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ACIDENTE DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
AJUDAS DE CUSTO
Sumário
1 - Sabendo-se que os motoristas do serviço nacional e internacional recebem, por força da CCT aplicável, um valor de ajudas de custo (nacional ou internacional), para efeitos de aplicação da LAT compete ao réu a prova do montante que, pago a título de ajudas de custo, se reporta efetivamente a custos aleatórios. 2 - Não efetuada essa prova, o valor global assim recebido integra o conceito de retribuição a levar em conta no cálculo das diversas prestações decorrentes de acidente de trabalho.
Texto Integral
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:
DOCTRANS – TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DE MERCADORIA LDA., Ré nos autos à margem identificados, não se conformando com a sentença, dela vem interpor recurso.
Pede a alteração da sentença.
Apresentou as seguintes conclusões:
i. A única questão no presente recurso se coloca consiste em saber se as ajudas de custo no montante de € 22.328,03 pago a título de ajudas de custo internacional e nacional, devem ou não integrar o conceito de retribuição previsto do artigo 71º da LAT, para efeito de cálculo das indemnizações e pensões em sede de acidente de trabalho.
ii. O tribunal a quo considerou que as ajudas de custo nacionais e internacionais pagas ao sinistrado integram o conceito de retribuição previsto no artigo 71º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, com o seguinte argumento: “Não sendo possível distinguir a parte que se destina a remuneração do trabalho para além do horário e sendo certo que mesmo a parte do valor se destinava às despesas de deslocação, não constituem despesas aleatórias, a não ser quanto ao valor, a totalidade da verba integra o conceito de retribuição previsto no artigo 71º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro.”
iii. A Apelante não pode, com o devido respeito, conformar-se com este entendimento.
iv. O conceito e retribuição, para efeitos de acidente de trabalho, sendo mais lato que o estabelecido no Código do Trabalho, abarca todas as atribuições patrimoniais feitas com carácter de regularidade pelo empregador ao trabalhador, desde que não se destinem a cobrir custos aleatórios.
v. No caso em apreço e atentas as funções de motorista internacional, em cumprimento de CCT aplicável, tem direito ao valor neste fixado como mínimo diário por cada dia de trabalho para fazer face exclusivamente às suas despesas em serviço com alimentação, dormidas e outras.
vi. Dispõe a cláusula 58ª do CCT, com a epígrafe ajudas de custo diárias», o seguinte:
1. Quando deslocados ao serviço da entidade empregadora, os trabalhadores móveis têm direito, para fazer face às despesas com alimentação, dormidas e outras, a uma ajuda de custo, cujo valor será acordado com a empresa, mas que não ultrapasse os limites da isenção previstos anualmente em portaria a publicar pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública para o pessoal da Administração Pública.
2. Os sistemas de cálculo das ajudas de custo praticadas no setor pelas entidades empregadoras, para fazer face exclusivamente às despesas mencionadas no número anterior devem respeitar o princípio da boa-fé e razoabilidade sem comprometer a segurança rodoviária e/ou favorecer a violação da legislação comunitária.
3. Independentemente do sistema de cálculo utilizado, o valor das ajudas de custo em cada mês, não pode ser inferior à soma dos valores mínimos das ajudas de custo diárias fixados no anexo III do CCTV.
4. Para efeitos do número anterior, no apuramento do número de dias da ajuda de custo diária, contabilizar-se-ão as noites passadas em deslocação. ( … )”
vii. Assim, o pagamento regular e reiterado de ajudas de custo, em caso de constantes deslocações, não é considerado retribuição.
viii. As ajudas de custo têm a natureza de um reembolso de despesas que o trabalhador se viu obrigado a efetuar por força de deslocação em serviço, ou seja, feitas por conta do empregador, e nessa medida constituem encargo do empregador,
ix. Neste contexto, está dado como provado, conforme facto provado 15, a fixação de um valor mínimo por cada dia de serviço efetivo nos termos do CCT aplicável.
