CASO JULGADO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
IDENTIDADE DE CAUSA DE PEDIR
IDENTIDADE DE PEDIDO
Sumário

Sumário:[1]: (Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade – art. 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil[2])
1. A definitividade na resolução do conflito de interesses, decorrente da força do caso julgado atribuída à decisão judicial que já não admite recurso ordinário ou reclamação, desdobra-se em duas vertentes:
a) por um lado, a questão decidida não pode ser de novo reapreciada (trata-se do campo próprio de atuação da exceção dilatória de caso julgado ou do efeito negativo do caso julgado);
b) por outro lado, o respeito pelo conteúdo da decisão anteriormente adotada implica que não possa haver decisão posterior que a contrarie (o que se traduz a denominada autoridade do caso julgado ou o efeito positivo do caso julgado).
2. A fronteira entre as duas figuras define-se pelos seguintes fatores:
a) com a «exceção do caso julgado» visa-se evitar o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito, ao passo que a figura da «autoridade do caso julgado» tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda - o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida;
b) com a «exceção do caso julgado» visa-se evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior, ao passo que na «autoridade do caso julgado», o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada.
3. Assim:
- uma coisa é a exceção de caso julgado, exceção dilatória, cuja procedência determina a absolvição da instância (arts. 278.º, n.º 1, al. e), 571.º, n.ºs 2, 1.ª parte, e 3, 1.ª parte, 576.º, n.º 2, e 577.º, al. i));
- outra coisa é a autoridade do caso julgado, exceção perentória, determinante da absolvição do pedido (arts. 571.º, n.º 2, 2.ª parte, e 576.º, n.º 3).
4. A causa de pedir, como fator delimitativo que é da pretensão, tanto exerce:
- uma função endoprocessual na configuração do objeto da causa e no que lhe está associado; como,
- uma função extraprocessual de definição objetiva do julgado, o que se torna fulcral mormente no âmbito das ações declarativas, permitindo ainda que a execução da sentença possa ser desprovida de meios de oposição alargada, como impõe o preceituado no artigo 729.º.
5. Os factos estruturantes da causa de pedir devem permitir, pelo menos, determinar a fonte concreta ou o título da obrigação de que emerge o efeito jurídico concreto judicialmente declarado ou decretado, o que, nas ações derivadas de direitos de obrigação, significa o facto jurídico de que nasceu o crédito;
6. (...) pelo que, nas ações de condenação, para que o autor consiga plenamente o seu fim, é indispensável que, ao lado do facto constitutivo do seu direito, alegue um facto ilícito praticado pelo réu, isto é o facto ofensivo do direito que se arroga.
7. A essencial identidade e individualidade da causa de pedir, para efeitos de caso julgado enquanto exceção dilatória, tem de aferir-se em função de uma comparação entre o núcleo essencial das causas petendi invocadas numa e noutra das ações em confronto, não sendo afetada tal identidade,:
- nem por via da alteração da qualificação jurídica dos factos concretos em que se fundamenta a pretensão;
- nem por qualquer alteração ou ampliação factual que não afete o núcleo essencial da causa de pedir que suporta ambas as ações;
- nem pela invocação, na primeira ação de determinada factualidade, perspetivada como meramente instrumental ou concretizadora dos factos essenciais.
8. Quanto à identidade de pedidos, ela não se confunde com a sobreposição formal de ambas as pretensões, antes ocorrendo quando o efeito prático-jurídico pretendido pelo autor em ambas as ações é substancialmente o mesmo.
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[1] Neste acórdão utilizar-se-á a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
[2] Diploma a que pertencem todos os preceitos legais citados sem indicação da respetiva fonte.

Texto Integral

Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO:
I-C, Lda., intentou esta ação declarativa de condenação contra G, Lda., concluindo assim a petição inicial:
«Nestes termos, nos demais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, ser a R. condenada no pagamento à A. do valor de 75.035,70€, correspondente ao montante dos prejuízos diretos que lhe causou».
Para fundamentar tal pedido, alega o seguinte:
- no dia 15 de fevereiro de 2021 celebrou com a sociedade M, S.A., um contrato de empreitada para remodelação de escritórios no CG, em Lisboa;
- para levar a cabo esta empreitada, a autora contratou a ré para executar os trabalhos de carpintaria;
- assim, no dia 9 de março de 2021 foi celebrado um contrato de subempreitada entre a autora e a ré, com vista à realização desses trabalhos de carpintaria;
- nos termos desse contrato de subempreitada, a autora obrigou-se a liquidar 30% do valor do orçamento na adjudicação dos trabalhos à ré, o que fez, sendo os pagamentos subsequentes feitos no prazo de 30 dias após a aprovação do respetivo auto de mediação relativo aos trabalhos executados;
- ficou ainda estipulado que a data de conclusão dos trabalhos seria no dia 21 de maio de 2021;
- uma das condições essenciais da celebração do contrato de subempreitada entre a autora e a ré foi o prazo de execução dos trabalhos estabelecido, uma vez que também a autora tinha de cumprir o prazo de execução da empreitada acordado com a dona da obra;
- a ré não cumpriu o prazo previsto no contrato de subempreitada, uma vez que nunca concluiu a obra, tendo-a abandonado sem que os trabalhos de carpintaria tivessem ficado concluídos e, designadamente, sem ter devolvido diversas peças já executadas e montadas, que retirou da obra, alegadamente para reparar os defeitos denunciados pela autora;
- embora o prazo inicial para entrega da obra pela ré tivesse sido fixado para o dia 21 de maio de 2021, a autora, no seguimento da posição assumida pela dona da obra quanto à empreitada global, permitiu que essa entrega fosse prorrogada;
- com efeito, a M, S.A. comunicou à autora que, caso a obra fosse concluída e entregue até 19 de julho de 2021, data para a qual agendou a inauguração do espaço, não exigiria a multa diária contratualmente prevista para o atraso na conclusão da empreitada;
- assim, era do conhecimento da ré que os trabalhos de execução que lhe tinham sido adjudicados, os últimos a serem executados e colocados na obra, tinham de estar concluídos impreterivelmente no fim de semana anterior a esse dia 19 de julho de 2021, de modo que a dona da obra tivesse condições para realizar a inauguração do espaço;
- sucede que, embora a ré tivesse colocado na obra as peças de carpintaria que executou, muitas delas careciam de correção de defeitos, que foram oportunamente denunciados pela autora, na sequência de a dona da obra não as ter aceitado;
- a autora interpelou a ré por diversas vezes para que corrigisse os defeitos existentes nos seus trabalhos, sendo que a última interpelação ocorreu no dia 14 de julho de 2021, ou seja, a poucos dias do final do prazo concedido como limite pela dona da obra para a entrega da empreitada;
- porém, a ré não cumpriu com o seu dever de corrigir todos os defeitos existentes, recusando-se a efetuar as correções, as quais fez depender do pagamento de faturas que naquela altura ainda não eram devidas;
- no dia 16 de julho de 2021 solicitou diretamente ao dono da obra autorização para retirar várias peças que alegadamente careciam de correção, comprometendo-se a recolocar as mesmas no dia 18 de julho de 2021;
- contudo, a ré não corrigiu os defeitos nem recolocou as peças como assegurou que iria fazer, abandonando a obra;
- em consequência da descrita atuação da ré, por carta enviada no dia 29 de julho de 2021 e recebida no dia 10 de agosto de 2021, M, S.A. resolveu o contrato de empreitada que havia celebrado com a autora, com o fundamento de que esta não entregou a obra concluída no dia determinado para o efeito;
- nessa carta de resolução, a M, S.A. invoca a descrita atuação da ré como justificação para a resolução do contrato de empreitada;
- consequentemente, a M, S.A. não pagou à autora o valor respeitante às faturas n.ºs 1/280, 1/279 e 1/278, as quais perfazem o valor de 70.035,70€, tendo procedido à anulação daquelas faturas;
- além disso, em consequência do incumprimento do contrato de empreitada, a autora indemnizou ainda a M, S.A. no montante de € 5.000,00.
*
Na contestação que apresentou, a ré invocou a exceção dilatória de caso julgado, alegando que instaurou contra a autora procedimento de injunção, a que foi atribuído o n.º ____/21.7YIPRT, transmutado em ação comum, com vista ao pagamento, por esta, da quantia de € 51.950,99, acrescida de juros de mora e do valor da taxa de justiça.
A causa de pedir que subjaz a tal pedido é o incumprimento, pela aqui autora, do acima aludido contrato se subempreitada.
Além de contestar, a aqui autora (ali ré), deduziu reconvenção contra a ali autora (aqui ré), pedindo a condenação desta a pagar-lhe:
«a. €70.035,70 (setenta mil e trinta e cinco euros e setenta cêntimos), a título de prejuízos diretos, correspondente ao montante total que titulado pelas faturas com os números n.ºs 1/280, 1/279 e 1/278, emitidas pela ora Autora e não pagas pela M, S.A.;
b. €5.000,00 (cinco mil euros) a título de dano na imagem;
c. Uma indemnização pelos danos futuros, ainda não quantificados, correspondentes às eventuais indemnizações que a Requerida seja condenada a pagar à empresa M S.A. devido ao incumprimento do contrato de empreitada da obra sub judice, a liquidar em articulado superveniente ou em execução de sentença».
A causa de pedir que subjaz a tal pedido reconvencional é a mesma que vem invocada nesta ação.
*
A autora respondeu, pugnando pela improcedência da invocada exceção dilatória de caso julgado.
*
No dia 6 de fevereiro de 2025, a senhora juíza a quo proferiu o seguinte surpreendente despacho (Referência: 155386776):
«Nos termos do disposto nos artigos 6º e 547º do Código de Processo Civil, notifique as partes para, querendo virem, em 20 dias, pronunciar-se quanto à exceção dilatória de autoridade do caso julgado por referência à decisão proferida nos autos de Processo Comum nº ____/21.7YIPRT que correram termos junto do Juízo Central Cível de ____ - Juiz _ e a presente ação».
