A nulidade dos actos que hajam sido praticados nos autos posteriormente à data em que ocorreu o falecimento de uma parte afecta apenas os actos relativamente aos quais fosse admissível o exercício do contraditório pela parte que faleceu .
Recorrente: AA, embargante
Recorrido: Caixa Económica Montepio Geral, embargada
I.1 –
AA, embargante, interpôs recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 25 de Março de 2025 que julgou a apelação totalmente improcedente, e confirmou a decisão recorrida de indeferimento liminar dos embargos apresentados pela aqui recorrente, esta proferida pelo Juiz 2 do Juízo de Execução de Soure do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, tendo apresentado alegações que culminam com as seguintes conclusões:
Da Inexistência de Dupla Conforme
I. Não se verifica a dupla conforme, já que, na decisão recorrida o juiz a quo entendeu que a extemporaneidade dos embargos resultava da citação ocorrida a 30/09/2022, tendo o prazo terminado em 24/10/2022, sendo que no presente acórdão a fundamentação para a o não provimento do recurso e manutenção da decisão, reside numa total diferença de contagem de prazo e análise das normas aplicáveis. Ou seja, dando parcialmente razão à Apelante, em que de facto havia sido inutilizado qualquer prazo em curso desde a primeira citação, procedeu a uma contagem do prazo em momento diverso da decisão recorrida, designadamente, após o trânsito em julgado da decisão da habilitação de herdeiros.
II. A chamada dupla conforme verifica-se quando seja confirmada a decisão da 1ª instância sem voto de vencido e sem uma fundamentação essencialmente diferente.
III. Uma fundamentação essencialmente diferente existe quando se confirme a decisão da 1ª instância a partir de um quadro normativo substancialmente diverso. O que em nosso entender é o caso, já que o presente acórdão contrariou o que já havia sido aduzido, para chegar à mesma conclusão (“contrário do que se considerou na decisão recorrida, o prazo em questão não terminou em 24/10/2022 (nessa data, a instância estava suspensa, o prazo deixara de correr e ainda não se havia reiniciado”).
IV. Pelo que se pugna pela admissão do recurso de revista não havendo dupla conforme.
V. Conforme se reitera, independentemente do momento da sua junção, certo é que os efeitos do subsequente despacho de suspensão da instância, retroagem à data em que ocorreu o falecimento da parte, a ponto de, o n.º 3, do referido artigo 270º, do CPC, fulminar com a sanção de nulidade os actos processuais praticados posteriormente à referida data, e no âmbito dos quais fosse admissível o exercício do contraditório pela parte falecida.
VI. Uma vez efectuada a prova do falecimento da parte, porque se está na presença de uma causa de suspensão legal (ainda que ope legis e por impedimento), inevitável e forçosa é [por regra geral e tendo por desiderato a forçar a habilitação] a prolação de despacho judicial de suspensão da instância, pois que, sendo a suspensão determinada por vontade da lei, então deve o Juiz decretá-la, precisamente em obediência à vontade legal, estando-lhe vedado “pôr em movimento o seu juízo de valor sobre se as circunstâncias justificam ou não a paralisação do processo “
VII. Por outro, nos termos do artigo 275º n.º 2 do C.P.C os prazos judiciais não correm enquanto durar a suspensão; nos casos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 269.º a suspensão inutiliza a parte do prazo que tiver decorrido anteriormente.
VIII. Considerando as normas supracitadas, verifica-se que, os efeitos da suspensão da instância, retroagiram à data em que ocorreu o falecimento da parte, isto é, 28/10/2021, sendo que, a citação efetuada à Recorrente é nula, o que já foi invocado e que novamente se suscita.
IX. Assim, no entender da Recorrente, os efeitos decorrentes do artigo 270º n.º 3, impõem e impunham a nulidade da citação da Recorrente ocorrida a 30/09/22, uma vez que sendo a própria herdeira habilitada do seu falecido marido, notoriamente que a citação praticada, constitui um ato relativamente ao qual era e é admissível o exercício do contraditório pela parte que faleceu ou se extinguiu.
