduzido pela Lei n.º 94/2017, de 23/08:
1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;
b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º;
c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º
2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.
3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado.
Exige, prima facie, a aplicação desta medida, o consentimento do arguido que, no caso concreto, existe, conforme requer o art. 4, n.º 3 da Lei n.º 33/2010, de 02 de setembro.
Mais exige o dispositivo legal que não tenha sido aplicado ao arguido pena de prisão superior a dois anos. Ora, o caso em apreço enquadra-se na previsão da alínea a), do n.º 1 do supra descrito preceito legal, dado este ter sido condenado numa pena de prisão de 7 meses de prisão. A tal acresce que se considera adequada e suficiente, o cumprimento da prisão em regime de permanência na habitação, porquanto e não obstante o número de condenações sofridas pelo arguido pela prática de crimes rodoviários, o mesmo demonstrou se encontrar sociofamiliar e profissionalmente inserido, aliado ao hiato temporal decorrido desde a sua ultima condenação por ilícitos da mesma natureza, o que, não obstante o elevado numero de condenações sofridas, ainda permite realizar um juízo prognose favorável quanto ao efeito dissuasor da eventual substituição da pena de prisão efetiva.
Com efeito, é possível efetuar um juízo de prognose favorável atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, no sentido de concluir a execução da pena de 8 meses de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância (artigos 1.º d), 4.º, 7.º, n.º 1 da Lei 33/2010 de 2 de setembro), realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».
Não se concorda.
Com efeito, não é de crer que a prisão domiciliária (com a consequente ameaça do seu cumprimento em estabelecimento prisional) realize de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão. Na verdade, desde 2003 e até 2024, o arguido sofreu condenações sucessivas pela prática de vários crimes, mas com especial incidência nos relacionados com a condução sob o efeito do álcool (sendo 9, em 13, as condenações pela prática dos crimes de condução em estado de embriaguez, violação de proibições ou interdições e desobediência). Pela prática desses crimes foi condenado, por 3 vezes, em pena de multa e, nas demais, em pena de prisão. Destas, todas elas foram suspensas na sua execução, exceto uma, em que que cumpriu a pena de 1 ano de prisão em regime de permanência na habitação. Após o cumprimento de tal pena o arguido praticou e foi condenado pela prática de mais 3 crimes (desobediência, abuso de confiança fiscal e violação de imposições). E, pese embora tais condenações e cumprimento de pena, tal não o inibiu de praticar os factos aqui em causa.
Saliente-se que, ao contrário do que é referido na decisão recorrida, não se verifica um hiato significativo na prática de crimes por parte do arguido: pelo contrário, desde 2003 que se assiste à sua prática regular. Importa notar que a sua obrigação, tal como a de todos os cidadãos, é a de não praticar crimes, não sendo nunca de considerar positivo, ou sequer fator atenuante, o aumento do hiato temporal entre a sua prática.
Por outro lado, como se viu, a esmagadora maioria dos crimes aqui em causa estão relacionados com a condução de veículos. De qualquer modo, note-se, acima de tudo o que releva é a tendência manifestada pelo arguido para uma vida desconforme ao direito e não tanto a sua especial aptidão para a prática de um determinado crime em concreto. E, nesse aspeto é claro que essa tendência se verifica, tal como se verifica a dificuldade em fazer perceber ao arguido – apesar de todas as condenações sofridas e de todas as oportunidades concedidas – a necessidade de adotar comportamento distinto e de interiorizar a censurabilidade e gravidades das suas condutas.
É certo que, tal como mencionado na decisão em apreciação, o arguido se mostra integrado em termos sociais e familiares. Também exerce atividade profissional. Porém, tal contexto específico da sua vida, como bem se vê, nunca se mostrou suficiente e apto a impedir a prática dos crimes em que foi condenado, nem sequer depois de sofrer pena de prisão efetiva cumprida em regime de permanência na habitação.
Entende-se assim, que face a tal realidade, não será o cumprimento de mais uma pena de prisão em regime de permanência na habitação que cumprirá as aludidas finalidades. Aliás, considera-se que, dado o historial relatado, a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, apenas reforça a sensação de impunidade que o arguido – pese embora as condenações sofridas – vem sentido e manifestando com a sistemática prática de novos crimes.
Face ao exposto, não se mostra possível, tal como defendido pelo recorrente, a verificação de um juízo de prognose positivo que entenda que, no caso concreto, as finalidades da execução da pena de prisão se realizam de forma adequada e suficiente em regime de permanência na habitação.
O arguido deverá cumprir a pena de prisão em que foi condenado em meio prisional.
O recurso, nesta parte, procederá.
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4 - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que que integram esta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência decidem que a pena de oito meses de prisão aplicada ao arguido, deverá ser cumprida em meio prisional.
Sem custas.
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Évora, 6 de maio de 2025
Carla Oliveira (Relatora)
Beatriz Marques Borges (1ª Adjunta)
Moreira das Neves (2º Adjunto)