SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
REENVIO AO TRIBUNAL RECORRIDO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DIREITO APLICÁVEL
Sumário

Tendo o Supremo Tribunal de Justiça ordenado a remessa dos autos à Relação para ampliação da matéria de facto e tomado posição sobre o direito aplicável, cabe ao Tribunal da Relação, depois de ampliada a prova, acatar tal decisão de direito.

Texto Integral

Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:

AA apresentou formulário tendo em vista a impugnação da regularidade e licitude do despedimento promovido por FARMÁCIA CENTRAL DE ALMADA DE … UNIPESSOAL, LDA..
Em 15/02/2024 foi proferida sentença que declarou a existência de justa causa e julgou lícito o despedimento, tendo também condenado a empregadora no pagamento de remunerações no valor de 586,57€ e juros e absolvendo-a dos demais pedidos formulados.
Interposto recurso para esta Relação, foi prolatado acórdão que revogou a decisão recorrida na parte em que julgou lícito o despedimento, substituindo tal decisão por outra que declara ilícito o despedimento, alterou a decisão recorrida quanto à reconvenção e condenou a Recrdª a pagar à Recrte. as quantias que discrimina a título de retribuições intercalares e juros de mora vencidos desde a data de liquidação dessas quantias, e, bem assim, a título de indemnização pelo despedimento ilícito e juros respetivos. Manteve, no mais, a decisão recorrida sobre a reconvenção.
Deste acórdão foi interposta revista para o Supremo Tribunal de Justiça.
O Supremo Tribunal de Justiça decidiu, em 29/01/2025, remeter os autos a esta Relação para ampliação da matéria de facto.
Recebidos os autos nesta Relação foi prolatado acórdão no qual se decidiu reenviar o processo ao Tribunal de primeira instância a fim de ser ampliada a matéria de facto nos termos mencionados no parágrafo 4 e repetido o julgamento, acatando a posição do colendo Supremo Tribunal de Justiça sobre o direito aplicável.
Consignou-se no ponto 4:
Em obediência ao acórdão do colendo Supremo Tribunal de Justiça de 29/01/2025…, importa proceder à ampliação da matéria de facto nos termos que foram enunciados nesse acórdão como se segue:
“(…) se outro ou outros trabalhadores cometeram a mesma infração, tendo a mesma ou similar posição hierárquica da Autora, e não foram sancionados com o despedimento então o comportamento em causa é compatível com a subsistência da relação. Importa, pois, averiguar se foi esse o caso – em caso afirmativo, a sanção do despedimento será ilícita. Destarte a decisão da matéria de facto deve ser ampliada (artigo 682º nº 3 do Código de Processo Civil).”
Realizada audiência de discussão e julgamento na 1ª instância, foi proferida sentença que julgou lícito o despedimento da trabalhadora, concluindo pela improcedência da ação, na parte que neste momento subiste.
* * * *
O RECURSO:
AA nos autos epigrafados, não se conformando com a sentença que considerou que existe justa causa de despedimento da trabalhadora, pelo que julgou lícito o despedimento promovido pela empregadora, determinando assim a improcedência da ação, vem da mesma interpor recurso de apelação.
Pede a revogação da sentença.
Formulou as seguintes conclusões:
1. O tribunal da relação tinha fixado, de forma imutável o seguinte facto: A gerência da ré, em 2019 teve conhecimento de que alguns trabalhadores registavam vendas dos clientes nos respetivos cartões Saúda de que eram titulares esses trabalhadores, tendo alguns deles pedido desculpa e em junho de 2020, a gerência da ré quis indagar se essa prática se mantinha colocando a hipótese de despedir alguns trabalhadores.
2. Provado isto, entendeu o STJ que deveria ser ampliada a prova de facto, ao ponto de apurar se outros trabalhadores tiveram esse mesmo comportamento, em parte já respondido pela matéria provada e alterada pelo tribunal da relação, e não foram sancionados com o despedimento.
3. No início da audiência de julgamento a Autora requereu para a ata que a Ré viesse aos autos juntar todos os processos disciplinares que moveu contra os seus trabalhadores entre 2019 e 2023, ou seja até ao momento em que levantou o processo disciplinar à Autora e ameaçou atuar criminalmente contra a sua Colega, aqui testemunha BB.