x. Estes pagamentos das diárias, como resulta do artigo 58º do CCT, não depende de qualquer operação para acerto de contas ou da apresentação de quaisquer faturas, pois destinavam-se, efetivamente, a compensar o sinistrado por custos aleatórios que tivesse que suportar, destinando-se especificamente, ao efetivo e exclusivo pagamento das aludidas despesas, assumindo assim uma natureza que permite integrá-las na categoria das ajudas de custo.
xi. A Sentença em crise considerou como provado – factos provados nº 3 alínea f) e g) – o pagamento ao sinistrado dos montantes aí referidos a título de ajudas de custo internacional e nacional.
xii. A Sentença em recurso, embora tenha considerado não existir de nenhum elemento de facto que permite fazer a distinção entre as diárias e a remuneração trabalho para além do horário, como defende a recorrente, a verdade é que reconhece que: “… certo é que era pago um valor muito superior à “diária” estabelecida no contrato coletivo de trabalho que permitiria ao trabalhador custear suas despesas, mas não só, destinar-se-ia a compensar também parte do trabalho prestado além do horário.”
xiii. A Sentença reconhece que parte do valor pago a título de ajudas de custo era, efetivamente, para custear despesas e que o valor pago a esse título era muito superior à diária estabelecida no CCT.
xiv. Isso significa, que o valor mínimo das diárias previsto no CCT aplicável tinha que estar incluído no valor pago a título de ajudas de custo nacional e internacional, corresponde aos dias de trabalho em cada mês e identificados nos recibos de vencimento juntos aos autos e como tal não integrando o conceito e retribuição para efeitos de acidente de trabalho.
xv. O tribunal a quo, refere ainda que: “ … não sendo possível distinguir a parte que se destina a remuneração do trabalho para além do horário e sendo certo que mesmo a parte do valor se destinava às despesas de deslocação, não constituem despesas aleatórias, a não ser quanto ao valor, a totalidade da verba integra o conceito de retribuição previsto no artigo 71º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro.”
xvi. Não se concorda, com entendimento do Douto tribunal a quo de que valor pago a título de ajudas de custo se destinava a despesas de deslocação, não constituam despesas aleatórias.
xvii. O pagamento regular e reiterado de ajudas de custo, em caso de constantes deslocações (como caso do motorista, aqui sinistrado) não deve ser considerado retribuição, embora o montante pago em seja em quantia certa relativamente a cada dia de trabalho efetivo (valor mínimo da diária previsto no CCT), a aleatoriedade da sua causa mantém-se, por essa ter a ver com a natureza dos custos, que pode ser ou não imprevisíveis/aleatórios.
xviii. Sendo que, no caso dos motoristas, é efetivamente imprevisível o preço efetivo das refeições e ou dormidas, os quais podem variar conforme o local e tipo de estabelecimento prestador do serviço, tendo a natureza de um reembolso de despesas que o trabalhador se viu obrigado a efetuar por força de deslocação em serviço.
xix. Pelo que, estes custos são aleatórios, pois são dependentes de circunstâncias casuais ou fortuitas, ainda que as ajudas de custo sejam pagas de forma regular e periódicas.
xx. Assim, o valor mínimo das diárias nos termos da CCT aplicável, corresponde aos dias de trabalho em cada mês e identificados nos recibos de vencimento juntos aos autos, tem que estar incluídos nos valores pagos a título das ajudas de custo para e que o tribunal a quo considerou como efetivamente recebidas pelo sinistrado, no ponto 3 alíneas f) e g) dos factos provados.
xxi. Sendo que, o pagamento, destes valores das diárias, além de uma imposição legal do CCT aplicável, são custos aleatórios, pois são imprevisíveis e dependentes de vários fatores, destinando-se a pagar despesas que o trabalhador tem por força de estar deslocado ao serviço da entidade patronal, não representando um ganho efetivo para o trabalhador.
