Não havendo razões para considerar que a expectativa de que o arguido seria capaz de, em liberdade, manter um comportamento conforme ao direito e aos valores que regem a convivência em sociedade, não esteja irremediavelmente comprometida, tendo amtes como certa a falência da prognose de que o arguido poderia beneficiar, atentas as circunstâncias que que demonstram ter o recorrente desbaratado a oportunidade que lhe foi concedida pela pena de substituição, que manifestamente não interiorizou, mostra-se verificado o circunstancialismo previsto no art. 56.º, n.º 1, al. a), do Código Penal.
O arguido AA, foi condenado, por acórdão datado de 03/12/2020 e transitado em julgado em 30/11/2022, pela prática de um crime de frustração de créditos, previsto e punido pelo artigo 227.º-A, ns. 1 e 2, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão e de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, als. a) e e), do Código Penal, na pena de 2 (dois anos) de prisão.
Em cúmulo, foi condenado na pena única de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob condição de proceder ao pagamento do valor de 31.145,29€ no prazo de 2 (dois) anos.
Em 15/05/2025, foi proferida decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, determinando o efetivo cumprimento da pena de 3 (três) anos de prisão.
*
Inconformado com a decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão, dela interpôs recurso o condenado, pugnando pela revogação da decisão do Tribunal a quo, com a consequente extinção da pena ou, caso assim não se entenda, requer que os autos sejam devolvidos ao Tribunal para produção de prova suplementar, designadamente quanto à atual situação económica, social e de saúde do recorrente, devendo apreciar-se a aplicação de medida prevista no art. 55.º do Código Penal, designadamente a prorrogação do prazo de suspensão da execução da pena, alteração da cláusula ou eventual admoestação.
Extraiu da respetiva motivação as seguintes conclusões:
«A. Por decisão datada de 30 de novembro de 2022, transitada em julgado, o recorrente foi condenado por um crime de frustração de créditos (artigo 227.º-A, n.ºs 1 e 3 do Código Penal) e um crime de falsificação de documento (artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e e) do mesmo diploma), na pena única de três anos de prisão, suspensa pelo mesmo período sob condição de pagamento, no prazo de dois anos, do montante global de € 31.145,29.
B. Decorrido o prazo de dois anos, o Tribunal a quo, por despacho ora recorrido, determinou a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, fundamentando que o recorrente incumpriu a condição imposta para suspensão da pena de forma grosseira e censurável.
C. O Tribunal a quo baseou a sua decisão nas declarações do arguido durante a sua audição, valorando de modo isolado a sua expressão e supostamente “encolher de ombros”, ignorando o contexto psicológico e emocional em que o recorrente foi inquirido e desconsiderando toda a vasta prova documental existente.
D. O despacho impugnado omitiu a análise aprofundada dos factos concretos que evidenciam a manifesta impossibilidade objetiva de o recorrente cumprir a condição imposta, não levando em conta a grave situação económica, pessoal e social em que o mesmo se encontra.
E. Consta dos autos que, após o encerramento da empresa de que o recorrente era sócio-gerente, este ficou totalmente privado de rendimentos, viu-se forçado ao estado de insolvência, com a consequente perda da sua habitação e subsequente necessidade de arrendamento oneroso.
F. A esposa do recorrente também foi declarada insolvente, tendo visto os seus rendimentos penhorados, agravando de forma extrema e concreta a precária situação do agregado familiar, que passou a depender unicamente do pouco que sobrava dos proventos e de auxílio intermitente do filho do casal.
G. Ao longo de todo o período de suspensão da pena, o recorrente, então já pessoa de idade avançada, empenhou-se ativamente na busca de reintegração laboral, através de múltiplos contactos, plataformas de emprego e tentativas incessantes de obtenção de trabalho.
H. Contudo, e não obstante tais diligências reiteradas, o recorrente foi sucessivamente rejeitado devido à sua idade e, muito especialmente, à publicitação negativa decorrente do processo-crime, circunstâncias que tornaram insustentável o regresso à sua anterior atividade como diretor hoteleiro.
I. Procurou ainda desenvolver atividades na consultoria imobiliária, mas, dada a quebra da sua rede de contactos, reputação fragilizada e contexto geral adverso, só obteve rendimentos esporádicos, manifestamente insuficientes para o cumprimento da obrigação de pagamento imposta.
J. Além das dificuldades económicas, o recorrente foi afetado por problemas de saúde mental, causados pelo estigma da condenação, insolvência e perda de prestígio profissional, tendo sido seguido por profissionais da área e sujeito a medicação antidepressiva.
K. Nunca deixou o recorrente de procurar cumprir a condição imposta; não a cumpriu simplesmente porque estava absolutamente impossibilitado, e não por qualquer atitude negligente, leviana ou dolosa.
L. Não existe qualquer base factual, nem exigência legal, que permita afirmar que a mera experiência anterior na área hoteleira garantiria uma reinserção profissional eficaz do recorrente num mercado marcado por sazonalidade, concorrência e instabilidade, como é sobejamente reconhecido.