4. Em resposta ao req. a Ré veio confessar que anteriormente a 2023 não levantou nenhum processo disciplinar a qualquer dos seus trabalhadores, ou seja, não despediu nenhum dos trabalhadores, incluindo aqueles que em 2019 a gerência soube que mantinham a prática de registar no seu cartão Saúda os pontos dos clientes, bem como aqueles que em 2020 confrontados pela gerência pediram desculpa.
5. Este é o facto essencial dos autos, foi para isto que o processo baixou novamente à primeira instância, sendo que o STJ deixou muito claro qual o sentido da decisão de direito, caso se viesse a provar que nenhum outro trabalhador, desde logo aqueles que foram descobertos em 2019 e aqueles que pediram desculpa em 2020, sofreu uma decisão idêntica à da Autora, ou seja o despedimento, então nesse caso a decisão de despedimento deveria ser considerada ilícita.
6. Saber se houve ou não decisão de despedimento para os trabalhadores visados em 2019 e 2020 não é algo que se possa fazer através de prova testemunhal, mas antes e tão só com prova documental, na verdade, ou existiram processos disciplinares ou não existiram, neste sentido o artigo 364º do Código Civil.
7. Quando a Ré reconheceu que nos anos de 2019, 2020 e seguintes não levantou nenhum processo disciplinar a nenhum dos seus funcionários, então tinha o tribunal forçosamente de concluir que perante os mesmos factos imputados à autora e tendo tido a RÉ conhecimento que outros trabalhadores faziam o mesmo, tanto de 2019 como em 2020, e estes não tiveram como consequência o seu despedimento, então o despedimento da Autora tem de ser declarado ilícito.
8. O tribunal de primeira instância não atendeu à confissão feita e registada em ata, da não existência de qualquer despedimento, nem de qualquer processo disciplinar nos anos de 2019, 2020 e seguintes.
9. Ouvida novamente a trabalhadora BB, cujo depoimento se encontra gravado na aplicação Habilus Media Studio, entre os minutos 0:00 e 15:44, a mesma foi perentória a responder quando lhe perguntaram se outros colegas tinham o mesmo comportamento que ela e a A., ou seja, se outro colegas também registavam nos seus cartões Saúda os pontos respeitantes a vendas dos clientes e a mesma respondeu : todos faziam o mesmo. Todos! Era uma prática generalizada não só na farmácia da ré, como nas demais farmácias do grupo. – Cfr. minuto 04:10 a 04:40 e 8:00 a 9:40
10. O tribunal de primeira instância optou por circunstanciar a prática apenas à Autora e à testemunha BB, por factos apurados em 2023, salvo o devido respeito, não foi essa incumbência dos tribunais superiores.
11. Dito isto, A. e ora Recorrente, não se conforma com a douta sentença que julgou improcedente a ação de impugnação do seu despedimento, considerando que existe justa causa de despedimento da trabalhadora. O presente recurso abrange assim matéria de facto e matéria de direito.
12. Quanto à matéria de facto que o tribunal entendeu dar como provada, impugna a Autora os seguintes pontos, que não devem figurar nos factos provados: Entende a recorrente que os novos factos aditados, mormente aqueles que resulta nos pontos 37 a 42 nada acrescentam de novo e que os mesmo se encontram deturpados, devendo ser eliminados.
13. Pois o que a testemunha BB respondeu ao tribunal foi que era pratica generalizada desde sempre na farmácia a utilização abusiva dos cartões saúda por todos os funcionários. E a mesma também respondeu que nunca antes tinha sido repreendida pela gerência, nem antes nem depois da famosa reunião que a gerência teve com os trabalhadores em outubro de 2021 (facto 23).
14. Não podia ter sido esta trabalhadora nem a pessoa anteriormente descoberta pela gerência em 2019, nem aquela que em 2020 pediu desculpa e continuou a trabalhar. E o que importava saber era o que aconteceu a esses trabalhadores. E não tendo a Ré feito qualquer prova, resta apenas a sua confissão que não instaurou, em tempo, nenhum processo disciplinar.
