Não se verifica oposição de jurisprudência entre os acórdãos em confronto quando laboram em distinta base factual, e não debatem a mesma questão essencial de direito, para efeitos da admissibilidade da revista especial prevista no artigo 629º, nº2, alínea d) do CPC.
Acordam em Conferência os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça
1. AA instaurou procedimento cautelar de arrolamento contra, sua mulher, BB, e as filhas de ambos, CC e DD, pedindo o arrolamento de diversos bens móveis e imóveis.
O requerimento inicial foi instruído com uma procuração datada de 8 de Março de 2018 e na qual o requerente concede aos filhos EE e FF, entre outros, poderes para o representar «perante quaisquer tribunais, neles praticando e assinando todos os actos necessários à defesa dos meus direitos e interesses, receberem citações e, caso tal se mostre obrigatório ou necessário, proporem e requererem acções, seus incidentes ou recursos, receberem primeiras citações e notificações, conferindo-lhes poderes forenses gerais e os especiais para, confessar, desistir e transigir em qualquer processo em que seja autor ou réu, assistente ou interessado, os quais deverão ser substabelecidos em advogado»
A requerida BB deduziu oposição.
Tendo o requerente, entretanto, falecido o tribunal decidiu:
«(…) Pelo exposto, julgando procedente a excepção dilatória por incapacidade processual de AA, o Tribunal determina a notificação pessoal dos herdeiros habilitados identificados no ponto 12) da fundamentação de facto para, em dez dias, declararem, em conjunto, se ratificam os actos processuais praticados em nome daquele. (…)».
2. As requeridas BB e CC apelaram da decisão, vindo o Tribunal da Relação a julgar improcedente os recursos, concluindo:
“O incidente de habilitação de sucessores é o meio processual de operar a modificação subjectiva da instância, através da substituição da parte primitiva pelos respectivos sucessores na relação substantiva em litígio (artigo 262.º do Código de Processo Civil). (..)
É certo que a requerida BB também é sucessora do autor. Todavia, porque o procedimento cautelar foi instaurado contra si, ela ocupa a outra posição de parte na lide, razão pela qual, face ao princípio da dualidade de partes que caracteriza o nosso processo civil, estando num dos lados, não pode estar no outro, nem em ambos em simultâneo. Foi por isso que ela não chegou a ser habilitada como sucessora do requerente para passar a ocupar a posição dele na lide, o que determina que ela não o representa afinal nos actos processuais a praticar … na presente lide. (…)
Por todas estas razões, a decisão recorrida é correcta e deve ser confirmada, razão por que improcedem os recursos.»
3. Inconformada, a requerida BB interpôs recurso de revista.
Em fundamento principal invoca a oposição de jurisprudência e o disposto no artigo 629º, nº2, al) d) do CPC, ou caso assim não se entenda, a sua admissão como revista excecional, sob o fundamento da relevância jurídica da questão controvertida, conforme a alínea a) do artigo 672º, nº1, do CPC.
Os requerentes habilitados pugnaram pela inadmissibilidade da revista.
Afigurando-se não ser admissível a revista, deu-se cumprimento ao disposto no artigo 655º, nº1, do CPC.
A recorrente reiterou a admissibilidade da revista, e arguiu a nulidade por falta de notificação da resposta às alegações de recurso, da qual apenas tomou conhecimento pelo anterior despacho.
Por decisão da relatora não se admitiu a revista.
4. A recorrente, exerceu a faculdade consignada no artigo 652º, nº3, ex vi artigo 679º do CPC, requerendo, sem outra motivação, a alteração do despacho de indeferimento e a sua reapreciação em Conferência.
Cumpre, pois, saber , se a revista é admissível.
Revisitada a fundamentação do assim decidido e a alegação da reclamante, não se descortina razão para divergir, acompanhando o juízo de não admissão da revista.
O mesmo se diga, a propósito da invocada nulidade processual por omissão de notificação da resposta à alegação de recurso pelos requerentes.
Em ordem à economia de actos e meios, remete-se para o conteúdo do despacho reclamado que vai transcrito1:
“[…]Verificado o processado, confirma-se que o Mandatário dos recorridos omitiu o cumprimento do disposto no artigo 221º, nº1, do CPC.
A recorrente acedeu, entretanto, à plataforma, inteirando-se da referida peça, ficando assegurado o contraditório e não ocorreu a prática de outro acto processual que afecte a sua posição.
A sobredita omissão da notificação não influiu no exame ou na decisão da causa, pelo que não ocorre nulidade – artigo 195º, nº1, do CPC- estando regularizado o processado.
5.1. Sem prejuízo do respeito pela opinião contrária, em nossa apreciação, confirma-se o juízo preliminar de não admissão da revista com o fundamento previsto no artigo 629º, nº2 al) d) do CPC.
A requerida BB, nos autos de arrolamento instaurados pelo seu cônjuge, entretanto falecido,inconformada com o acórdão da Relação que convergiu com a decisão de primeira de instância, interpõe recurso de revista.
Em fundamento principal invoca a oposição de jurisprudência e o amparo do disposto no artigo 629º, nº2, al) d) do CPC, ou caso assim não se entenda, a sua admissão como revista excecional, sob o fundamento da relevância jurídica da questão controvertida, conforme a alínea a) do artigo 672º, nº1, do CPC.
Como nota inicial sublinha-se que, a admissão da revista denominada excecional e regulada nos artigos 672º e 673º do CPC, depende em primeira linha, da verificação dos requisitos de recorribilidade geral e de revista, cuja apreciação cabe ao relator, que na afirmativa, levará então à apreciação ulterior pela Formação no que se prende com os requisitos específicos.