*
Após pronuncia das partes, a senhora juíza a quo proferiu decisão, de cuja parte dispositiva consta, no que releva para o presente recurso, o seguinte:
«Pelo exposto:
a) Julgo verificada a exceção dilatória do caso julgado e, consequentemente, absolvo o R. da presente instância».
*
É desta decisão que a autora vem apelar para o Tribunal da Relação de Lisboa, concluindo assim as respetivas alegações:
«A. Errou a douta sentença sub judice ao considerar verificada a exceção dilatória de caso julgado, violando, assim, o disposto nos artigos 581º, n.º 4, e 621º do CPC.
B. No processo n.º ____/21.7YIPRT, que correu termos no Juiz _ do Juízo Central Cível de ____, ficou decidido que não estava preenchido o nexo de causalidade exigível para considerar a responsabilidade da ora Recorrida.
C. Tendo esse processo anterior considerado que faltava tal requisito do nexo de causalidade, é possível, ao abrigo do disposto no artigo 621º do CPC, recorrer à presente ação nos termos em que a Recorrente o faz.
D. A Recorrente, nos presentes autos, estriba a sua pretensão na ocorrência de um facto superveniente ao trânsito em julgado daquela decisão, consubstanciado num acordo celebrado com a dona da obra e no qual assenta o seu pedido.
E. O referido acordo – a causa de pedir nos presentes autos – nunca foi analisado por um Tribunal, dada a sua superveniência, pelo que não se verifica a identidade de causa de pedir, necessária para a verificação de uma situação de exceção do caso julgado.

Conforme refere Rui Pinto, «depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial»[1].
No presente recurso, após a formulação das conclusões as apelantes deduzem o seguinte pedido revogatório:
«Nestes termos, nos demais de Direito (...), deverá a sentença recorrida ser revogada, prosseguindo a ação os seus trâmites, assim se fazendo
JUSTIÇA!»
*
A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção do recurso.
***
II – ÂMBITO DO RECURSO:
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objeto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Assim, perante as conclusões da alegação da apelante, e dada a confusão conceitual revelada pelo tribunal a quo acerca do instituto do caso julgado, neste recurso importa decidir, se se verifica, ou não:
- a exceção dilatória de caso julgado, determinante da absolvição da ré da instância; ou, se não for este o caso,
- a exceção perentória de autoridade do caso julgado, determinante da absolvição da ré do pedido.
***
III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
A factualidade processual relevante para a decisão deste recurso é a que decorre do antecedente relatório, a que acresce o seguinte:
1 – No dia 9 de dezembro de 2022, no âmbito do Proc. n.º ____/21.7YIPRT, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Central Cível de ____ - Juiz _, em que foi autora, G, Lda. (aqui ré), e ré, I-C, Lda. (aqui autora), foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Pelo exposto, julgo a ação improcedente por não provada e parcialmente procedente o pedido reconvencional e, em consequência:
a) Absolvo a R. I-C, Lda. do pedido contra ela deduzido.
b) Condeno a A. G, Lda. a pagar à R. I-C, Lda. a título indemnização as quantias correspondentes às indemnizações que a R. seja condenada a pagar à empresa M S.A., bem como as quantias que deixe de receber desta, decorrentes do incumprimento do contrato de subempreitada celebrado entre A. e R. sub Júdice».
2 – Consta do relatório dessa sentença, além do mais, o seguinte:
«G, Lda. veio apresentar requerimento de injunção, o qual seguiu termos como ação declarativa de condenação com processo comum, contra I-C, Lda. pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 51.950,99 acrescida de juros de mora vencidos no montante de € 923,11 e de vincendos, bem como no valor da taxa de justiça.
Alega ser uma empresa industrial que se dedica ao desenho, fabrico e montagem de móveis, revestimentos e produtos em madeira; a R. dedica-se, entre outras atividades, à construção civil, obras públicas e remodelações.
A pedido da R. e no âmbito das respetivas atividades, em 8 de março de 2021 apresentou-lhe um orçamento relativo ao fornecimento e montagem de carpintarias destinadas à obra dos escritórios do Grupo M, S.A. de cuja remodelação a R. estava incumbida pelo proprietário.
A R. aceitou o orçamento a 9 de março de 2021, no valor de € 123.102,79, devendo o preço ser pago 30% na data da adjudicação dos trabalhos e os restantes pagamentos por auto de medição mensais, a liquidar na data da emissão da fatura.
Os trabalhos a realizar incluíam mão de obra e materiais; a obra teve início a 27 de abril de 2021 e os trabalhos foram concluídos a 10 de julho de 2021.
A A. emitiu a 30 de junho de 2021 com vencimento nessa data, a fatura referente ao auto mensal dos trabalhos realizados no mês de junho, que remeteu à R. e, a 15 de julho de 2021, com vencimento nessa data a fatura referente aos trabalhos realizados em julho, que igualmente remeteu à R..
A R. não pagou os valores titulados nas faturas, pese embora as insistências da A..
Citada a R. veio contestar e reconvir.
Aceita ter celebrado com a A. em 9 de março de 2021 um contrato de subempreitada com vista à realização de trabalhos de carpintaria na obra do grupo M, S.A. que lhe havia sido adjudicada enquanto empreiteira, tendo-se a A. obrigado a executar os trabalhos que lhe tinham sido adjudicados até ao dia 21 de maio de 2021, obrigando-se a R. a liquidar 30% do valor do orçamento na adjudicação dos trabalhos, sendo os pagamentos subsequentes feitos no prazo de 30 dias após a aprovação do respetivo auto de medição.
Defende-se por exceção, alegando que o prazo de conclusão da subempreitada, 21 de maio de 2021, foi condição essencial para a adjudicação dos trabalhos à A., porém, ogo em 19 de março de 2021 a A. assumiu que não estava em condições de cumprir o prazo contratualmente acordado, solicitando que fosse alterado o planeamento dos trabalhos; por várias vezes alertou a A. da máxima urgência em terminar os trabalhos, atentas as consequências que os atrasos verificados significavam para a R., não tendo a A. cumprido o prazo previsto no contrato, uma vez que nunca concluiu a obra, tendo-a mesmo abandonado em 17 de julho de 2021; os atrasos da A., atendendo à dinâmica das empreitadas e à interligação entre os vários trabalhos das diferentes áreas, tiveram como consequência o incumprimento contratual da R., no que respeita à conclusão atempada da obra.
Mais alega que, a par dos atrasos na entrega dos trabalhos adjudicados e da não conclusão da subempreitada, verificaram-se várias anomalias nos trabalhos entregues, as quais foram oportunamente denunciadas pela R., mas não corrigidas pela A..
A A. limitou-se a fazer depender a correção dos defeitos enunciados do pagamento das faturas que naquela altura ainda não se encontravam vencidas; a par da omissão de correção dos defeitos, a A. destruiu alguns dos trabalhos executados e furtou vários materiais que se encontravam em obra. No fim de semana anterior à mudança dos serviços da M, S.A. para as novas instalações, a A., solicitou ao dono da obra autorização para ir à obra desmontar algumas pelas que tinham sido mal executadas par as levar para reparação e depois de as ter em seu poder, exigiu o pagamento imediato de todos os valores e ainda o pagamento de uma quantia exorbitante pela reparação das peças. Em face do que alega invoca a exceção do não cumprimento.
A título de reconvenção, alega que os factos descritos, consubstanciados no incumprimento contratual da A., lhe causaram graves prejuízos, dado que tal incumprimento fez com que incumprisse o prazo de execução da empreitada, vindo o dono da obra a resolver o contrato de empreitada em 29 de julho de 2021, com a exigência do pagamento de uma penalização à R./Reconvinda e à recusa de pagar as últimas faturas da obra.
Verifica-se assim uma situação de responsabilidade civil da A., que com a sua atuação causou prejuízos à R. diretos e indiretos causando danos à imagem da R. que tinha a legítima expectativa de voltar a celebrar outros contratos com o cliente M, S.A..
Conclui pedindo a condenação da A./Reconvinda no pagamento de uma indemnização em quantia não inferior a € 75.035,70, à qual deverá acrescer uma indemnização pelos danos futuros, correspondentes às eventuais indemnizações que a R./Reconvinte seja condenada a pagar à empresa M, S.A..
Invoca ainda a compensação, caso se entenda, no que não concede, que é responsável pelo pagamento de algum valor à A./Reconvida.
Conclui pela improcedência da ação por não provada, por verificação da exceção de não cumprimento do contrato, sendo absolvida do pedido; caso assim não se entenda, o que não concede, deve o crédito exigido pela A. ser extinto por via da compensação de créditos.
E, pela procedência da reconvenção condenando-se a A./Reconvinda a pagar-lhe 70.035,70€, a título de prejuízos diretos; 5.000,00€ a título de dano na imagem; uma indemnização pelos danos futuros, ainda não quantificados na presente data, correspondentes às eventuais indemnizações que a R. seja condenada a pagar à empresa M S.A. devido ao incumprimento do contrato de empreitada da obra sub Júdice, a liquidar em articulado superveniente ou em execução de sentença».
3 – Com relevo para a decisão do presente recurso, consta da fundamentação jurídica da mesma sentença:
«Pedido reconvencional
Veio o R. deduzir pedido reconvencional pedindo a condenação da A. a pagar-lhe 70.035,70€, a título de prejuízos diretos; 5.000,00€ a título de dano na imagem; uma indemnização pelos danos futuros, ainda não quantificados na presente data, correspondentes às eventuais indemnizações que a Requerida seja condenada a pagar à empresa M S.A. devido ao incumprimento do contrato de empreitada da obra sub Júdice, a liquidar em articulado superveniente ou em execução de sentença.
Do supra exposto, afigura-se-nos ser já evidente qual a conclusão do Tribunal quanto ao incumprimento contratual da A..
Tal como acima referimos dos factos provados resulta que a A. incumpriu o contrato celebrado com a R., dando causa à resolução do contrato celebrado entre a R. e a M, S.A. dono da obra.
Estatuem, respetivamente, os artigos 798º, 799º e 801º do Código Civil:
“(...)