M. Tal juízo reflete desconhecimento das dificuldades reais enfrentadas pelos desempregados em Portugal, sendo que a competência profissional não equivale à oferta efetiva de emprego, mesmo para os mais qualificados.
N. Do mesmo modo, considerar que, por força de uma conjuntura supostamente favorável do mercado imobiliário, o recorrente conseguiria facilmente gerar comissões para sustentar o cumprimento da condição, reflete leitura superficial e artificiosa da realidade económica.
O. Quem vive em situação de desemprego prolongado, carências económicas sérias e estigmatização judicial, enfrenta obstáculos superiores aos considerados pelo Tribunal a quo, sendo irrealista esperar resultados financeiros significativos unicamente pelo seu empenho individual.
P. O Tribunal a quo adotou assim uma visão redutora e injusta, ignorando a pluralidade de adversidades que se colocaram no percurso do recorrente, quase pressupondo, de forma absurda, que em Portugal não existiriam pessoas desempregadas caso exercessem esforço vocacional em consonância com o próprio percurso formativo.
Q. O pesado juízo que se extraiu do alegado “encolher de ombros” do recorrente durante a audição reflete incompreensão do sofrimento vivenciado – não traduza o gesto qualquer resignação voluntária ou desprezo pelas obrigações, mas antes puro desgaste psicológico após sucessivos insucessos.
R. O Tribunal a quo interpretou erradamente o gesto do recorrente como expressão de desinteresse ou de ausência de vontade de cumprimento, quando, na verdade, é expressão do sofrimento e frustração acumulados por quem já não acredita ser possível superar as adversidades impostas pelas circunstâncias.
S. Tal conclusão viola os princípios de apreciação crítica e global da prova, consagrados no artigo 127.º do Código de Processo Penal, não se admitindo inferências subjetivas que não resultam do quadro global probatório.
T. A situação económica e emocional do recorrente só pode ser lida como uma demonstração efetiva da sua impotência real e não de qualquer culpa grosseira, à luz do artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal.
U. A ausência de comportamento doloso, negligente ou leviano, corroborada por documentação e por elementos objetivos dos autos, impede qualquer conclusão de que a omissão do pagamento resultou de vontade ou indiferença do recorrente.
V. A exigência legal de culpa grosseira e censurável nunca ficou provada; ao invés, ficou provado o contrário: o recorrente nunca pôde, apesar do esforço, cumprir a condição, sendo este o sentido correto da valoração das provas constantes dos autos.
W. A revogação da suspensão da execução da pena requer, segundo a melhor jurisprudência, um juízo de censura intensamente qualificado sobre a conduta do condenado, motivo pelo qual só poderá ser determinada como ultima ratio, após esgotadas ou demonstradas ineficazes todas as medidas alternativas do artigo 55.º do Código Penal.
X. O Acórdão da Relação de Coimbra, de 10.05.2023, disponível em www.dgsi.pt, fixou:
“IV – A revogação da suspensão da execução da pena por incumprimento das obrigações impostas só pode ocorrer se o incumprimento se verificar com culpa grosseira e só terá lugar como “ultima ratio”, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências contidas no artigo 55.º do Código Penal.
V – Violação grosseira é toda e qualquer violação que possa evidenciar-se como qualificada, qualitativamente denotativa da dimensão do incumprimento do dever ou obrigação impostos, no sentido de se considerar que tal violação se assume como grave na própria amplitude e determinação com que, na sua essência, deixou de ser cumprida a obrigação imposta, não o sendo quando se traduz num mero incumprimento parcial de uma obrigação ou quando, tratando-se de uma obrigação de execução continuada, o incumprimento se verificou apenas em algumas vezes contadas, em comparação com outras em que a mesma foi sendo cumprida.
VI – A culpa há-de revestir intensidade relevante, seja pela natureza (violação grosseira), seja pela reiteração (atitude geral de descuido e leviandade prolongada no tempo), de molde a constituir uma actuação especialmente censurável, que o cidadão médio pressuposto pela ordem jurídica repudiaria e que, por consequência, não admite tolerância ou desculpa.
VII – Para a suspensão da execução da pena de prisão ser revogada é necessário que a infracção grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos se deva à vontade do condenado e que se conclua que nenhuma outra medida, para além da revogação, é viável para alcançar as finalidades da punição (artigos 50.º, n.º 1, e 40.º, n.º 1, do Código Penal).”
Y. O Tribunal a quo desvalorizou as provas documentais e valorou de forma excessiva a audição do recorrente, sem considerar o quadro psicossocial e a grave vulnerabilidade do recorrente, infringindo assim os artigos 127.º do Código de Processo Penal e 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
Z. O Tribunal a quo deveria, antes de recorrer à solução mais gravosa, analisar e ponderar medidas mais adequadas e menos lesivas, como a prorrogação do prazo de suspensão ou a alteração da cláusula e até a admoestação, nos termos do artigo 55.º do Código Penal.
AA. O Acórdão da Relação de Évora, relatado pela Juíza Conselheira Ana Brito, de 28/03/2018 (Pº 2207/13.1GBABF-A.E1), estabelece:
“I. O incumprimento culposo dos deveres e regras de conduta impostos na sentença como condição de suspensão da prisão, consente as consequências previstas nas alíneas do art. 55º do Código Penal, medidas que o despacho judicial que conhece do incumprimento tem sempre de equacionar expressamente.
