INVENTÁRIO
RELAÇÃO DE BENS
DESPACHO
TRÂNSITO EM JULGADO
ATO
FUNCIONÁRIO
ERRO
FALTA
NOTIFICAÇÃO
INTERESSADO
CABEÇA DE CASAL
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
QUESTÃO DE DIREITO
RESPONSABILIDADE
Sumário


Em processo de inventário, o ato da secretaria do tribunal que cumpre um despacho do Juiz, alterando a composição de uma verba da relação de bens, tendo esse despacho sido notificado aos interessados, que nada requereram em face dessa notificação, constitui um mero ato de execução, previsto no n.º 2 do art.º 157.º, do C. P. Civil, sem autonomia e conteúdo diverso em relação ao despacho que executa, não tendo que ser notificado aos interessados.

Texto Integral

Acordam em conferência neste Supremo Tribunal de Justiça nos termos do disposto no n.º 3, do art.º 652.º, aplicável ex vi do art.º 679.º, ambos do C. P. Civil.

1. Relatório.

No âmbito do inventário por óbito de AA, em que exerce funções de cabeça de casal, BB, a cabeça de casal interpôs recurso de apelação da sentença de homologação da partilha proferida nos autos em 22/04/2024 e com ela também recurso dos despachos (1) de 14/2/2023, que indeferiu a arguição de nulidade do mapa informativo da partilha, (2) de 22/5/2023, que indeferiu a arguição de nulidade da falta de notificação da cabeça-de-casal e demais interessados da correção da relação de bens efetuada pela secretaria (3) e de 8/3/2024, que indeferiu a reclamação do mapa da partilha.

De cada um destes despachos tinha a cabeça de casal interposto recurso, que foram rejeitados com fundamento no disposto no n.º 5, do art.º 1123.º, do C. P. Civil.


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Tribunal da Relação:

- Considerou que os recursos incidiam sobre uma mesma e única questão, referindo:

Com efeito, a ora apelante tratou de impugnar antecipadamente, por recurso, as decisões em questão, o que foi rejeitado por tais recursos terem cabimento a final, com o recurso a interpor da sentença homologatória da partilha, nos termos do nº5 do art. 1123º do CPC.

Em qualquer caso, a questão subjacente a todos os recursos é só uma, multiplicando-se os recursos por essa única questão ter sido suscitada sucessivamente, merecendo de forma também sucessiva decisões negativas por parte do tribunal.”

- Delimitou essa mesma questão nos seguintes termos:

Assim, no inventário foi relacionado, pela cabeça de casal, por ter sido pertença do inventariado, um prédio sito na Rua 1, Matosinhos, com o valor patrimonial de 94.210,00€.

Tendo sido suscitada a questão sobre tal prédio apenas lhe pertencer na proporção de metade, foi o inventário suspenso para que isso se decidisse em acção própria, o que veio a acontecer com a determinação de que o prédio só lhe pertencia na proporção de metade.

Nos autos de inventário foi, por isso, proferido despacho ordenando: “… proceda à rectificação da verba nº 4 da relação de bens junta a fls. 691 e seg., passando a constar “1/2 do prédio urbano sito na Rua 1, Matosinhos, descrita na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº ..37/20081210, e inscrito na matriz com o artigo nº ..77, união de freguesia de Custóias, Leça do Balio e Guifões, do mesmo concelho de Matosinhos, com o valor patrimonial de 94.210,00€”. Notifique.”

O despacho foi notificado, não merecendo qualquer reacção dos interessados, no inventário.

O despacho foi cumprido pela secretaria, que lavrou “Termo”, colocado entre as datas de 28.11.2018 e 30.11.2018, na relação de bens elaborada pela cabeça de casal com a substituição da palavra “Um” pela fração “1/2”, e no final com uma alínea a) com a legenda em baixo “retificação ordenada por despacho de 7.11.18 a fls. 789.

Esta operação não foi notificada aos interessados.

O valor constante da relação de bens, relativo ao prédio nº 4, de 94.210,00€, não teve qualquer alteração, pois que o despacho assim o determinou.

Na conferência de interessados, a cabeça-de-casal, ora apelante, licitou a verba nº 4 pelo valor de 94.211.00€ (superior em € 1,00 ao valor constante da relação de bens).