xxii. Pelo que, os valores das diárias nos termos da CCT aplicável, corresponde aos dias de trabalho em cada mês e identificados nos recibos de vencimento juntos aos autos, não integrando o conceito de retribuição para efeitos de acidente de trabalho
xxiii. Pelo que, não pode a Apelante a ser condenada a pagar “a quantia de € 22.680,38 (vinte e dois mil seiscentos e oitenta euros e trinta e oito cêntimos) correspondente ao valor devido a título da incapacidade temporária desde 09 de Junho de 2022 a 19 de Dezembro de 2023, acrescido de juros desde a data do acidente”, bem como, “no pagamento do capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia de € 703,33 (setecentos e três euros e trinta e três cêntimos), no valor de € 9.435,88 (nove mil quatrocentos e trinta e cinco euros e oitenta e oito cêntimos) acrescida de juros moratórios vencidos à taxa legal sobre a referida.”
xxiv. Impõem, portanto, solução jurídica diversa da constante da sentença recorrida, ou seja, impõe-se que valor mínimo das diárias nos termos da CCT aplicável, corresponde aos dias de trabalho em cada mês e identificados nos recibos de vencimento juntos aos autos, sejam consideradas incluídas nos valores pagos a título das ajudas de custo para e que o tribunal a quo considerou como efetivamente recebidas pelo sinistrado, no ponto 3 alíneas f) e g) dos factos provados, e consequentemente excluídas do conceito de retribuição para efeitos de acidente de trabalho.
O MINISTÉRIO PÚBLICO, em patrocínio do trabalhador AA, notificado das alegações do recurso interposto apresentou resposta, concluindo que a sentença não merece qualquer reparo.
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AA instaurou a presente ação para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho contra DOCTRANS – TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DE MERCADORIAS, LDA., peticionando que o evento reconhecido nos autos seja considerado acidente de trabalho e que a Ré seja condenada a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia de € 703,33 e, uma vez que é obrigatoriamente remível, o respetivo capital de remição, no montante de € 9.435,88 e ainda a importância de € 22.680,38, pelos períodos de incapacidade temporária, tudo acrescido de juros de mora até integral pagamento.
Alega, em síntese:
- Ter tido um acidente em 8 de Junho de 2022, enquanto trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da “Doctrans – Transportes Rodoviários de Mercadorias, Lda.”, quando teve um acidente.
- Do acidente e das lesões que se lhe seguiram resultaram para o sinistrado, um período de incapacidade temporária absoluta de 09 de Junho de 2022 a 24 de Outubro de 2023 e um período de incapacidade temporária parcial de 30% de 25 de Outubro de 2023 a 19 de Dezembro de 2023.
- A alta ocorreu em 19 de Dezembro de 2023 e o sinistrado ficou com uma incapacidade permanente parcial de 4,5%.
-As partes aceitaram a caracterização do evento como acidente de trabalho e os períodos de incapacidade, bem como a incapacidade permanente parcial, não aceitando a Ré a parte correspondente às ajudas de custo.
A Ré Doctrans – Transportes Rodoviários de Mercadorias, Lda., contestou alegando, em síntese, que o valor que é pago ao Autor a título de ajudas de custo se destina a compensar o Autor por trabalho prestado em sábados, domingos e feriados, no valor de € 13.155,25, que integram a remuneração do Autor e para despesas de alimentação e outros custos aleatórios, correspondente ao valor da diária estabelecido no CCT, que soma o valor de € 9.172,80, não assumindo a natureza de retribuição para efeitos de cálculo dos valores devidos a título de acidente de trabalho.
Termina pugnando pela improcedência parcial dos pedidos formulados.