II. Estando em causa, não o cometimento de um novo crime no decurso do período da suspensão da prisão, mas a violação de dever, de regra de conduta ou a não correspondência a plano de reinserção, comportamentos que integram a previsão do art. 55º do Código Penal, deve o tribunal pronunciar-se expressamente sobre a eficácia das medidas previstas nesta norma para se alcançarem ainda as finalidades da punição.
III. E mesmo em caso de infracção grosseira e repetida aos deveres e às regras de conduta (podendo já configurar-se a previsão do art. 56º, nº 1, al. a), do CP), há que ponderar sempre, e previamente, a viabilidade da manutenção da ressocialização em liberdade.
IV. Os princípios da proporcionalidade e da necessidade de pena norteiam a ponderação até à extinção da sanção, e a prorrogação do período de suspensão da prisão (art. 55º al. d) do CP) será a resposta mais adequada se, no quadro de um incumprimento culposo e grosseiro, as circunstâncias do caso ainda permitirem conservar a confiança na eficácia da pena não detentiva.”
BB. Tal decisão jurisprudencial foi ignorada pela decisão recorrida, não tendo o Tribunal a quo fundamentado as razões pelas quais não se bastou, sequer ponderou, pelas alternativas facultadas pelo artigo 55.º do Código Penal.
CC. A decisão recorrida viola diretamente, além dos artigos 55.º e 56.º do Código Penal, os artigos 495.º,n.º 2doCódigo de Processo Penal e 18.º, n.º 2da Constituição da República Portuguesa, por preterição de garantias essenciais de defesa e do requisito da proporcionalidade.
DD. O princípio da última ratio penal obriga a que a execução de pena privativa da liberdade só se torne efetiva quando inexista qualquer solução alternativa idónea, o que manifestamente não se mostra demonstrado no caso concreto.
EE. No caso em apreço, o incumprimento do recorrente não revela culpa intensa, grosseira ou dolosa, mas resulta de impossibilidade objetiva, comprovada documental e factualmente nos autos.
FF. Nada evidencia que a finalidade ressocializadora da suspensão tenha sido frustrada ou descredibilizada, uma vez que o recorrente não voltou a delinquir nem desrespeitou, de forma geral, os deveres impostos durante o período de suspensão.
GG. Não pode o direito penal servir de instrumento de agravamento do sofrimento de quem está objetivamente impossibilitado de cumprir injunção pecuniária, sob pena de ofensa a preceitos constitucionais fundamentais (arts. 1.º, 27.º, 29.º e 30.º da CRP).
HH. A entrada do arguido em reclusão, nas condições fáticas presentes, violaria fundamentos de humanidade, justiça e razoabilidade, traduzindo punição cruel e desproporcionada em função da idade, condição de saúde e incapacidade financeira do recorrente.
II. A única leitura consentânea do ordenamento jurídico e da melhor jurisprudência passa por considerar inadmissível a revogação da suspensão da pena nestes termos, impondo ao Tribunal a quo que produza prova complementar e explore todas as soluções alternativas previstas nas normas aplicáveis.
JJ. Pelo exposto, a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por decisão que determine a extinção da pena suspensa e da condição que lhe estava adstrita, face à ausência de prova segura de incumprimento culposo e grosseiro.
KK. Subsidiariamente, caso assim não se entenda, deverá o Tribunal recorrido, mediante baixa dos autos, produzir prova suplementar quanto à condição atualizada do recorrente, para ulterior ponderação da aplicação das medidas do artigo 55.º do Código Penal, inclusive prorrogação do prazo de suspensão.
LL. Requer-se, assim, a V.Exas. a procedência do recurso, revogando-se a decisão recorrida, cumprindo-se as normas e princípios violados pelo Tribunal a quo e restituindo ao recorrente o direito à esperança de reinserção social e dignidade.»
*
O recurso foi admitido, a subir imediatamente e com efeito suspensivo.
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O Ministério Público junto da primeira instância respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência do mesmo, concluindo:
«1. No presente recurso, o condenado AA insurge-se relativamente ao douto despacho proferido em 15/05/2025 que decidiu revogar a suspensão da execução da pena de três anos de prisão aplicada àquele, em virtude de o mesmo não ter cumprido a condição de proceder ao pagamento dos valores indicados no ponto 5 da matéria de facto provada do acórdão condenatório, no prazo de 2 anos, alegando, em síntese, que não cumpriu a condição nos presentes autos, em virtude de estar totalmente impossibilitado de o fazer.
2. O cumprimento (ainda que parcial) da condição imposta (pagamento dos créditos laborais judicialmente reconhecidos aos trabalhadores da «…») nos presentes autos para suspender a execução da pena de prisão aplicada ao condenado AA, é fundamental em termos de exigências de prevenção geral, com efeito, os trabalhadores afectados pelas condutas ilícitas pelas quais foi aquele condenado e a sociedade em geral, não compreenderiam que, alguém que com a sua conduta penalmente relevante impediu aqueles de receberem os seus créditos laborais e, a quem o Tribunal concedeu um capital de confiança de poder cumprir a pena em que foi condenado em liberdade, não cumprisse culposamente a condição e, por tal, não fosse sancionado.
