Provada a divergência entre a vontade real da A. e a vontade que declarou no momento da outorga de escritura pública de compra e venda, impõe-se a anulação da declaração negocial errada, isto é, da declaração que na escritura pública indica que Autora e réu declararam adquirir “em comum e partes iguais”, imóvel, ainda que tal implique a exclusão do réu como adquirente do bem.
Recorrente: AA,
BB, réus habilitados
Recorridos: CC,
DD, autores habilitados
Valor da causa: 142 500,00 €
I – Relatório
I.1
AA e BB, réus habilitados apresentaram recurso de revista do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 9 de Abril de 2025 que revogou a sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância, julgou procedente a apelação, “condenando o réu a restituir à autora metade do imóvel descrito no facto provado sob m), passando a autora a ser a proprietária única de tal imóvel desde 29.4.2014”.
Os recorrentes apresentaram alegações que terminam com as seguintes conclusões:
A. Por Sentença proferida em 21.07.2021, veio o Tribunal de 1.ª instância julgar a ação «integralmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolvo o R. EE dos pedidos contra si formulados».
B. Inconformada com a referida decisão veio a Autora, entretanto falecida e sub-rogado pelos agora Recorridos (por Decisão Singular, datada de 28.05.2024, no Apenso B ao presente processo), interpor recurso daquela decisão, com reapreciação de toda a prova, por entender que os depoimentos das testemunhas não foram prestados dentro dos limites legais, devendo a prova ser anulada e por isso repetida.
C. O Réu, entretanto falecido e sub-rogado pelos agora Recorrentes (por Decisão Singular, datada de 18.01.2023, no Apenso A ao presente processo), apresentou as suas contra-alegações, nos termos das quais pugnou pela rejeição do Recurso em face do incumprimento do ónus de formular conclusões e ainda pela improcedência dos argumentos aduzidos pela Autora.
D. Em 08.03.2022, o Tribunal a quo julgou procedente o Recurso interposto pela Autora e, em consequência, revogou a sentença proferida pela 1.ª instância, condenando o Réu a restituir à Autora metade do imóvel.
E. Os Recorrentes, não se conformaram com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, razão pela qual interpuseram recurso de revista, em 20.06.2023, com vista à revogação do acórdão.
F. Em 27.02.2025, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão, com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista e anular o acórdão recorrido para reanálise da matéria de facto não provada”. O Supremo Tribunal de Justiça, considerou, em suma, existirem, no Acórdão do Tribunal da Relação, contradições entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada, nos seguintes termos: “Impõe-se, deste modo, a remessa dos autos ao Tribunal recorrido, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 682, n.º 3 do Código de Processo Civil para que compatibilize completamente a matéria de facto que considerou prova com a matéria de facto tida por não provada, por revisão desta, eliminando as contradições existentes, de molde a permitir a decisão jurídica do pleito. Procede, pois, parcialmente a revista”.
G. Vêm os ora Recorrentes recorrer do novo Acórdão do Tribunal da Relação, como permite artigo 683.º, n.º 2, do CPC, e com os fundamentos previstos no artigo 674.º do CPC.
H. Entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo andou mal no que concerne à fundamentação e decisão proferida no novo Acórdão, quanto (i) à aplicação das normas referentes ao ónus de impugnação da matéria de facto; (ii) quanto aos poderes de conhecimento do Tribunal a quo, por ter decidido além do objeto do recurso ao considerar depoimentos não indicados nas conclusões das alegações dos Recorridos; (iii) quanto às regras de apreciação da prova, mormente no que concerne aos documentos com força probatória plena e, por fim, (iv) quanto à aplicação e interpretação do direito, em particular, do artigo 247.º e do artigo 292.º do Código Civil.
I. Nos termos do artigo 640.º, n.º 1, do CPC, recai sobre o recorrente, obrigatoriamente, e sob pena de rejeição do recurso, o encargo de afastar o raciocínio de que o Tribunal recorrido se serve para sustentar cada ponto da matéria de facto.
J. Lidas e relidas as conclusões aperfeiçoadas por parte da Autora, no recurso de apelação que interpôs da sentença da 1.ª instância, não se escrutina a referência a um único ponto de facto considerado provado ou não provado naquela decisão.
K. Limitou-se a atacar, de forma genérica, a interpretação que fez daquilo que resulta da sentença da 1.ª instância, à luz dos temas da prova que haviam sido fixados por aquele Tribunal no despacho saneador. Ora, os temas de prova não são factos e, como tal, não só não é possível recorrer da sentença em função dos mesmos.
L. Ao decidir assim o Tribunal a quo incumpre de forma lapidar a cominação expressa de rejeição do recurso que consta do artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
M. Donde dúvidas não restam de que o mal andou o Tribunal a quo, violando de forma clara e inelutável o exposto no artigo 640.º n.º 1 do CPC, porquanto deveria ter rejeitado o recurso, devendo, por isso, ser esta decisão revogada e substituída por outra que dê provimento àquela estatuição e, em consequência que decida pela rejeição do recurso interposto pela Autora.
N. A isto acresce o seguinte,
O. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do CPC.
P. Ao abrigo do artigo 640.º, n.º 1, alínea b) do CPC, o Recorrente deve especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa.
Q. Nas conclusões das alegações de recurso são referidos, para a reapreciação da prova testemunhal, os depoimentos das testemunhas FF, GG, HH, II, CC, DD, JJ, KK, LL, MM, NN e OO
R. Contudo, o Tribunal a quo funda a sua decisão, também, nos depoimentos das testemunhas PP e de QQ, que não foram suscitados.
S. O mesmo deve dizer-se para as declarações de parte da Autora, que o Tribunal recorrido considerou essenciais para a decisão de revogação da decisão 1ª instância
T. Donde dúvidas não restam de que andou mal o Tribunal a quo, violando de forma clara e inelutável os seus poderes de conhecimento, delimitados nos termos, nomeadamente, do artigo 639.º, n.º 1, do CPC.
U. Está, ainda, em causa a violação da força probatória plena da escritura pública.
V. Nos termos do disposto no artigo 371.º, n.º 1, do CC, “Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público”. Esclarece o artigo 372.º, n.º 1, do CC que “A força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade”.
W. Escrutinados os elementos probatórios carreados para os autos, revela a escritura pública de compra e venda do imóvel sub judice (cfr. Doc. n.º 3 da petição inicial), cuja validade é visada, mas que, em momento algum foi invocada a falsidade da mesma.
X. Nos termos do Acórdão recorrido, veio o Tribunal a quo aditar dois novos factos, que entende deverem ser dados como provados, os factos ii) e jj). Além disso, alterou ainda a redação do facto w), sendo que são estes os factos que permitem ao Tribunal concluir no sentido da verificação de um erro na declaração, nos termos do artigo 247.º do Código Civil.
Y. Para a alteração da matéria de facto, o Tribunal recorrido utilizou, apenas e tão só, presunções judiciais.
Z. Ora, a prova indireta, ou a presunção judicial não é suficiente para abalar o facto praticado pelo notário que consta da escritura pública, nomeadamente, que aos outorgantes foi explicado o respetivo conteúdo.
AA. Para afastar esta prova, seria necessário invocar a falsidade destas declarações, conforme artigo 372.º, n.º 1 do CC, o que não ocorreu. E se a Autora não o fez, sibi imputet!
BB. Mas, por mero raciocínio académico, mesmo que fosse admissível aferir, como fez o Tribunal a quo, se a Autora entendeu o conteúdo da compra e venda do imóvel, ainda assim, perante a prova produzida, sendo a Autora uma pessoa com uma capacidade de entendimento normal (conforme relatado pelo solicitador de confiança da Autora, Dr. II que perguntado “se conhece alguma incapacidade á A. para gerir a sua pessoa ou os seus bens” este respondeu que “não”) e colocando-se o intérprete na posição de um declaratário normal (o homem médio ou o bonus pater familiae), como impõem as regras hermenêuticas, não se conseguiria extrair outro sentido das declarações negociais que não fosse o de que o imóvel estava a ser comprado em comum e em partes iguais.
CC. Por outras palavras, ao decidir assim o Tribunal a quo violou de forma crassa o disposto nos artigos 349.º, 351.º, 371.º e 372.º, todos do Código Civil.
DD. O Tribunal a quo violou a lei substantiva (artigo 674.º, n.º 1, alínea a)), errando na interpretação e aplicação do artigo 247.º do Código Civil.
EE. Nos termos do referido artigo, “Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.”.
FF. São dois os requisitos para a aplicação deste artigo: a essencialidade do erro e o conhecimento ou dever de não ignorar essa essencialidade por parte do declaratário.
GG. Analisada a matéria de facto tida como provada e não provada, a verdade é que os requisitos não se encontram preenchidos.
HH. O Tribunal recorrido utilizou, para provas requisitos, os factos m), w), hh), ii), jj), mm), nn), x).
II. Contudo, o Tribunal a quo limitou-se a fazer uma leitura separada dos factos acima transcritos, sem conjugar estes factos com os restantes factos provados e não provados.
JJ. Com efeito, uma objetiva e desapaixonada dos factos aa), s), hh) e x) levam à conclusão oposta da retirada pelo Tribunal a quo.
KK. No facto s), ficou provado que o Réu disse à Autora que lhe ia fazer um testamento, convidando amigas da Autora para o testemunharem, afirmando que deixar-lhe-ia quando morresse, tudo o que a lei permitisse. Esta afirmação do Réu foi feita antes das relações entre Autora e Réu se deteriorarem e antes do dia 12 de abril de 2018, dia em que a Autora leu a Visão.
LL. Ficou provado no facto aa), que o Réu tinha parcos recursos à época. O único bem que o Réu tinha era a casa, e a Autora tinha conhecimento disso. Ou seja, quando o Réu afirma que deixaria tudo à Autora, referia-se à sua parte da casa de Sintra.
MM. É esta a razão que leva o Réu a afirmar que assinou a escritura da casa de Sintra por ser marido da Autora ([facto hh]); o Réu sempre pretendeu beneficiar a Autora com a sua quota-parte.
NN. Não tendo o Réu outros bens a não ser a metade da casa dos autos e sabendo a Autora que ele não tinha outros bens, é inelutável que ao manterem conversas, antes das relações se deteriorarem e antes de ler lido o tal artigo da ..., sobre o testamento do Réu a favor da Autora, fica cristalino que esta última bem sabia que o Réu era proprietário de metade da casa e que essa não era, consequentemente, só dela.
OO. Se o Réu pretendesse locupletar-se com esse bem que alegadamente sabia não ser seu, nunca teria escrito o testamento moral aos filhos [(facto x)]. As inferências e presunções do Tribunal a quo não encontram qualquer respaldo, nem na lógica, nem nas regras jurídicas aplicáveis. O que resulta de uma leitura sistemática e desapaixonada dos factos que existem nestes autos conduz-nos à conclusão que a Autora estava preocupada era com a herança e o destino da casa, não com o facto de a mesma ser a meias com o marido
PP. Em suma: A Autora sabia que o Réu era comproprietário da casa. O Réu, desde o início, pretendeu beneficiar a Autora com a sua parte da casa, e, por essa razão, afirmou que faria um testamento à frente das amigas da Autora [(facto provado s)]. Por essa mesma razão, endereçou um escrito aos seus filhos pedindo que deixassem à Autora a parte da casa de Sintra que, por lei, iria para os próprios [(facto provado x)].
QQ. Por fim, o Tribunal violou o artigo 292.º do Código Civil e proferiu uma decisão surpresa.
RR. Sem nunca ter afirmado, o Tribunal operou uma anulação parcial do negócio de compra e venda da escritura da casa de Sintra, visto que a compra e venda não foi atacada, mantendo-se incólume a favor da Autora.
SS. O Tribunal decidiu sem aplicar este artigo, o que constituiu uma omissão no silogismo judiciário.
TT. Ficou por demonstrar se a situação hipotética que obsta à redução do negócio se verificou ou não, sendo certo que a verificação deste requisito negativo da redução do negócio jurídico constitui parte necessária da atividade probatória e judiciária, que não ocorreu.