Quando está em causa acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, no âmbito de procedimentos cautelares, de acordo com o estabelecido no artigo 370º, nº2, do CPC, está vedada a revista, com a ressalva, em que é sempre admissível recurso, que nos remete para as situações de recorribilidade irrestrita enunciadas no artigo 629º, nº2, do CPC do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal.”
Já não assim, o fundamento da revista - oposição entre o acórdão impugnado e o indicado acórdão fundamento tirado pelo Tribunal da Relação de Lisboa Porto.
Salvo o devido respeito, não identificamos semelhança relevante, seja na questão decidenda, seja na casuística fáctico-processual, que convocam normas adjetivas distintas e justificam as soluções jurídicas alcançadas.
No acórdão do TRL de 10.04.2014 (proc 1407/11.3TJLSB.L1-7) proferido em acção declarativa, foi objecto de apreciação - “o pedido de declaração de nulidade de um denominado “acordo de revogação de contrato de arrendamento urbano”, relativo a um imóvel em que a apelante habita, por ausência de vontade da sua parte na outorga desse acordo, em virtude de incapacidade física e mental de que padece...”;
e decidiu-se – (..)Procede, pois, a apelação devendo declarar-se de nenhum efeito, por falta de consciência da declaração, nos termos do disposto no art.º 246.º do C. Civil, a aposição da assinatura a que se reporta o n.º 15 da matéria de facto, revogar-se a sentença recorrida e julgar-se a ação procedente] “
O acórdão recorrido que reporta a um arrolamento, confirmou a decisão do tribunal a quo, sobre a capacidade processual na sequência do falecimento do requerente e da suscitada incapacidade por doença :”Pelo exposto, julgando procedente a excepção dilatória por incapacidade processual de AA, o Tribunal determina a notificação pessoal dos herdeiros habilitados identificados no ponto 12) da fundamentação de facto para, em dez dias, declararem, em conjunto, se ratificam os actos processuais praticados em nome daquele.[…]”
Nos autos, a intercorrência objecto do acórdão impugnado respeita ao falecimento do requerente do arrolamento na pendência da causa e, por conseguinte, na sua substituição por via do incidente de habilitação de herdeiros, para a continuação da lide, respeitando o conflito de interesses entre os herdeiros na lide.
A questão suscitada pela requerida na revista, acerca da incapacidade do requerente aquando da outorga da procuração para a demanda, surge agora como elemento colateral ao litígio, pois, após a sua morte, fica prejudicada a sanação do vício através de representante legal ou curador provisório, tudo se passando para os sucessores a actuar em representação da parte falecida à qual sucedem.
O acórdão fundamento decidiu sobre a nulidade da denúncia de contrato de arrendamento, em consequência da comprovada incapacidade acidental da arrendatária aquando da declaração rescisória.
Evidencia a análise comparativa do acórdão proferido nos autos e o acórdão fundamento que este não se pronuncia sobre o concreto tema decisório daquele outro, justamente por se distanciarem também no núcleo factual subjacente.
6. Tendo presente o que se acabou de expor, concluindo-se que a revista não é admissível, visto o disposto no artigo 652º, nº1, al) b) ex vi artigo 679º do CPC, decide-se não conhecer da revista (ordinária).[…]”
5. A requerida interpôs a título subsidiário revista excecional e o amparo do disposto no artigo 672º,nº2, al) a) do CPC.
A admissão da revista excecional pressupõe a verificação dos requisitos gerais de recorribilidade, e bem assim que a revista seja admissível, mas não permitida por efeito da conformidade de julgados2.
Na situação em juízo, o acórdão da Relação foi proferido no âmbito de providência cautelar de arrolamento que não comporta em regra revista - artigo 370º, nº2, do CPC.
Daí que, não sendo admissível a revista em termos gerais, por motivo distinto da conformidade de julgados, encontra-se excluída a admissibilidade da revista excecional.
Mostra-se, em consequência, prejudicada por desnecessária a remessa dos autos à Formação.
6. Pelo exposto, indefere-se a reclamação e confirma-se a decisão de não admissão da revista.
Custas a cargo da reclamante, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça.
Lisboa, 23.10.2025
Isabel Salgado (relatora)
Maria da Graça Trigo
Emídio Francisco dos Santos
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1. Procedimento que se vem adoptando no julgamento de situações paralelas, sendo ociosa argumentação adicional à que suporta a decisão reclamada, caso as alegações de reclamação para a conferência repitam as alegações iniciais , não contendo argumentos novos, ou até sem qualquer motivação; cfr. entre outros, os acórdãos do STJ de 14-10-2021, no proc. 54843/19.6YIPRT.G1-A. S1, de 4.07.2024, no proc 2254/20.7T8STS.P1-A-A.S1, de 18.09.2025 proc. nº 644/22.0T80RM.E1.S1.
2. Conforme a jurisprudência deste Supremo Tribunal, em especial da Formação prevista no n.º 3 do art. 672.º do CPC, tem entendido, de forma consolidada, que não sendo admissível a revista por via normal, não será também admissível a revista por via excepcional, uma vez que esta se destina aos acórdãos em que o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça esteja vedado apenas e tão só, devido ao obstáculo da dupla conformidade entre as decisões das instâncias. Cfr. neste sentido, os acórdãos (da Formação) de 09.01.2014 (proc. n.º 274/12.4TBVVC-D. E1.S1) de 16.01.2014 (proc. n.º 953/09.3TVLSB.L1. S1), de 06.02.2014 (proc. n.º 8/11.0TBAMR-A. G1.S1), de 20.03.2014 (proc. n.º 1279/09.8TBCTB-D.C1. S1), de 06.12.2017 (proc. n.º 21595/15.9T8LSB.L1. S2) e de 10.05.2018 (proc. n.º 909/17.2T8VIS.C1. S1) - sumários da jurisprudência cível, in www.stj.pt.