3. Conforme entendimento perfilhado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, só em caso de falha grosseira, ou seja, aquela conduta «de molde a constituir uma actuação especialmente censurável, que o cidadão médio pressuposto pela ordem jurídica repudiaria e que, por consequência, não admite tolerância ou desculpa», deverá ser determinada a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
4. Na situação em apreço nos presentes autos, o condenado AA é pessoa com larga experiência na área da hotelaria e turismo (cfr. pontos 34 a 36 e 38 da matéria de facto provada no acórdão condenatório), sendo certo que, o mesmo não obstante a escassez de mão-de-obra naquele ramo de actividade que assola o país (e em particular a zona do algarve, área da residência do condenado) nos últimos anos, não empreendeu qualquer esforço para arranjar um emprego e, pelo menos, demonstrar alguma vontade em cumprir ainda que parcialmente a condição que lhe foi imposta.
5. Com efeito, no decurso da sua audição o próprio condenado admitiu não se encontrar inscrito no Centro de Emprego, assim como, não conseguiu concretizar qualquer esforço no sentido de arranjar um emprego e, bem ainda, instado sobre o que pretendia fazer para cumprir (ainda que parcialmente)a condição, conforme se referiu no despacho sob recurso «de uma forma lacónica e manifestamente displicente limita-se a referir que não vai cumprir a condição».
6. Sendo certo também que, só agora no âmbito do recurso veio declarar ter-se inscrito em «diversas plataformas e redes de contatacto», todavia, sem identificar ou comprovar uma só inscrição.
7. Acresce ainda que, é também consabido que o ramo imobiliário, nomeadamente na área da compra e venda de imóveis tem crescido exponencialmente (incrementada pelo aumento turístico), muito em particular na zona do ….
8. Ora, sucede que, o condenado AA afirmou na sua audição, que através de amigos, dedicou-se, de forma informal, a tal actividade de venda de imóveis, porém, segundo o mesmo, com fracos resultados em termos monetários e escassas vendas, tudo, uma vez mais, a demonstrar que aquele se coloca deliberadamente em condição de não poder cumprir rigorosamente com nada no que tange à sobredita condição.
9. De resto, em momento anterior ou posterior (por exemplo aquando do exercício do contraditório sobre o parecer do Ministério Público) a tal audição, o ora recorrente nunca se reportou a qualquer «desgaste do foro psicológico», apenas se lembrando de tal situação na motivação do seu recurso.
10. A conduta do condenado AA, o qual, incumpriu a condição de pagamento imposta, assume o grau de culpa grosseira, porquanto, denotou que o mesmo nunca teve e não tem qualquer vontade de cumprir aquela, motivo pelo qual, não se afigura viável a aplicação de qualquer das alíneas do disposto no artigo 55.º, do Código Penal e, por conseguinte, mostra-se definitivamente em causa o juízo de prognose positivo que esteve na base da suspensão da execução da pena, motivos pelos quais, o despacho sob recurso não violou as normas invocadas por aquele e, por conseguinte, deve ser mantido.
11. Termos em que, pelos fundamentos acima expostos, o despacho que revogou a suspensão da execução da pena única de 3 anos de prisão e determinou o efectivo cumprimento deve ser mantido e, por conseguinte, deverá ser julgado improcedente o recurso.»
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Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, salientando:
«(…) Resulta da sua audição e do despacho ora em crise a seguinte passagem que elucida acerca da personalidade do arguido e da sua (não) vontade em cumprir o que foi determinado pelo Tribunal. Assim: “… Quando questionado acerca do que pretendia fazer para tentar cumprir a condição, de uma forma lacónica e manifestamente displicente limita-se a referir que não vai cumprir a condição, sendo absolutamente evidente para o Tribunal que nunca o pretendeu fazer…” (sublinhado e negrito da nossa responsabilidade)
Assim sendo, naufraga, de forma manifesta, o esforço assinalável levado a cabo pela defesa do arguido em sede de recurso.
O arguido colocou-se, literalmente e de forma deliberada, “no fim da linha”.
Ele assumiu perante o Tribunal que não vai cumprir a condição.
*
A suspensão da execução da pena pressupõe um juízo de prognose favorável ao arguido.
Ora, no caso vertente, o arguido anunciou ao tribunal que não vai cumprir a obrigação que lhe foi imposta pelo que estamos perante um “incumprimento declarado e assumido” por parte do arguido inconciliável com a teleologia da suspensão da execução da pena de que beneficiou pelo que se impõe a sua revogação.
Assim bem andou a Mme Juiz “a quo” ao revogar a suspensão da execução da pena (…)».
*
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, tendo o arguido respondido, na essência, reiterando a posição sustentada nas alegações.
Teve lugar a Conferência.