UU. Além do mais, sempre seria necessário aferir se se trata de uma redução do negócio ou se se está perante uma conversão do negócio. Pois, não se estaria apenas a expurgar uma parte viciada do mesmo, mas a retirar uma das partes do negócio, o qual passaria a ser celebrado entre partes diferentes. A ser uma conversão do negócio, sendo inequívoco que o Tribunal manteve o negócio alegadamente viciado, pois que nem este nem as partes pretenderam destruir a compra da casa, então os argumentos que alegámos acerca da redução valeriam mutatis mutandis.
VV. Não foi conferida ao Réu a possibilidade de se pronunciar sobre nenhuma destas hipóteses o que constitui uma violação violando o processo justo e o direito de defesa, bem o princípio do contraditório, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
WW. Nestes termos, o Tribunal violou, mais uma vez, a lei substantiva, nos termos do artigo 674.º, n.º 1, alínea a).
XX. Termos em que, deve o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que mantenha a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância.
Nestes termos e nos mais de Direito que V.Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, e, em consequência, revogado o Acórdão a quo.
Os recorridos apresentaram contra-alegações onde consideram:
A. Os Réus habilitados, recorrem de Revista, por, como dizem, (vide letra F .das conclusões),o tribunal da Relação ter andado mal, no que concerne à fundamentação da decisão proferida; à aplicação das normas referentes ao ónus que impende sobre a recorrida de formular conclusões; quanto às regras de apreciação da prova; e quanto às presunções judiciais.
B. Acontece, porém, que os recorrentes fazem posteriormente recair a sua alegação sobre as Alegações de Recurso da Recorrente e não sobre o Acórdão da Relação de que dizem discordar.
C. Tanto nas Alegações como no douto Acórdão todos os factos objeto dos temas da prova foram devidamente escortinados, bem sabendo o Réu de que se tratava, pois que contra-Alegou, aí se defendendo ponto por ponto.
D. Não tendo agora fundamento para recorrer, ataca o que chama de “putativo recurso”, ou seja, o trabalho efetuado antes da prolação do douto Acórdão.
E. O Tribunal bem cumpriu o artigo 640º,nº 1 do CPC, o que afetou o Réu foi tão só o Tribunal da Relação não lhe dar razão, decidindo contra ele, não foi o incumprimento do indicado preceito legal.
F. Indigna-se ainda o Réu na apreciação dada pelo Tribunal da Relação, e sempre invocada pela A ao longo do processo, no que respeita à validade da escritura publica de compra e venda. Levando-o a vir agora recorrer, alegando erro na apreciação das provas. (artigo 674º nº 3 do CPC.).
G. Há sim erro, mas na declaração que a Autora emitiu na escritura, havendo uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real.
H. A A declarou ou assentiu que fosse declarado que adquiria o imóvel em conjunto com o Réu, em comum e partes iguais, quando o que a A queria era adquirir o imóvel apenas para si, tanto mais que o estava a pagar com dinheiro apenas dela.
I. Nunca a A celebraria contrato de compra de venda se estivesse ciente de que o bem que estava a comprar seria também para o Réu. Com a aquisição do imóvel, o Réu não despendeu um cêntimo que fosse,
J. Esta é a questão.
K. Os Recorrentes, colocam como homem médio ou o bónus pater familiae, o Solicitador II (DD, das alegações),ao referir que a A. não tinha nenhuma incapacidade para gerir os seus bens, sem transcrever o demais que também foi dito por II.
L. Se atentarmos no douto Acórdão, fls 7/D, diz-se que :”II, o solicitador da família RR desde sempre, afirmou que a SS já em data posterior à aquisição, lhe mostrou a escritura da casa de Sintra, tendo a mesma ficado surpreendida e zangada quando a testemunha lhe explicou que a mesma tinha sido adquirida em comum e partes iguais com o EE. A SS estava convicta de que o marido assinara a escritura enquanto tal e não como comprador também do imóvel.
M. Afirmou a testemunha ser Ela quem tratava das coisas, ela(autora) sempre teve quem lhe trata-se das coisas. Era a testemunha quem o fazia. Crê a testemunha que a SS não era capaz da marcação da escritura. Sempre tiveram, os RR, quem lhes tratasse das coisas, não tratavam dessas coisas. Não estavam habituadas a tratar. A autora não tinha capacidade para perceber o que estava escrito numa proposta de compra de um imóvel, muito embora a assinasse.
N. A testemunha afirmou peremptoriamente que, a autora, sabe o que quer. Sabe se quer comprar, sabe se quer vender, mas não sabe os trâmites de tudo isto. É uma questão de preparação.
O. A SS estava no cartório notarial para assinar uma escritura, com certeza que a ouviu ler, mas não relacionou e assinou- a.
P. Tanto assim é que julgava que a casa era só dela.
Q. Houve divergência entre a vontade real e a vontade declarada na escritura.
R. Ficou provado que a A. não alcançou o teor da escritura. Por desatenção, incompreensão, manipulação…
S. Era por demais evidente para a A que a casa era dela, na totalidade. Tinha-a pago por inteiro, tinha filhos para a herdarem, o seu casamento serôdio tinha sido no regime imperativo da separação de bens, evidenciando, aos olhos da A .a incomunhão de bens.
T. O facto de o marido assinar a escritura de compra e venda, não era anormal, pois que já tinha assinado a de venda da casa anterior, que também era só dela, A. ,explicando-lhe que o tinha feito por ser seu marido.( E não por a casa anterior ser a de morada de família).
U. Não é de presumir que a um homem médio, em final de vida e sem dinheiro, a sua atual mulher, lhe ofereça metade de um imóvel, comprado com o dinheiro apenas dela, para viverem os dois a velhice, sem que essa mulher tenha mais imóveis ou dinheiro para além daquele que dispendeu nesta compra. A A. também tinha filhos de casamento anterior.
V. A conclusão do Tribunal da Relação de Lisboa não podia ser outra, senão a de que “a Autora não configurou nem quis que essa aquisição fosse em comum e em partes iguais, pretendendo - pelo contrário - a autora adquirir a casa só para si.”
Bem esteve o Tribunal da Relação de Lisboa, quando alterou a decisão do Tribunal de Primeira Instância.
Pelo que o Acordão deve ser mantido, por este Venerando Supremo Tribunal de Justiça, Julgando o presente Recurso totalmente improcedente.
Só assim, Venerandos Juízes Conselheiros, Se fará Justiça!
O recurso de revista é admissível ao abrigo do disposto no art.º 671.º do Código de Processo Civil.
Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar a seguinte questão:
1. Violação do disposto no art.º 640.º do Código de Processo Civil
2. Violação do disposto no art.º 639.º do Código de Processo Civil
3. Violação das regras de direito probatório no que concerne aos documentos com força probatória plena.
4. Aplicação e interpretação dos artigos 247.º e 292.º do Código Civil.
O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
a. A. e R. são casados um com o outro, no regime imperativo da separação de bens, desde 20 de Outubro de 2011.
b. A A. quando reencontrou o R., pessoa que havia conhecido por volta do ano de 2005, era católica praticante.
c. O R., apercebendo-se disso, acompanhou-a a um retiro familiar na localidade de ..., durante 4 dias.
d. De tal forma o R. envolveu a A., cativando-a e fazendo-a crer nas suas boas intenções, que se traduziam em juras de amor eterno e infinita protecção, que a A. casou com ele.
e. Nessa altura, Outubro de 2011, a A. vivia no Estoril em apartamento próprio, próximo àquele onde viviam os seus pais.
f. A essa data o R. vivia no concelho de Figueira de Castelo Rodrigo.
g. Após o casamento, A. e R. estabeleceram a sua casa de morada no apartamento propriedade da A. sito na Rua 1 Edifício ..., Apartamento C, no Estoril.
h. Em 2014, a A. vendeu o seu apartamento no Estoril para comprar a casa de Sintra.
i. No dia 24 de Abril de 2014, A. e R., outorgaram ambos a escritura de compra e venda do apartamento identificado em g) pelo preço de € 350.000,00.
j. A A. recebeu o preço da venda do seu apartamento no Estoril e com esse dinheiro comprou a casa de Sintra.
k. No dia 29 de Abril de 2014, a A. e o R. outorgaram a escritura de compra da nova casa em São Pedro de Sintra.
l. A compra do imóvel, foi feita por escritura pública no Cartório Notarial de Sintra, pelo notário NN.
m. Nos termos da escritura referida em l), Autora e Réu declararam adquirir “em comum e partes iguais”, destinando-o à sua habitação própria permanente, o prédio urbano sito no Rua 2, concelho de Sintra, descrito na primeira conservatória do registo predial de Sintra, sob o nº ..27 da freguesia de São Pedro de Penaferrim e inscrito na matriz da União das freguesias de Sintra, sob o art.º ....01. O imóvel tem a área total de 280 m2, é composto de cave, rés-do-chão, 1º andar com 88,3 m2 e logradouro com 191,7 m2 e tem a denominação de lote B.(redacção introduzida pelo Tribunal recorrido)
n. O preço do imóvel supra descrito foi de 285.000,00 (duzentos e oitenta e cinco mil euros), tendo sido pago na integra pela A. com o dinheiro da venda da casa do Estoril.
o. A A. anteriormente ao dia da escritura de compra e venda do imóvel em São Pedro de Sintra, pagou por transferência para a conta dos compradores, a quantia de € 3.500,00, a título de reserva e posteriormente a quantia de € 25.000,00 como sinal e princípio de pagamento, o que perfaz o montante de € 28.500,00.
p. No dia da escritura de compra e venda do imóvel, a A. entregou à sociedade vendedora um cheque bancário emitido pelo Banco Barclays, no valor de € 256.500,00.
q. O cheque bancário foi emitido da conta da A., tinha o nº ........64 e estava à ordem da S... Lda, com data de 29/04/2014, perfazendo o valor total do imóvel a quantia de € 285.000,00, conforme consta da escritura pública de compra e venda.
r. O Réu disse à Autora que lhe ia fazer um testamento, convidando amigas da Autora para o testemunharem, afirmando que deixar-lhe-ia quando morresse, tudo o que a lei permitisse.
s. No Natal de 2016, a filha, o genro e os netos da Autora passaram as festividades na casa de Sintra, onde estava o Réu.
t. As relações entre a Autora e o Réu deterioraram-se de tal maneira que, por volta do dia 12 de Abril de 2018, a Autora passou a pernoitar no quarto de hóspedes da sua casa de Sintra.
u. No dia 12 de Abril de 2018, foi publicado o nº ..10 da revista ..., cujo tema de capa foi: “Guerras de Heranças – Valem mais os laços de sangue ou de casamento? O que pode mudar no direito sucessório em Portugal”, tendo a A. adquirido e lido um exemplar da revista em causa.
v. Após o referido em u) e apercebendo-se do referido em m) (“em comum e partes iguais”), a Autora confrontou o Réu com o facto da casa de Sintra se encontrar em regime de compropriedade. (redacção introduzida pelo Tribunal recorrido)
w. O Réu, no dia 26 de Abril de 2018, escreveu o escrito junto a fls. 160 verso e 161 dos autos.
x. A. e R. separaram-se, tendo o R. saído de casa no dia 9 de Maio de 2018.
y. O casamento da Autora com o Réu é o terceiro casamento da A..
z. O R., foi durante toda a sua longa vida um bon vivant, a quem era conhecida uma fortuna considerável, a qual, mercê de vicissitudes várias, se dissipou, dispondo o R., actualmente, de parcos recursos.
aa. No decurso do ano de 2017, o R. começou a manifestar alguns problemas de saúde, tendo no decurso do ano de 2018 sido submetido a intervenções cirúrgicas.
bb. Após sair de casa, o R. procurou ajuda e amparo junto de amigos de longa data.
cc. Desde a data referida em y), a A. nunca mais procurou saber do R..
dd. Face à recusa da A. de se divorciar por mútuo consentimento, o R. intentou acção de Divórcio sem consentimento, que corre os seus termos no Juiz 1 do Tribunal de Família e Menores de Sintra sob o n.º 3404/19.1T8SNT.
ee. À época das negociações para a venda da casa do Estoril e da aquisição da casa de Sintra era normal, A. e R., andarem juntos.
A A. durante algumas fases da sua vida, por sua vontade, isolou-se da sua família e amigos, o que acontecia desde muito antes do seu casamento com o R..