X. Desta forma, mantem-se o entendimento, que, tendo o falecimento ocorrido previamente à instauração da execução, e sendo conhecido, pela Exequente, o ato de citação da Recorrente é nulo, uma vez que o mesmo não consubstancia uma citação regular, pois nela não se distingue, a qualidade da Recorrente (se citada como executada ou como herdeira).
XI. Isto porque, o herdeiro habilitado visa substituir na execução o falecido e originário executado/devedor, podendo e devendo exercer os direitos que lhe são conferido por lei e que foram prejudicadas com a inexistência desse ato e desconformidade legal do ato realizado. O que se invoca com todas as legais consequências.
XII. Na verdade, de acordo com o que fica exposto, após o trânsito em julgado da decisão relativa à habilitação de herdeiros, e na qual a Recorrente também foi habilitada como herdeira, sendo certo que estamos perante um litisconsórcio necessário, impunha-se a sua citação para os termos do artigo 856º do C.P.C, conforme aconteceu com os restantes habilitados, e como obrigavam as normas supra indicadas face à nulidade dos actos anteriormente praticados, nomeadamente a primeira citação e inutilização de qualquer prazo em curso.
XIII. Como sustenta Rui Pinto (ob. Manual da Execução e Despejo, págs.533 e 534) que, sendo a dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges, a execução intentada apenas contra um deles não produz o seu efeito útil normal, viabilizando, contra a lei substantiva, a geração de uma responsabilidade comum parcial. Perfilha, por isso, o entendimento de que a primeira parte do n.º 3 do artigo 34.º é aplicável à ação executiva, excluindo hipóteses como a dos autos do âmbito da aplicação da previsão do n.º 1 do artigo 740.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 786.º.
XIV. Há por isso erro na Interpretação e Aplicação do Direito.
XV. Na sequência do nosso modesto raciocínio, consideramos foram violados que o Senhor Juiz a quo violou os artigos 269º n.º 1 a), 270º n.º 1 e 3, 275º n.º 2 e 351º do C.P.C, como também viola o disposto no artigo 154º do C.P.C e 208º n.º da C.R.P, entre outros.
Nestes termos e nos melhores de direito, devem V.ª Excias proferir Acórdão, que revogue o Acórdão proferido, substituindo-o por outro que conclua pelo o recebimento dos embargos apresentados pela Recorrente em litisconsórcio com os restantes habilitados.
Assim se fazendo Justiça!!!
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso de revista é admissível ao abrigo do disposto nos art.º 671.º do Código de Processo Civil por a decisão de 1.ª instância ter sido confirmada em recurso de apelação com fundamento jurídico diferente.
I.3 – O objecto do recurso
Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar a seguinte questão:
- Nulidade da citação da embargante para a execução.
Os factos a ter em consideração para a decisão do presente recurso relativos aos termos processuais constantes dos autos, são os seguintes:
- No processo de execução instaurado – em 13/09/2022 – pela Caixa Económica do Montepio Geral contra BB e AA esta foi citada para, querendo, deduzir oposição à execução no prazo de vinte dias, em 30/09/2022;
- Em 12/10/2022 Sr.ª Agente de Execução informou nos autos de execução que o Executado BB havia falecido em D/M/2021 (conforme certidão de óbito que juntou aos autos);
- A exequente promoveu o incidente de habilitação de herdeiros no qual foi proferida sentença em 09/06/2023 que declarou habilitados como herdeiros do falecido a Executada AA, CC, e, DD;
-Tal decisão foi notificada à Executada, AA, mediante comunicação com data certificada pelo Citius de 09-06-2023;
- Em 17/10/2023, a referida Executada – em conjunto com os restantes herdeiros habilitados – veio deduzir oposição por embargos;
- Tais embargos – na parte em que se reportam à Executada AA – vieram a ser liminarmente indeferidos, por despacho de 13/12/2023, com fundamento na sua extemporaneidade.
Nulidade da citação para a execução da embargante
A recorrente foi citada para a execução em 30 de Setembro de 2022, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 856.º do Código de Processo Civil, designadamente, para deduzir embargos de executado no prazo de vinte dias, conforme comprova o aviso de recepção da carta contendo a citação constante dos autos.