É neste quadro da responsabilidade civil contratual e não extracontratual que tem de ser aferida a responsabilidade da A., perante a R. em decorrência do incumprimento contratual da primeira.
Desde logo não logrou a A. provar que a falta de cumprimento da prestação a que se obrigou, não procedeu de culpa sua, dando-se por reproduzidos os fundamentos supra, reiteramos ser o incumprimento contratual inteiramente imputável à A..
Vejamos então se a R. logrou provar os prejuízos que alegou.
Realizado o julgamento a este respeito provou-se:
- Face aos atrasos da A. na execução da obra, a M, S.A. acabou por resolver o contrato de empreitada com a R. por carta enviada em 29 de julho de 2021, com o teor constante do doc. junto a fls. 42 verso e 43, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
- A M, S.A. não efetuou o pagamento à R. das últimas faturas desta obra n.ºs 1/280, 1/279 e 1/278, as quais perfazem o valor de 70.035,70€.
- A obra da M, S.A. constituía uma obra de referência para a R., dada a sua localização no centro de Lisboa e a importância da cliente M, S.A. para o futuro da R., que tinha a expectativa de voltar a executar outros trabalhos para aquela.
- Os factos descritos fizeram com que esta expectativa se frustrasse, dada a quebra de confiança da cliente M, S.A. na R..
- A imagem da R. perante a M, S.A. ficou denegrida pela atuação da A..
Não logrou, porém, a R. provar nem quais os concretos motivos para a recusa do pagamento das faturas pelo dono da obra, nem que tivesse exigido o pagamento das mesmas ou tão pouco que tivesse pago a fatura relativa a penalidades emitida pelo dono de obra, ou que o pagamento da mesma lhe tivesse sido exigido.
Sendo a A. responsável pelos danos decorrentes para a R. do incumprimento contratual da primeira, não existem elementos para fixar o quantum indemnizatório no que aos danos diretos respeita, dado que este depende das quantias que a R. venha efetivamente a liquidar ou que deixe de receber pelos trabalhos que a A. deixou de executar e que levaram à resolução do contrato pelo dono da obra.
Nestes termos e atento o disposto no artigo 609º do Código de Processo Civil será a A. condenada a pagar à R. a título reconvencional o que vier a ser liquidado em função das indemnizações que seja condenada a pagar à M, S.A. decorrentes do incumprimento da A..
Quanto aos danos de imagem alegados, os factos provados não são o bastante para consubstanciar um dano na imagem comercial da R., perante a M, S.A..
Dos factos resulta que a R. tinha uma expectativa de vir a negociar com a M, S.A., nada se provando no sentido de a expectativa ser recíproca, ou seja, nada se provou no sentido de não tendo sido o comportamento da A., a M, S.A. certamente teria celebrado outros contratos com a R. pois era essa a sua intenção.
Do julgamento extrai-se tão só que a R., unilateralmente, tinha uma expectativa de vir a celebrar outros negócios com o dono da obra e que em face dos termos em que decorreu a subempreitada viu essa expectativa gorada, tal é insuficiente para julgar provado o dano de imagem da R..
Com efeito, só se se provasse que a M, S.A. era o único ou principal cliente da R. se poderia falar de dano de imagem em face dos factos provados, porém, tal não resulta manifestamente dos autos, pelo que, quanto ao alegado dano de imagem será a A. absolvida do pedido formulado a título reconvencional.
Nestes termos e carreando para aqui os fundamentos já expendidos a respeito do incumprimento contratual da A., julga-se o pedido reconvencional parcialmente procedente na medida do provado, sendo a A. condenada no pagamento à R. da indemnização que vier a ser liquidada».
4 – Inconformada com o decidido na referida sentença, a ali autora, aqui ré, G, LDA., apelou para este Tribunal da Relação de Lisboa, que no dia 16 de maio de 2023 proferiu o acórdão com a Ref.ª 19985165, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência:
a. Revogar a decisão recorrida no que diz respeito ao segmento da alínea a) do dispositivo e condenar a ré I-C, Lda. no pagamento à autora G, Lda. da factura n.º 2021/200, no valor de 23 037,06 € (vinte e três mil e trinta e sete euros e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados desde a data do seu vencimento, com base na taxa supletiva dos juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, mensalmente fixada por Aviso da Direcção Geral do Tesouro, conforme Portaria n.º 597/2005, de 19 de Julho, absolvendo-a do demais peticionado;
b. Revogar a decisão recorrida no que diz respeito ao segmento da alínea b) do dispositivo e absolver a autora/reconvinda do pedido reconvencional».
5 – O Ac. do TRL alterou a decisão da 1.ª instância quanto à matéria de facto, provada e não provada, a qual, no que para aqui e agora interessa, passou a ser a seguinte:
Factos provados:
«c) No âmbito das respectivas actividades, em 8 de Março de 2021, a A. apresentou à R. o orçamento GF_____ relativo ao fornecimento e montagem de carpintarias destinadas à obra dos escritórios Grupo M, S.A., sita no edifício CG, em Lisboa, de cuja remodelação a R. estava incumbida pelo proprietário no âmbito da sua actividade profissional.
d) O orçamento apresentado referido em c) tinha como observações “Com Adjudicação até 8/3 conclusão até 21/5”.
e) A R. aceitou o orçamento a 9 de Março de 2021, no valor total de 123.102,79 €.
f) O preço deveria ser pago pela ré: 30% na data da adjudicação dos trabalhos e os restantes pagamentos por auto de medição mensais.
g) Os trabalhos a realizar pela A. incluíam mão-de-obra e materiais.
h) Nos termos do contrato celebrado entre as partes, a A. obrigou-se a executar os trabalhos que lhe tinham sido adjudicados pela R. até ao dia 21 de Maio de 2021.
i) Nos termos do referido contrato a R. obrigou-se a liquidar 30% do valor do orçamento na adjudicação dos trabalhos à A., o que fez, sendo os pagamentos subsequentes feitos no prazo de 30 dias após a aprovação do respectivo auto de medição.
j) O prazo de conclusão da subempreitada indicado em h) foi condição essencial para a adjudicação dos trabalhos pela R. à A., dado que, enquanto empreiteira desta obra, a R. assumiu igualmente obrigações, entre as quais o prazo de execução da empreitada até esse dia 21 de Maio 2021.
k) Nos termos impostos pela R., “antes da execução dos trabalhos, o adjudicatário obrigar-se-á a apresentar à consideração da direção de obra amostras/documentação técnica de todos os materiais e acessórios a instalar, tudo sujeito a aprovação para início dos trabalhos”.
l) Os trabalhos subcontratados à A. deveriam seriam efectuados de acordo com o planeamento inicial elaborado pela R., nos termos constantes do documento junto a fls. 83 verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
m) A 16 de Março de 2021, a R. enviou à A. o planeamento com entrada da A. em obra a 12 de Abril, ao qual a A. respondeu, por mensagem de correio electrónico de 19 de Março de 2021, com o seguinte teor:
“Após analisarmos o planeamento partilhado e contemplando a nossa entrada a 12 abril e saída a 21 de maio, atendendo à ordem de trabalhos somos forçados a informar que não iremos conseguir entrar na data por vós prevista. Estamos já partilhar com a … esta informação pois, acima de tudo, queremos manter a transparência e, ao mesmo tempo, pedir a vossa colaboração neste tema, para em que conjunto, possamos encontrar uma solução ou comprar mais tempo ao vosso cliente.
Este arrastar de datas pesa sobretudo, como vimos na visita à obra, os acesso irão condicionar o transporte de material, o que por uma lado leva a um repensar da modulação dos itens orçamentados e, por outro, torna todo o processo de montagem mais moroso. A acrescentar ainda existem alguns pontos que ainda estão a ser fechados o que não nos permite fechar os desenhos de preparação.
Neste momento e com a informação que temos estamos a considerar entrar em obra dia a 3 de maio e sair a 5 junho.
Aguardamos o vosso feedback,”
n) Em 19 de Março de 2021, a autora, através da mensagem de correio electrónico referida em m) informou não conseguir entrar na obra na data prevista e propôs outras datas para o efeito.
o) Durante os meses de Março e Abril de 2021 a ré introduziu alterações nas peças desenhadas e escritas no projecto, obrigando a autora a proceder a alterações aos desenhos técnicos necessários à produção das carpintarias.
q) Em 7 de Maio de 2021 a A. remeteu à Directora de Produção da R., a mensagem de correio electrónico com o conteúdo do documento junto a fls. 84 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, onde refere que de acordo com o cronograma estava prevista a sua entrada no dia 4/5, mas devido à falta de condições em obra, entraram com o mobiliário apenas no dia 5/5, não estando os gabinetes por onde deveriam iniciar em condições, pelo que houve que reprogramar os trabalhos, a iniciar apenas a 10 de Maio.
r) A ré alertou a autora, por diversas vezes, para a necessidade de terminar os trabalhos de carpintaria em função dos prazos previstos para o término da obra, dando conta de possíveis prejuízos para si caso tal não sucedesse.
s) A autora executou a globalidade das peças de carpintaria contratadas, que colocou na obra, mas não cumpriu o prazo referido em j).
t) No final de Junho de 2021, a A. elaborou o respectivo auto com os trabalhos realizados, aprovado pela R., e emitiu a factura nº 200.
u) O auto de medição de Junho de 2021 foi aprovado por A. e R..
v) A 30 de Junho de 2021, indicando como data de vencimento a mesma data, a autora emitiu a factura 2021/200, no valor de 23 037,06 €, referente ao auto mensal dos trabalhos realizados no mês de Junho, que remeteu à ré, que não a devolveu.
w) Em 7 de Julho de 2021, a R. informou a A. de que era necessário proceder a várias rectificações nos mais variados locais da obra.
x) Posteriormente, mantendo-se defeitos, a ré, através de mensagens de correio electrónico dirigidas à autora, com datas de 8 de Julho de 2021, 10 de Julho de 2021, 11 de Julho de 2021 e 14 de Julho de 2021, voltou a pressioná-la para que aqueles fossem corrigidos, tendo a autora procedido apenas a algumas reparações exequíveis no local.