Factos provados aditados pelo Tribunal recorrido:
ff. O Réu declarou à Autora que assinava a escritura referida em l) e m) por ser o seu marido.
gg. A Autora celebrou a escritura referida em l) e m) de forma desatenta;
hh. Aquando da aquisição do imóvel referido em m), nunca foi intenção da autora, nem esta configurou, fazê-lo em conjunto com o Réu, estando a Autora convicta que tal imóvel seria exclusivamente seu.
ii. O Réu inferiorizava a Autora, mesmo na presença de outras pessoas.
jj. O Réu fazia sentir à Autora que era inculta e não muito inteligente.
kk. Após o casamento com a autora, o réu, pouco a pouco, isolou a autora dos filhos, dos pais, da família e dos amigos.
ll. O réu pretendia dominar a autora, delinear a vida desta e submetê-la à sua vontade.
Factos não provados:
- Não se provou que instalado o R. em casa da A., logo no início do ano de 2012, começou a controlá-la, querendo saber de todos os passos que esta dava.
- Não se provou que o R. se fizesse de muito doente cada vez que a A. se preparava ou para sair, para visitar os pais, familiares e amigos, nem de cada vez que se preparava para os receber em casa.
- Não se provou que, no início de 2012 o R. iniciou um comportamento extremamente abusivo, ao utilizar apenas o dinheiro da A. para satisfazer as suas necessidades básicas, como alimentação, vestuário e medicamentos.
- Não se provou que o R. informou a A. estar com uma terrível dificuldade em receber a sua pensão que lhe era paga pela segurança social belga, nem que tivesse mostrado à A. vária correspondência em língua francesa com o departamento de pensões, em Bruxelas.
- Não se provou que o R. referia ainda que a sua conta bancária belga também estaria capaz de ser movimentada em breve, nem que tinha tido um problema bancário, mas que este estava a ser desbloqueado.
- Não se provou se a A. acreditou e confiou no R. nas questões respeitantes à pensão e conta bancária belgas.
- Não se provou que o R. tivesse agredido a A. com ameaças verbais e gestuais.
- Não se provou que a A. começou a ter medo do R. e a ceder às imposições deste, numa tentativa de viver em paz.
- Não se provou que o R. sempre que podia levava a A. a visitar casas na região de Sintra, nem que dizia que aquele era o único local do país onde se podia viver.
- Não se provou que foi por insistência por parte do R., que em 2014, depois de este lhe ter mostrado uma casa em Sintra de que a A. gostou, esta lhe fez a vontade.
- Não se provou que o R. tratou das negociações destinadas à venda do apartamento do Estoril, nem que a A. simplesmente concordou com elas.
- Não se provou que na escritura de venda referida em i) a A. perguntou ao R. por que razão este tinha que assinar também a escritura, nem que este respondeu que era por ser o marido dela.
- Não se provou que a A. não leu a escritura de venda referida em i), nem que não se apercebeu que o R. a tinha assinado apenas para lhe dar autorização para a realização da venda.
- Não se provou que o R. fazia questão de tratar dos assuntos relativos à venda da casa da A. no Estoril e à compra da casa em Sintra.
- Não se provou que o R. tomava a dianteira em todos os assuntos que respeitavam à A., referindo-lhe que não queria que esta se incomodasse.
- Não se provou que a A. andava já muito assustada não só com o domínio do R. sobre a sua pessoa e actos como também por ser o dinheiro desta o único a satisfazer as despesas, fossem elas as que fossem.
- Não se provou que a A. se envergonhava muito quando tinha que falar com o R. sobre dinheiro, nem que este lhe respondia de forma descontraída e até prazenteira, dizendo que a compensaria, que não se preocupasse pois que o dinheiro da Bélgica chegaria em breve.
- Não se provou que a A. acreditava que quando o dinheiro do R. fosse desbloqueado seria este a fazer a despesa do dia a dia do casal, nos mesmos moldes em que o dinheiro da A. satisfazia as despesas do R..
- Não se provou que após a escritura de compra e venda a A., em face da oposição do R. a que esta contactasse com a família e amigos, tivesse entrado numa profunda tristeza e solidão.
- Não se provou que o R. tivesse orientado e fomentado todo um litígio que a A. teve com a família, levando a uma antecipada partilha de bens.
- Não se provou que no ano de 2015, a A. entrou numa profunda tristeza e solidão, nem que tivesse culpabilizado o R. pelo seu estado.
- Não se provou que a partir do ano de 2015, A. e R. passaram a viver da aparência, sendo vistos juntos apenas em ocasiões sociais e na missa semanal.
- Não se provou que o R. se mostrasse preocupado com a alteração do comportamento da A., com o alheamento desta e com a sua não entrega à vontade do R..
- Nada se provou quanto às intenções do R. na situação referida em s).
- Não se provou que a A. se foi aproximando dos pais, dos filhos e do resto da família e amigos, às escondidas do R., sem que o tivesse feito sem a anuência do R..
- Não se provou que a A. em 2015 se aproximou dos pais e em 2016 dos filhos.
- Não se provou que nas circunstâncias referidas em t), o R. não tivesse dirigido a palavra à filha, genro e netos da A..
- Não se provou que nas circunstâncias referidas em u) a A. dormisse com a porta do quarto fechada à chave com medo do R., nem que este a maltratava e ameaçava com uma bengala, nem que, por não lhe conseguir bater, batia com ela de forma assustadora no chão.
- Não se provou que após ler a revista referida em v) a A. ficou apavorada ao saber que era possível o R. herdar em igualdade com os filhos desta, de relações anteriores, em caso de falecer.
- Não se provou que após o facto referido em v) a A. obteve uma cópia da escritura de compra e venda da casa de Sintra e com ela procurou a sua contabilista, pediu explicações no cartório notarial de Sintra onde tinha outorgado a escritura e consultou um advogado.
- Não se provou que só após ter lido a revista referida em v) a A. ficou a saber que o imóvel de Sintra, comprado com dinheiro apenas seu, pertencia em compropriedade também ao R..
- Não se provou que tivesse sido o R. quem tratou de todos os documentos para a realização da escritura de compra da casa de Sintra, nem que por esse facto tivesse colocado a casa também em nome dele.
- Não se provou que a escritura de compra da casa de Sintra, tivesse sido celebrada no regime de compropriedade sem o conhecimento e ou o consentimento da A..
- Não se provou que o R. se tivesse mostrado muito preocupado e admirado.
- Não se provou que o R. tivesse referido à A. que o facto de ser comproprietário da casa de Sintra estava salvaguardado com um testamento que tinha feito a favor da A..
- Não se provou que a separação de A. e R. resultasse da divergência quanto à propriedade da casa de Sintra.
- Não se provou que o R. saiu de casa com a promessa de resolver o assunto relacionado com a propriedade da casa de Sintra.
- Não se provou que o R. tivesse ido viver para local desconhecido da A..
- Não se provou que a A. se recusa a prestar ao R. qualquer tipo de auxílio desde que o mesmo adoeceu, pelo facto do mesmo ter parcos recursos.
- Nada se provou em concreto quanto ao estado de saúde do R. ou intervenções cirúrgicas a que foi submetido.
- Não se provou que após 2017, a A. iniciou um processo de repulsa e insultos contra o R..
- Não se provaram em concreto os motivos que levaram o R. a sair de casa.
- Não se provou que tivesse sido a A. que quis ir viver para Sintra.
- Não se provou que o R. tivesse comparecido na data da celebração da escritura de compra e venda a pedido da A..
- Não se provou que o R. foi surpreendido com o teor da escritura que lhe foi lida pelo Notário, nem quais as explicações dadas pela A..
1. Violação do disposto no art.º 640.º do Código de Processo Civil
Entendem os recorrentes que os aqui recorridos, nas suas alegações de apelação, não fazem”(…) referência a um único ponto de facto considerado provado ou não provado na Sentença recorrida. Não se identifica tampouco qualquer decisão que deveria ser proferida quanto àqueles pontos de facto. Porque, simplesmente, essa tarefa inexistiu. Limitou-se a atacar, de forma genérica, a interpretação que fez daquilo que resulta da Sentença, à luz dos temas de prova que haviam sido fixados em sede de despacho saneador. Sucede que os temas de prova não são factos e, como tal, não só não é possível recorrer da sentença em função dos mesmos, como também não é possível à contraparte defender-se desse putativo recurso.” Assim, tendo o Tribunal recorrido conhecido da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, incorreu em violação do disposto no art.º 640.º, n.º 1 do Código de Processo Civil por não rejeição do recurso.
Como consta das conclusões aperfeiçoadas apresentadas pela A. em 20/01/2022 - [ref.ª Citius ...62], ali se indicava que:
“Era tema da prova, a convicção gerada pelo Réu na autora de que outorgava na escritura apenas por ser seu marido, assim como a falta de correspondência entre a vontade declarada na escritura de compra e venda e a vontade real da autora.
Entendeu a meritíssima juiz de primeira instância que este tema não foi provado, entendendo a autora recorrente que o foi, pois que:
A. A testemunha, FF afirmou que era amiga, vendo e falando com frequência com a autora e que esta nunca lhe disse que a casa de Sintra ia ser comprada em comum pelos dois (A. e Réu).
A autora referia-se sempre á casa de Sintra como sendo dela. Dizia: É a minha casa.
Nunca foi nem é a ideia da SS que a casa de Sintra fosse dos dois.
Acrescentando a testemunha que a SS, descobriu que a casa não era só dela através de um artigo numa revista, que a elucidou como era o processo de herança, tendo-a perturbado imenso, pois queria que a casa de Sintra fosse apenas para os filhos dela.
SS a partir daqui tentou informar-se e descobre que para além de o EE poder herdar a casa que tinha como sendo só dela, muito embora casada no regime imperativo de separação de bens, descobriu também que metade da mesma era propriedade do EE.
A testemunha foi peremptória ao afirmar que a SS pensava que a casa era só dela, que não era metade do EE.
Que a SS nunca quis comprar uma casa que não fosse totalmente de sua propriedade. Também nunca foi sua vontade oferecer metade da casa de Sintra ao seu marido. A testemunha afirmou também que a autora, a SS era alcoólica e que por ser uma doença crónica a SS era acompanhada para ser manter sóbria. Frequentava reuniões semanais para o efeito e o EE sabia perfeitamente disso. Por isso a manipulou desde o casamento, levava-a onde ele queria, exercia pressão sobre ela.
Em face do depoimento desta testemunha, imparcial, este tema da prova tem de ser dado como provado, por ficar claro que a vontade real da autora era adquirir a casa de Sintra na totalidade.
B. Para o mesmo tema de prova, a testemunha GG, afirmou que a autora lhe dizia que ia vender a casa dela no Estoril para comprar uma casa em Sintra.
Que nunca lhe disse que ia comprar uma casa a meias com o marido. Que após ler uma revista, a visão, sobre assuntos de heranças, descobriu que se ela morresse o EE herdaria. Que não tinha a mínima noção disso. A SS pensava que por estar a casada no regime de separação de bens tudo o que adquirisse com o dinheiro dela era dela, como aconteceu com a casa de Sintra. A testemunha sabia isto porque falou com a SS.
Afirmou também a testemunha que a SS em consciência nunca oferecia ao EE metade da casa de Sintra.
Está também provado através do depoimento desta testemunha que a vontade real da SS era adquirir a totalidade da casa de Sintra, não se podendo este tema ser dado como não provado, ao contrário do que entendeu a Juiz de primeira instância.
Está provado que a vontade declarada na escritura de compra e venda não correspondia à vontade real da autora.
C- Depôs a testemunha, HH e quanto ao mesmo tema, afirmou que a SS confia muito nas pessoas, que falou com ela e que tem a certeza a ela nunca supôs, nunca lhe passou pela cabeça, que o ir comprar uma casa com o dinheiro da anterior casa dela, que metade pertenceria ao EE.
A SS afirmou à testemunha, que havia confiado no EE relativamente ao tratamento deste assunto da compra da casa de Sintra. Que o facto de o EE ter assinado a escritura de compra não a fez estranhar, atendendo a que já tinha assinado a venda da casa do Estoril que era só da SS.
Com o depoimento desta testemunha está provada que a vontade real da SS era a de adquirir a totalidade da casa de Sintra e que o EE outorgava a escritura por ser seu marido.