Procedeu-se à realização da audiência final e proferiu-se sentença que julga a ação procedente porque provada e, em consequência:
a) Reconhece o evento ocorrido em 8 de Junho de 2022 com o Autor como acidente de trabalho e como retribuição anual do Autor o valor de € 41.684,76, sendo € 22.328,03 da responsabilidade da Ré.
b) Condena a Ré DOCTRANS – TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DE MERCADORIAS, LDA a pagar ao Autor …:
b1 – a quantia de € 22.680,38 (vinte e dois mil seiscentos e oitenta euros e trinta e oito cêntimos) correspondente ao valor devido a título da incapacidade temporária desde 09 de Junho de 2022 a 19 de Dezembro de 2023, acrescido de juros desde a data do acidente;
b2 - no pagamento do capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia de € 703,33 (setecentos e três euros e trinta e três cêntimos), no valor de € 9.435,88 (nove mil quatrocentos e trinta e cinco euros e oitenta e oito cêntimos) acrescida de juros moratórios vencidos à taxa legal sobre a referida quantia desde 20 de Dezembro de 2023 e vincendos até efetivo e integral pagamento.
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As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, é a seguinte a questão a decidir, extraída das conclusões:
- As ajudas de custo no montante de € 22.328,03 devem ou não integrar o conceito de retribuição previsto do artigo 71º da LAT?
*** FUNDAMENTAÇÃO: OS FACTOS:
O Tribunal considera demonstrados os seguintes factos:
1 - No dia 8 de junho de 2022, o Autor trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da Ré “Doctrans - Transportes Rodoviários de Mercadorias, Lda.”, que tem por objeto «(…) transportes rodoviários de mercadorias, nacional e internacional, na importação, exportação e comercialização de viaturas, máquinas, acessórios e pneus em 1ª e 2ª mão, aluguer e reparação de viaturas e máquinas. (…)», com o CAE principal 49410.
2 - O Autor exercia funções como motorista de pesados, mais precisamente de um veículo pesado de mercadorias, com tonelagem superior a 7,5t e até 44t, no âmbito geográfico internacional.
3 - O Autor auferia a retribuição anual no montante de € 41.684,76, composta pelas seguintes parcelas:
a) - Salário base de €777,05 x 14 = €10.878,70;
b) - Complemento salarial €38,85 x 14 = €543,90;
c) - Cláusula 61.ª €391,63 x 13 = €5.091,19;
d) - Subsídio trabalho noturno €77,71 x 14= €1.087,94;
e) - Prémio TIR €135,00 x 13 = €1.755,00;
f) - Ajudas custo internacional € 21.399,33 (06/2021 - €1.697,65; 07/2021 - €1.340,25; 08/2021 - €178,70; 09/2021 - €1.518,95; 10/2021 – 2.323,10; 11/2021 - €1.697,65; 12/2021 - €2.323,10; 01/2022 - €1.697,65; 02/2022 - €1.965,70; 03/2022 - €2.412,45; 04/2022 - €2.457,13; 05/2022 – €1.787,00);
g) - Ajudas de custo nacional € 928,70 (06/2021 - €100,40; 07/2021 - €50,20; 07/2021 - €25,10; 09/2021 - €75,30; 10/2021 - €100,40; 11/2021 - €50,20, 12/2021 – €100,40; 01/2022 - €100,40; 02/2022 - €75,30; 03/2022 - €75,30; 04/2022 - €75,30; 05/2022 - €100,40);
4 - A Ré encontra-se inscrita na ANTRAM e o Autor não é sindicalizado.
5 - No dia 08 de Junho de 2022, cerca das 12H00, na Croácia, quando se encontrava no exercício das suas funções, o Autor ao baixar as paletes, escorregou e caiu e para amparar a queda ficou amparado no braço direito.
6 - Do acidente resultou para o Autor, nomeadamente, traumatismo indireto do ombro direito, com lesão da coifa.
7 - A responsabilidade emergente de acidentes de trabalho estava transferida para “Lusitânia - Companhia de Seguros, S.A.”, através da apólice n.º 8356764.