y) Várias peças fabricadas pela A. e colocadas na obra foram reclamadas pela R. por apresentarem defeitos.
z) Após a analisar as reclamações, a A. concluiu que das peças reclamadas, apenas 18 peças tinham defeito, tendo procedido à sua imediata substituição, rejeitando qualquer responsabilidade na reparação das demais situações, por entender que foram danificadas por responsabilidade da R..
aa) Relativamente às peças danificadas cuja responsabilidade rejeitou a A. propôs-se a realizar esse trabalho extraordinário, reparando as peças desde que a R. assumisse o pagamento do custo dessa reparação.
bb) A A., no fim-de-semana anterior à mudança dos serviços da M, S.A. para as novas instalações, solicitou autorização para ir à obra desmontar algumas peças que tinham sido mal executadas para as levar para reparação.
cc) Sendo que, depois de ter as peças em seu poder, exigiu o pagamento imediato do valor de todos os trabalhos, e, ainda, uma quantia pela reparação dessas peças.
dd) Tais peças já tinham sido colocadas e entregues ao dono da obra e este autorizou que fossem retiradas apenas por lhe ter sido garantido pela Arquitecta AF, legal representante da A., que eram levadas com o único intuito de serem reparadas e recolocadas em 48 horas, de forma a ficar tudo pronto para que a M, S.A. pudesse ocupar as instalações a partir da segunda-feira seguinte, para o que já tinha feito a mudança nesse fim de semana.
ee) Em 13 de Julho de 2021 a A. remeteu à R., uma mensagem de correio electrónico com o seguinte conteúdo:
“Boa Tarde …,
No seguimento da reunião de ontem propomos a execução dos trabalhos em anexo nos próximos dias 15,16 e 17 a partir das 8:30H com duração até ás 20h.
Na sequencia das diversas tentativas de contacto telefónico e por email aguardamos o pagamento das 3 facturas vencidas:
(...)
Perante a ausência do pagamento das mesmas até a data somos obrigados a condicionar os trabalhos acima propostos, até ao pagamento das mesmas.
Caso o pagamento seja realizado até amanha ás 15h, estaremos na Obra da M, S.A. no dia 15,16,17, caso contrário não teremos condições para realizar os mesmos.
Relembro que a G já forneceu 100% dos artigos contratados e estamos apenas a preparar afinações e retificações, como tal é nos devido o pagamento da Fact 200 assim como das outras facturas referentes a outra obra também já concluída.
Agradeço assim a sua compreensão e celeridade no pagamento.”
ff) Em 15 de Julho de 2021, a A. elaborou um auto referente aos trabalhos realizados no mês de Julho e emitiu a factura 204, que enviou à R..
gg) A R. não aprovou o auto de medição referente à factura n.º 204/2021 emitida pela A..
hh) A 15 de Julho de 2021, indicando como vencimento a mesma data, a A. emitiu a factura 2021/204, no valor de € 28.913,93, e por referência o auto de obra referente à produção e montagem de carpintaria dos escritórios M, S.A. no CG em Lisboa, que remeteu à R..
ii) A A. fez depender a correcção dos defeitos enunciados do pagamento das facturas referidas em v) e hh).
jj) A R. não pagou à A. os valores titulados nas facturas supra, pese embora a insistência da A..
kk) Após os factos referidos em bb), a A. remeteu à ré, em 17 de Julho de 2021, às 17h38, uma mensagem de correio electrónico com o seguinte conteúdo:
“Concluímos agora a primeira fase das reparações da obra do escritório do grupo M, S.A., que consistiu na recolha das peças a reparar.
Tendo já o número correto final das peças a reparar, concluímos que o valor desta reparação, a suportar pela Inovbuild, será de 12.720€.
De modo a avançarmos de imediato para a correção das peças e montagem das mesmas em obra, agradecemos que seja transferido o valor global em falta, devido pelo nosso trabalho, num total de 72. 110,26 €, já incluindo estes 12.720€.
Assim que confirmemos a receção da valor em conta, avançaremos com a reparação e instalação das peças recolhidas, assim como às afinações finais referidas anteriormente.
Atentamente,”
ll) A autora corrigiu alguns dos defeitos reclamados pela ré consistentes em afinações e rectificações no local da obra, mas os demais, designadamente as peças retiradas do local, mantiveram-se sem reparação.
mm) A retirada das peças pela autora e a sua não recolocação referidas nas alíneas bb), cc) e ll) impediu que a ré entregasse a obra à dona de obra na data prevista para a inauguração (19 de Julho de 2021).
nn) A M, S. A. dirigiu à ré uma carta, entregue em 10 de Agosto de 2021, com o seguinte teor:
“Pela nossa carta (adjudicação n° 1/2021), datada de 15 de Fevereiro de 2021, foi-vos adjudicada a obra de remodelação interior de escritórios do 11° piso do edifício CG, Lisboa.
Por declaração da mesma data, V. Exas. aceitaram a referida adjudicação com todas as suas condições gerais e especiais.
Das vossas obrigações contratualmente assumidas relevam na presente situação:
a) A obrigação de iniciarem os trabalhos em 20 de Fevereiro de 2021;
b) A obrigação de terminarem os trabalhos em 21 de Maio de 2021;
c) Não subempreitar total ou parcialmente os trabalhos adjudicados sem nossa autorização escrita. Acrescenta o contrato que, sendo dada tal autorização, V. Exas. como Empreiteiro continuam a ser a única entidade responsável, quer perante a Dona da Obra, quer perante as entidades públicas.
Por outro lado, é essencial num contrato a execução e entrega da obra conforme contratualizado. No plano factual, verificaram-se os seguintes factos:
a) A obra em 21 de Maio de 2021 não estava concluída;
b) V. Exas estavam avisados e conhecedores de que a nossa Empresa tudo planificou no sentido de, o mais tardar até 19 de Julho de 2021, ter todos os seus serviços instalados no CG e aí exercer todas as actividades sem qualquer limitação ou restrição;
c) Essa empresa jamais pediu suspensão de contagem do prazo contratualizado, nem por motivos de força maior, nem por qualquer outro motivo;
d) Subcontrataram parte da empreitada numa outra Empresa a G, LDA., sem qualquer autorização escrita da nossa parte;
e) No fim de semana de 17 e 18 de Julho, a pretexto da necessidade de reparação de algumas peças em oficina alguns trabalhadores afectos à obra removeram e levaram portas, tampas e forras, que até hoje não foram restituídas. Nem reparadas, nem por reparar.
f) Removeram peças que nem necessitavam de ser reparadas, tendo a remoção sido feita de forma selectiva, já que foram retiradas uma ou duas peças de cada gabinete, o que o impede a utilização desses gabinetes desde Segunda-Feira, dia 19/07/2021.
g) Os trabalhadores que removeram os bens do local, afirmaram à Dona da Obra que iriam levar apenas as peças danificadas e que, após isso, recolocariam tudo antes da Segunda Feira, 19/07/2021, para garantir a inauguração e o início da utilização do espaço.
h) Apesar disso, tais trabalhadores, aparentemente pertencentes ao V/ subempreiteiro G, Lda., nada repararam e nada recolocaram até hoje, e além disso destruíram parte do trabalho já executado e deixaram um rasto de vandalismo prepositado.
i) A obra foi abandonada em estado de inacabada e j) Vandalizada com indícios de vandalização dolosa.
k) Tanto mais que o V/ subempreiteiro, invocou para o efeito (não sabemos se bem ou mal) dividas vossas relativas a esta obra e a outras (também nada sabemos da eventual veracidade disto).
l) O que sabemos é que, em consequência disto, estamos obrigados a trabalhar parcialmente no local e com muitas limitações e dificuldades.
m) E que fomos forçados a contratar nova entidade para reparar os danos e completar o que falta fazer e que é da V/ responsabilidade.
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no ponto 16 das Condições Gerais da Empreitada, dos artigos 432.º, n° 1 e 436° n° 1, ambos do Código Civil, procedemos por esta via à resolução com justa causa do contrato de empreitada em referência, entre nós celebrado em 15 de Fevereiro de 2021.
A presente resolução contratual é feita sem prejuízo do nosso direito à indemnização pelos danos causados com o vosso incumprimento e abandono da obra, e pelo pagamento das penalidades previstas no n° 11, alínea e) das CGE, no valor de 154.875,00 (= 525.000/1000x5x59 dias).”
oo) A M, S.A. não efectuou o pagamento à R. das últimas facturas desta obra n.ºs 1/280, 1/279 e 1/278, as quais perfazem o valor de 70035,70 €.
pp) A obra da M, S.A. constituía uma obra de referência para a R., dada a sua localização no centro de Lisboa e a importância da cliente M, S.A. para o futuro da R., que tinha a expectativa de voltar a executar outros trabalhos para aquela.
*
Factos não provados:
1) que o orçamento referido c) tivesse sido apresentado a pedido da R..
2) que os trabalhos deveriam ser liquidados na data da emissão da factura.
3) que a obra da A. teve início a 27 de Abril de 2021, nem que só nessa data a R. possibilitou à A. que entrasse na obra.
4) que os trabalhos foram concluídos pela A. a 10 de Julho de 2021.
5) que à data da emissão da factura referida em v) a obra estivesse concluída.
6) que a M, S.A. recusou o pagamento das facturas referidas em oo).
7) que apenas a 23 de Março de 2021 a R. liquidou os 30% do valor da adjudicação, nem que em 17 de Junho de 2021 tivesse liquidado os trabalhos realizados no mês de Maio.
8) que a autora realizou as correcções/substituições reclamadas pela ré aos trabalhos executados.
9) que após a adjudicação a R. procedeu a sucessivas alterações ao projecto, obrigando a A. a redesenhar várias vezes as peças e não aprovando as preparações da A., designadamente ao nível dos desenhos técnicos e materiais, atrasando constantemente a actividade de produção das carpintarias.
10) que durante o mês de Março a R. realizou alterações ao cronograma geral da obra, nem que em função dessas alterações obrigou a A. a alterar sucessivamente o planeamento e o cronograma dos seus trabalhos.