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II. QUESTÕES A DECIDIR NO RECURSO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da motivação que o recorrente produziu para fundamentar a sua impugnação da decisão da primeira instância, sem prejuízo das questões que forem de conhecimento oficioso (artigos 379.º, 403.º, 410.º e 412.º, nº 1 do Cód. Processo Penal e AUJ n.º 7/95, de 19/10/95, in D.R. 28/12/1995).
Atendendo às conclusões apresentadas, e não se detetando outras questões de conhecimento oficioso, cumpre apreciar se estão reunidas, no caso concreto, as condições que devem determinar a revogação da suspensão de execução da pena de prisão e o imediato cumprimento efetivo da mesma.
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III – DA DECISÃO RECORRIDA:
«Por acórdão transitado em julgado no dia 30 de Novembro de 2022, proferido nos presentes autos, foi o Arguido AA condenado pela prática de um crime de frustração de créditos, com previsão legal no artigo 227.º-A, n.ºs 1 e 2 do Código Penal e um crime de falsificação de documento, com previsão legal no artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e), do Código Penal, na pena única de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, sob condição de aquele proceder ao pagamento dos valores indicados no ponto 5 da matéria de facto provada – no montante global de € 31.145,29 –, no prazo de 2 anos, devendo fazer disso prova dos autos.
Decorrido o prazo de dois anos desde o trânsito em julgado da decisão condenatória e não existindo nos autos prova do cumprimento da condição referida, foi realizada a audição do Condenado nos termos do disposto no artigo 495.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
O Condenado optou por prestar declarações, tendo referido em súmula: não ter conhecimento de que teria de pagar qualquer quantia, tendo ficado surpreendido quando foi notificado para comprovar o cumprimento da condição nos autos, referindo que o seu advogado nunca o informou de que teria de pagar qualquer quantia.
Mais referiu que foi declarado insolvente em 2017 e que terá ficado desempregado pela mesma altura, e que desde então não mais conseguiu encontrar trabalho, apesar da intensa procura, subsistindo dos rendimentos da sua mulher e da ajuda de familiares, nomeadamente do seu filho.
Conclui afirmando que os rendimentos do seu agregado são apenas suficientes para prover a sua subsistência e que, como tal, não lhe foi possível cumprir a condição que lhe foi imposta.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da revogação da suspensa da execução da pena de prisão por infracção grosseira e leviana a condição que lhe foi imposta nos presentes autos. Cf. referência citius … de 09.04.2025
Já o Condenado defendeu que apenas não cumpriu a condição à qual estava adstrito por estar desempregado, não conseguir arranjar emprego apesar do seu esforço e não ter condições para proceder aos pagamentos a que havia sido condenado.
Cumpre apreciar e decidir.
Como é sabido, a suspensão da execução da pena de prisão tem em vista alcançar as finalidades da punição a título de prevenção – vide artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal – em casos de penas de curta ou média duração, sem que o agente seja submetido ao ambiente criminógeno e estigmatizante do sistema prisional.
De acordo com o plasmado no artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal, são dois os fundamentos da revogação da suspensão da pena de prisão: «A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas».
Todavia, a hipótese de revogação apenas pode verificar-se em situações em que a culpa se revele grosseira. Além disso, tem sido entendimento pacífico que, perante um tal incumprimento culposo, o Tribunal deverá ponderar se a revogação é a única forma de lograr a consecução das finalidades da punição, uma vez que a mesma deverá ser um recurso de ultima ratio, visto implicar o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença. Cf. artigo 56.º, n.º 2, do Código Penal
Neste sentido, «a revogação da suspensão da pena depende sempre da constatação de que as finalidades punitivas visadas com a imposição de pena suspensa se encontram irremediavelmente comprometidas, traduzindo o fracasso, em definitivo, da prognose inicial que determinou a sua aplicação e a infirmação da esperança de por meio daquela pena, manter o delinquente afastado da criminalidade» Acórdão do TRL de 19-06-2019, relatado por João Lee Ferreira, acessível em www.dgsi.pt
No caso sub judice, verifica-se que o Condenado não cumpriu com a condição à qual foi subordinada a suspensão da execução da pena de prisão, sendo certo que tal incumprimento não determina automática e imediatamente a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
Efectivamente, conforme expressamente consta do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, necessário se torna que, tal incumprimento seja grosseiro ou repetido.
No caso dos presentes autos, a condição radicava no pagamento de uma quantia monetária, ora, seguindo o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12 de Janeiro de 2021, relatado por Fátima Bernardes, acessível em www.dgsi.pt, «(…) para se poder afirmar que o condenado agiu com culpa, ao não entregar/pagar essa(s) quantia(s), é necessário, antes de mais, demonstrar que o condenado tinha condições económicas para o fazer, ou, então, que se colocou voluntariamente na situação de não poder satisfazer essa entrega/pagamento.»
Ressalta-se que, não obstante ser referido que o Condenado estaria nervoso aquando da audição e que por esse motivo se expressou mal, porém não foi isso que sucedeu.