15. Considera ainda a trabalhadora/recorrente que deveriam ter sido dados como provados, os seguintes factos, relevantes para a boa decisão da causa:
a) Era prática generalizada na farmácia da ré, e nas restantes farmácias do grupo, a prática do registo indevido de pontos nos cartões Saúda dos funcionários;
b) Nunca a Ré levantou qualquer processo disciplinar em 2019 a 2023, a qualquer funcionário seu, para além do levantado à Autora em 2023;
16. A justificar a resposta à alínea a) temos o depoimento da testemunha BB, que claramente indicou que essa era uma prática de todos os funcionários e desde sempre;
17. A justificar a resposta à alínea b) a confissão da Ré lavrada em ata – artigo 344º do CC e artigos 417, n.º 2, ex vi 430º do CPC.
18. Reconhecido que esta era uma pratica generalizada na farmácia, não sendo possível apurar concretamente o nome dos funcionários envolvidos, reconhecido que se encontra que nem em 2019, nem em 2020 foram instaurados processos disciplinares, pelo que os trabalhadores envolvidos e conhecidos pela gerência não foram despedidos, tem de se aplicar o sentido da decisão já traçado pelo Supremo Tribunal de Justiça, qual seja, julgar o despedimento da Autora como ilícito, e com as suas legais consequências, que no caso não podem deixar de ser graduar a indemnização entre um minino de 30 e um máximo de 45 dias por cada ano de trabalho efetivo, atenta a gravidade da decisão e a sua especial perversidade por ser aplicada apenas a uma trabalhadora, quando a pratica era conhecida e tolerada pela gerência, a que acrescem todos créditos vencidos e vincendos da trabalhadora.
FARMÁCIA CENTRAL DE ALMADA DE …, UNIPESSOAL, LDA., R. nos autos à margem referenciados vem apresentar as suas Contra-alegações debatendo-se pela manutenção da sentença.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
A este parecer respondeu a Apelante.
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As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto?
2ª – O despedimento é ilícito?
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FUNDAMENTAÇÃO:
Vem a Apelante impugnar a decisão que se debruçou sobre a matéria de facto, visando, por um lado, a eliminação dos pontos de facto 37 a 42 e, por outro, que se deem como provados dois pontos que identifica.
A decisão desta questão não pode abstrair da razão de ser da pendência deste processo: o comando ínsito no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 29/01/2025, ou seja, averiguar “(…) se outro ou outros trabalhadores cometeram a mesma infração, tendo a mesma ou similar posição hierárquica da Autora, e não foram sancionados com o despedimento…
Vem este comando na sequência do facto provado em audiência anterior, a saber, a gerência da ré, em 2019 teve conhecimento de que alguns trabalhadores registavam vendas dos clientes nos respetivos cartões Saúda de que eram titulares esses trabalhadores, tendo alguns deles pedido desculpa e em Junho de 2020, a gerência da ré quis indagar se essa prática se mantinha colocando a hipótese de despedir alguns trabalhadores.
Compulsados os autos verifica-se que em presença do reenvio do processo, a 1ª instância designou, para cumprimento do determinado, uma audiência, convidando as partes a apresentar requerimentos probatórios.
Nessa audiência ficou consignado em ata que “não existem processos disciplinares entre o ano de 2020 e 2023 relativamente a este tipo de situação, para além do processo disciplinar da trabalhadora”.
Ouvida a prova, obteve-se a decisão fática que ora se impugna.
Defende a Apelante que não devem figurar nos factos provados os novos factos aditados, mormente aqueles que resultam nos pontos 37 a 42, pois nada acrescentam de novo e encontram-se deturpados, devendo ser eliminados.
Não cremos que devam simplesmente ser eliminados.
A matéria ali ínsita dá resposta ao comando emanado do Supremo Tribunal. A resposta tida como possível em função da prova.
Pretendeu o STJ saber se:
1. outro ou outros trabalhadores cometeram a mesma infração,
2. tendo a mesma ou similar posição hierárquica da Autora, e
3. não foram sancionados com o despedimento.
