Não existindo contradição entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido, por diversas as questões jurídicas em equação, fica afastada a admissão da revista especial ao abrigo do disposto no artigo 629º, nº2, al) d) do CPC.
Acordam os Juízes em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça
1. No âmbito da acção declarativa com processo comum que AA e outros movem contra, BB e mulher, o Tribunal da Relação de Évora proferiu acórdão que julgou improcedente a apelação, confirmando o despacho do tribunal a quo de improcedência do da reclamação da conta apresentada pelos Autores.
2. Inconformados, interpuseram recurso de revista com o fundamento de contradição do assim decidido, e o aresto proferido pelo STJ sobre a mesma matéria e ao abrigo do artigo 629º, nº2, al) d do CPC, e, ou artigo 672º, nº1, c)1.
As conclusões são as seguintes:
« (…)3ª.1 A tese que deve prevalecer é a do Acórdão fundamento (subscrita pela generalidade da jurisprudência dos nossos Tribunais superiores), devendo admitir-se que, independentemente da figura da dispensa do remanescente, na reclamação da conta de custas se possa discutir a proporcionalidade/razoabilidade da taxa de justiça calculada nessa conta, pelo menos nas situações em que se verifica uma flagrante e manifesta desproporção entre o valor da taxa de justiça aí calculado e os custos/serviços prestados pelo Tribunal. 3ª.2 Esta solução é também a que melhor serve (a única que serve) os princípios jurídicos fundamentais e os interesses públicos e sociais envolvidos, pois o que importa assegurar aos cidadãos é que o valor da taxa de justiça devida nos processos judiciais não seja calculado, exclusivamente, com base no valor da causa, devendo também ser considerados outros fatores, designadamente a necessária proporcionalidade (entre o serviço prestado/custo suportado pelos Tribunais e o valor da taxa de justiça), a conduta das partes (neste caso dos AA./Recorrentes) e a complexidade da causa: se a taxa de justiça não tiver sido calculada na conta de custas de acordo com esses critérios, as partes deverão poder reclamar da mesma com esse fundamento.4ª A interpretação dos arts. 6º, nºs. 1 e 7, e 31º do RCP, no sentido de não ser suscetível de reclamação uma conta de custas de onde resulta uma desproporcionalidade flagrante e intolerável do valor da taxa de justiça aí calculado, pelo facto de esses parâmetros terem de ser analisados e decididos na decisão final do processo e no âmbito do regime da ‘dispensa de pagamento do remanescente’ previsto no art. 6º, nº 7, do RCP, estando, assim, esgotado o poder jurisdicional quanto a essas questões, é inconstitucional por violação de diversos direitos e princípios estruturantes fundamentais do nosso sistema jurídico-constitucional, designadamente do princípio da proporcionalidade, da proibição de excesso, do direito fundamental de acesso ao Direito e aos Tribunais, do direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo, também quanto aos custos que envolve esse acesso aos Tribunais (arts. 2º, 13º, 18º, nº 2, 20º e 266º da Constituição). Pelas razões que ficaram expostas e pelas que este Venerando Tribunal doutamente suprirá, deverá o presente Recurso ser julgado procedente, admitindo-se a Reclamação deduzida pelos Recorrentes da Conta de Custas do processo»
3. O Senhor Desembargador relator não admitiu a revista interposta a título principal com o fundamento de oposição de julgados, pelas razões que se reproduzem:
« (…) Acontece que, como vem expressamente referido no Acórdão de que se pretende recorrer, sobre a matéria foi proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça e em momento posterior ao Acórdão fundamento invocado pelos recorrentes o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 1/2022[1] que fixou a seguinte uniformização: “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem lugar, de acordo com o nº 7 do art. 6º do RCP, com o trânsito em julgado da decisão final do processo”. Assim, tendo presente que sobre a matéria foi proferido Acórdão de uniformização de jurisprudência conforme com o que foi decidido no Acórdão de que se pretende recorrer, não será o recurso admissível ao abrigo da indicada alínea d), do n.º 2, do artigo 629.º do Código de Processo Civil. Por outro lado, tendo presente que o Acórdão de que se pretende recorrer confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, não é admissível revista ordinária do mesmo. Assim, não se admite o recurso como revista ordinária. (..)»