11) que por acordo entre A. e R. o prazo de conclusão dos trabalhos foi adiado para 28 de Maio de 2021.
12) que a R. não concluiu as paredes, tectos e pavimentos de acordo com o cronograma por si estabelecido, impedindo a A. de confirmar e rectificar as medidas dos móveis em obra na data prevista.
13) que a R. se obrigou a concluir todos os trabalhos referentes aos tectos falsos, revestimento de paredes e pavimentos e pinturas, antes da entrada da A. na obra, disponibilizando-lhe os locais limpos e prontos a receberem as carpintarias.
14) que na data referida em ff) a obra da A. estava concluída, nem que o auto de medição tivesse sido aprovado pela R..
15) que na data referida em ff) faltava apenas realizar afinações e rectificações finais nas carpintarias.
16) que a R. seja conhecida no mercado por não pagar aos fornecedores.
17) Os trabalhos a que se refere o auto de medição de Junho de 2021 apresentaram vários defeitos, cuja correcção foi solicitada pela R. à A. e que esta recusou fazer.
18) A A., a par da desmontagem das peças que necessitavam de reparação, desmontou outras que não necessitava de correcção de defeitos e destruiu alguns dos trabalhos executados.
19) Os factos descritos em nn) fizeram com que esta expectativa se frustrasse, dada a quebra de confiança da cliente M, S.A. na R..
20) A imagem da R. perante a M, S.A. ficou denegrida pela actuação da A.».
8 – É a seguinte a fundamentação jurídica do Ac. do TRL, na parte que interessa para a decisão do presente recurso:
«3.2.2. Da reconvenção
A ré, sustentando que foi o incumprimento da autora que determinou o seu incumprimento do contrato de empreitada perante a dona da obra, conforme a carta de resolução referida em nn), invoca a existência de prejuízos que consistem na indemnização que a M. S.A lhe está a exigir (no valor de 190 496,25 €) e no montante das facturas n.ºs 1/280, 1/279 e 1/278 que emitiu e que a dona da obra se recusa a pagar, no valor total de 70 035,70 €; mais alegou que a sua imagem ficou denegrida e que tinha a expectativa de executar outros trabalhos para a M. S.A, o que não sucedeu e, com base nisto, pediu a condenação da autora/reconvinda no pagamento da quantia 70 035,70 € referente aos prejuízos directos e 5 000,00 € e pelos danos não patrimoniais.
Mais deduziu um pedido de indemnização de danos futuros, correspondentes a eventuais indemnizações que a ré seja condenada a pagar à M, S.A., devido ao incumprimento do contrato de empreitada, a liquidar supervenientemente.
A 1ª instância entendeu estar demonstrado que a autora, por ter incumprido o contrato celebrado com a ré, deu causa à resolução do contrato de empreitada, mas considerou que a ré não provou os motivos da recusa do pagamento das facturas pela dona da obra ou que tivesse pago a factura relativa à penalidade que esta lhe terá aplicado, pelo que, presumindo a sua culpa na responsabilidade pelos danos, mas não havendo elementos para fixar o quantum indemnizatório relativamente aos danos directos, que dependem das quantias que a ré venha a ter de liquidar ou que deixe de receber da dona da ora, condenou-a no pagamento das quantias correspondentes às indemnizações que a ré seja condenada a pagar à empresa M. S.A e daquelas que deixe de receber desta, decorrentes do incumprimento do contrato de subempreitada.
A recorrente discorda deste entendimento referindo que se a recorrida não demonstrou os motivos da recusa do pagamento das facturas pela dona da obra ou a penalidade a aplicar, não existe nexo causal entre o invocado incumprimento da subempreitada e os alegados danos, pelo que não deve haver condenação a esse título, para além do que não é possível relegar para liquidação a demonstração do dano futuro meramente hipotético, pois apenas os danos previsíveis podem ser objecto de quantificação posterior, pelo que o pedido reconvencional deve ser julgado totalmente improcedente.
Decorre do disposto no art.º 798° do Código Civil que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, surgindo a obrigação de indemnizar pelo interesse contratual negativo, a fim de colocar o dono da obra na situação em que estaria se não tivesse celebrado o negócio, devendo a indemnização ser calculada de acordo com as regras gerais da obrigação de indemnização – cf. art.º 562º e seguintes do Código Civil.
Incumprida a obrigação de eliminação dos defeitos, a indemnização há-de dizer respeito apenas a outros prejuízos que não sejam os derivados da eliminação de defeitos da obra ou de redução do preço (cf. art.º 1223º do Código Civil), sob pena de um duplo ressarcimento pelo mesmo facto.
Aquilo que a ré/reconvinte pretende é ser ressarcida pelas vicissitudes ocorridas na sua relação contratual com a dona da obra – alegada aplicação de uma multa e falta de pagamento das facturas por si emitidas, na sequência da comunicação da resolução desse contrato.
Em consonância com o acima expendido, apesar de não existirem relações contratuais directas entre o dono da obra e o subempreiteiro, estando em causa contratos distintos, seguro é que ambos prosseguem uma finalidade comum, encontrando-se ligados por um vínculo funcional, pelo que as vicissitudes ocorridas na execução de um podem repercutir-se no outro, mas não há dúvida que o subempreiteiro apenas se substitui na execução material da prestação do empreiteiro e não na sua posição jurídica, pelo que não se vincula perante o dono da obra – cf. João Cura Mariano, op. cit. página 186.
Assim, as consequências do cumprimento defeituoso da prestação por parte do subempreiteiro não serão indiferentes às repercussões que tal incumprimento assuma no contrato base.
A ré/reconvinte veio sustentar que foi o incumprimento da autora que determinou a resolução do contrato de empreitada e com isso a aplicação de uma penalidade que lhe teria sido determinada pela dona da obra e a falta de pagamento das facturas referidas em oo).
Contudo, tal nexo de causalidade não ficou demonstrado, como resulta da decisão que incidiu sobre a impugnação da matéria de facto.
Não foram concretamente apuradas as razões que determinaram a M. S.A a comunicar a resolução do contrato de empreitada.
Mais do que isso, mesmo aceitando-se que a resolução do contrato ocorreu porque a autora não reparou as peças e não as colocou na obra a tempo da inauguração prevista para o dia 19 de Julho de 2021, ainda assim sempre restaria por demonstrar os prejuízos que a ré vem invocar.
Com efeito, apesar de provado que a dona da obra não pagou as facturas referidas em oo) tal não significa que não o venha a fazer, para além de ser totalmente desconhecido o motivo por que não efectuou esse pagamento.
Por outro lado, a alusão a aplicação de uma penalidade não basta para comprovar que essa penalidade foi exigida ou paga pela ré, o que não se demonstrou.
O art.º 564º do Código Civil estatui que “1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. 2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.”
O dano, prejuízo, resultante de facto ilícito culposo, causado a alguém, é condição essencial à obrigação de indemnizar.
O prejuízo pode consistir em dano emergente, ou perda patrimonial, que abrange o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado na ocasião da lesão; e em lucro cessante, que contempla os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito. O n.º 1 do mencionado art.º 564º abrange não só os danos emergentes como os lucros cessantes, representando aqueles uma diminuição efectiva e actual do património e estes traduzindo não um aumento do património, mas a frustração de um ganho.
Os danos futuros compreendem os prejuízos que, em termos de causalidade adequada, resultarem para o lesado (ou resultarão de acordo com os dados previsíveis da experiência comum) em consequência do evento danoso.
Para a indemnização do dano futuro a lei prevê a sua previsibilidade.
“Por dano futuro deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado. O dano futuro é previsível quando se pode prognosticar, conjecturar com antecipação ao tempo em que acontecerá. No caso contrário, quando o homem medianamente prudente e avisado o não prognostica, o dano é imprevisível, não sendo indemnizável antecipadamente; o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer. O dano previsível certo é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível. Dano futuro eventual é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como meramente possível, incerto, hipotético, podendo conhecer vários graus. O dano certo pode ser determinável quando pode ser fixado com precisão o seu montante, ou indeterminável, quando aquele valor não é possível de ser verificado antecipadamente à sua verificação. Para efeitos do nº 2 do art. 564º do CC, são indemnizáveis não só os danos futuros previsíveis certos, como os futuros eventuais em que se possa prognosticar-se que o prejuízo venha a acontecer. […] Os danos futuros podem dividir-se em previsíveis e imprevisíveis. O dano é futuro é previsível quando se pode prognosticar, conjecturar com antecipação ao tempo em que acontecerá a sua ocorrência. Por seu turno, os danos previsíveis são ainda enquadrados em duas categorias: os certos e os eventuais. Dano futuro certo é aquele cuja produção se apresenta, como infalível e dano futuro eventual o que no momento em que se formula o respectivo juízo se revela como meramente possível, incerto ou hipotético.” – cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8-09-2020, processo n.º 248/19.4T8PNF.P1.
Serão indemnizáveis os danos futuros previsíveis certos e os futuros eventuais, mas em relação aos quais se possa prognosticar que o prejuízo venha a acontecer.
O dano futuro relativamente ao qual não se possa prever que irá acontecer, não passa de um receio, que não é indemnizável antecipadamente.
Para que tenha lugar uma condenação genérica é necessário que os factos apurados não permitam ao tribunal determinar o quantum indemnizatório devido por via desses prejuízos, mas pressupõe que estejam provados os factos relativos ao dano sofrido.
Com efeito, mesmo nos casos em que o autor tenha quantificado a sua pretensão – como aqui sucede -, a acção pode terminar com uma sentença de teor genérico ou ilíquido, desde que, tendo sido apurada a existência do direito e da correspondente obrigação, os elementos de facto sejam insuficientes para a quantificação, ainda que com recurso à equidade – cf. art.º 609º, n.º 2 do CPC.
Todavia, uma sentença de condenação ilíquida pressupõe a demonstração de que existe um direito, que apenas carece de concretização susceptível de ser alcançada ainda através do subsequente incidente de liquidação (cf. art.º 358º e seguintes do CPC) – cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 729.