D- II, o solicitador da família RR desde sempre, afirmou que a SS já em data posterior à aquisição, lhe mostrou a escritura da casa de Sintra, tendo a mesma ficado surpreendida e zangada quando a testemunha lhe explicou que a mesma tinha sido adquirida em comum e partes iguais como o EE. A SS estava convicta de que o marido assinara a escritura enquanto tal e não como comprador também do imóvel.
Afirmou a testemunha ser ela quem tratava das coisas, ela (autora) sempre teve quem lhe tratasse dessas coisas. Era a testemunha quem o fazia. Crê a testemunha que a SS não era capaz de tratar da marcação da escritura. Sempre tiveram, os RR, quem lhes tratasse das coisas, não tratavam dessas coisas. Não estavam habituadas a tratar. A autora não tinha capacidade para perceber o que estava escrito numa proposta de compra de um imóvel, muito embora a assinasse.
A testemunha afirmou peremptoriamente que, a autora, sabe o que quer. Sabe se quer comprar, sabe se quer vender, mas não sabe os tramites de tudo isto. É uma questão de preparação.
A SS estava no Cartório Notarial para assinar uma escritura, com certeza que a ouviu ler, mas não relacionou e assinou-a.
Tanto assim é que julgava que a casa era só dela.
Está por isso provado que a vontade da autora foi a de comprar a casa na totalidade não estranhando o facto de o marido assinar a escritura, nem se apercebendo do conteúdo da escritura, por não ter preparação para esse entendimento.
Havendo divergência entre a vontade real e a declarada em escritura.
E- Relativamente ao depoimento do filho da autora, CC, afirmou ao Tribunal que quem tratava dos contratos e pagamentos de água, luz, seguros de saúde, automóvel e outros, nunca foi a autora, foi sempre o solicitador da família, II.
Tratava de todas as burocracias. Da compra e venda de todas as casas. De tudo. O Réu EE sabia quem era a família RR e conhecia a SS e o seu percurso de vida. Conhecia a sua ligação ao álcool. Sabe que a mãe vendeu a casa do Estoril e comprou a casa de Sintra. A mãe, aqui recorrente não ofereceu a metade da casa de Sintra ao EE, tendo-lhe afirmado que se casava sempre com separação total de bens e que, portanto, nunca nada está em perigo. A casa de Sintra, está paga e será vossa.
Quando a mãe descobriu o engano, quando descobriu que a casa de Sintra era também do EE, afirmou que o EE tinha assinado a escritura de compra porque também o tinha feito aquando da venda da casa do Estoril, porque era o seu marido e tratava-se da casa de morada de família.
A testemunha entende ter havido má-fé por parte de EE, por ter sido ele a querer tratar do assunto da compra da casa de Sintra não permitindo que o solicitador da família o fizesse. A mãe disse-me que foi o EE, quem tratou da marcação da escritura da casa de Sintra. Foi o EE quem tratou de tudo. O CC, ao depor foi afirmativo quando respondeu que a mãe nunca quis dar a casa ao EE. Afirmou: Nunca, tenho a certeza absoluta.
Com interesse para a prova, a testemunha referiu que mesmo na constância dos anteriores matrimónios da mãe, quem tratava dos assuntos relativos ao património e burocracias da mãe era o Solicitador II.
A mãe não sabe a diferença entre um cartão de crédito e de débito. Não sabe tratar de papeis, porque nunca o fez. Esta testemunha não presenciou a compra da casa de Sintra, não estava na escritura, mas presenciou a descoberta e a aflição da autora ao verificar que o que constava da escritura não correspondia à sua intenção, à sua vontade, fazendo prova da falta de correspondência entre a vontade declarada na escritura e a vontade real da A., ora recorrente.
Fez esta testemunha prova de que a vontade da autora foi a de comprar a totalidade da casa de Sintra estando convicta de que o marido assinava a escritura por ser isso mesmo, o seu marido.
F- Depôs a testemunha, DD e confirmou o depoimento da testemunha CC, seu irmão, nomeadamente referindo que quem sempre tratou dos assuntos da mãe, aqui sempre tratou dos assuntos da mãe, aqui recorrente era o Solicitador da família, II. Tratava da compra dos carros, da escolha dos seguros, do pagamento das contas, de todas as questões. A mãe nunca lidou com nada disso, nem sabe tratar.
Após o casamento da mãe com o EE, foi este quem passou a auxiliar e a ajudar e a tratar de todas as contas da mãe. Até aí com os anteriores maridos, sempre o II zelou pelos interesses da mãe.
A A. casou o Réu, EE, em 2011. Em 2014, a mãe vendeu a casa do Estoril e comprou a de Sintra. Perguntada à A. se necessitava de alguma ajuda da testemunha no tratamento de documentação, ou outra, atendendo a que o solicitador, II, tinha sido afastado, foi-lhe respondido: “não, o EE trata de tudo, ele é ótimo, confio plenamente, ele trata de tudo, já tratou também da venda da casa do Estoril, ele trata de tudo, confio plenamente, não preciso de nada.”
O EE conhecia a família da SS. Após o casamento o EE desvalorizava a mulher, denegria-a, achava que era pouco instruída, que tinha falta de inteligência, que era poucochinho para ele, chamando-lhe pateta, que não sabe o que diz.
A testemunha, fez estas afirmações porque as presenciou na casa de Sintra.
Ao que acresce o facto de ter de ser a SS a subsidiar todas as despesas comuns e pessoais do marido, que aguardava por dinheiros que dizia ter na Bélgica, mas que estavam presos, estavam cativos, mas que haviam de ser libertos e que depois assim que fossem libertos que ele estaria disponível, restituiria ou começaria ele eventualmente a pagar as contas. Isto nunca aconteceu.
Relativamente à aquisição da casa de Sintra, nunca, jamais a mãe mostrou interesse em que metade fosse adquirida pelo EE.
A mãe sempre se referiu à casa de Sintra como sendo dela. A testemunha perguntou-lhe, quando ela a ia adquirir, se não a preocupava no futuro por ser uma casa de quatro andares, atendendo a que nem a mãe nem o EE caminhavam para ser mais novos.
Respondendo-lhe a mãe “sabes que depois o EE irá sempre para os Jesuítas fazer a sua velhice, portanto esta casa não é uma casa para ficarmos até morrermos, é agora para gozarmos este caminho que estamos a fazer”
(00:20:21:4).
(00:24:25:5) A testemunha afirma ainda que a mãe não pensou que a casa era para os dois, a mãe quando comprou a casa não se imaginou a viver lá aos 100 anos, ela imaginou-se agora a construir uma vida naquela nova casa com o EE enquanto fosse simpático para eles viverem lá, enquanto lá tivessem qualidade de vida.
(00:25:13.7) e (00:25:36:6) A mãe queria viver até ao fim da vida dela com o EE e queria sempre que ele vivesse com ela na casa que ela tinha escolhido para ambos.
A mãe estava a comprar uma casa com a venda da casa dela, comprou uma nova casa para ela e para o marido viverem até que a morte os separe (00:26:10:06). Mas com o intuito de que aquela casa, é a minha casa, é a minha segurança e pronto, e se porventura o EE morrer eu não fico sem casa… a casa era dela, é uma casa que é dela.
(00:27:53:3) A propriedade, a ideia da propriedade nunca era ser em comum. Seria sempre a casa da minha mãe, que o EE viveria lá, ele não tinha casa, ele não tinha nada com ele, a minha mãe como mulher apaixonada, obviamente que o marido ia viver com ela.
A mãe nunca teve intenção de comprar uma casa para ela e para o EE, a meias.
Não no sentido de que metade das paredes pertencem à SS e metade das paredes pertencem ao EE, não. Era uma casa para viverem a meias. (00:8:14.4),
(00:28:16.9), (00:28:17.5) e (00:28:22.2).
A testemunha não tem a menor duvida de que estava a mãe assinou a escritura na convicção de que estava a comprar um bem dela, só para ela, na totalidade. Referiu terem falado disso e a mãe ter dito: é uma casa que um dia ficará para ti e para o teu irmão. (00:28:44.3).
A mãe só em 2018 é que se apercebeu que a casa de Sintra estava em nome dos dois, após ler umas notícias relacionadas com heranças, até perguntou à testemunha se ela sabia disso. A mãe foi-se informar com advogados sobre as dúvidas que lhe surgiram e foi aí que percebeu que, era dona de metade da casa de Sintra, não da totalidade.(…)
G- Quanto às testemunhas, JJ e KK, amigas da Autora desde longa data, referiram-se ao Réu, EE, por ser conhecido por não ter modo de vida, mas fazer uma vida muito cara, o que era para os pais, familiares e amigos de SS, motivo de preocupação, o casamento que fez.
O EE tinha a fama de vigarista, de aldrabão, de viver à conta das mulheres.
Que mesmo lida a escritura em voz alta, a SS não entenderia os termos da mesma.
Sempre foi o solicitador da família, II, quem lhe tratou de tudo, que lhe geria o património. A SS nunca tratou de um papel.
O EE sabia-o, sabia também das muitas fragilidades da SS, chegando a dizer à SS que iria corrigir o erro da escritura, que tinha sido um engano, o que nunca o fez.
Este facto deu origem à separação do casal.
A SS sempre se referiu à casa que tinha comprado em Sintra; tendo mais tarde, ao ler uma revista e ao se ter informado junto de uma contabilista e de advogados que a casa que tinha comprado em Sintra, com o dinheiro da venda da casa do Estoril, também estava em nome do EE.
Era uma questão que nunca lhe tinha passado pela cabeça, pois como tinha casado no regime da separação de bens e tinha pago a totalidade da casa, não era possível que esta ficasse em conjunto com o marido.
A SS percebeu que tinha caído num logro.(…)
H- A testemunha LL nada contribuiu para a descoberta da verdade, por desconhecer os factos a provar, sendo que a testemunha MM, está descredibilizada por natureza, atento o facto de ter interesse na presente acção, por ter um documento de valor elevado, emitido pelo Réu, a declarar que tem uma dívida para com a testemunha, sendo a metade da casa de Sintra, a garantia do pagamento.
Logo, se a Autora perder esta acção, a testemunha recebe o valor do dinheiro que diz ter emprestado ao Réu, se a Autora ganhar a acção, nada recebe, tendo um substancial prejuízo.
A testemunha confessa-o (00:19:42.5), afirma que sim, que tem um interesse material objectivo na presente acção.
I- Crucial foi ainda a testemunha, NN, Notário, ao tempo e a exercer funções no Cartório Notarial de Sintra e que celebrou a escritura de compra e venda da casa da A.
Esta testemunha, afirmou ao Tribunal não fazer ideia do que se passou, quanto à escritura em causa, nos autos (00:12:77.2).
Por norma, no caso de o regime de bens do casal ser o de separação, dizia que a aquisição era metade para cada um, não podendo garantir, se na escritura em questão, o fez.
J- Assim com a testemunha, OO, mediador imobiliário, (00:03:11.8) cuja intervenção teve que ver com a documentação do imóvel em si mesmo e com a negociação do valor pelo qual veio a ser concretizado o negócio.
Esta testemunha aquando da escritura voltou a conferir a documentação do imóvel e esteve presente na escritura.
Afirmou que a negociação do imóvel foi feita com o Sr. EE, a SS não negociava. Era ao EE que a testemunha telefonava e era o EE que telefonava à testemunha.(…)
Provou-se que:
- Foi o Réu quem tratou de todos os assuntos destinados à compra da casa de Sintra.
Que foi ele quem trocou conversações e telefonemas com o mediador imobiliário.
-Que o mediador imobiliário obteve e entregou no Cartório Notarial a documentação
para a escritura, marcando dia e hora para a celebração da mesma.
Que ninguém lhe disse se o imóvel era adquirido em comum e partes iguais ou se era
apenas adquirido pela Autora.
Foi-lhe apenas dito que o regime de bens do casal era a de separação de bens.
(…) Na leitura da mesma, a A. na certeza que estava a comprar uma casa em seu nome, ouviu a leitura da escritura, mas não apreendeu o conteúdo e dada a assinar, assinou-a.
O Réu, na expectativa e verificando que ninguém se opunha ao conteúdo da escritura, ouviu-a, entendeu-a e assinou-a, feliz por ter adquirido uma metade de um imóvel, bem sabendo que não era essa a vontade da Autora, sua mulher.