3.1. Discordantes, os recorrentes dirigiram reclamação a este Supremo, a coberto da faculdade consignada no artigo 643º, nº1, do CPC.
A motivação culmina na seguinte síntese conclusiva:
«1ª O Despacho reclamado pressupõe que o que está em causa na revista interposta é um pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça e, por isso, não admitiu a revista interposta, o que, com o devido respeito, (i) para além de envolver uma nulidade processual, omissão da formalidade/notificação prevista no art. 655º, nº1, do CPC, o que envolve uma consequente decisão surpresa e a violação das exigências do princípio do contraditório tutelado no art. 3º, nº 3, do CPC (art. 195º, nº 1, do CPC), (ii) também assenta num evidente erro nos pressupostos.
2ªDe facto, na revista interposta não vem peticionado ou está em causa o regime da ‘dispensa do remanescente da taxa de justiça’ previsto e regulado no art. 6º, nº 7, do RCP. Na verdade, nesta revista só está em causa uma reclamação da conta de custas com vista à redução do valor da taxa de justiça aí calculado/fixado pelo facto de o mesmo envolver uma situação de desproporcionalidade flagrante e intolerável.
3ª O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 1/2022 invocado no Despacho reclamado decide tão-somente sobre o prazo/momento, até ao qual é admitido o requerimento de dispensa do remanescente da taxa de justiça, nada decidindo sobre a matéria da revista interposta (desproporcionalidade do valor calculado a titula de taxa de justiça), pelo que esse Acórdão em nada releva e não pode ser invocado na admissão da revista interposta.
4ªComo já se deixou invocado, a interpretação dos arts. 6º, nºs. 1 e 7, e 31º do RCP, no sentido de não ser suscetível de reclamação, uma conta de custas de onde resulta uma desproporcionalidade flagrante e intolerável do valor da taxa de justiça aí calculado, pelo facto de esses parâmetros terem de ser analisados e decididos na decisão final do processo e no âmbito do regime da ‘dispensa de pagamento do remanescente’ previsto no art. 6º, nº 7, do RCP, estando, assim, esgotado o poder jurisdicional quanto a essas questões, é inconstitucional por violação de diversos direitos e princípios estruturantes fundamentais do nosso sistema jurídico-constitucional, designadamente do princípio da proporcionalidade, da proibição de excesso, do direito fundamental de acesso ao Direito e aos Tribunais, do direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo, também quanto aos custos que envolve esse acesso aos Tribunais (arts. 2º, 13º, 18º, nº 2, 20º e 266º da Constituição). (..)deverá a apresente Reclamação ser julgada procedente, admitindo-se a revista interposta nos termos que vêm peticionados.»
Não foi apresentada resposta.
Mantendo a sua discordância e com a argumentação anterior, os recorrentes pedem que a questão seja apreciada em Conferência.
Cumpre decidir.
Revisitando a alegação dos recorrentes e os fundamentos da decisão , acompanha-se o juízo de não admissão da revista; na ausência de argumento adicional apresentado, em economia de actos, justifica-se a motivação por remissão para àquela decisão que e vai transcrita.
«[…] Em traços largos, a insurgência dos reclamantes contra o despacho impugnado que não admitiu a revista do acórdão em referência é a seguinte:
- A pretensão indeferida pela 1ªinstância, confirmada pela Relação, não corresponde a um pedido de redução/dispensa da taxa de justiça remanescente, mas outrossim à reclamação da conta de custas, atenta a desproporcionalidade da taxa de justiça liquidada, matéria que não é objecto do AUJ em causa; e, a nulidade por omissão do contraditório prévio.
4.1. Sobre a decisão surpresa e a alegada nulidade.
Não se configura afronta ao princípio da proibição de decisões-surpresa.
A decisão surpresa que lei pretende afastar com a observância do princípio do contraditório - artigo 3º, nº3 do CPC - contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever.
Trata-se, pois, de decisão que sem audiência prévia das partes, as surpreende com o conhecimento que não poderia ter tido lugar antes de as mesmas exercerem o seu direito ao debate da matéria de fundo, de facto e de direito.