Ora, neste caso, não se detecta a prova de nenhum dano futuro, relativamente ao qual falte apenas a respectiva determinação.
Na verdade, a circunstância de a dona da obra ter comunicado a resolução do contrato de empreitada e ter invocado a penalidade a aplicar em tal situação não significa que esta tenha sido concretamente aplicada ou que exista um qualquer procedimento com vista à sua cobrança, sequer uma qualquer interpelação judicial dirigida à ré para proceder ao seu pagamento, sendo que no conteúdo da carta referida em nn), a M. S.A consignou apenas não prescindir do direito a indemnização por danos causados pelo incumprimento e pagamento das penalidades previstas no contrato (e que sequer foram aqui alegadas e demonstradas).
De igual modo, o facto de a dona da obra ainda não ter procedido ao pagamento das facturas referidas em oo) não permite prognosticar que não o virá a fazer, quando nem sequer estão apuradas as circunstâncias em que se verificou essa falta de pagamento e menos ainda foi alegado ou demonstrado que a ré a interpelou para o efeito.
Não é possível relegar para liquidação ulterior a demonstração de dano futuro meramente hipotético, pois que não estão em causa danos existentes.
Não é apenas a falta de determinação do valor exacto que está em causa, mas sim a própria existência de tais danos, porque são incertos e meramente hipotéticos. Com efeito, não está em causa um dano futuro previsível certo ou um dano futuro eventual, cujo grau de incerteza seja de tal modo que se possa prognosticar que o prejuízo venha a acontecer, pois que o que se revela nada mais é do que um receio da ré que os valores em referência não lhe sejam pagos ou a penalidade seja cobrada, temor que não pode ser indemnizado antecipadamente – cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8-09-2020, processo n.º 248/19.4T8PNF.P1 supra mencionado.
Consequentemente, também aqui deve proceder a pretensão recursória, impondo-se a revogação da decisão recorrida, na parte em que julgou procedente a reconvenção e condenou a autora/reconvinda no pagamento das quantias correspondentes às indemnizações que a ré seja condenada a pagar à empresa M S.A. e nas quantias que deixe de receber desta, com a sua consequente absolvição do pedido reconvencional.
Porquanto nenhum crédito foi reconhecido na esfera patrimonial da ré não há que apreciar a matéria da compensação por ela invocada (cf. art.º 847º do Código Civil e art.ºs 608º, n.º 3 ex vi art.º 663º, n.º 2 do CPC)».
9 – A ali ré, aqui autora, I-C, recorreu desse acórdão para o S.T.J., que por acórdão de 10 de abril de 2024 julgou improcedente a revista e confirmou o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa.
10 – Consta, além do mais, do acórdão do S.T.J.:
«A Recorrente veio deduzir pedido reconvencional, invocando que foi o incumprimento da Autora que determinou o seu cumprimento de empreitada perante a dona da obra, e que esta exige o pagamento de uma indemnização, no valor de €190 496,25 e que se recusa a pagar duas faturas, no montante global de €70 035,70; reclama, ainda, o pagamento da quantia de €5 000,00, por danos não patrimoniais; e, ainda, deduziu um pedido de indemnização de danos futuros, correspondentes a eventuais indemnizações a que seja condenada a pagar à dona da obra, devido ao incumprimento do contrato de empreitada, a liquidar supervenientemente.
O Acórdão recorrido concluiu pela improcedência do pedido reconvencional, por duas ordens de razões: não estava demonstrado o nexo de causalidade entre a resolução do contrato de empreitada pela dona da obra e o cumprimento (ou não) da prestação da Autora, e que não possível relegar para liquidação ulterior a demonstração do dano futuro meramente hipotético.
Como prescreve o artigo 798.º do Código Civil, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
Na responsabilidade contratual compete ao credor a prova dos elementos constitutivos da responsabilidade (artigos 798.º e 342.º do Código Civil), presumindo-se a culpa (artigo 799.º, n.º1, do Código Civil), devendo a indemnização ser calculada de acordo com as regras gerais da obrigação de indemnização (artigo 562.º e seguintes do Código Civil).
Nos termos do disposto no artigo 563.º do Código Civil, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Assim, à Ré reconvinte competia demonstrar o nexo de causalidade entre o incumprimento da Autora e a resolução do contrato por parte da dona da obra.
Ora, da matéria de facto provada, não resulta demonstrado esse nexo de causalidade, não tendo sido apuradas as razões que determinaram a dona da obra a efetuar a resolução do contrato de empreitada.
Não se encontrando demonstrado esse nexo de causalidade, torna-se desnecessária verificar a existência ou não de danos (presentes e futuros), e o pedido reconvencional tinha de improceder.
Deste modo, o recurso tem de improceder».
*
3.2 – Fundamentação de direito:
Tem reinado nestes autos, principalmente por banda do tribunal a quo, alguma confusão quanto ao instituto do caso julgado.
No despacho proferido no dia 6 de fevereiro de 2025 (Ref.ª 155386776), a senhora juíza a quo determina a notificação das partes para se pronunciarem «quanto à exceção dilatória de autoridade do caso julgado por referência à decisão proferida nos autos de Processo Comum nº ____/21.7YIPRT que correram termos junto do Juízo Central Cível de ____ - Juiz _ e a presente ação».
No despacho saneador recorrido a senhora juíza a quo afirma que:
- a ré, «a título de exceção invoca a exceção dilatória de caso julgado (...)»;
- a ré conclui «pela procedência da exceção dilatória de caso julgado com a absolvição da instância (...)»;
- «Tem vindo, a doutrina e a jurisprudência a defender igualmente a verificação da exceção dilatória inominada da autoridade do caso julgado, quando não se verifique a tríplice exigida pela Lei»;
- «(...) sempre procederia a exceção dilatória inominada da autoridade do caso julgado, uma vez que o Tribunal foi já chamado a conhecer e decidir da relação material controvertida agora de novo trazida a juízo, tendo efetivamente apreciado a questão material controvertida (...)»,
para, finalmente, julgar «verificada a exceção dilatória do caso julgado e, consequentemente», absolver a ré «da presente instância».
Importa esclarecer os conceitos!
Dispõe o art. 202.º da CRP que na administração da justiça «incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados», impondo o n.º 2 do artigo 205.º a obrigatoriedade das decisões judiciais para todas as entidades públicas e privadas e a sua prevalência sobre as de quaisquer outras autoridades.
Como principal corolário da obrigatoriedade e da prevalência das decisões dos tribunais, surge o instituto do caso julgado, decorrendo da Constituição a exigência de que as decisões judiciais sejam, em princípio, aptas a produzir caso julgado.
Esse imperativo constitucional concretiza-se no «caso julgado material», que o art. 619.º, n.º 1, define desta forma: «Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º».F. O prosseguimento da presente ação não ofende assim a autoridade do caso julgado na medida em que a decisão a proferir terá como pressuposto um facto novo que nunca foi sujeito a apreciação».
A definitividade na resolução do conflito de interesses, decorrente da força do caso julgado atribuída à decisão judicial que já não admite recurso ordinário ou reclamação, desdobra-se em duas vertentes:
a) por um lado, a questão decidida não pode ser de novo reapreciada (trata-se do campo próprio de atuação da exceção dilatória de caso julgado ou do efeito negativo do caso julgado);
b) por outro lado, o respeito pelo conteúdo da decisão anteriormente adotada implica que não possa haver decisão posterior que a contrarie (o que se traduz a denominada autoridade do caso julgado ou o efeito positivo do caso julgado).
Na esteira do ensinamento de Alberto dos Reis[2], Manuel de Andrade traça a fronteira entre as figuras da exceção e da autoridade do caso julgado, nestes termos: «Força e autoridade de caso julgado e exceção de caso julgado: a 1ª é uma qualidade ou valor jurídico especial que que compete às decisões judiciais a que diz respeito; a 2ª constitui um meio de defesa do Réu, baseado na força e autoridade do caso jugado (material) que compete a uma precedente decisão judicial, força que pode manifestar-se e ser invocada por outra forma (como fundamento da ação, etc.)»[3].
Mais adiante, afirma o mesmo Autor: «O que a lei quer significar [nos arts. 580º e 581º do CPC/2013, correspondentes aos arts. 497º e 498º do CPC/61] é que uma sentença pode servir como fundamento de exceção de caso julgado quando o objeto da nova ação, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, já está total ou parcialmente definido pela mesma sentença; quando o Autor pretenda valer-se na nova ação do mesmo direito (...) que já lhe foi negado por sentença emitida noutro processo – identificado esse direito não só através do seu conteúdo e objeto, mas também através da sua causa ou fonte (facto ou título constitutivo). Esta interpretação permite chegar a resultados positivos bastante parecidos com aqueles a que tende uma certa teoria jurisprudencial, distinguindo entre a exceção do caso julgado e a simples invocação pelo Réu da autoridade do caso julgado que corresponde a uma sentença anterior, e julgando dispensáveis, quanto a esta 2.ª figura, as três identidades do artigo 498º.»[4]
Posteriormente, a distinção entre os conceitos de «caso julgado» e «autoridade de caso julgado» veio a ser objeto de aprofundado estudo por parte de Teixeira de Sousa[5], cujas conclusões se sintetizam com a transcrição de dois pequenos trechos desse trabalho: «(…) A exceção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a exceção de caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira diferente (Zweierlei), mas também a inviabilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira idêntica (Zweimal). (…) Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de ação ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição da decisão antecedente. (…).»
A distinção doutrinária entre os conceitos de «caso julgado» e «autoridade de caso julgado» veio a merecer amplo acolhimento jurisprudencial, desde logo pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Em suma, a fronteira entre as duas figuras define-se pelos seguintes fatores:
a) com a «exceção do caso julgado» visa-se evitar o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito, ao passo que a figura da «autoridade do caso julgado» tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda - o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida;
b) com a «exceção do caso julgado» visa-se evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior, ao passo que na «autoridade do caso julgado», o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada[6].
Como consta da citação transcrita supra de Manuel de Andrade, a teoria que faz a distinção entre a exceção do caso julgado e a autoridade do caso julgado, considera «(...) dispensáveis, quanto a esta segunda figura, as três identidades do artigo 498º[7](...)».