8 - Do acidente e das lesões que se lhe seguiram resultaram para o sinistrado, conforme o exame médico realizado no âmbito dos autos em epígrafe, os seguintes períodos de incapacidades temporárias: - ITA de 09 de Junho de 2022 a 24 de Outubro de 2023 e de ITP 30% de 25 de Outubro de 2023 a 19 de Dezembro de 2023.
9 - No aludido exame médico considerou-se, ainda, que a alta ocorreu em 19 de Dezembro de 2023, bem como que o sinistrado ficou com uma incapacidade permanente parcial de 4,5%.
10 - A Ré aceita a existência do acidente, a sua caracterização como de trabalho e o nexo causal entre o acidente e as lesões do sinistrado, assim como o resultado do exame médico quanto aos períodos de incapacidades temporárias, a data da consolidação médico-legal e a IPP de 4,5%.
11 - A seguradora “Lusitânia - Companhia de Seguros, S.A.”, também aceitou proceder ao pagamento das despesas com transportes, no montante de €12,00.
12 - No que respeita à remuneração anual auferida pelo sinistrado, a seguradora “Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A.”, apenas aceitou a responsabilidade pela remuneração anual de € 19.356,73, parcelas indicadas supra no art.º 4.º, alíneas a) a e).
13 - Foi obtido acordo parcial entre o Autor e a entidade seguradora, já homologado por decisão proferida nos autos em 23 de Outubro de 2024. 14 - Não estava transferida para a seguradora o montante de € 22.328,03. 15 – O valor da diária fixado para o ano de 2021 e 2022 é de um valor mínimo de € 26,00, quando o motorista se encontra deslocado na península Ibérica, e de € 36,40, para, quando o motorista se encontra deslocado para o exterior da península Ibérica.
*** O DIREITO:
Em discussão na apelação uma única questão -As ajudas de custo no montante de € 22.328,03 devem ou não integrar o conceito de retribuição previsto do artigo 71º da LAT?
Defende a Apelante que, sabendo-se, embora, que o conceito de retribuição, para efeitos de acidente de trabalho, é mais lato do que o estabelecido no Código do Trabalho, abarcando todas as atribuições patrimoniais feitas com carácter de regularidade pelo empregador ao trabalhador, desde que não se destinem a cobrir custos aleatórios, no caso em apreço e atentas as funções de motorista internacional, em cumprimento de CCT aplicável, o trabalhador tem direito ao valor neste fixado como mínimo diário por cada dia de trabalho para fazer face exclusivamente às suas despesas em serviço com alimentação, dormidas e outras (Clª 58ª do CCT). Assim, o pagamento regular e reiterado de ajudas de custo, em caso de constantes deslocações, não é considerado retribuição. Ora, a Sentença reconhece que parte do valor pago a título de ajudas de custo era, efetivamente, para custear despesas e que o valor pago a esse título era muito superior à diária estabelecida no CCT. Isso significa, que o valor mínimo das diárias, previsto no CCT aplicável, tinha que estar incluído no valor pago a título de ajudas de custo nacional e internacional, corresponde aos dias de trabalho em cada mês e identificados nos recibos de vencimento juntos aos autos.
Pretende, em conformidade com o que expõe que o valor mínimo das diárias nos termos da CCT aplicável, corresponde aos dias de trabalho em cada mês e identificados nos recibos de vencimento juntos aos autos, sejam consideradas incluídas nos valores pagos a título das ajudas de custo que o tribunal a quo considerou como efetivamente recebidas pelo sinistrado.
Contrapõe o Ministério Público que não está a empregadora dispensada de provar que as importâncias pagas a título de ajudas de custo visavam compensar despesas excecionais e aleatórias e identifica-las (dias, natureza e montante).