As primeiras palavras do Arguido foram de completa desculpabilização, referindo não ter conhecimento da sua obrigação de fazer qualquer pagamento fosse a quem fosse, referindo inclusive que tinha sido apanhado de surpresa com a convocatória a Tribunal para justificação do não cumprimento da mesma. Menciona que a culpa terá a ver com o seu Advogado, que não o terá advertido para tal.
Quando questionado acerca do facto de ter estado presente na leitura do Acórdão, e de tal lhe ter sido explicado, acaba por referir que não se recorda de nada porque teve «vários processos desses» - algo que é confirmável pelo seu certificado de registo criminal – e não faz ideia das concretas condenações.
Note-se que o Condenado é licenciado em …, tendo trabalhado no ramo ao longo de anos, não sendo crível que não tivesse capacidade para compreender a condenação, sendo o seu aparentemente desconhecimento, um comprovativo do seu desinteresse no desfecho dos processos.
Mas mais, assim que percebeu que era sua obrigação ter-se preocupado em saber o desfecho de um dos processos no qual tinha sido condenado, alterou a sua postura – que até então tinha sido de desculpabilização mas de uma forma quase arrogante, como se não tivesse obrigação de saber o que estava em causa – e passou a uma postura de vitimização.
Referiu que havia sido declarado insolvente em 2017 e que por esse motivo não podia trabalhar, asserção absolutamente incompreensível, mais a mais quando houve despacho final de concessão de exoneração do passivo restante em 2022.
Mencionou ainda que devido à sua idade não poderia encontrar trabalho – note-se que tinha 57 anos à data da declaração da sua insolvência – mas que tinha tentado afincadamente encontrar trabalho.
Quando questionado se se havia inscrito no Centro de Emprego para tentar encontrar emprego, manifesta surpresa e refere que não, não tendo justificação para tal.
Mantém que não conseguiu arranjar trabalho, apesar de ter procurado afincadamente, sendo que em momento algum esclarece em que consistiu tal procura afincada.
Como bem mencionou o Ministério Público na sua promoção – e foi confirmado pelo Condenado na sua audição – o Condenado tem vasta experiência no ramo hoteleiro e muitos contactos neste ramo no …. Afirma, contudo, que os seus amigos hoteleiros têm reserva em oferecer-lhe trabalho por força da sua insolvência e condenações.
Ora, compreende-se tal reserva se se tratarem de cargos de decisão ou chefia, contudo, é facto público e notório que há uma imensa falta de mão de obra no … para a área de hotelaria, sendo tal problema abordado pelos vários meios de comunicação social e estando à vista de todos os que passam pelo … pelos constantes anúncios de contratação.
Não se concebe que em cerca de nove anos o Arguido nunca tenha conseguido um trabalho, com excepção de uma ou duas vendas de imóveis que realizou numa colaboração com um amigo e nas quais não auferiu mais de € 5.000,00 (cinco mil euros).
Ademais, nem mesmo esses valores – que assume que auferiu – foram entregues ao Tribunal como uma manifestação de vontade de cumprimento da condição.
Quando questionado acerca do que pretendia fazer para tentar cumprir a condição, de uma forma lacónica e manifestamente displicente limita-se a referir que não vai cumprir a condição, sendo absolutamente evidente para o Tribunal que nunca o pretendeu fazer.
Ao suspender a execução da pena de prisão aplicada, o Tribunal dispôs-se a correr um risco calculado na manutenção do Arguido em liberdade, por ter confiado que a simples censura do facto, a ameaça da prisão e a condição à qual a suspensão da pena foi condicionada o afastavam da criminalidade, realizando-se, desse modo, as finalidades da punição, não obstante o arguido, já anteriormente à condenação imposta nos presentes autos, ter cometido crimes.
Verifica-se, porém, que o Condenado não soube aproveitar esta oportunidade, não tendo a referida ameaça constituído advertência suficiente e não o tendo feito adquirir a consciência da ilicitude da sua conduta.
O Condenado encarou a sua condenação numa pensa de prisão suspensa na sua execução como uma absolvição, tendo-se alheado do processo, e não fazendo qualquer esforço para cumprir a condição como transpareceu à saciedade da sua audição.
Não restam, deste modo, dúvidas de que o Condenado infringiu de forma grosseira e leviana a condição que lhe foi imposta nos presentes autos e, por conseguinte, as finalidades que estiveram na base da suspensão da pena aplicada nos presentes autos não foram alcançadas com a mesma constituindo revogação da suspensão o único meio de atingir tais finalidades.
Em face do exposto, e ao abrigo do disposto no artigo 56.º, n.ºs 1, alínea a) e do Código Penal, decide revogar a suspensão da execução da pena de três anos de prisão aplicada ao Condenado e determinar o seu cumprimento.
Notifique e, após trânsito, emita de mandados de detenção do Condenado ao Estabelecimento Prisional.»
*
IV. FUNDAMENTAÇÃO
Como acima se referiu, a questão que vem colocada no recurso é a de saber se o Tribunal a quo, ao ponderar a revogação da suspensão de execução da pena de prisão em que o arguido fora condenado, avaliou devidamente todos os elementos em presença ou se incorreu em erro de julgamento, ao decidir como decidiu.
