Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ACTA
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário
A ata da assembleia de condóminos que pode servir de título executivo é aquela que regista uma deliberação constitutiva do crédito – isto é, que o gera ou faz nascer, mediante a fixação da responsabilidade de todos e cada um dos condóminos –, e não aquela que regista uma deliberação meramente declarativa de ciência da suposta existência de uma dívida vencida.
Texto Integral
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
A. Relatório A.A. Identificação das partes e indicação do objeto do litígio
Por apenso à execução que lhes move o Condomínio do prédio sito na rua AAA, a Herança de BBB (herdeiros titulares da) deduziu os presentes embargos de executado, concluindo que “deve extinguir-se quanto ao oponente a execução”.
Para tanto, alegou, no essencial e que para a apelação interessa, que a ata da assembleia de condóminos que constitui o título executivo não tem força executiva, por não satisfazer os requisitos previstos no art. 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro.
Notificado o embargado, ofereceu este a sua contestação, reiterando a regularidade da instância executiva.
Na fase intermédia do processo, o tribunal a quo julgou os embargos procedentes, determinando a extinção da execução contra os embargantes.
Inconformado, o embargado apelou desta decisão, concluindo, no essencial:
“3 – A acta na qual se delibera o valor das quotas em dívida e a cobrança judicial, constitui título executivo.
4 – Considerar que apenas a acta que delibera o valor do montante da quota parte a pagar é título executivo viola o espírito do legislador do DL 268/94.
5 – Do documento junto pela exequente e respectivos documentos anexos, resulta não só os valores deliberados que teriam que se pagos pela executada, bem como os valores em dívida e a cobrança judicial, pelo que a embargante sabe qual o valor que lhe diz respeito. (…)
10 – A acta oferecida como título executivo não foi impugnada anteriormente (…) nem em sede de embargos”.
Os apelados contra-alegaram (herdeiros da herança identificada), pugnando pela manutenção de decisão do tribunal a quo recorrida.
A.B. Questões que ao tribunal cumpre solucionar
Não há questões de facto a decidir.
A única questão de direito a tratar é a da fixação dos requisitos da ata da assembleia de condóminos, para que esteja dotada de força executiva.
*
B. Fundamentação
B.A. Factos provados (conforme decidido pelo tribunal ‘a quo’)
1 – Em 29 de novembro de 2023, a ação executiva de que os presentes embargos constituem um apenso foi instaurada pelo embargado acima identificado, para pagamento da quantia de € 21.935,35.
2 – No requerimento executivo, o exequente alegou, no que releva para o caso:
«10 – Em 22 de fevereiro de 2023, reuniu a assembleia geral de condóminos do (…) aqui exequente, tendo deliberado, cfr. ponto 6 da ordem de trabalhos, deliberado sobre as “acções a tomar relativamente aos condóminos com quotas atrasadas” (…).
11 – Assim, relativamente aos aqui executados, deliberaram os condóminos que seria intentada a acção judicial atendente à recuperação do crédito».
3 – Como título executico, o exequente apresentou uma ata da assembleia de condóminos na qual consta, no que agora releva:
“Aos Vinte e dois (22) dias do mês de Fevereiro do ano dois mil e vinte e três, (…) reuniu-se em segunda convocatória, a Assembleia-geral de Condomínios do “edifício fonte sol”, sita nesta Rua AAA, n.º 3 (…);
(…)
Ponto 4, desta ordem de trabalhos: Ações a tomar relativamente aos condóminos com quotas atrasadas; assim, elenca-se o rol integral de dívida ao condomínio, respectivamente:
Loja A – fracção “A” – Herdeiros de BBB,
€ 2.000,53 – Quotas de condomínio do ano de 2015;
€ 2.047,92 – Quotas de condomínio, do ano de 2016;
€ 2.047,92 – Quotas de condomínio, do ano de 2017:
€ 2.047,92 – Quotas de condomínio, do ano de 2018;
€ 2.047,92 – Quotas de condomínio, do ano de 2019;
€ 2.047,92 – Quotas de condomínio. do ano de 2020;
€ 2.047,92 – Quotas de condomínio, do ano de 2021;
€ 2.047,92 – Quotas de condomínio, do ano de 2022;
€ 200,00 – Quota extraordinária, para execução de obras na garagem 2016;
€ 120,00 – Quotas Extra FCR 2017;
€ 30,00 – Quota Vídeo Cameras 2018:
€ 120,00 – Quota Extra Obras “Casa de Porteira” 2020
€ 1680,59 – Penalização em atraso, prevista nos termos do n.º 2 do artigo 18.º do RC
No montante total de dívida: 18.486,56 €;
(…)
9.º andar letra “B” – fracção BN” – Herdeiros de BBB,
€ 200,00 – Quota extraordinária, para execução de obras na garagem 2016;
€ 120,00 – Quotas Extra FCR 2017;
€ 30,00 – Quota Vídeo Cameras 2018;
€ 120,00 – Quota Extra Obras “Casa de Porteira” 2020
€ 47,00 – Penalização em atraso, prevista nos termos do n.º 2 do artigo 18.º do RC
Total 517,00 €
(…)
Por tudo isto, estes condóminos encontram-se em dívida para com este condomínio, nos respectivos montantes expressos, tudo nos termos e para os efeitos conjugados dos artigos
1.424.º do CC e do vertido no artigo 6.º n.º 1 e 2 do decreto-lei 268/1994 de 25 de Outubro; Submetido à votação desta assembleia-geral de condóminos os montantes acima indicados e referidos como contribuições devidas ao condomínio, com identificação nominal dos respectivos devedores, foram aprovados por unanimidade, com as seguintes recomendações / deliberações, designadamente:
Mandatar a Administração, para interpor acções coercivas, se necessário até, com recurso à via judicial, visando a recuperação deste capital em dívida e a favor deste condómino. Evidenciando-se: que o pedido deverá consistir no capital integral da dívida, acrescido dos respectivos juros vencidos e vincendos, bem como, do patrocínio judicial (procuradoria), para o que fica desde já esta administração expressamente autorizado a contratar advogado, solicitador e ou agente de execução, podendo para o efeito, se necessário, outorgar procuração, com poderes simples e ou especiais, de transigir e ou desistir, se tal for necessário, bem como outorgar os demais bom desempenham desta tarefa (…)”.