Da Lei dos Acidentes de Trabalho – Lei 98/2009 de 4/09 – emerge, como reconhecido pela própria Apelante, específica concetualização para a retribuição a atender no cálculo e pagamento das prestações que decorram de evento infortunístico, assumindo-se que o conceito de retribuição aqui adotado é mais lato do que o do CT – nomeadamente o prescrito nos Artº 258º e 260º.
A retribuição atendível para efeitos de fixação das prestações decorrentes de acidente de trabalho é aquela a que reporta o Artº 71º da Lei 98/2009 de 4/09. Lei cujas disposições são, no que a esta matéria rege, inderrogáveis (Artº 12º).
Ali se dispõe que a indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente são calculadas com base na retribuição anual ilíquida devida ao sinistrado à data do acidente (nº 1).
Por outro lado, entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios (nº 2).
O conceito de retribuição integra, neste âmbito, todas as prestações que assumam caráter de regularidade e não se caracterizem por remunerar custos aleatórios.
Com a expressão regular a lei refere-se a uma prestação constante, não arbitrária, permanente.
É aleatório aquilo que está sujeito a contingências, dependente do acaso ou de circunstâncias imprevisíveis.
Isto parece ser bem compreendido pela própria Apelante.
A discussão que a mesma traz a esta apelação é a necessidade de, do valor global anual recebido sob o título ajudas de custo nacional e internacional, deduzir o valor que a convenção coletiva designa por ajuda de custo – um valor fixo, melhor dizendo, naquilo que é o texto da invocada Clª 58ª1, um valor que não ultrapasse os limites da isenção previstos anualmente em portaria a publicar pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública para o pessoal da Administração Pública. E que no caso concreto se provou ser um valor mínimo de € 26,00, quando o motorista se encontra deslocado na península Ibérica, e de € 36,40, para, quando o motorista se encontra deslocado para o exterior da península Ibérica (ponto 15).
Ponderou-se na sentença:
“Pretendeu a Ré cindir este valor em duas partes, atribuindo uma das partes à “diária” estabelecida no contrato coletivo de trabalho para despesas dos trabalhadores móveis e uma parte para remunerar o trabalho prestado em sábados, domingos e feriados, defendendo que a primeira das partes não integra o conceito de retribuição para efeitos do cálculo da indemnização por acidentes de trabalho. Ora, conforme já se referiu na fundamentação da matéria de facto, nenhum elemento de facto permite fazer essa cisão e o certo é que era pago um valor muito superior à “diária” estabelecida no contrato coletivo de trabalho que permitiria ao trabalhador custear as suas despesas, mas não só, destinar-se-ia a compensar também parte do trabalho prestado além do horário. Em suma, ao Autor eram-lhe pagas ajudas de custo, com carácter regular e com carácter, ainda que em parte, de remuneração, no sentido estrito, por trabalho prestado. Não sendo possível distinguir a parte que se destina a remuneração do trabalho para além do horário e sendo certo que mesmo a parte do valor se destinava às despesas de deslocação, não constituem despesas aleatórias, a não ser quanto ao valor, a totalidade da verba integra o conceito de retribuição previsto no artigo 71º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro. A retribuição anual ilíquida relevante para cálculo das prestações por acidente de trabalho, conforme já se referiu, inclui todas as prestações recebidas com carácter de regularidade e que não se destinem a compensar o Sinistrado por custos aleatórios. Todos os meses o Autor recebeu um valor a título de ajudas de custo, que variou conforme o mês, pois variava conforme o Autor fazia serviço nacional ou internacional. Mas sempre que trabalhava recebia um destes valores e o custo a que se destinava não era um custo aleatório, era para a sua alimentação, o que é um custo que acontece todos os dias, apenas sendo variável o valor que irá gastar com alimentação, conforme o restaurante que escolha e a refeição concreta que tome e para remunerar o trabalho prestado para além do horário normal de trabalho.”
Nenhuma censura nos merece o juízo assim efetuado.