(…)Senhores Desembargadores, atenta a prova produzida a as consequências gravosas para a Autora de uma má decisão, de uma decisão injustamente desfavorável como a proferida pelo Tribunal de primeira instância, entende a A. recorrer, pugnando para que V.Exas. se dignem declarar que o imóvel é da sua exclusiva propriedade, por ter caído num logro que a levou a outorgar numa escritura cujo teor, não colocou nunca como possível.
Há, Venerandos Juízes, erro. A vontade declarada na escritura não corresponde à vontade real da A.
Imputando-se ao Réu essa responsabilidade, não podendo de forma nenhuma a escritura deixar de estar ferida de nulidade, por ser a declaração negocial, anulável.”
A esta correcção não responderam os réus, mas tinham apresentado resposta às alegações em 29 de Novembro de 2021 – [ref.ª Citius ...02].
Nestas contra-alegações alegam, com interesse para a decisão que:
“(…)
8) No caso dos presentes autos, a Recorrente apresentou as suas Alegações, nas quais transcreve, de forma exaustiva, os excertos dos depoimentos das testemunhas por si Arroladas, afirmando que dos mesmos resultam provados os temas da prova que o Tribunal a quo considerou não provados,
9) Apresentando, de seguida, sob o título de «Conclusões», uma cópia integral daquelas que foram as suas Alegações.
10) Ora, o n.º 3 do artigo 639.º do CPC dispõe que «Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas (…) o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las (…)»
11) Sucede que, aquilo que a Recorrente optou por apresentar ultrapassa largamente a qualificação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas – corresponde, na verdade, a um “copy/paste” de tudo quanto consta das Alegações apresentadas, sem qualquer esforço de formulação de conclusões.
(…) 17) Tal situação, no entendimento da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, que
perfilamos, corresponde à verdadeira falta de conclusões, tendo como consequência o indeferimento do requerimento, nos termos do disposto no artigo 641.º, n.º 2, alínea b) do CPC.
(…) 26) A questão a decidir nos presentes autos era, assim, tal como consta da douta Sentença
proferida em 21.07.2021, «O enriquecimento do R. à custa da A.», nos termos do enriquecimento sem causa.
27) A Recorrente, não se conformando com o que consta da douta Sentença, entende que deveriam ser dados como provados o desconhecimento da Recorrente quanto ao teor da escritura pública de compra e venda, bem com a falta de correspondência entre a sua vontade real e a vontade declarada na escritura.
28) Entende a Recorrente que, contrariamente à convicção do Tribunal a quo, os factos acima
transcritos resultam como provados, atendendo aos depoimentos das testemunhas FF, GG, HH, II, CC, DD, TT, KK, MM, NN, PP e OO.
29) Ora, salvo melhor e superior entendimento, não assiste qualquer razão à Recorrente, inexistindo qualquer erro de interpretação por parte do Tribunal a quo dos depoimentos das testemunhas inquiridas e dos factos que, em consequência, resultaram como provados e não provados.
30) Pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao ter decidido nos termos em que o fez.
31) Deverá, por isso, ser negado provimento ao presente Recurso, sendo confirmada a decisão do Tribunal a quo.
32) Ao longo das suas (extensas) Alegações – 457, salvo o devido erro, e (pretensas) Conclusões, a Recorrente basta-se com a transcrição dos excertos dos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de Audiência de Julgamento, concluindo, sem mais, no final de cada uma, que do depoimento resultam como provados:
a. O desconhecimento da Recorrente do teor da escritura de compra e venda da casa de Sintra;
b. A falta de correspondência entre a vontade real da Recorrente e a vontade declarada na escritura de compra e venda da casa de Sintra.
33) Diga-se também, que, salvo melhor opinião, a mera transcrição dos depoimentos, com a
subsequente afirmação de que estes fazem prova daqueles dois factos, não é suficiente
para infirmar o sentido diferente da decisão proferida pelo Tribunal a quo.
(…)A. Do depoimento da testemunha FF
(…)42) O depoimento da testemunha FF não fez prova de que a Recorrente
desconhecesse que o imóvel de Sintra tinha sido adquirido em compropriedade, muito
menos que o tivesse descoberto com a leitura daquele artigo, o que é, aliás, inverosímil.
(…)B. Do depoimento da testemunha GG
(…)53) Bem andou o Tribunal a quo ao qualificar o depoimento da testemunha como incoerente, e ao afirmar que do mesmo só se extraem duas conclusões possíveis – ou a Testemunha não conhecia qual era a vontade da Recorrente, não podendo depor sobre esse facto, ou então conhecia a vontade real da Recorrente e sabia que esta correspondia à vontade
declarada na escritura.
54) Em qualquer dos casos, com base no depoimento da Testemunha, não resulta provado nem o desconhecimento da Recorrente do verdadeiro teor da escritura, nem a falta de correspondência da sua vontade real com a vontade declarada.
(…)C. Do depoimento da testemunha HH
55) Os próprios excertos do depoimento da Testemunha HH, transcritos pela Recorrente, traduzem-se na mera emissão de opiniões (…)
62) Ainda assim, sempre se dirá que, deste depoimento, não resulta provada a versão dos factos trazida aos autos pela Recorrente.
D. Do depoimento da testemunha II
63) A Testemunha II, solicitador da família da Recorrente há vários anos, afirmou
que a Recorrente poderá apenas não ter dado a atenção necessária à celebração do negócio, tal como entendeu o Tribunal a quo.
(…) 69) A Testemunha não fez prova do desconhecimento do teor da escritura pela Recorrente,
nem que a mesma não tivesse capacidade para compreender os trâmites do procedimento.
71) Não resulta, assim, provado o desconhecimento da Recorrente do teor da escritura pública, nem a falta de correspondência entre a sua vontade real e a vontade declarada na escritura, nem tão-pouco que a mesma tenha caído num logro causado pelo Recorrido, não tendo a testemunha, em momento algum, referido esse facto.
(…)E. Do depoimento da testemunha CC
72) Contrariamente ao alegado pela Recorrente, não é o Tribunal a quo que retira do contexto as frases ditas pelas testemunhas, mas sim a Recorrente, conforme já demonstrado, no caso do depoimento da testemunha II.
73) O depoimento da testemunha CC é claramente parcial, incoerente em diversos momentos, e revela ainda um claro interesse na ação, na qualidade de filho e herdeiro da Recorrente.
89) Bem andou o Tribunal a quo na interpretação do depoimento da testemunha CC, entendendo que, do mesmo, não resultou provada a versão dos factos trazida a juízo pela Recorrente.
F. Do depoimento da testemunha DD
90) Também o depoimento da filha da Recorrente, DD, transcrito na íntegra pela Recorrente, não é apto a provar a sua versão dos factos.(…)
99) Do depoimento da testemunha DD não resulta provada a versão dos factos defendida pela Recorrente, tal como bem julgou o Tribunal a quo.
G. Do depoimento da testemunha TT
100) A testemunha TT, amiga da Recorrente e da respetiva família há vários anos,(…) 111) O depoimento da testemunha em nada contribuiu para provar a alegada falta de correspondência entre a vontade real da Recorrente e a vontade declarada, nem que esta tenha caído num logro criado pelo Recorrido para se enriquecer à sua custa.
112) A douta Sentença do Tribunal a quo espelha, de forma correta, as conclusões que se podem retirar do depoimento da testemunha, concluindo, e bem, que do mesmo não resulta provada a versão dos factos trazida a juízo pela Recorrente.
H. Do depoimento da testemunha KK
113) A testemunha KK revelou (…)
117) O depoimento da testemunha KK em nada demonstra a falta de correspondência entre a vontade real da Recorrente e a sua vontade declarada, nem que o Recorrido tenha feito a Recorrente cair num logro, enganando-a, com o propósito de se enriquecer à custa dela, através da compra do imóvel em compropriedade.
118) Bem andou o Tribunal a quo em concluir que «este depoimento em nada contribui para a prova dos factos alegados pela A. relativamente ao comportamento do R., antes ter ido no sentido da A. em determinada fase da sua vida ter tomado decisões que não mereceram a aprovação da sua família»
119) Decisões essas, acrescenta-se, que a Recorrente tomou por vontade própria, como confirmou a testemunha.
I. Do depoimento da testemunha LL
120) O depoimento da testemunha LL, apesar de não referido pela aqui Recorrente em sede de Recurso, é relevante para afastar quaisquer dúvidas que pudessem existir quanto à capacidade da Recorrente de celebrar os seus negócios e gerir os seus assuntos pessoais.(…)
122) O depoimento da testemunha, prestado de uma forma isenta e imparcial, contribui para se apurar que à Recorrente não assiste qualquer falta de capacidade de celebrar negócios relativos ao seu património e da sua família, ainda que pudesse ter o hábito de contratar quem fizesse esse trabalho.
123) Não colhe, assim, a argumentação da Recorrente, no sentido de que a mesma não tinha capacidade para acompanhar as negociações relativas à compra do imóvel de Sintra, ou para compreender o que lhe foi lido no ato de outorga da escritura pública de compra e venda.
J. Do depoimento da testemunha MM
124) Afirma a Recorrente que a testemunha MM, por ser credora do Recorrido, tem um grande interesse na causa, visto que a quota do Recorrido no imóvel em causa constitui o seu único património.(…)
K. Do depoimento da testemunha NN
128) A testemunha NN prestou um depoimento imparcial, descrevendo o seu modo de proceder na outorga de escrituras públicas de compra e venda de imóveis no seu Cartório.(…)
L. Do depoimento da testemunha OO
131) A testemunha OO prestou um depoimento claro e imparcial, transmitindo ao Tribunal a quo a forma como se desenvolveram as negociações com vista à compra do imóvel de Sintra pelo casal composto pela Recorrente e pelo Recorrido.(…)
M. Dos depoimentos das testemunhas QQ, UU, VV e PP
137) Também os depoimentos das testemunhas QQ, UU, VV e PP não contribuíram, e nenhuma medida, para provar a tese trazida aos autos pela Recorrente.
(…)139) Nenhuma das Testemunhas referiu qualquer facto que pudesse demonstrar que a Recorrente havia caído num logro, criado pelo Recorrido, para a levar a celebrar o contrato nos termos em que o foi, contra a sua vontade.
140) Em nada os depoimentos contribuem para demonstrar uma falta de correspondência entre a vontade real e a vontade declarada da Recorrente”- início da página 46 das contra-alegações.
As conclusões que apresentou no recurso de apelação, sobre esta questão são as seguintes:
“A. Conforme de seguida se concluirá, o recurso da decisão final interposto pela aqui Recorrente deverá ser liminarmente rejeitado, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 641.º do CPC, uma vez que a Recorrente não apresenta as competentes Conclusões.
B. A Recorrente, no caso, limita-se a proceder à cópia integral daquilo que redigiu em sede de Alegações, dando a essa “nova” secção o título de “Conclusões”, reproduzindo ipsis verbis tudo o que alegou anteriormente, sem qualquer esforço de síntese.
C. A Recorrente não apresentou conclusões obscuras, complexas ou deficientes, não havendo lugar, neste caso, ao convite para aperfeiçoamento previsto no n.º 3 do artigo 639.º do CPC.
D. O que a Recorrente fez – o copy/paste das Alegações, sem qualquer esforço de formulação de conclusões – corresponde à verdadeira falta de conclusões, tal como tem entendido a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, revelando-se ainda mais censurável do que a situação em que, por desconhecimento da lei ou por esquecimento, o recorrente omite as conclusões – vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.07.2015, Processo n.º 818/07.3TBAMD.L1.S1; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.03.2017, Processo n.º 6322/11.8TBLRA-A.C2; e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.02.2013, Processo n.º 827/09.3PDAMD.L1-5 (in www.dgsi.pt)
E. Deverá, em consequência, ser rejeitado o Recurso interposto pela Autora, aqui Recorrente, por falta de conclusões, nos termos do disposto no artigo 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC.
F. Caso assim não se entenda, e seja admitido o presente Recurso, sempre se dirá que a decisão do Tribunal a quo não padece de qualquer vício, não assistindo qualquer razão à Recorrente, uma vez que, nem da prova documental junta aos autos, nem dos depoimentos das Testemunhas inquiridas, resulta como provada a versão dos factos trazida aos autos pela Recorrente.”