B.B. Análise dos factos e aplicação da lei
São as seguintes as questões de direito parcelares a abordar: 1. Força executiva da ata da assembleia de condóminos 2. Ata da assembleia de condóminos apresentada como título executivo 3. Responsabilidade pelas custas
1. Força executiva da ata da assembleia de condóminos
A ação executiva – ou seja, a ação judicial “em que o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida” – “tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites” da execução (art. 10.º, n.os 1, 4 e 5 do Cód. Proc. Civil). Apenas valem como título executivo os documentos a que a lei atribua força executiva, seja por expressa indicação no art. 703.º do Cód. Proc. Civil, seja por disposição especial – cfr. a al. d) do n.º 1 deste artigo.
O condomínio é credor dos condóminos pelas respetivas dívidas por encargos de condomínio (arts. 1424.º, n.º 1, e 1436.º, n.º 1, al. f), do Cód. Civil e 6.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro). Sobre este crédito, pode formar-se um título executivo especial, nos termos previstos no art. 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94.
Reza o n.º 2 deste artigo que uma ata da assembleia de condóminos “constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”. No entanto, para que assim seja, essa ata deve satisfazer os seguintes requisitos (descritos no n.º 1 ainda do mesmo artigo): a) registar a deliberação, tomada na reunião que documenta, sobre o “montante das contribuições a pagar ao condomínio”; b) conter a menção do “montante anual a pagar por cada condómino”; c) conter a menção da “data de vencimento das (…) obrigações” de cada condómino.
A lei exige que a deliberação abranja todos os condóminos, especificando, relativamente a cada um deles, o montante individual a pagar (por cada um). O conteúdo da ata identificado pelo legislador – que é o mesmo que dizer o necessário objeto das deliberações da assembleia de condóminos – não é acidental nem despido de intencionalidade.
Este conteúdo permite, em primeiro lugar, demonstrar o crédito – racional e matematicamente. Sendo exposto o “montante das contribuições a pagar ao condomínio” e indicado a permilagem da fração pertencente a cada condómino, facilmente se poderá concluir qual é o valor do crédito do condomínio (ainda não vencido, em regra) sobre cada condómino.
De pouco vale que um putativo credor afirme a existência de uma dívida vencida. Dificilmente tal declaração unilateral poderá ter força executiva. O mesmo já não é de dizer de uma deliberação sobre o quinhoar das despesas que a todos cabe liquidar – confundindo-se, até certo ponto, a qualidade (e o interesse) de credor e de devedor.
Em segundo lugar, e nesta ordem de considerações, o apontado conteúdo permite evitar abusos ou desvios de poder. Os condóminos que aprovam o crédito sobre um condómino são também os condóminos que, no mesmo ato, aprovam igual crédito – proporção da sua permilagem – sobre si próprios. Assim se mitigam parcialidades ou incorreções, quer dolosas, quer negligentes.
É certo que esta ata não documenta uma dívida (vencida) atual – como sucede com uma sentença. No entanto, oferece, pelas razões expostas, uma garantia da existência do crédito muito superior à mera declaração conclusiva, registada em ata, por parte de alguns condóminos de que outros condóminos devem um qualquer valor ao condomínio. E, demonstrado a constituição do crédito, facilmente se extrai do decurso do tempo o vencimento da dívida, sendo certo que o devedor rapidamente provará o cumprimento (extinção do crédito), caso este tenha ocorrido.
Em suma, a ata da assembleia de condóminos que pode servir de título executivo é aquela que regista uma deliberação constitutiva do crédito – isto é, que o gera ou faz nascer, mediante a fixação da responsabilidade de todos e cada um dos condóminos –, e não aquela que regista uma deliberação meramente declarativa de ciência da suposta existência de uma dívida vencida.
2. Ata da assembleia de condóminos apresentada como título executivo
A ata da assembleia de condóminos dada à execução como título executivo tem, no que para o caso releva, o teor acima reproduzido no ponto 3 – factos provados. Tal como na mesma é anunciado, regista ela as supostas “quotas atrasadas” consideradas na deliberação sobre as “ações a tomar relativamente aos condóminos” em falta.
Esta não é uma deliberação constitutiva do crédito do condomínio autor. Dela não se extrai o “montante anual a pagar por cada condómino” – nem o respetivo vencimento –, mas apenas o montante que assembleia entende que se encontra em dívida, relativamente a alguns condóminos. A assembleia limitou-se a aceitar os valores apresentados pela administração, não tendo deliberado sobre a constituição da obrigação respeitante a cada condómino.
A ata da assembleia de condóminos dada à execução não tem força executiva, não podendo servir de base à execução. Deve a decisão apelada ser mantida.
3. Responsabilidade pelas custas
A responsabilidade pelas custas cabe ao apelante (art. 527.º do Cód. Proc. Civil), por ter ficado vencido.
C. Dispositivo C.A. Do mérito do recurso
Em face do exposto, na improcedência da apelação, acorda-se em manter a decisão recorrida. C.B. Das custas
Custas a cargo do apelante. * Notifique.
Lisboa, 04-11-2025.
Paulo Ramos de Faria
Ana Rodrigues da Silva
Ana Mónica Mendonça Pavão