A este propósito afirma Francisco Ferreira de Almeida que «(…) a invocação da autoridade de caso julgado destina-se precisamente a cobrir situações relativamente às quais a exceção (dilatória) não opera. (…). A exceção de caso julgado encerra a sua vertente negativa, em ordem a evitar-se a repetição de ações. A autoridade de caso julgado traduz a vertente positiva, no sentido de imposição externa da decisão tomada. A exceção de caso julgado pressupõe a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir. A autoridade de caso julgado dispensa-os»[8].
Esta tese tem tido acolhimento na jurisprudência, como se ilustra com o Ac. do S.T.J. de 13.12.2007, Proc. n.º 07A3739 (Nuno Cameira), in www.dgsi.pt, onde lapidarmente se decidiu: «A autoridade de caso julgado da sentença transitada e a exceção de caso julgado constituem efeitos distintos da mesma realidade jurídica, pois enquanto que a exceção de caso julgado tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tríplice identidade a que se refere o artº 498º do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir), a autoridade de caso julgado de sentença transitada pode atuar independentemente de tais requisitos, implicando, contudo, a proibição de novamente apreciar certa questão.»
No Ac. do S.T.J. de 07.03.2017, Proc. n.º 2772/10.5TBGMR-Q.G1.S1 (Pinto de Almeida), decidiu-se o seguinte:
«A excepção implica sempre a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (cfr. art. 581º, nºs 1 a 4, do CPC). A autoridade do caso julgado não: exigir essa tríplice identidade equivaleria, como já se afirmou, a "matar" esta figura; "a autoridade existe onde a excepção não chega, exactamente nos casos em que não há identidade objectiva".[9]
(...)
Afirma Teixeira de Sousa que "o caso julgado material pode valer em processo posterior como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da acção anterior, ou como excepção de caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente.
Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada; a autoridade de caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente ("proibição de contradição / permissão de repetição") (…); a excepção de caso julgado é a proibição de acção ou comando de omissão atinente ao impedimento subjectivo à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente" ("proibição de contradição/proibição de repetição")[10].
Esta distinção tem justamente por pressuposto que, na autoridade de caso julgado, existe uma diversidade entre os objectos dos dois processos e na excepção uma identidade entre esses objectos. Naquele caso, o objecto processual decidido na primeira acção surge como condição para apreciação do objecto processual da segunda acção; neste caso, o objecto processual da primeira acção é repetido na segunda.
Na excepção, a repetição deve ser impedida, uma vez que só iria reproduzir inutilmente a decisão anterior ou decidir diversamente, contradizendo-a.
Na autoridade, há uma conexão ou dependência entre o objecto da segunda acção e o objecto definido na primeira acção, sem que aquele se esgote neste. Aqui, impõe-se que essas questões comuns não sejam decididas de forma diferente, devendo a decisão da segunda acção acatar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível.
Todavia, a autoridade de caso julgado, prescindindo embora da referida identidade objectiva, exige, como parece evidente, a identidade das partes adjectivas; nem poderia ser de outro modo, em atenção ao princípio do contraditório (art. 3º do CPC), não sendo admissível que uma pessoa possa ser juridicamente afectada por uma decisão sem ser ouvida previamente no processo em que a mesma é proferida.
Na vertente da autoridade de caso julgado, como refere Mariana França Gouveia, "a decisão ou as decisões tomadas na primeira acção vinculam os tribunais em acções posteriores entre as mesmas partes relativas a pedidos e/ou causas de pedir diversos"[11].
(...)
A verificação da excepção de caso julgado é mais exigente em termos de pressupostos, dependendo da tríplice identidade prevista no art. 581º do CPC.
A autoridade do caso julgado apenas pressupõe a identidade subjectiva nas duas acções; os pedidos e as causas de pedir podem ser diferentes.
Como se prevê no art. 5º, nº 3, do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, podendo proceder a diferente subsunção ou qualificação jurídica de determinada questão.
É certo que deve observar o contraditório, nos termos previstos no art. 3º, nº 3, do CPC, ouvindo (sendo caso disso) complementarmente as partes para o efeito.
Porém, nem sempre será necessária e exigível essa audição complementar: esta apenas se impõe quando aquele diferente tratamento jurídico seja efectuado em termos inesperados e inovatórios e quando "não fosse exigível que a parte interessada o houvesse perspectivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ele".[12].
(...) a autoridade do caso julgado é, como se disse, menos exigente em termos de pressupostos. Nesta medida, representa como que um menos em relação à excepção, podendo verificar-se quando falhe a identidade objectiva de que esta depende.
Por outro lado, está essencialmente em causa a força vinculante da decisão anterior transitada em julgado, que se impõe em termos absolutos, impedindo a repetição (excepção), ou em termos relativos, impedindo apenas a contradição (autoridade).»
Para Manuel de Andrade «o caso julgado só se destina a evitar uma contradição prática de decisões, e não já a sua colisão teórica ou lógica. Pouco lhe interessa que possam ser resolvidos diversamente pelos tribunais questões cujos elementos de direito, ou mesmo de facto, sejam idênticos. São outros os institutos processuais (...) que, até certo ponto, curam de prevenir ou remediar esse inconveniente. O caso julgado, por sua parte, só pretende obstar a decisões concretamente incompatíveis (que não possam executar-se ambas sem detrimento de alguma delas; a que em novo processo o juiz possa validamente estatuir de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta definida por uma anterior decisão, e, portanto, desconhecer no todo ou em parte os bens por ela reconhecidos ou tutelados»[13].
Delimitados os conceitos de «exceção de caso julgado» e de «autoridade de caso julgado», fácil é agora perceber que:
- uma coisa é a exceção de caso julgado, exceção dilatória, cuja procedência determina a absolvição da instância (arts. 278.º, n.º 1, al. e), 571.º, n.ºs 2, 1.ª parte, e 3, 1.ª parte, 576.º, n.º 2, e 577.º, al. i));
- outra coisa é a autoridade do caso julgado, exceção perentória, determinante da absolvição do pedido (arts. 571.º, n.º 2, 2.ª parte, e 576.º, n.º 3).
Voltemos ao caso concreto!
As partes e o tribunal a quo parecem estar de acordo no sentido de que a vertente da figura do caso julgado que está aqui em causa é a relativa à exceção dilatória de caso julgado, envolvendo:
- esta ação de condenação intentada por I-C, Lda. contra G, Lda.; e,
- a ação correspondente ao Proc. n.º ____/21.7YIPRT, que correu termos no Juiz _ do Juízo Central Cível de ____, intentada por G, Lda. contra I-C, Lda., na qual esta deduziu reconvenção contra aquela, pedindo a sua condenação no pagamento da mesma quantia aqui peticionada.
Dispõe o art. 581.º:
«1 - Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido».
Nenhuma dúvida se colocando quanto à identidade de sujeitos, pois é inequívoco que as partes são as mesmas, sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, o que se questiona é o seguinte: existirá, entre esta ação e aquela reconvenção, simultaneamente, identidade de pedido e de causa de pedir?
Comecemos pela causa de pedir!
A causa de pedir, à luz do disposto no art. 581.º, n.º 4, continua a traduzir-se no facto jurídico constitutivo do direito invocado pelo autor, ou seja, em determinada factualidade concreta vista à luz do direito.
De outra forma dizendo, a causa de pedir consiste na alegação de uma factualidade concreta que, na sua significação normativa, consubstancia o facto jurídico de que se faz proceder o efeito pretendido, ou seja, o pedido.
Não se trata de um conceito formal, legalista, quase despiciendo, mas, bem pelo contrário, de uma categoria processual com função de garantia postulada pelos princípios constitucionais do processo equitativo e da tutela efetiva do direito, proclamados nos nº 4 e 5 do artigo 20º da Constituição, tanto sob o ponto de vista de quem demanda, para que possa confinar ao seu interesse concreto o âmbito preciso da tutela judicial pretendida, como na perspetiva do demandado, para que possa organizar a sua defesa de forma esclarecida e sustentada, ou ainda sob o prisma do interesse público de modo a delimitar o alcance objetivo do ca-so julgado, evitando assim a repetição de causas.
A causa de pedir, como fator delimitativo que é da pretensão, tanto exerce uma função endoprocessual na configuração do objeto da causa e no que lhe está associado, como uma função extraprocessual de definição objetiva do julgado, o que se torna fulcral mormente no âmbito das ações declarativas, permitindo ainda que a execução da sentença possa ser desprovida de meios de oposição alargada, como impõe o preceituado no artigo 729.º.
Será, pois, à luz desse entendimento que terá de se aferir qual a densidade factual da causa de pedir reclamada pelas funções que desempenha dentro e fora do processo.
Significa isto que os factos estruturantes da causa de pedir devem permitir, pelo menos, determinar a fonte concreta ou o título da obrigação de que emerge o efeito jurídico concreto judicialmente declarado ou decretado[14].
Segundo Alberto dos Reis, «(...) nas ações derivadas de direitos de obrigação a causa de pedir é o facto jurídico de que nasceu o crédito», sendo claro que «nas ações de condenação, para que o autor consiga plenamente o seu fim, é indispensável que, ao lado do facto constitutivo do seu direito, alegue um facto ilícito praticado pelo réu, isto é o facto ofensivo do direito que se arroga (...)»[15].
No sumário do Ac. do S.T.J. de 14.12.2016, Proc. n.º 219/14.7TVPRT-C.P1.S1 (Lopes do Rego), in www.dgsi.pt, afirma-se que «a figura da excepção de caso julgado – que a reforma de 1995/96 qualificou expressamente como dilatória – tem que ver com um fenómeno de identidade entre relações jurídicas, sendo a mesma relação submetida sucessivamente a apreciação jurisdicional, ignorando-se ou desvalorizando-se o facto de esse mesma relação já ter sido, enquanto objecto processual perfeitamente individualizado nos seus aspectos subjectivos e objectivos, anteriormente apreciada jurisdicionalmente, mediante decisão que transitou em julgado.