A primeira questão suscitada nas conclusões das alegações da revista relativa à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto pelo Tribunal recorrido mostra-se explanada nas conclusões J e K:
“J. Lidas e relidas as conclusões aperfeiçoadas por parte da Autora, no recurso de apelação que interpôs da sentença da 1.ª instância, não se escrutina a referência a um único ponto de facto considerado provado ou não provado naquela decisão.
K. Limitou-se a atacar, de forma genérica, a interpretação que fez daquilo que resulta da sentença da 1.ª instância, à luz dos temas da prova que haviam sido fixados por aquele Tribunal no despacho saneador. Ora, os temas de prova não são factos e, como tal, não só não é possível recorrer da sentença em função dos mesmos.”
Esta questão, referência na impugnação sobre a matéria de facto apresentada pela Autora aos temas de prova, e, não, aos concretos factos que os integram, como decorre das transcrições parcelares das contra-alegações apresentadas no recurso de apelação, não foi colocada perante o Tribunal recorrido que, por isso, sobre ela não se pronunciou, constituindo questão nova suscitada no recurso de revista que não pode ser conhecida.
Os recursos destinam-se a reapreciar uma decisão já proferida, salvo quando estejam em causa questões que sejam de conhecimento oficioso (artigo 608 nº2 e 627º nº 1 do C.P.C.) aqui não verificadas, e não a proferir decisões sobre questões não colocadas ao tribunal recorrido, quer em obediência ao princípio da preclusão, quer por tal conhecimento importar a supressão de um ou mais graus de jurisdição, o que prejudicaria a parte que ficasse vencida.
Acresce que, quer a aqui recorrente, quer o Tribunal recorrido não manifestaram qualquer dificuldade em identificar os concretos pontos da matéria de facto impugnados, os meios de prova tidos por relevantes pela Autora para atingir decisão oposta àquela que fora adoptada pelo Tribunal de primeira instância, tendo a recorrente detalhadamente discutido cada ponto da matéria de facto impugnada e cada meio de prova indicado pela Autora, com indicação da respectiva valoração que deles fazia, em suporte integral da decisão proferida sobre a matéria de facto pelo Tribunal de 1.ª instância.
Como consta do acórdão recorrido, que anotou esta deficiência das alegações da Autora, foi a questão ultrapassada do seguinte modo:
“(…) Ora, os temas da prova, em regra, não correspondem a factos materiais concretos, mas sim a enunciados das questões essenciais de facto não implicando individualização de cada facto a provar (cf. Artigo 596º, nº1, do Código de Processo Civil ; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.10.2020, Prazeres Beleza, 233/18).
Ao enunciar a impugnação desta forma, a apelante não observou o recorte técnico-jurídico mais adequado. Porém, este enquadramento tem de ser articulado com os factos não provados subsumíveis a este tema da prova, e que são os seguintes (enunciados como factos não provados na sentença):
- Não se provou que o R. tivesse assegurado à A. que apenas assinava as escrituras por ser o seu marido [artigos 22º e 57º da petição]
- Não se provou que a escritura de compra da casa de Sintra, tivesse sido celebrada no regime de compropriedade sem o conhecimento e ou o consentimento da A.. [artigo 59º da petição]
- Nada se provou no sentido de a A. ter celebrado a escritura de compra de casa de Sintra de forma desatenta, nem que por isso tivesse caído num logro, criado pelo R.. [artigo 59º da petição]
- Não se provou que aquando da aquisição do imóvel situado em Sintra, nunca foi intenção da A. fazê-lo em conjunto com o Réu [artigo 70º da petição]
- Não se provou que a A. estava convicta que o imóvel sito em Sintra era exclusivamente de sua propriedade. [artigo 72º da petição]
- Não se provou que a A. não teve consciência do teor da escritura de compra que celebrou, nem falta vontade de a realizar. [artigo 82º da petição]
Note-se que o STJ vem entendendo que, na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade
Conforme se refere exemplificativamente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.2.2021, Graça Trigo, 4279/17:
I. O respeito pelas exigências do n.º 1 do art. 640.º do CPC tem de ser feito à luz do princípio da proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostos pela lei processual, princípio que constitui uma manifestação do princípio da proporcionalidade das restrições, consagrado no art. 18.º, n.ºs 2 e 3 da Constituição, e da garantia do processo equitativo, consagrada no art. 20.º, n.º 4 da Constituição.
II. No caso dos autos, afigura-se que o fundamento de rejeição da impugnação de facto é excessivamente formal, já que a substância do juízo probatório impugnado se afigura suscetível de ser apreendida, tendo sido, aliás, efetivamente apreendida pelos apelados ao exercerem o contraditório de forma especificada.
Em observância desta linha decisória do STJ, o objeto da impugnação da decisão da matéria de facto fica, assim, a ter como objeto os factos acima enunciados com menção da sua origem nos autos entre parêntesis retos.
O Tribunal recorrido fez uma leitura das alegações de apelação apresentadas pela autora, à semelhança do que fizeram nas contra-alegações de recurso os aqui recorrentes, em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade pelo que, ainda que se não tratasse de questão nova, sempre se concluiria pela inexistência de qualquer violação do disposto no art.º 640.º do Código de Processo Civil, com o referido fundamento.
2. Violação do disposto no art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil
Consideram os recorrentes, ainda a propósito da definição da matéria de facto provada e não provada por parte do Tribunal recorrido, que se verifica violação do disposto no art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil na medida em que para a alteração efectuada por este concorreram, como consta da motivação para tanto apresentada no acórdão, os depoimentos das testemunhas PP e de QQ, e depoimento de parte da Autora, que não foram suscitados pala Autora nas suas alegações de recurso.
Começamos por destacar ser inexacta esta referência dos recorrentes na medida em que a Autora, nas suas alegações apresentadas no recurso de apelação a fls. 42 e 43 não só reproduz parte do depoimento da testemunha WW e XX, como sobre ele concluiu:
“(…) 44- A testemunha não logrou fazer prova dos temas analisados na audiência de julgamento muito embora se possa extrair com relevância para prova do articulado pela A. que foi o R. que quis ir viver para Sintra, ao que acresce o facto de tudo indicar ter sido ele a levar a A. a cair na armadilha que o mesmo teceu. Como diz esta testemunha do sogro, ora Recorrido, o percurso do mesmo é lamentável a todos os títulos, sendo que quando tinha dinheiro colocava o património ao serviço das relações que tinha com mulheres, não tendo é o património das mulheres que tenta colocar ao seu serviço.”
Por seu turno no que à testemunha QQ diz respeito, o acórdão recorrido apenas menciona a seguinte frase:” O vendedor QQ afirmou que o réu “foi um osso duro de roer””, expressão que poderia ser retirada da motivação sem qualquer prejuízo para a sua compreensão ou valoração.
O art.º 662.º do Código de Processo Civil, constante da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho que aprovou o Código de Processo Civil vigente conferiu ao Tribunal da Relação amplos poderes – poderes-deveres - de reapreciação da prova produzida ao estatuir que “deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Tal significa que tendo o Tribunal da Relação o poder de reapreciar a decisão proferida sobre a matéria de facto, uma vez impugnada tal decisão, ou seja, constituindo ela objecto do recurso de apelação, oficiosamente, poderá alterar a redacção, eliminar factos, aditar factos e determinar a passagem de factos provados a não provados ou vice-versa. Em certas situações poderá proceder a alterações em factos não impugnados pois exige-se-lhe uma reapreciação facto por facto, mas também global dos factos de que resulte uma decisão coerente e global sobre a matéria de facto.
Imprescindível é que atente em todos os meios de prova anteriormente valorados pelo Tribunal de 1.ª instância, ou, não valorados, mas constantes do processo, para formar a sua própria convicção probatória, e, não só, como no código pretérito, corrigir erros praticados pelo Tribunal de 1.ª instância.
O Tribunal de 1.ª instância, como decorre da motivação da decisão probatória onde estão incluídos os concretos factos impugnados no recurso de apelação da A., como entendidos, já vimos, pelos aqui recorrentes e pelo Tribunal da Relação, refere-se a todos esses depoimentos pelo que uma elementar cautela e lógica sempre imporia ao Tribunal da Relação que analisasse se era nesses depoimentos que residia a questão fundamental que levou o tribunal de 1.ª instância a considerar como não provados factos que no seu labor de reapreciação lhe pareciam dever ter-se por provados. Não analisar tais depoimentos, apenas porque não concretamente referenciado pelas partes, é que poderia redundar num grave erro de apreciação da prova. O Tribunal de 1.ª instância foi referenciando todos os depoimentos indicados pela A. nas suas alegações de recurso, e outros mais, para concluir que não estava provada a versão dos factos apresentada pela A..
Impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto com indicação da maioria desses depoimentos terem sido erradamente valorados, não podia o Tribunal da Relação deixar de os analisar detalhadamente e estender a sua apreciação a outros usados pelo Tribunal de 1.ª instância para fundamentar a sua decisão.
Bem certo que os recorrentes têm obrigação de indicar as provas que deverão conduzir a solução diversas e, quanto aos depoimentos gravados indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. Porém essa indicação é feita com o fim de delimitar o recurso, facilitar a localização dos momentos tidos por importantes do depoimento, para diminuir o trabalho do Tribunal, sobretudo quando estejam em causa depoimentos extensos que hajam versado sobre diversas questões não dependentes entre si, e, não como meio de delimitação dos poderes de apreciação do Tribunal da Relação. Frequentemente os depoimentos terão de ser integralmente ouvidos para se aferir da sua consistência, coerência e credibilidade. Mas se o tribunal recorrido houver fundamentado a decisão sobre a matéria de facto sobre um concreto facto em vários depoimentos, mesmo não indicados pelas partes, nem por isso o Tribunal da Relação está dispensado de os analisar para poder formular a sua própria convicção sobre o facto, tendo em conta os meus elementos de prova considerados pelo Tribunal de 1.ª instância.
Mas não é só a irrelevância do que recrutou o Tribunal da Relação para a motivação da sua decisão do depoimento do QQ que deve ser destacada. Também a circunstância de estarmos perante uma prova indirecta assume particular importância na situação presente.
Como consta do acórdão recorrido:
(…) Os factos em causa reconduzem-se, essencialmente, a factos do foro interno da autora atinentes à vontade da mesma ao outorgar a escritura, ao seu conhecimento e assentimento sobre os termos em que foi declarada a aquisição (“em comum e em partes iguais”). Tais factos internos são prováveis, em primeira linha, por presunções judiciais/indícios.
(…)TOMÉ GOMES aduz também que os factos internos não são observáveis diretamente mas por via de dedução lógica ou de indução a partir de factos indiciários, à luz das regras da experiência. Divide tais factos em factos de índole predominantemente intelectiva ou cognitiva (estados de consciência), afetiva ou emocional (sentimentos, emoções) ou volitiva (domínio da vontade).
GASCÓN ABELLÁN assinala que “ (…) o conhecimento de factos psicológicos é sempre um conhecimento indireto a partir de outros factos.”
Assim, a prova por presunção constitui forma incontornável de alcançar a prova de factos psíquicos, razão suficiente da sua enorme relevância.».
O art.º 639.º do Código de Processo Civil é insusceptível de violação por parte do Tribunal de recurso dado que apenas estabelece obrigações das partes em sede de recurso.
Não há qualquer violação do disposto no art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil pelo Tribunal recorrido porque os fundamentos indicados pela recorrente são aqueles que ela entendeu pertinentes, mas não são os únicos elementos que o Tribunal da Relação pode convocar em fundamento da sua decisão sobre reapreciação da matéria de facto.
Improcede o recurso, também com este fundamento.
3. Violação das regras de direito probatório no que concerne aos documentos com força probatória plena
Começam os recorrentes por invocar, sem grande convicção aparente, que estando em causa uma escritura pública com força probatória plena apenas a arguição da sua falsidade, não invocada nos autos, e, não a prova por presunção judicial poderia abalar tal força probatória.