Sabe-se, agora, a partir dali que pelo menos uma trabalhadora, com a mesma categoria profissional, cometeu idêntica infração e não foi alvo de processo disciplinar (por razões que por ora não importa considerar).
Afigura-se-nos, pois, que a factualidade que integra os pontos 37 a 41 dá resposta ao comando mencionado. Uma resposta restritiva.
Já quanto aos pontos 42 e 431 não vemos qual a respetiva relevância para o desfecho da ação. Esses eliminar-se-ão.
Coisa distinta é a almejada adição de dois pontos de facto. São eles:
a) Era prática generalizada na farmácia da ré, e nas restantes farmácias do grupo, a prática do registo indevido de pontos nos cartões Saúda dos funcionários;
b) Nunca a Ré levantou qualquer processo disciplinar em 2019 a 2023, a qualquer funcionário seu, para além do levantado à Autora em 2023;
Relativamente ao primeiro destes pontos de facto, consideramos, por um lado, que o decidido sob o ponto 362 já acolhe o respetivo conteúdo e, por outro, que em presença do comando a que devemos obediência por força da decisão do Supremo Tribunal não é essa a matéria que está em causa.
Já quanto ao segundo, dada a confissão exarada em ata, entendemos deve-la consignar no acervo fático.
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OS FACTOS PROVADOS3:
1.A A. foi admitida ao serviço da R. a 1 de Fevereiro de 2006.
2. Tem presentemente a categoria profissional de Caixeira de 1ª, tendo como funções o atendimento de clientes, venda de produtos de dermo cosmética, puericultura, podologia e produtos ortopédicos, deles recebendo valores para pagamento dos produtos, registando as respetivas vendas, dando entrada de encomendas, afixando preços e outras tarefas conexas.
3. Todos os funcionários da R. beneficiam de um desconto de 20% em compras feitas na própria farmácia.
4. Desconto este não cumulável com outros, facto que é do conhecimento de todos os trabalhadores, incluindo da A..
5. O Cartão Saúda – ou cartão das farmácias portuguesas - é um cartão disponibilizado pelas “Farmácias Portuguesas”, uma rede de mais de 2000 estabelecimentos farmacêuticos espalhados por todo o país, da qual a R. é aderente.
6. Este cartão permite que a todas as compras realizadas nas farmácias aderentes de produtos de saúde e bem-estar, ou de medicamentos não sujeitos a receita médica e serviços farmacêuticos, sejam atribuídos pontos.
7. Estes pontos podem ser trocados diretamente por produtos constantes no catálogo de pontos ou podem ser convertidos em vales de dinheiro que podem ser utilizados para pagar a conta da farmácia.
8. Cada um euro gasto pelo cliente nos produtos enunciados anteriormente equivale a um ponto atribuído no Cartão Saúda.
9. Este cartão tem em vista a fidelização do cliente, porque o cliente ganha um ponto pela primeira visita diária à farmácia, desde que o valor da compra seja igual ou superior a 3€.
10. Os pontos podem ser trocados diretamente por produtos ou serviços constantes na revista Saúda.
11. E podem ser igualmente trocados por vales, existindo vales de 2,00€ (50 pontos); 5,00€ (120 pontos); 10,00€ (230 pontos); e 20,00€ (440 pontos), que, por sua vez, podem ser descontados nas compras de produtos ou aquisição de serviços em qualquer das farmácias aderentes.
12. Cada ponto atribuído em cartão é colocado no sistema comum das “farmácias portuguesas”, gerando uma conta corrente.
13. Cada compra ou desconto em aquisição de um produto ou serviço, quando efetivamente usados pelo cliente, gera um custo para a farmácia aderente no valor de cinco cêntimos por cada ponto inserido na conta corrente respetiva.
14. A empregadora, por ocasião da implementação do cartão saúda, comunicou aos trabalhadores – a todos os trabalhadores, e portanto também à trabalhadora, que já trabalhava na farmácia – que o registo de pontos nos cartões individuais dos funcionários decorrentes de compras realizadas por clientes da farmácia era proibido.