A essencial identidade e individualidade da causa de pedir tem de aferir-se em função de uma comparação entre o núcleo essencial das causas petendi invocadas numa e noutra das acções em confronto, não sendo afectada tal identidade, nem por via da alteração da qualificação jurídica dos factos concretos em que se fundamenta a pretensão, nem por qualquer alteração ou ampliação factual que não afecte o núcleo essencial da causa de pedir que suporta ambas as acções, nem pela invocação na primeira acção de determinada factualidade, perspectivada como meramente instrumental ou concretizadora dos factos essenciais».
Em sede de fundamentação jurídica escreve-se o seguinte:
«Como se escreveu no Ac. deste Supremo de 24/4/13, proferido no P. 7770/07.3TBVFR.P1.S1:
(...)
No que se refere à questão da identidade da causa de pedir entre a acção já definitivamente julgada e a supervenientemente proposta entre as mesmas partes, esta suscita-se sempre que nesta nova acção ocorre alguma inovação fáctica, configurável, todavia, como insuficiente para se poder afirmar que estamos confrontados com uma inovatória causa petendi. Em primeiro lugar – e como é incontroverso - não releva para este efeito uma inovação que apenas se circunscreva ao plano da qualificação jurídico-normativa do elenco dos factos concretos que, em ambas as acções, integram, sem qualquer alteração ou modificação, a causa de pedir invocada pelo demandante: podendo, na verdade, o juiz operar livremente a qualificação jurídica da factualidade invocada pelas partes como fundamento ou suporte das respectivas pretensões, uma vez que não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, é evidente que as várias possíveis configurações ou qualificações, situadas num plano puramente normativo, dos factos concretos alegados não podem suportar a propositura de uma nova acção, em que se pretendesse inflectir o sentido do julgamento através da construção de uma subsunção normativa ou enquadramento jurídico desses mesmos factos, diverso do invocado na primeira acção, já definitivamente julgada. É que tais possíveis qualificações ou subsunções jurídicas alternativas de uma mesma factualidade concreta constitutiva, emergentes apenas de uma diversa configuração ou coloração jurídica dos factos essenciais, invocados pelo autor, podiam, todas elas, ter sido conhecidas e apreciadas pelo juiz na primeira causa julgada – que podia perfeitamente ter convolado da qualificação jurídica feita pelo autor para a que tivesse por pertinente e adequada à justa composição do litígio – pelo que terão naturalmente de se ter por irremediavelmente consumidas ou precludidas, ainda que na acção já definitivamente julgada não tivesse sido explicitamente abordada e decidida a questão das possíveis e concorrentes qualificações jurídicas de determinada - e absolutamente imutável - factualidade concreta.
Do mesmo modo, é também evidente que não contende com a identidade da causa de pedir invocada em ambas as acções, sucessivamente intentadas, após definitivo julgamento da primeira, a inovação que consistisse em vir agora invocar factos meramente instrumentais ou probatórios, não alegados, nem processualmente adquiridos, na acção já definitivamente julgada: tratando-se, na realidade, de factos desprovidos, no plano jurídico material, de relevância substantiva, por dotados de uma função exclusivamente probatória - visando alcançar, por via indirecta (particularmente através de presunções naturais ou judiciais, alicerçadas nas regras ou máximas da experiência), a demonstração dos factos, esses sim, substantivamente relevantes para a solução jurídica do pleito e em que se ancoram decisivamente as pretensões das partes – é manifesto que em nada afectam a individualização e substanciação da causa petendi em que aparece estruturada cada uma das acções em confronto».
À luz destes esclarecedores considerandos, não parece que exista dúvida razoável quanto à identidade entre:
- a causa de pedir que serve de fundamento à reconvenção deduzida por I-C, Lda., contra G, Lda., Proc. n.º ____/21.7YIPRT, que correu termos no Juiz _ do Juízo Central Cível de ____; e,
- a causa de pedir que serve de fundamento à presente ação, intentada por I-C, Lda., contra G, Lda.,
a saber: o contrato de subempreitada entre ambas celebrado no dia 9 de março de 2021, acima identificado, ou, melhor dizendo, o incumprimento, pela G, Lda., daquele contrato de subempreitada.
E quanto ao pedido?
Conforme referem Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Sousa, «a identidade de pedidos não se confunde com a sobreposição formal de ambas as pretensões, devendo ser aferida pela circunstância de em ambas as ações se pretender obter o mesmo efeito prático-jurídico»[16].
Lebre de Freitas/Isabel Alexandre escrevem que «na definição da identidade do pedido, há que atender ao objeto da sentença e às relações de implicação que a partir dele se estabelecem.
(...) a liberdade de, em nova ação, pedir aquilo que não se pediu na primeira não se verifica (...) quando o pedido se reporta a uma parte não individualizada do objeto do direito e a sentença é absolutória ou condena em quantidade menor do que o pedido (...)»[17].
No sumário do acórdão do S.T.J. acima citado afirma-se que «ocorre identidade de pedido quando o efeito prático-jurídico pretendido pelo autor em ambas as acções é substancialmente o mesmo».
E em sede de fundamentação de direito escreve-se que «a questão da definição da identidade do pedido ou da pretensão material deduzida nas duas acções, sucessivamente propostas, passa essencialmente pela exacta delimitação do efeito jurídico pretendido pelo demandante, pela definição da forma de tutela que pretende obter, tendo-se, para tal, em conta, não propriamente a mera qualificação jurídica de tal pretensão, num plano puramente normativo, mas o efeito prático jurídico a alcançar».
Tanto na reconvenção como nesta ação, a I-C, Lda., pede a condenação da G, Lda., a pagar-lhe a quantia de € 75.035,70.
Em ambas as situações a I-C, Lda., pede a condenação da G, Lda., a pagar-lhe a quantia de € 70.035,70, correspondente ao montante titulado pelas faturas n.ºs 1/280, 1/279 e 1/278, que, na qualidade de empreiteira, emitiu e enviou à dona da obra, a sociedade M, S.A., e que esta não lhe pagou, em consequência do incumprimento, pela G, Lda., do contrato de subempreitada.
Quanto a este segmento do pedido é manifesta a sobreposição formal de ambas as pretensões, logo, a respetiva identidade.
Além disso, na reconvenção deduzida na ação correspondente ao Proc. n.º ____/21.7YIPRT, a I-C, Lda., pediu ainda a condenação da G, Lda., a pagar-lhe:
«b. €5.000,00 (cinco mil euros) a título de dano na imagem;
c. Uma indemnização pelos danos futuros, ainda não quantificados, correspondentes às eventuais indemnizações que a Requerida seja condenada a pagar à empresa M S.A. devido ao incumprimento do contrato de empreitada da obra sub judice, a liquidar em articulado superveniente ou em execução de sentença».
A G, Lda. foi absolvida desses dois pedidos.
Nesta ação, a I-C, Lda., pede ainda a condenação da G, Lda., a pagar-lhe a quantia de € 5.000,00, montante pelo qual indemnizou a dona da obra, a referida M, S.A., em consequência do incumprimento do contrato de empreitada que com ela celebrou, o que foi devido ao incumprimento, pela G, Lda., do aludido contrato de subempreitada.
O pedido de condenação da G, Lda., no pagamento da quantia de € 5.000,00, formulado nesta ação, está contido no pedido transcrito em c., é uma parte desse pedido, formulado em sede reconvencional na ação correspondente ao Proc. n.º ____/21.7YIPRT.
Ocorre, por conseguinte, também quanto a este segmento, identidade de pedido.
Em conclusão: está verificada a exceção dilatória de caso julgado, razão pela qual o recurso deve ser julgado improcedente, com a consequente manutenção do despacho saneador recorrido.
***
IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação improcedente. mantendo, em consequência, o despacho saneador recorrido.
As custas da apelação, na vertente de custas de parte, são a cargo da recorrente (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2).

Lisboa, 4 de novembro de 2025
José Capacete
Ana Rodrigues da Silva
Ana Mónica Pavão
_______________________________________________________
[1] Manual do Recurso Civil, Volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, p. 293.
[2] Cfr. Alberto dos Reis, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 80.º, p. 393.
[3] Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 138.
[4] Idem, pp. 320-321. O Autor reporta-se ao art. 498.º do C.P.C./61, correspondente ao art. 581.º do C.P.C./13.
[5] O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325.º, pp. 49 e ss.
[6] Cfr. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3.ª Edição, Almedina, 2017, pp. 599-600, e Teixeira de Sousa, ob. cit., pp. 49 e ss..
[7] Art. 581.º do C.P.C./13.
[8] Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 628, citando, em parte, o Ac. do STJ de 29.05.2004, Proc. nº 1722/12.9TBBCL.G1.S1 (João Bernardo), in www.dgsi.pt.
[9] Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, Coimbra, Almedina, 2004, p. 415. Cfr. ainda a jurisprudência do S.T.J. citada na nota do acórdão que vimos acompanhando.
[10] B.M.J. 325.º, pp. 178-179.
[11] Ob. cit., p. 499. Cfr. ainda Teixeira de Sousa, Ob. Cit., 171. Cfr. também os Acórdãos do S.T.J. de 12.07.2011, de 12.09.2013, de 18.06.2014 e de 24.03.2015, citados no acórdão que vimos acompanhando.
[12] Cfr. Lopes do Rego, Comentários ao CPC, Vol. I, 2ª ed., 2004, p. 33. Deve tratar-se, como refere este Autor, de "uma aplicação ou interpretação normativa insólita e inesperada, fora de um adequado e normal juízo de prognose sobre o conteúdo e sentido da decisão".
[13] Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, 1993, pp. 317-318.
[14] Cfr. Ac. da R.L. de 03.12.2009, Proc. n.º 61495/09.0YIPRT.L1-7 (Tomé Gomes), in www.dgsi.pt.
[15] Código de Processo Civil Anotado, Vol. III. 4.ª Edição – Reimpressão, Coimbra Editora, 1985, p. 123.
[16] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição, Almedina, 2025, p 806.
[17] Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2027, pp. 593-594