Enquadramento que, não confere na situação, em que a decisão aplica o quadro normativo que a parte não pode ignorar – as normas adjetivas sobre os pressupostos e requisitos do exercício do direito ao recurso - e que não se confunde com a expectativa de decisão em sentido diverso.
Acresce que, o despacho de apreciação do requerimento de interposição de recurso proferido pelo tribunal a quo no âmbito do disposto do artigo 641º, nº1, do CPC não vincula o tribunal ad quem, dispondo ainda o recorrente da faculdade de reclamação para o tribunal superior.
4.2. Passando ao mérito da reclamação.
Sustentam os recorrentes que o objecto da revista interposta e o fundamento da contradição de jurisprudência não se prende com apreciação de pedido de redução de taxa de justiça o que afasta a aplicação da doutrina do AUJ, subsistindo, pois, no seu entender, o fundamento de admissão previsto no artigo 629º, nº1, al) d do CPC.
Vejamos.
O objecto de apreciação e decisão do acórdão recorrido está refletido com fidelidade no seu sumário:
«1. Nos processos de valor superior a 275.000,00€ a única forma de evitar casos de eventual disparidade entre a actividade do Tribunal e a conta de custas, para cumprimento dos princípios da proporcionalidade, adequação e livre acesso à justiça, será através do uso do mecanismo previsto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.
2. Não é permitido que, fora desse condicionalismo, o Tribunal possa ser chamado a decidir a redução do valor da taxa de justiça. 3. Após trânsito em julgado da decisão final do processo o montante da taxa de justiça a pagar já não pode ser corrigido.4. O incidente de reclamação da conta não pode ser utilizado para questionar a desproporcionalidade do valor da taxa de justiça em relação à utilidade e complexidade da acção ou, sequer, para solicitar a dispensa do remanescente da taxa de justiça.5.Perante o trânsito em julgado de anterior decisão que considerou extemporâneo o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça.»
Após o desenvolvimento final da instância, notificada que foi a conta de custas, vieram os autores requerer que se procedesse à alteração do valor da taxa de justiça cobrada na 1ªinstância pela desproporcionalidade com os actos e meios que tiveram lugar, invocando o disposto no artigo 6º, nº7, do RCP, pretensão que as instâncias não acolheram.
Na revista alegaram de relevante - dever admitir-se que, independentemente da figura da dispensa do remanescente, na reclamação da conta de custas se possa discutir a proporcionalidade/razoabilidade da taxa de justiça calculada nessa conta, pelo menos nas situações em que se verifica uma flagrante e manifesta desproporção entre o valor da taxa de justiça aí calculado e os custos/serviços prestados pelo Tribunal2, por ser a interpretação do artigo 6º, 7º do RCP que entendem conforme à Constituição, e que segundo alegam foi acolhida no Acórdão fundamento tirado no STJ em 14.02.2017, proc. nº 1105/13.3T2SNT.L1.S1.
Analisando o pedido objecto da revista e a ratio decidendi do despacho reclamado, apesar dos inevitáveis pontos de interceção, os recorrentes não pretendem em bom rigor questionar o prazo ad quem do pedido de redução/dispensa da taxa de justiça remanescente versado no AUJ nº 1/2022.
O ponto é que, tal sucede na decorrência lógica que o seu pedido visa, justamente, ultrapassar a limitação de tempo processual para o efeito, ditada pela impossibilidade da apreciação em sede de reclamação de conta de custas, segundo as instâncias.
Tal não significa que a motivação da decisão deva dispensar a jurisprudência fixada pelo AUJ.
Neste contexto importa, ainda assim, ajuizar da invocada “oposição jurisprudencial” entre o acórdão da recorrido e o acórdão fundamento sobre a matéria revidenda à luz da previsão do artigo 629º, nº2, al) d) do CPC.
A contradição de julgados exige, de acordo com a densificação do Supremo Tribunal de Justiça - (i) identidade da questão de direito sobre que incidiram os acórdãos em confronto, a qual tem pressuposta a identidade dos respetivos pressupostos de facto; (ii) oposição emergente de decisões expressas e não apenas implícitas; e, (iii) oposição com reflexos no sentido da decisão tomada.