Na verdade, em presença do disposto no Artº 71º da LAT caberia à Apelante convencer da aleatoriedade alegando e provando os pertinentes factos. O que não se mostra efetuado. Qual o valor compreendido nas despesas aleatórias, que despesas foram essas e em que dia foram efetuadas?
Como já dito pelo Supremo Tribunal de Justiça a circunstância de uma prestação ser formalmente apelidada de ajuda de custo não significa que tenha essa característica2.
Em matéria de acidentes de trabalho procura-se compensar o trabalhador da falta ou diminuição da sua capacidade de ganho, pelo que o conceito de retribuição abrange todos os valores que o empregador satisfazia regularmente e em função do que o trabalhador programava a sua vida. Isto mesmo vem sendo permanente e consecutivamente afirmado pela jurisprudência dos Tribunais superiores3.
Deste modo, o conceito apenas não abarca prestações que têm uma causa específica e individualizável, distinta da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho e aquelas que não assumam regularidade.
Numa situação semelhante à que ora tratamos, o Supremo Tribunal afirmou que “Os valores pagos a título de “ajudas de custo operacionais”, que o eram regular e periodicamente e independentemente de o trabalhador ter ou não realizado uma qualquer despesa, maior ou menor, de alimentação, desde logo, num restaurante, não lhe sendo exigido qualquer prova da realização da despesa e mesmo do respetivo montante, integram o cálculo das prestações devidas por acidente de trabalho, por não se destinarem a suportar custos aleatórios.”
Não vemos, pois, como no caso concreto, fazer a cisão defendida pela Apelante, quando a mesma não logrou convencer do valor efetivamente gasto em custos aleatórios. O valor da diária reportado no ponto 15 do acervo fático não significa o valor do custo efetivamente suportado. É, também ele, um valor previsível.
E, assim, não pode deixar de se partir do valor anual de 22. 328,03€ e calcular, a partir dele, as prestações decorrentes da LAT. Ou, como dito na sentença, “Temos, assim, de considerar como retribuição regular do Autor, para efeitos de cálculo de prestação devida por acidente de trabalho, os montantes recebidos pelo mesmo como ajudas de custo, na sua totalidade, pois tal como no caso citado no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, o Autor recebia aquele valor, independentemente de ter despendido qualquer valor na refeição ou não.” E, diremos nós ainda, sem que, a partir do acervo fático, se consiga descortinar qual o valor de cobertura de despesas.
Termos em que improcede a apelação.
<>
As custas da apelação são da responsabilidade da Apelante, por ter ficado vencida (Artº 527º do CPC).
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença.
Custas pela Apelante.
Notifique.
Lisboa, 5/11/2025
MANUELA FIALHO
ALVES DUARTE
CELINA NÓBREGA
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1. Cláusula 58.ª (Ajudas de custo diárias), BTE 45, 8/12/2019
1- Quando deslocados ao serviço da entidade empregadora, os trabalhadores móveis têm direito, para fazer face às despesas com alimentação, dormidas e outras, a uma ajuda de custo, cujo valor será acordado com a empresa mas que não ultrapasse os limites da isenção previstos anualmente em portaria a publicar pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública para o pessoal da Administração Pública.
(…)
8- O pagamento regular e reiterado de ajudas de custo, em caso de constantes deslocações, não é considerado retribuição.
9- A presente norma tem natureza interpretativa sobre a legislação que regule a matéria das ajudas de custo.
2. Ac. de 12/01/2023, Proc.º 4286/15.8T8LSB
3. Citam-se os seguintes exemplos: Ac. STJ de 17.03.2010, Processo n° 436/09.1YFLIS; Ac. do STJ de 31/10/2018, Proc.º 359/15.5STR; Ac. da RLx. de 26.03.2014; Ac. da RLx de 08.09.2010; Ac. da RLx. de 9.5.2018; Ac. da RLx. de 13/02/2019; Ac. de 4/12/2019, também da RLx.