15. A autora nunca pediu esclarecimentos sobre a utilização do cartão, ocultando que registava no seu cartão pontos decorrentes de compras feitas por clientes da farmácia.
16. A empregadora solicitou ao sistema Farmácias Portuguesas os extratos de alguns funcionários, nomeadamente o relativo ao cartão da trabalhadora, com o número 70518748.
17. Em dia não concretamente apurado do mês de Fevereiro de 2023, mas não anterior a dia 14, a ré tomou conhecimento do extrato do cartão Saúda da autora com base no qual instruiu o processo disciplinar, elaborou a nota de culpa e proferiu a decisão disciplinar, juntos aos autos com as referências citius 36645791 a 36645707, de 26.7.2023.
18. Foram processadas pela autora, entre 1.9.2020 e 19.10.2021, as vendas, com os descontos nas percentagens e valores indicados nas faturas recibo e os registos no cartão Saúda 70518748 de que era titular a autora, mencionados das faturas recibo e registos cujo teor se dá por integralmente reproduzido, constantes de fls. 1 a 65 do processo disciplinar, juntos aos presentes autos com as referências citius 36645692, 36645693, 36645694, 36645695, 36645697 e 36645698, de 26.7.2023, de entre os quais, as faturas recibo que mencionam o número fiscal de contribuinte ..., de que é titular a autora, se referem a compras da autora e as que mencionam números fiscais de contribuinte diversos, se referem a compras de terceiros, clientes da ré.
19. Por via de correio eletrónico enviado em 23.3.2023 e de correio registado na mesma data, foi remetida à trabalhadora nota de culpa, na qual se dá conta do apurado registo indevido de pontos no seu cartão.
20. Foram realizadas as diligências instrutórias requeridas pela trabalhadora.
21. A empregadora, por decisão de 4.05.2023, comunicada à trabalhadora no dia 9 de maio de 2023, informou a trabalhadora da decisão de despedimento com justa causa.
22. Antes de comunicar à autora a suspensão referida no facto provado 28, a ré propôs à autora celebrarem um acordo de cessação do contrato de trabalho, apresentando minuta desse acordo que a autora recusou assinar.
23. Em Outubro de 2021, a empregadora reuniu com os trabalhadores, comunicando que não seria possível acumular os pontos dos cartões com os benefícios comerciais que as marcas ofereciam, abordando-se a questão relacionada com os pontos de indústria.
24. Depois da reunião de Outubro de 2021, a trabalhadora deu baixa do seu cartão, não tendo feito qualquer utilização do mesmo desde então.
25. Ao longo dos 17 anos em que a trabalhadora exerceu funções na empregadora nunca sofreu qualquer sanção disciplinar.
26. Em data não concretamente apurada, a trabalhadora e outras colegas fecharam a loja, mantendo no seu interior um assaltante, para que o mesmo fosse detido pela PSP que foi chamada ao local, conseguindo desse modo evitar a consumação do assalto.
27. A trabalhadora, nos últimos anos em que exerceu funções na empregadora, consultava o seu horário semanal ao domingo.
28. A trabalhadora foi suspensa, no âmbito do processo disciplinar, em 25 de fevereiro de 2023.
29. A trabalhadora, na sequência da instauração do processo disciplinar passou a sentir ansiedade, nervosismo, sentimentos de zanga e fúria, apresentando dificuldade em dormir, tendo consultado um psiquiatra.
30. Depois da pandemia, a trabalhadora não recebeu formação profissional da empregadora (ano de 2022).
31. Em Março de 2023, a empregadora descontou € 77,19, relativo a abono para falhas pago a mais em Fevereiro de 2023.
32. Em Maio de 2023, a empregadora pagou à trabalhadora o montante de € 2.288,17, relativo a “compensação global pecuniária”.
33. A trabalhadora auferia, à data do despedimento, o vencimento mensal ilíquido de € 1.090,00.
34. O desempenho da trabalhadora na sua profissão era apreciado pelas clientes da farmácia.
35. Foram trocados entre os mandatários os emails que constam dos autos durante o processo disciplinar.
36. A gerência da ré, em 2019 teve conhecimento de que alguns trabalhadores registavam vendas dos clientes nos respetivos cartões Saúda de que eram titulares esses trabalhadores, tendo alguns deles pedido desculpa e em Junho de 2020, a gerência da ré quis indagar se essa prática se mantinha colocando a hipótese de despedir alguns trabalhadores.