Como bem sabem os recorrentes não está em causa nestes autos a força probatória da escritura no sentido de ter a Aurora proferido as declarações negociais nela mencionadas, nos termos do disposto no art.º 371.º do Código Civil. Exactamente porque a Autora admite ter proferido tais declarações tem origem esta acção em que a Autora pretende provar que a vontade declarada na escritura pública não é coincidente com a sua vontade negocial. Alega que aceitou outorgar um contrato de compra e venda de um imóvel em comum e partes iguais com o seu marido quando queria outorgar um contrato de compra e venda de um imóvel para si em que o seu marido tivesse intervenção apenas pela sua qualidade de cônjuge e não, também de comproprietário.
Evidentemente que a escritura pública faz prova plena das declarações negociais emitidas, mas não da sua conformidade com a vontade real dos declaratórios, como decorre do disposto no art.º 371.º do Código Civil.
Nada obsta no direito probatório nacional a que a prova da vontade real do declaratário se produza com recurso a presunção judicial pelas razões indicadas no acórdão recorrido e antes transcritas.
O Tribunal da Relação partiu de factos conhecidos, provados por depoimento de testemunhas, para afirmar que a vontade real da A. ao outorgar a escritura pública de compra e venda da casa de Sintra, contrariamente ao desta constante, era adquirir exclusivamente para si a propriedade do imóvel que pagou exclusivamente com dinheiro seu.
O desenvolvimento do seu iter decisório é o seguinte:
(…)Ora, da prova produzida emergem múltiplos indícios/presunções judiciais aos quais o tribunal a quo não deu a devida atenção, como se verá infra.
(…)
O percurso de vida da autora e do réu não são triviais, sendo relevante o seu conhecimento para a apreciação dos factos impugnados.
A Autora pertence a uma família abastada tendo, após o 25 de abril, acompanhado os pais em fuga para o Brasil (em parêntesis, passam a indicar-se as testemunhas cujos depoimentos sustentam a análise que se faz). Aos 14 anos , a autora tentou suicidar-se por ... (JJ , DD ). As habilitações literárias da autora correspondem à antiga 4º classe (CC ). Aos 17 anos, já no ..., engravidou de um homem mais velho, nascendo o seu filho CC (CC). Já depois de regressar a Portugal, a Autora teve dois casamentos e dois divórcios, tendo uma filha de um desses casamentos (CC, DD). Um dos maridos era alcoólatra, vício que veio a atingir a Autora (JJ, FF ). No intuito de debelar esse vício, a Autora frequentou os ..., movimento que auxilia atualmente (CC, FF). Em toda a sua vida, só trabalhou durante alguns anos (anos 90) no Hotel ... como relações públicas (JJ, CC). Quando se casou com o réu, a autora já estava em fase de recuperação do alcoolismo (DD, KK ).
A autora é descrita como uma pessoa emocionalmente desequilibrada (KK), frágil (JJ) evidencia limitações cognitivas (CC) e também dificuldade em acompanhar questões que lhe foram colocados pela Mmª Juíza, chegando a pedir para interromper e ir beber água, tendo também dificuldade de assimilar as novas tecnologias (CC). Sempre foi apoiada por terceiros para tratar de qualquer assunto burocrático (“papelada”), não assumindo essas tarefas mesmo mais simples (II , DD, JJ, KK). Todavia, apesar do que fica dito, não foi relatado qualquer episódio em que a autora arriscasse o respetivo património ou celebrasse qualquer negócio perdulário. Para este efeito, releva também que a autora -também pelo que fica dito quanto ao seu percurso de vida e limitações – sempre foi protegida e acompanhada pela família, sendo também a família que a suportava financeiramente (JJ, HH ).
Por sua vez, o réu é filho de um dos donos do BPA (LL ), tendo ficado “podre de rico” quando recebeu parte da herança do pai, passando a ser um “caprichoso” (MM ), não tendo nenhum jeito para gerir o dinheiro (MM). Foi um “mulherengo a vida inteira” (MM), tendo um perfil de “gastar o que tinha e o que não tinha” (MM). Chegou a ter casas em Paris e em Espanha, andava de Rolls Royce (LL, HH). Tinha uma troupe de amigos que o acompanhava em festas (LL). Nunca trabalhou, sempre viveu da fortuna que recebeu (PP). Tanto gastou que pobre ficou de modo que, nos seis anos que precederam o casamento com a autora, o réu viveu em ..., Castelo Rodrigo, em casa do genro, casa descrita como tendo fracas condições a nível de aquecimento (PP, MM, LL, HH). O seu amigo MM é que lhe paga a renda (após a separação do casal) e empresta-lhe dinheiro, afirmando ser seu credor por dezenas de milhares de euros (MM). O único rendimento que lhe é conhecimento nos anos recentes é uma espécie de rendimento mínimo belga (PP). Recentemente, no âmbito das relações tidas como marido da autora, o réu autointitulava-se como sendo professor catedrático (QQ, CC).
No que tange à aquisição da casa de Sintra pelas partes “em comum e partes iguais” ( facto m)), são múltiplos e relevantes os indícios no sentido de que a Autora não configurou nem quis que essa aquisição fosse em comum e em partes iguais, pretendendo – pelo contrário – a autora adquirir a casa só para si.
1º Indício:
Antes e depois da compra, a Autora sempre se expressou em relação a tal casa como sendo a sua casa (“minha casa”), como sendo dela (DD, JJ, CC), afirmando que era uma casa que, futuramente, seria herdada pelos filhos (DD, declarações de parte, CC). A circunstância de a Autora ter mudado de residência do Estoril ( junto da família) para Sintra para, assumidamente, fazer a vontade ao réu, e por estar apaixonada pelo réu, não se projeta também na vontade de fazer uma doação ao réu, quer pagando-lhe a sua metade da casa quer oferecendo-a ao réu (DD, JJ, KK, declarações de parte, FF). Conforme decorre do facto n), foi a autora que pagou na íntegra o preço da casa com o dinheiro da venda da sua casa do Estoril. A dádiva que a autora quis dar ao réu passou pela mudança de residência com a aquisição da casa nova em Sintra, localização que o réu reputava como a melhor do país, nada havendo que indique que – além disso – a autora quisesse doar ao réu também parte da casa ou da quantia necessária à aquisição de metade da casa, alijando parte do seu património mais relevante. Acresce que a autora já sustentava o réu na vida do dia a dia do casal (declarações de parte, GG – contabilista que apresentava a declaração de IRS do casal). Sendo as partes casadas no regime imperativo de separação de bens, qualquer doação que a autora fizesse (ou quisesse fazer) ao réu seria nula. Com efeito, nos termos do Artigo 1762º do Código Civil, «É nula a doação entre casados, se vigorar imperativamente entre os cônjuges o regime de separação de bens.»
2º indício:
A autora só se apercebeu de que a aquisição tinha sido feita em comum e partes iguais na sequência das interrogações que lhe surgirem após a leitura do dossier da ... (edição de 12.4.2018) (facto v)) e das diligências que fez, consultando pessoas conhecidas e com conhecimentos legais. Nessa altura, foi evidente o espanto, a surpresa e a aflição da autora com tal constatação, confrontando o réu com a mesma (II, JJ, DD, declarações de parte).
3º Indício:
Poucos dias depois, com data de 26.4.2018, o réu redigiu o documento manuscrito de fls. 160v-161 (facto provado x)), dirigido aos filhos DD e AA, nos termos do qual afirma designadamente: «peço que à minha morte cumpram totalmente esta minha vontade fiz um testamento no notário de Sintra em que deixo a minha parte disponível à SS, mas segundo a lei existe 1/3 por lei que nada posso fazer legalmente para lhe deixar a totalidade da casa de Sintra. Sendo assim e por ser justo queria que os (palavra ilegível) a cota parte que vos pertenciam por direito e que não é justo visto que a compra desta casa foi feita com o dinheiro da venda da casa do Estoril que antes do casamento já pertencia à SS. (…)»
Este documento, conforme foi referido à exaustão no decurso da audiência, não tem valor sucessório legal em Portugal. Todavia, a sua redação pelo réu , e no tempo em que o foi, constitui um indício que o réu assume e reconhece que o intuito da autora com a aquisição da casa de Sintra, apenas com o dinheiro da autora, nunca foi o de beneficiar o réu, incluindo naturalmente o seu posicionamento como comproprietário da casa.
4º Indício:
Nesta senda, decorreu mesmo uma reunião num escritório de advogados, em Lisboa, na qual compareceram a autora, o réu, o advogado da autora e PP, então genro do réu e advogado, o qual acompanhou o réu nessa reunião. O objetivo dessa reunião era do de o réu assinar um documento tendo em vista reverter a situação de compropriedade da casa de Sintra, objetivo que se frustrou, degenerando essa reunião numa discussão acesa entre o casal. A reunião foi descrita em termos confluentes pela autora nas suas declarações de parte e pela testemunha PP. A marcação e realização desta reunião constituem também indício que suscita a mesma apreciação já feita a propósito do indício 3.
5º Indício:
Apesar de ter uma vida sentimental atribulada e durante tempo com adição ao álcool, não foram relatados episódios dos quais decorresse que a autora tenha celebrado negócios patrimoniais ruinosos e/ou perdulários, ao que não será alheia a circunstância de ser amparada para tal efeito pelo solicitador da família e pela família ( II, JJ, GG, HH). Assim, o intuito de beneficiar o réu com a aquisição em comum e partes iguais sai infirmado pela máxima da experiência de que ninguém atua contra os seus próprios interesses. «Se um negócio causa danos ou prejuízos para o seu autor, tal ocorrência exige um plus de explicação que poderá decorrer de erro, desconhecimento de factos ou vícios de consentimento» (indício lesivitas; LUÍS FILIPE SOUSA, Prova por Presunção no Direito Civil, 3ª ed., p. 251.).
6º indício:
A ideia de ir morar para Sintra decorre do réu, que tinha tal local como o melhor do país para residir, tendo o réu pressionado a autora nesse sentido. O réu é que protagonizou o processo de negociação da compra da casa, vindo os vendedores a vender a casa por um preço que os prejudicou. O vendedor QQ afirmou que o réu “foi um osso duro de roer”. Todavia, esse domínio do processo negocial que culminou na escritura não foi acompanhado da disponibilidade dos meios financeiros para o negócio, na medida em que era a autora que tinha o dinheiro e que pagou. Esse domínio do processo e protagonismo do réu inculca que quem esteve em posição privilegiada de determinar o conteúdo do ato negocial foi o réu e não a autora (indícios character e domínio; Op. Cit., pp. 237 e 238), sendo que o réu não dispunha então de património relevante, não lhe sendo indiferente ficar beneficiado com a aquisição de metade da casa (indício fortuna; Op. Cit., pp. 250-251).
7º Indício:
O réu exercia um ascendente psicológico sobre a autora, diligenciando por afastá-la física e socialmente da família e de alguns amigos, bem como apoucando a autora. Este circunstancialismo decorre do teor das declarações de parte da autora corroborado pelos depoimentos de: II, cujos serviços não foram requisitados pela autora a partir do momento em que o réu assumiu a negociação da compra da casa; DD nos segmentos em que relata a postura do réu perante si e a família, não cumprimentando a testemunha, ignorando o neto da autora, dirigindo-se à autora “Você é uma pateta, não sabe o que diz”; JJ nos segmentos em que relatou encontro com autora e réu e diálogo em que o réu se dirigiu à autora: “Cale-se imediatamente, não fale do que não sabe”; KK nos segmentos em que se surpreendeu com a venda da casa da autora no Estoril, onde a autora tinha a família e conhecia toda a gente; CC no segmento em que relata o desagrado que o réu manifestava quando a testemunha se deslocava a casa da mãe/autora; FF nos segmentos em que relatou outra situação em que o réu se dirigiu à autora: “A menina cale-se porque não percebe nada” bem como em que descreveu o afastamento progressivo a que foi votada pelo casal, sendo que o réu nem foi visitar a mãe da autora quando o estado de saúde desta se agravou e veio a falecer; GG ao relatar a maneira de falar do réu como tendo “alguma prepotência”, frisando que a autora era uma pessoa que gostava de conviver e convidar as pessoas para casa.