Sustenta o recorrente, em suma, verificar-se manifesta impossibilidade objetiva de cumprir a condição imposta, atenta a precária situação do agregado familiar. Nunca deixou de tentar cumprir com a condição imposta, mas foi afetado pela idade e estigma da condenação, insolvência e perda de prestígio profissional e por problemas de saúde mental, tendo sido seguido por profissionais da área e sujeito a medicação antidepressiva.
Sustenta, assim, a ausência de comportamento doloso, negligente ou leviano na omissão do pagamento, o que afasta a exigência legal de culpa grosseira e censurável.
Vejamos.
No que se reporta à revogação da suspensão da execução da pena de prisão, dispõe o art. 56.º do Código Penal, que: “1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. 2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado.”
A execução deste regime é processualmente regulamentada nos arts. 494.º e 495.º do Código Processo Penal. Está em causa, nos presentes autos, o facto – não contestado em recurso e comprovado no processo – de o arguido não ter efetuado o pagamento da quantia à qual o Tribunal de julgamento, por acórdão devidamente transitado, entendeu subordinar a suspensão. Recordemos que o recorrente foi condenado na pena única de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob condição de proceder ao pagamento do valor de 31.145,29€ no prazo de 2 (dois) anos. No juízo de prognose favorável que o Tribunal do julgamento entendeu ser, ainda (e pese embora os antecedentes criminais), possível fazer quanto ao condenado, optou pela suspensão de execução da pena de prisão, mas subordinada ao pagamento, no prazo de dois anos, da referida quantia (no grosso, correspondente a créditos laborais de terceiros).
Esta condição configura uma compensação destinada principalmente ao reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição e a dar satisfação suficiente às finalidades da punição, respondendo nomeadamente à necessidade de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias no restabelecimento da paz jurídica. O Tribunal a quo considerou que o recorrente evidenciou, com a sua conduta, a falta de preparação para assumir um comportamento conforme ao Direito, pelo que, em face do incumprimento grosseiro e culposo dos deveres que condicionaram a suspensão, impôs a revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado no âmbito destes autos. O recorrente não concorda, adiantando que o Tribunal retirou das respetivas palavras (na sua audição), conclusões que as mesmas não podem suportar, atendendo ao seu estado de nervosismo e desânimo. Não podemos deixar de referir, como faz o Tribunal a quo, que do registo áudio não resulta qualquer particular estado de nervosismo ou desânimo por parte do recorrente aquando da sua audição. O que é manifesto é a displicência, a falta de interiorização da pena, das condições da suspensão e do que lhe era exigido para cumprimento da mesma. Começa o recorrente por se desresponsabilizar com o anterior Mandatário que, nas suas palavras, não teria acompanhado o processo e, por isso, não sabia que tinha de cumprir com a condição aqui imposta. Confrontado com a circunstância de ter estado presente na leitura, e de que lhe caberia manter-se a par do estado das respetivas condenações, passa a adotar o discurso que também aqui pretende fazer valer – tudo fez para cumprir, mas não o conseguiu. Será assim? O critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo – ao Tribunal cabe ponderar, por referência ao momento em que o faz, se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irremediavelmente comprometidas em face da conduta posterior do condenado. Haverá aqui que ponderar se a falta de cumprimento da condição imposta resulta de uma atitude reiterada de descuido, de leviandade, de desinteresse, que revele menosprezo pelas limitações da sentença.
A revogação da suspensão da execução da pena não constitui, em caso algum, um efeito automático quer da condenação pela prática de crime no período da suspensão, quer do não cumprimento dos deveres ou regras de conduta e do plano de reinserção social, importando sempre avaliar se o comportamento posterior do condenado demonstrou, de forma irremediável, que as finalidades preventivas que estavam na base da suspensão não puderam ser alcançadas, sendo a decisão de revogação a última ratio (esgotadas as possibilidades conferidas pelo art. 55.º do Código Penal). Mas, no caso em apreço, é manifesto que outra não poderia ter sido a decisão do Tribunal. O recorrente não se podia ter alheado da condição a que o Tribunal subordinou a suspensão de execução da pena, de que não pode ter deixado de ficar ciente, pois esteve presente na leitura da decisão. As dificuldades económicas que invoca, decorrentes da respetiva insolvência, remontam à data da condenação. Desde 2018 que o recorrente não tem registo de auferir qualquer rendimento. Ao contrário do que invoca, não resulta dos autos que tenha efetivamente procurado encontrar fonte de rendimento que lhe permitisse, para além do mais, fazer face à condição de suspensão de execução da pena de prisão em que foi condenado. Refere e reitera em recurso, que tudo fez para encontrar emprego, mas que a idade (57 anos à data da condenação), a quebra da reputação e problemas de saúde mental inviabilizaram que conseguisse qualquer colocação. Mas, das próprias declarações, resulta infirmada esta pretensão – já que é o próprio que reconhece que nunca se inscreveu no Centro de Emprego, não apresentando qualquer justificação para tal. E se refere ter, neste período, intermediado algumas vendas de