37. BB era, pelo menos entre 2020 e 2023, trabalhadora na empregadora, sendo colega de trabalho da trabalhadora, com a mesma categoria profissional e com o mesmo tipo de funções laborais.
38. BB, tal como a trabalhadora, utilizou durante período não concretamente apurado, o cartão saúda de que era titular, registando nele pontos inerentes a compras realizadas por clientes da empregadora.
39. Na data em que ocorreu o facto n.º 22, e na mesma ocasião em que chamou a trabalhadora para o mesmo efeito, a empregadora também propôs igual acordo a BB (igual ao que havia proposto à trabalhadora e esta havia recusado), dizendo-lhe que, por ter utilizado o seu cartão saúda do modo referido em 38, teria de sair da empresa, tendo então duas opções: ou assinava o acordo que lhe estava a ser proposto, ou a empregadora faria queixa criminal pelos factos em apreço.
40. BB assinou o acordo que a empregadora lhe propôs, fazendo por essa via cessar a relação laboral.
41. Na sequência dos factos apurados, não foi instaurado qualquer processo disciplinar pela empregadora a BB.
42. Eliminado
43. Eliminado.
44. Não existem processos disciplinares entre o ano de 2020 e 2023 relativamente a este tipo de situação, para além do processo disciplinar da trabalhadora.
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O DIREITO:
Resta saber se o despedimento é ilícito.
Consignou-se, no acórdão desta Relação prolatado nos autos a propósito da interpretação da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que deu origem à tramitação que ora nos ocupa:
7. Nesse sentido, o Tribunal da Relação acompanha a seguinte doutrina sobre a interpretação do artigo 682.º n.º 3 do Código de Processo Civil (cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª Edição, Almedina, páginas 492 e 493):
“Em tais circunstâncias, o STJ não se limita a ordenar a remessa dos autos à Relação para que nesta se proceda à ampliação da matéria de facto ou à supressão da contradição porventura existente; toma desde logo posição sobre o direito aplicável ao caso, a qual deve ser acatada pela Relação, depois de julgar, com a extensão referida, a matéria de facto controvertida.
(...)
Por seu lado, o desempenho da Relação poderá ficar prejudicado se acaso a ampliação da matéria de facto não puder ser feita direta e imediatamente, como ocorre quando os temas de prova não tenham abarcado matéria controvertida relevante. Nestes casos, a Relação deve reenviar o processo para a 1.ª instância, a fim de ser ampliado o julgamento”.
8. Dito isto, o colendo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 29.1.2025, com a referência citius 13002487, tomou posição sobre o direito aplicável ao caso em termos para os quais o Tribunal da Relação aqui remete integralmente e que serão a seguir, em parte, citados: é de aplicar à infração disciplinar o prazo de prescrição criminal e “Tanto basta para que se deva considerar que a infração disciplinar não prescreveu”; adicionalmente, em caso de resposta afirmativa à matéria de facto acima mencionada no parágrafo 4, a sanção do despedimento será ilícita, isto é “Importa, pois, averiguar se foi esse o caso – em caso afirmativo, a sanção do despedimento será ilícita”.
Compulsado o referido acórdão do Supremo Tribunal vemos que, efetivamente, ali se decidiu que “a infração disciplinar não prescreveu”, que se trata “de um comportamento culposo que representa uma violação grave dos deveres de honestidade e probidade”. Porém, “para que haja justa causa é necessário que tal comportamento pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral”, o que não resulta claro em face do facto provado 36. E, lapidarmente, conclui-se: “Se a Ré teve conhecimento de que outros trabalhadores cometeram a mesma infração e não despediu então pode e deve concluir-se que o comportamento em causa não torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.4
Ponderou-se na sentença recorrida:
Duas questões têm então de ser respondidas:
A primeira – Houve situações idênticas? A resposta, no caso, é afirmativa.