No mapa informativo da partilha, ficou a constar que a cabeça-de-casal veria o seu quinhão composto com metade do imóvel, tendo em conta a adjudicação resultante da conferência de interessados.

Subsequentemente, a ora apelante invoca a nulidade do mapa informativo, a nulidade do mapa de partilha, a nulidade da sentença homologatória da partilha, sempre com fundamento na omissão da notificação da operação que alterou a relação de bens, sem alterar em conformidade o valor da verba, que se era de 94.210.00€ quando referente à totalidade do imóvel, também deveria ter sido reduzida quando a verba passou a respeitar apenas a metade do imóvel.”

- E julgou a apelação improcedente, confirmando as decisões recorridas.


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Mais uma vez inconformada, a A/apelante interpôs recurso de revista, com fundamento em que não ocorre a dupla conforme prevista no n.º 3, do art.º 671.º, do C. P. Civil, porque a fundamentação do acórdão é essencialmente diferente da fundamentação das decisões da primeira instância e que a revista sempre deveria, ser admitida a título excecional, por estar em causa questão de relevância social, cuja apreciação se torna necessária para uma melhor aplicação do direito.

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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Exm.º Desembargador Relator proferiu despacho, ordenando a subida dos autos a este Supremo Tribunal de Justiça, para o efeito do disposto no n.º 3, do art.º 671.º e na al. a), do n.º 1 do art.º 672.º, do C. P. Civil.

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Neste Supremo Tribunal foi proferido despacho em cumprimento do disposto no n.º 1, do art.º 655.º, do C. P. Civil, ordenando a notificação das partes para se pronunciarem, querendo, no prazo de dez dias, sobre a aplicação do disposto no n.º 2, do art.º 671.º, do C. P. Civil, relativamente às decisões da primeira instância, que não a sentença homologatória da partilha.

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A Recorrente apresentou requerimento, pronunciando-se pela inaplicabilidade do disposto no n.º 2 do artigo 671.º do C. P. Civil e pelo prosseguimento dos autos, requerendo concomitantemente a suspensão da instância até decisão de requerimento que apresentou na 1ª instância de emenda antecipada da partilha por erro material, nos termos do disposto no art.º 272.º, do C. P. Civil.

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Neste Supremo Tribunal de Justiça, o relator proferiu despacho, indeferindo o pedido de suspensão da instância e rejeitando a revista e declarando extinta a instância recursiva, nos termos do disposto nas als, b) e h), do n.º 1, do art.º 652.º, do C. P. Civil, por não ser admissível, ainda que a título excecional, relativamente aos despachos da primeira instância de 14/2/2023, 22/5/2023 e 8/3/2024 por terem a natureza de decisões interlocutórias recaindo unicamente sobre a relação processual, não sendo admissível revista tout court relativamente à sentença homologatória da partilha por formação de dupla conforme, nos termos do disposto no n.º 3, do art.º 671.º, do C. P. Civil e não tendo a Recorrente cumprido o ónus que lhe é imposto pelo disposto no n.º 2, als. a) e b), do art.º 672.º, do C. P. Civil.

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Inconformada com esse despacho, a Recorrente reclama para a conferência, pedindo que seja proferido acórdão que admita a revista interposta, como recurso normal ou excecional.

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Não foi apresentada resposta à reclamação.

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2. Fundamentação.

A) Os factos.

A matéria de facto a considerar é a acima descrita, sendo certo que as questões submetidas a decisão deste Supremo Tribunal se configuram essencialmente como questões de direito.


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B) O direito.

Cumpre agora conhecer da reclamação, nos termos previstos no n.º 3, do art.º 652.º, aplicável ex vi do art.º 679.º, ambos do C. P. Civil.

Importa, desde já, precisar que a reclamação para a conferência de despacho proferido pelo Relator, como neste caso acontece com esta reclamação sobre o despacho que rejeitou a revista, que não tem a natureza de decisão sumária, prevista na al. c), do n.º 1, do art.º 652.º e no art.º 656.º, ambos do C. P. Civil, se não configura como um recurso desse mesmo despacho, mas apenas como uma reapreciação das matérias sobre as quais incidiu o despacho e com que a Reclamante se não conformou, como expressamente determina o n.º 3.º, do art.º 652.º, do C. P. Civil sob a expressão “…que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão;”.