Da análise comparativa entre o acórdão impugnado e o acórdão do STJ, resulta que:
- Na situação ali ajuizada o recorrente formulou o expresso pedido de dispensa de taxa de justiça remanescente após a conta de custas (em processo de insolvência) e por decisão que julgou a extinção da instância, sem oposição ou decisão demérito;
- No acórdão recorrido, como se viu e asseveram os reclamantes, foi distinta a pretensão formulada e indeferida pelas instâncias nos presentes autos;
- No acórdão fundamento decidiu-se que “ (..) afigura-se que a questão do prazo deve ser resolvida atendendo à função do Juiz e à intervenção que ao mesmo é exigida pelo n.º 7 do artigo 6.º do RCP. (..) Existe, pois, um poder/dever de garantir a adequação das custas ao serviço prestado ao cidadão. É certo que não é possível assegurar uma equivalência matemática precisa, mas neste caso concreto é flagrante e manifesta a desproporção existente, a qual deveria ter sido corrigida pelo juiz. Não tendo o juiz operado tal correcção e face a uma desproporção tão nítida – aliás reconhecida tanto pelo Acórdão recorrido, como pelo próprio Ministério Público nas suas Contra-alegações – deve entender-se, até porque assim melhor se executam as decisões do Tribunal Constitucional na matéria e melhor se salvaguardam os princípios e direitos constitucionais consagrados nos artigos 20.º e 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, que o cidadão poderá, mesmo, após a apresentação da conta de custas e em conformidade com o n.º 3 do artigo 31.º, reclamar da mesma conta, face a uma situação que pode revelar-se muito mais gravosa que, por exemplo, um erro de cálculo[3].»
- O acórdão fundamento foi proferido em data anterior à prolação do AUJ nº1 / 2022 que fixou sobre a questão a seguinte jurisprudência:
«A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo.»
Para que não sobrem dúvidas que a argumentação suscitada pelos recorrentes foi nela apreciada, destaca-se a seguinte passagem:
«Na verdade, não é pelo facto de se discordar do mecanismo que o legislador encontrou como o meio mais adequado para fazer valer um direito que deixa de ocorrer a tutela efetiva do mesmo, que se negue o acesso à justiça ou se introduza um sistema desproporcionado. Ora, a possibilidade consagrada pelos preceitos em causa de, em sede de pedido de reforma da decisão de custas, fazer adequar a taxa de justiça concreta a pagar ao processado permite a efetivação daqueles princípios constitucionais.
A tutela efetiva e o acesso à justiça realizaram-se e mostram-se efetivados no caso e não saem beliscados pelo facto do titular do direito não ter usado tempestivamente dos meios adequados a fazer valer o direito em causa quando existiam os mecanismos legais para o efetivar.»(72).Há que ver, sim, é se há uma particular dificuldade na satisfação do ónus de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em momento anterior ao trânsito em julgado da decisão (portanto, em momento anterior ao da elaboração da conta que se segue, por regra, a esse trânsito). Obviamente (como e pelas razões que vimos apontando) que se não vislumbra essa dificuldade. E, na senda do já referido, o Tribunal Constitucional (cf. Ac. 527/2016) igualmente reforça que «a gravidade da consequência do incumprimento do ónus - que consiste na elaboração da conta sem a redução ou dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça - é ajustada ao comportamento omitido. Não se vê, aliás, que pudesse ser outra: se a parte não deduziu o pedido correspondente, a conta é elaborada nos termos gerais decorrentes da tabela legal. (..)»
Donde, passando a matéria ora decidida pela aplicação do AUJ, que por razões óbvias, não constitui elemento de decisão e ponderação no acórdão fundamento, não se verifica o alegado fundamento da revista indicado (artigo 629º, nº2, al. d) do CPC). [...]»
5. Pelo exposto, julga-se improcedente a reclamação.
Custas a cargo dos reclamantes, sendo de 3UC a taxa de justiça.
Lisboa, 23.10.2025
Isabel Salgado (relatora)
Maria da Graça Trigo
Emídio Francisco dos Santos
__________
1. A admissão subsidiária como revista excecional foi excluída do objecto da decisão do Senhor Desembargador e assim não é versada na reclamação.
2. Invocando que o valor de € 18.538,50 considerado ainda em dívida pelos mesmos não só não era devido, como era manifestamente excessivo/desproporcional face à atividade desenvolvida no Tribunal de 1ª Instância.