Como expressa o art.º 219.º do Código de Processo Civil a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa.
Em cada processo apenas pode existir uma citação de cada pessoa, pela lógica razão de não ser possível chamar pela 1.º vez ao processo, qualquer pessoa, duas vezes.
Por sua vez, efectuada que seja a citação de uma pessoa conferindo-lhe o conhecimento dos termos da causa para que possa exercer a sua defesa, todas as vezes que posteriormente à citação seja necessário dar a conhecer a essa pessoa qualquer acto do processo, usar-se-á a notificação , art.º 219.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Assim, a decisão que julgou habilitados os herdeiros do executado falecido na pendência da causa tinha de ser notificada, como foi, à embargante. Também por isso, a embargante foi notificada para contestar, querendo, a habilitação, nos termos do disposto no art.º 352.º do Código de Processo Civil, quando o outro herdeiro foi citado para querendo contestar tal incidente, dado que aquele dispositivo reafirma esse mesmo mecanismo - Deduzido o incidente, ordena-se a citação dos requeridos que ainda não tenham sido citados para a causa -.
A embargante foi citada para a execução no dia 30 de Setembro de 2022 e o executado BB faleceu no dia D de M de 2021. Porém, nos autos, este falecimento foi apenas conhecido em 12 de Outubro de 2022, e, só nessa data foi declarada a suspensão da instância. Nem de outro modo poderia ser porque, admitindo-se como muito provável que a embargante tivesse tido conhecimento deste falecimento, e se o teve tinha obrigação – art.º 270.º, n.º 2 do Código de Processo Civil – de o comunicar, o certo é que a notícia desse falecimento surge no processo apenas em de 12 de Outubro de 2022.
Contrariamente ao explanado pela recorrente a nulidade dos actos que hajam sido praticados nos autos posteriormente à data em que ocorreu o falecimento que, nos termos do n.º 1, do art.º 270.º do Código de Processo Civil devia determinar a suspensão da instância, não ocorre relativamente a todos os actos praticados ou que devessem ser praticados pelos demais intervenientes processuais. Tal nulidade apenas existe em relação aos actos relativamente aos quais fosse admissível o exercício do contraditório pela parte que faleceu .
Com este dispositivo pretende a lei salvaguardar de modo absoluto os direitos de defesa processual da parte falecida que, naturalmente, depois de morta, não poderia exercer o contraditório fosse sobre o que fosse. Tal não significa que as demais partes do processo, não falecidas, como decorre da apresentação dos embargos e dos sucessivos recursos, sem terem dado notícia da ocorrência desse falecimento, fosse porque ignoravam a sua ocorrência, fosse porque a sua estratégia processual implicava que tal notícia deveria tardar o mais possível, pudessem ver feridos de nulidade os actos por si entretanto praticados, ou os actos praticados pelo tribunal relativamente à sua pessoa, como ocorreu com a citação da embargante ocorrida, após o dito falecimento.
Decretada a suspensão da instância em 12 de Outubro de 2022 ficou inutilizado todo o prazo que estava em curso para a embargante exercer a sua defesa relativamente à execução, nos termos do disposto no art.º 275.º do Código de Processo Civil. Tal suspensão cessou na data em que foi notificada à embargante a decisão que julgou habilitados os herdeiros do falecido para contra eles correr a execução, ou seja, 9 de Junho de 2023. Tal decisão transitara em 7 de Setembro de 2023 vindo os embargos a ser presentes em juízo em 17 de Outubro de 2023 quando já estava esgotado o prazo de 20 dias conferido por lei para deduzir embargos de executado.
Nos termos do disposto no art.º 728.º, n.º 2 não podia a embargante beneficiar do prazo de que dispunham os demais herdeiros para deduzir embargos pelo que a sua apresentação em 17 de Outubro de 2023 excede manifestamente o prazo de que beneficiava e se iniciara em 30 de Setembro de 2022.
Improcede, pois, a revista.
Pelo exposto acorda-se em negar a revista, e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pela recorrida.
Ana Paula Lobo (relatora)
Fernando Baptista de Oliveira
Orlando dos Santos Nascimento