Nesta perspectiva, pelos precisos termos da Reclamação constatamos que a Reclamante persiste na asserção em que devia ter sido notificada do ato da secretaria da rectificação à relação de bens, executada em cumprimento do despacho datado de 7/11/2018 (art.º 94 da Reclamação), em ordem a evitar “este equívoco” (art.º 58 da Reclamação) e a poder “proceder a sua correção/ esclarecimento” (art.º 97 da Reclamação), desiderato que bem se percebe no contexto dos autos, mas que não corresponde nem à tramitação processual constante dos autos, nem ao direito processual que a determina.

Com efeito, em relação à primeira, a tramitação processual evidenciada pelos autos, como se refere na fundamentação do acórdão recorrido, como é realçado pelo despacho reclamado e a Reclamante não questiona, os atos processuais pertinentes para a compreensão/decisão da questão do valor da verba n.º 4, rezam que:

1º - O despacho de 7/11/2018, em que foi determinada a alteração da composição da verba nº 4, para metade do imóvel, com expressa indicação do mesmo valor que a mesma antes apresentava (94.210,00€) foi notificado aos interessados e não obteve qualquer reacção;

2º - A execução do despacho, pela secretaria, lavrando termo sobre a relação de bens antes apresentada, com referência a esse despacho, inserida no processo com a data de 22/7/2016, mas operada entre as datas de 28.11.2018 e 30.11.2018, não foi notificada aos interessados, maxime à ora apelante.”.

Em face de tais factos é de todo desprovida de fundamento a afirmação da Reclamante constante do art.º 29 da Reclamação segundo a qual “O despacho de 07.11.2018 que determinou a retificação da verba nº4 da relação de bens pela secretaria e que transitou em julgado não tinha nem tem o valor desse mesmo bem para efeitos de apreciação e posterior licitação pela conferencia de interessados”.

E em relação à segunda, ao direito processual aplicável, o que tinha de ser notificado à Reclamante era o despacho do Juiz, como foi, e não a sua execução pela secretaria nos termos previstos no n.º 2, do art.º 157.º, do C. P. Civil, não dispondo esta execução nem de autonomia nem de conteúdo diverso em relação ao despacho que executa.

Configura-se, pois, também desprovida de fundamento legal de natureza processual, quer a pretensão de notificação do ato da secretaria e a imputação de erro ao ato da secretaria em causa já afirmados nas alegações da interposta revista, quer a asserção agora afirmada no art.º 35.º da Reclamação, segundo a qual “A secretaria poderia, ao retificar a verba 4, ter dividido o valor patrimonial a meio, já que esse valor patrimonial é, nos termos da lei, o que diz respeito a todo o bem - vide artigo 1346º nº2 do C.P.C.”.

A secretaria limitou-se a dar cumprimento ao despacho de 7/11/2018, como era seu dever, não tendo incorrido em erro nessa execução, pelo que também não tem aqui aplicação o disposto no n.º 6, do art.º 157.º, do C. P. Civil que pressupõe o imperfeito cumprimento do despacho do juiz.

Como realçado no despacho reclamado, o cerne da questão relativa ao valor da verba n.º 4, da relação de bens situa-se no despacho de 7/11/2018 que tenho sido notificado à Reclamante, “…dele não recorreu, não reclamou, não requereu que lhe fosse feita retificação a qualquer título e também se não propôs justificar a sua inação”.

Tendo esse despacho transitado em julgado e sido cumprido pela secretaria nos seus precisos termos, nem o recurso de revista na complexidade em que foi interposto em que foi interposto, evidenciada pelo despacho reclamado, é o meio processual próprio para desfazer o “equívoco” a que a Reclamante se reporta no art.º 58.º da reclamação, nem esta Conferência a estrutura orgânica judiciária com competência própria para o efeito.

Nos termos expostos esta Reclamação não pode, pois, deixar de improceder.


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3. Decisão.

Pelo exposto, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a Reclamação, confirmando o despacho reclamado.

Custas pela Reclamante, que lhes deu causa, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2, do art.º 527.º, do C. P. Civil, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

Lisboa, 23-10-2025

Orlando Santos Nascimento (relator)

Emídio Francisco Santos

Isabel Salgado.