A segunda – Tendo havido questões idênticas, houve processo disciplinar?
A resposta, no caso, é negativa.
Assim colocada a questão, teria então o Tribunal de optar pela ausência de coerência disciplinar por parte da empregadora. É esse o sentido da alegação final do Ilustre Mandatário da trabalhadora.
No entanto, tal conclusão afigura-se apressada na situação concreta dos autos.
Se bem se entende a determinação do Supremo Tribunal de Justiça, o que importa apurar é a coerência da valoração que a empregadora realizou nas duas situações.
Ora, o que empregadora fez em relação aos dois casos de que teve conhecimento, foi seguir dois passos:
Em primeiro lugar, propor um acordo de saída, anunciando que não tolerava os factos em causa; a alternativa seria o processo sancionatório.
Em segundo lugar, atuar de acordo com o que as trabalhadoras decidissem: se aceitassem o acordo de saída, nada mais aconteceria; se não aceitassem, seguir-se-ia o processo sancionatório.
No caso de BB, esta aceitou o acordo de saída. A relação laboral terminou aí.
No caso da trabalhadora, esta não aceitou o acordo, seguindo-se o processo disciplinar.
É evidente que na situação protagonizada por BB, não foi instaurado processo disciplinar. Mas tal só aconteceu, porque BB aceitou o acordo que lhe foi proposto.
Já a trabalhadora, em face de proposta igual, decidiu não aceitar o acordo, pelo que a empregadora instaurou o processo disciplinar.
Assim, a diferença não decorre de uma qualquer falta de coerência da empregadora em face da mesma situação. Na verdade, as duas situações foram tratadas de igual modo pela empregadora. A diferença entre os desfechos de um e de outro caso assenta apenas na decisão das respetivas protagonistas. Num caso a trabalhadora aceitou o acordo; no outro caso, não.
Existe, pois, pode dizer-se, coerência na valoração subjacente à potencial decisão disciplinar da empregadora em ambas as situações. E o tratamento conferido aos dois casos foi precisamente o mesmo.
Subscrevemos o juízo assim efetuado, pois, tal como afirma o Ministério Público no seu parecer, “a diferença de procedimento não resultou de iniciativa da empregadora, mas da diferente resposta que as trabalhadoras deram à proposta de cessação do contrato de trabalho”.
Ora, declarou o Supremo Tribunal de Justiça que “se outro ou outros trabalhadores cometeram a mesma infração, tendo a mesma ou similar posição hierárquica da Autora, e não foram sancionados com o despedimento então o comportamento em causa é compatível com a subsistência da relação. Importa, pois, averiguar se foi esse o caso – em caso afirmativo, a sanção do despedimento será ilícita.
Ou seja, o STJ, não obstante reconhecer a existência de um comportamento culposo, fez depender a licitude do despedimento da verificação de uma situação de coerência disciplinar. Provada tal coerência nos termos sobreditos, resta concluir pela licitude do despedimento.
Improcede, deste modo, a apelação.
<>
As custas serão suportadas pela Apelante, que ficou vencida.
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença.
Custas pela Apelante.
Notifique.

Lisboa, 5/11/2025
MANUELA FIALHO
CRISTINA MARTINS DA CRUZ
CARMENCITA QUADRADO
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1. Cuja redação é a seguinte:
42. CC, farmacêutica na “Farmácia R…”, desde data não concretamente apurada, mas anterior a 2021, também utilizou o seu cartão saúda, em período não concretamente apurado, do modo descrito em 38.
43. A empregadora e a empresa que explora a “Farmácia R…” são geridas por pessoas da mesma família.
2. A gerência da ré, em 2019 teve conhecimento de que alguns trabalhadores registavam vendas dos clientes nos respetivos cartões Saúda de que eram titulares esses trabalhadores, tendo alguns deles pedido desculpa e em Junho de 2020, a gerência da ré quis indagar se essa prática se mantinha colocando a hipótese de despedir alguns trabalhadores.
3. Os factos 1 a 36 estabilizaram-se com a prolação do acórdão nesta Relação
4. Sublinhado nosso