imóveis, pelas quais recebeu cerca de 5.000€, não fez qualquer esforço de pagamento parcial da quantia a que se subordinou a suspensão. Quanto aos esforços que refere ter feito para encontrar trabalho e aos problemas de saúde que invoca, nada está comprovado no processo, sendo certo que, tal como para o Tribunal a quo, também para nós não é credível que numa área laboral (hotelaria) e geográfica (…) com permanente escassez de mão de obra, o recorrente não lograsse obter qualquer colocação remunerada. Certamente não iria desempenhar funções de gerência, como fez anteriormente, mas lograria, pelo menos, mostrar algum esforço no sentido de cumprimento da condição. Manifestamente não o fez, colocando-se voluntariamente, intencionalmente, na situação de não poder cumprir com o pagamento ordenado. Importa realçar que nunca o recorrente refere qual seja a vasta prova documental que o Tribunal a quo possa ter desconsiderado e que comprove quer as diligências que refere ter feito, quer os problemas de saúde que invoca (sem que alegue que os mesmos fossem impeditivos de desempenhar atividade profissional). Digamos que, o recorrente só despertou em face da iminente execução efetiva da pena que lhe foi aplicada, mas mesmo aqui consegue demonstrar uma clara postura displicente e desresponsabilizante. Nada do que alega em recurso (e que desmente nas próprias declarações prestadas nos autos) permite considerar uma justificação, sequer, para a omissão reiterada de conduta, isto é que as razões que levaram o arguido a não efetuar o pagamento do montante a que se subordinou a suspensão da execução da pena não lhe sejam inteiramente imputáveis. O condenado colocou-se voluntariamente na situação de não apresentar rendimentos que lhe permitam satisfazer a condição da suspensão. Na verdade, encarregou-se de demonstrar, que a expectativa do Tribunal a quo, o juízo de prognose em que assentou a decisão de que a simples censura do facto e ameaça da pena seria suficiente para salvaguardar as finalidades de prevenção, era, na verdade, infundada. Estamos perante uma atitude de descuido, de leviandade, de menosprezo pela pena imposta, que só se pode traduzir na infração grosseira dos deveres a que estava obrigado, o que integra causa de revogação da suspensão prevista na al. a), do n.º 1, do art. 56.º do Código Penal. E, referindo o recorrente que o Tribunal deveria ter equacionado as hipóteses previstas no art. 55.º, do Código Penal, na realidade não se mostra disponível para qualquer uma dessas possibilidades (com exceção da admoestação), que o Tribunal arredou por inadequadas. Nunca as exigências cautelares nos presentes autos ficarão satisfeitas com a aplicação de uma admoestação, que apenas favoreceria o sentimento de impunidade que anima o recorrente (que tratou a suspensão da pena como se fosse uma absolvição, desinteressando-se do processo).
E se o recorrente pede, em recurso, a imposição de novos deveres ou regras de conduta ou a prorrogação do período de suspensão, foi o próprio que referiu ao Tribunal, na sua audição (que observou todos os requisitos legais, pelo que não se descortina motivo para a respetiva repetição) nada ir fazer para cumprir a condição, não adiantando qualquer outra que estivesse disposto ou em condições de cumprir (o que também não faz nas alegações). O recorrente pretende, apenas, que se tenha por cumprida, sem mais, a pena de prisão suspensa na sua execução como se a mesma tivesse sido imposta sem condições, o que não foi o caso. Não podemos senão concordar que as prementes necessidades de prevenção geral e especial apontam para o cumprimento de pena de prisão aplicada. Como acertadamente refere o M.º P.º, “O cumprimento (ainda que parcial) da condição imposta (pagamento dos créditos laborais judicialmente reconhecidos aos trabalhadores da «…») nos presentes autos para suspender a execução da pena de prisão aplicada ao condenado AA, é fundamental em termos de exigências de prevenção geral, com efeito, os trabalhadores afectados pelas condutas ilícitas pelas quais foi aquele condenado e a sociedade em geral, não compreenderiam que, alguém que com a sua conduta penalmente relevante impediu aqueles de receberem os seus créditos laborais e, a quem o Tribunal concedeu um capital de confiança de poder cumprir a pena em que foi condenado em liberdade, não cumprisse culposamente a condição e, por tal, não fosse sancionado”. Em suma, não há razões para considerar que a expectativa de que o arguido seria capaz de, em liberdade, manter um comportamento conforme ao direito e aos valores que regem a convivência em sociedade, não esteja irremediavelmente comprometida. Antes temos como certa a falência da prognose de que o arguido poderia beneficiar, atentas as circunstâncias que se deixaram descritas e que demonstram ter o recorrente desbaratado a oportunidade que lhe foi concedida pela pena de substituição, que manifestamente não interiorizou.
Em conclusão, mostra-se verificado o circunstancialismo previsto no art. 56.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, pelo que não merece censura a decisão recorrida ao decidir a revogação da suspensão da execução da pena de prisão decretada ao recorrente.
Assim, sem necessidade de mais considerações, é de concluir pela improcedência do recurso.
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V. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso do arguido AA, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Uc’s.
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Évora, 14 de outubro de 2025
Mafalda Sequinho dos Santos
Edgar Gouveia Valente
Beatriz Borges