Esta estratégia do réu de isolamento e fragilização da autora culminou num episódio ocorrido no dia da escritura da compra da casa de Sintra, relatado pela autora de forma bastante espontânea e credível, ao qual não foi dada a devida atenção. No dia da escritura e no local da mesma, o réu verbalizou a sua aflição porque – segundo ele – acabara de aperceber-se que não tinha a aliança, pondo toda a gente à procura da aliança, antes da outorga da escritura. Porém, quando a autora e o réu saíram do local e entraram na sua viatura, a aliança encontrava-se no veículo junto ao travão de mão, de forma bem visível.
Este episódio consubstancia o enlace entre um facto essencial (outorga da escritura e atenção que lhe deve ser prestada) e a inserção de um pormenor/detalhe inusual, mas que não é claramente irreal, o que empresta especial credibilidade ao testemunho. Como se afirma em LUÍS FILIPE SOUSA, Prova Testemunhal, Noções de Psicologia do Testemunho, 2ª ed., p. 361, «a testemunha descreve detalhes que não são estritamente necessários à descrição do incidente em questão. Normalmente, ao mentir não se inventam detalhes irrelevantes que não contribuem para a demonstração do evento principal , quer pela sua irrelevância quer pelo grau de dificuldade que implica este exercício de memória.» Ou seja, estão preenchidos os revelantes parâmetros do enquadramento contextual e dos detalhes inusuais que inculcam a veracidade do testemunho/declarações de parte – cf. Op. Cit., pp. 145-146. Está em causa a concreção e viveza das declarações prestadas.
Este episódio é tudo menos inocente demonstrando que o réu – conhecendo as limitações cognitivas e de atenção da autora – criou tal encenação com o intuito de desconcentrar e retrair a autora, fazendo com que a mesma prestasse menor atenção à leitura da escritura e que se inibisse de formular qualquer questão quanto ao conteúdo da mesma. Houve uma conduta programada pelo réu no intuito de alhear a autora do conteúdo do ato notarial (indício insídia; LUÍS FILIPE SOUSA, Prova por Presunção no Direito Civil, 3ª ed, pp. 244 e 302).
No que tange às declarações de parte prestadas pela autora, há que notar o seguinte.
Consoante se resume no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.4.2017, Luís Filipe Sousa, 18591/15:
I.–No que tange à função e valoração das declarações de parte existem três teses essenciais: (i) tese do caráter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos; (ii) tese do princípio de prova e (iii) tese da autossuficiência das declarações de parte.
II.–Para a primeira tese, as declarações de parte têm uma função eminentemente integrativa e subsidiária dos demais meios de prova, tendo particular relevo em situações em que apenas as partes protagonizaram e tiveram conhecimento dos factos em discussão.
III.–A tese do princípio de prova defende que as declarações de parte não são suficientes para estabelecer, por si só, qualquer juízo de aceitabilidade final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros elementos de prova.
IV.–Para a terceira tese, pese embora as especificidades das declarações de parte, as mesmas podem estribar a convicção do juiz de forma autossuficiente.
V.–É infundada e incorreta a postura que degrada – prematuramente - o valor probatório das declarações de parte só pelo facto de haver interesse da parte na sorte do litígio. O julgador tem que valorar, em primeiro lugar, a declaração de parte e, só depois, a pessoa da parte porquanto o contrário (valorar primeiro a pessoa e depois a declaração) implica prejulgar as declarações e incorrer no viés confirmatório.
VI.–É expectável que as declarações de parte primem pela coerência e pela presença de detalhes oportunistas a seu favor (autojustificação) pelo que tais caraterísticas devem ser secundarizadas.
VII.–Na valoração das declarações de partes, assumem especial acutilância os seguintes parâmetros: contextualização espontânea do relato, em termos temporais, espaciais e até emocionais; existência de corroborações periféricas; produção inestruturada; descrição de cadeias de interações; reprodução de conversações; existência de correções espontâneas; segurança/assertividade e fundamentação; vividez e espontaneidade das declarações; reação da parte perante perguntas inesperadas; autenticidade.
Confluindo com o mesmo acórdão, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.10.2021, Cristina Coelho, 571/19:
O tribunal não deve, à partida, desacreditar as declarações prestadas pela parte, antes devendo valorizar a forma como as presta, a coerência e verosimilhança do declarado, tendo em conta a situação concreta e as regras da experiência, bem como a demais prova produzida que as confirme ou sustente.
O modo de valoração das declarações de parte e o seu valor probatório encontra-se escalpelizado em LUÍS FILIPE SOUSA, Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2ª ed., 2021, pp. 289-300, a que aderimos e para onde remetemos por brevidade.
No caso em apreço, as declarações de parte podem assumir centralidade nomeadamente nos segmentos em que se reportam a factos ocorridos entre autora e réu, não presenciados por terceiros, razão pela qual é difícil a prova de tais factos por outros meios probatórios.
No decurso das suas declarações de parte, a autora evidenciou alguma comoção ao ponto de ser advertida pela Mma. Juíza de que não devia levantar a voz. Sem embargo, as suas declarações de parte primaram por uma grande quantidade de detalhes (veja-se o episódio da aliança acima analisado), pela descrição de cadeias de interações, pela reprodução de conversações, por uma contextualização espontânea do relato, em termos temporais e até emocionais, sendo que todos estes parâmetros são abonatórios da sua credibilidade. Acresce que as declarações são corroboradas, em bastantes segmentos, por prova testemunhal, documental e indiciária, designadamente quanto: ao apoucamento que o réu fazia da autora; ao isolamento da autora da família e alguns amigos por ação do réu; à divergência entre a declaração da autora vertida na escritura e a sua vontade real (cf. análise supra dos sete indícios cujos factos-base decorrem também de prova testemunhal e documental).
No âmbito das declarações de parte, a autora relatou que o réu lhe afirmou que tinha ,assinado a escritura de compra de Sintra “porque sou seu marido”, sendo certo que o réu havia assinado anteriormente na escritura da venda da casa do Estoril em razão do disposto no Artigo 1682º-A, nº2, do Código Civil. Note-se que as duas escrituras foram outorgadas num curto intervalo (factos h) e i)). Não está em causa a ignorância da lei por parte da Autora (cf. Artigo 6º do Código Civil), mas sim a criação de um logro por parte do réu.”.
Os factos provados que suportam a presunção judicial assentam na valoração que o Tribunal recorrido efectuou do depoimento de parte da A. e dos depoimentos das demais testemunhas, sujeito ao princípio da livre apreciação da prova – art.º 366.º, 396.º do Código Civil e 466.º do Código de Processo Civil - insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça nos termos do disposto no art.º 682.º e 674.º do Código de Processo Civil .
Por sua vez, a presunção judicial deles retirada, em si mesma não violadora de qualquer norma legal, apresenta-se estruturada de forma coerente e sem qualquer ilogicidade, o que a torna impassível de escrutínio pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Improcede, também a revista com este fundamento.
4. Aplicação e interpretação dos artigos 247.º e 292.º do Código Civil.
Verificada a divergência entre a vontade real e a vontade declarada na escritura de compra e venda haverá apenas que corrigir o declarado no sentido de fazer coincidir as duas vontades. O art.º 247.º do Código Civil estatui sobre esta questão definindo que:
Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
Adoptando o conceito de relação jurídica, em sentido estrito, de Manuel Domingos Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Coimbra, 1893, pág. 2 – relação da vida social disciplinada pelo Direito, mediante a atribuição a uma pessoa (em sentido Jurídico) de um direito subjectivo e a correspondente imposição a outra pessoa de um dever ou de uma sujeição, o contrato de compra e venda do imóvel, aqui em discussão, pode decompor-se em várias relações jurídicas, apresentando-se, assim, como uma relação jurídica complexa. Nesta relação venditória o vendedor tem direito ao preço e o comprador o dever de o pagar, o comprador direito a receber a coisa vendida e o vendedor o dever de a entregar, numa sucessão de direitos subjectivos a que correspondem deveres jurídicos da contra parte. Porém, neste caso, entre os compradores estabeleceram-se também relações jurídicas entre si na medida em que, sendo casados segundo o regime de separação de bens, e, tendo a Autora pago a totalidade do preço do imóvel, neste negócio jurídico, simultaneamente emitiu declaração negocial implícita, que se deduz destes factos que, com toda a probabilidade a revelam (art.º 217.º,n.º 1, parte final) correspondentes à doação de metade indivisa do imóvel ao seu cônjuge, e, este, por sua vez, ao aceitar a venda nos precisos termos escriturados, a declaração da sua aceitação. Nesta relação jurídica que, ao que resulta dos autos, apenas existiu entre os compradores, era exterior ao vendedor que recebeu o preço por inteiro, sendo-lhe indiferente que o dinheiro pertencesse a um ou a ambos os cônjuges, verifica-se uma divergência entre a vontade declarada pela A. e a sua vontade real dado que ela apenas queria comprar o imóvel para si própria, pensava que a intervenção do seu cônjuge na escritura era similar à que ocorrera na anterior escritura em que vendeu um imóvel seu, e, o seu cônjuge, nela também indicado como outorgante, apenas prestou o consentimento à venda, e não queria efectuar qualquer liberalidade em favor do seu cônjuge. O declaratário (réu) desta relação jurídica estabelecida entre os cônjuges não só conhecia a vontade real da Autora como a essencialidade do elemento sobre que incidiu a divergência, pelo que esta declaração negocial é anulável, nos termos do disposto no art.º 247.º do Código Civil.
Por estar provada a divergência entre a vontade real da Autora e a vontade que declarou no momento da outorga de escritura pública de compra e venda, impõe-se a anulação da declaração negocial errada, isto é, da declaração que na escritura pública indica que Autora e réu declararam adquirir “em comum e partes iguais”, imóvel.
A tal não obsta que, por via desta anulação, se produza a exclusão do réu como adquirente do bem, dado que tal consequência foi alcançada em sede de declaração judicial, segundo processo legal e equitativo em que foram respeitados todos os direitos de defesa do réu, que, apesar disso, não logrou fazer prova dos elementos que indicou em defesa da sua pretensão.
O réu não pode ter-se por surpreendido por tal efeito na medida em que este sempre seria a consequência lógica da procedência da acção que não podia, pois, razoavelmente ignorar.
A anulação da referida declaração negocial, na parte afectada por erro, não invalida todo o negócio, nos termos do disposto no art.º 292º, do Código Civil, dado não existir qualquer elemento que permita concluir que sem a expressão “em comum e partes iguais” relativa aos compradores, o negócio principal – compra e venda do imóvel - não teria sido realizado sem a parte viciada. Tal questão não foi, sequer suscitada nos autos. A parte da declaração negocial de compra desconforme com a vontade real da A., refere-se exclusivamente às relações jurídicas estabelecidas entre os compradores, não afectando as declarações típicas do contrato de compra e venda já acima indicadas. O negócio não pode ser objecto de qualquer conversão – art.º 293.º do Código Civil - porque não ferido de vício de nulidade ou de anulação que imponha a sua conversão num novo e diferente negócio. O negócio de compra e venda do imóvel mantém-se como negócio jurídico de compra e venda do imóvel com o mesmo conteúdo e com exclusão do réu como comprador, mantendo a Autora essa qualidade.
Da declaração judicial de anulação da declaração, na parte que contém o erro indicado, decorrerão os efeitos jurídicos correspondentes ao nível da titularidade do direito de propriedade sobre o imóvel, nomeadamente a correcção do registo predial. Pouco importa que a anulação da declaração importe a exclusão de uma parte do negócio, altere a qualidade da sua intervenção declarada de uma das partes ou, em concreto, provoque qualquer outra alteração. A lei determina que, nas circunstâncias dos autos, é anulável a declaração e basta essa declaração para fundamentar todas as demais consequências jurídicas.
Nos termos do disposto no art.º 289.º do Código Civil a anulação tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. Deste modo o réu, relativamente ao imóvel, desde a data de celebração de escritura pública de compra e venda, não terá qualquer direito a qualquer parte indivisa do mesmo.
Pelo exposto, só pode concluir-se, como no acórdão recorrido que o imóvel descrito no facto provado m) é propriedade exclusiva da autora desde 29.4.2014 e, após o óbito desta, dos seus filhos habilitados como autores, DD e CC.
Pelas indicadas razões, improcede o recurso.
Pelo exposto acorda-se em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.
Ana Paula Lobo (relatora)
Catarina Serra
Isabel Salgado