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JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
FALTAS INJUSTIFICADAS
Sumário
1 – Existe obscuridade capaz de ferir a sentença de nulidade se a mesma se revela ininteligível, o que não ocorre em consequência de se enumerarem factos pertencentes a uma decisão disciplinar. 2 – Constitui justa causa de despedimento a violação do dever de assiduidade traduzida em 16 faltas interpoladas, injustificadas, causadoras de perturbação no funcionamento da empresa, nomeadamente implicando substituições e reorganização do serviço e não se provando qualquer razão capaz de elucidar sobre as ausências.
Texto Integral
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:
AA, não se conformando com a sentença proferida em 18/07/2025, que julgou lícito o despedimento promovido pela Ré, vem dela interpor recurso.
Pede que se declare nula a sentença recorrida, por violação do art.º 615.º CPC, e, subsidiariamente, se altere a decisão sobre a matéria de facto, com a consequente revogação da decisão de Direito.
Apresentou as seguintes conclusões:
1. A sentença recorrida é nula, por violação do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, na medida em que se apresenta confusa, redundante e obscura, repetindo a mesma factualidade quatro e cinco vezes sob diversas numerações.
2. Tal duplicação de factos cria uma armadilha processual que, na prática, torna a decisão irrecorrível, já que a impugnação de um ponto não afasta a subsistência dos seus “clones” textuais, subvertendo o direito constitucional ao recurso (art.º 32.º, n.º 1 CRP).
3. A sentença, ao invés de ser uma ratio decidendi, converte-se em “labyrinthus” de repetições, ofendendo os princípios da clareza e da inteligibilidade decisória (art.º 154.º CPC e art.º 205.º CRP).
4. Subsidiariamente, a decisão de facto é errónea, porquanto:
a) No facto 62 (e repetições), não se provou uma mera “preferência” da trabalhadora, mas sim a escolha motivada pela compatibilidade do horário da receção de mercadorias com as suas obrigações familiares.
b) No facto 28 (e repetições), é abusivo qualificar como “injustificadas” todas as ausências, pois parte estavam compensadas em banco de horas, duas decorreram de erro médico, e outras foram previamente comunicadas.
c) No facto 64, ficou demonstrado que a trabalhadora comunicava previamente as não comparências às chefias, o que deve constar da redação do facto.
d) No facto 77, não resulta da prova que a Recorrente tenha aceitado a reposição; o que se provou foi que continuou a trabalhar com o horário da receção de mercadorias.
e) Nos factos não provados a) e b), a prova testemunhal e documental impunha que se desse como provado o elevado volume de horas suplementares e o acordo de transferência para a receção como forma de compensação desse esforço.
5. A decisão recorrida violou, por isso, o art.º 640.º CPC e deve ser alterada pela Relação, ao abrigo do art.º 662.º CPC, fixando-se a redação correta dos factos controvertidos.
6. No plano substantivo, a sentença incorreu ainda em erro de julgamento ao aplicar o art.º 351.º CT, confundindo mera aritmética de ausências com verdadeira justa causa, olvidando que esta exige cumulativamente culpa, gravidade e impossibilidade prática de subsistência da relação laboral.
7. O Tribunal a quo desconsiderou o princípio da proporcionalidade e a natureza de última ratio do despedimento, omitindo a ponderação de medidas disciplinares menos gravosas.
8. A sentença ignorou os direitos constitucionais da trabalhadora à proteção da maternidade e da família (arts. 59.º e 68.º CRP) e ao horário flexível previsto no art.º 56.º CT, tratando ausências forçadas por deveres familiares como faltas imputáveis a título culposo.
9. A entidade empregadora violou ainda os princípios da boa-fé e da confiança recíproca (arts. 126.º e 128.º CT; art.º 762.º CC), bem como incorreu em abuso de direito (art.º 334.º CC), ao recusar a função acordada, ignorar o banco de horas e avançar para o despedimento sem diálogo.
10. Não foi a trabalhadora quem quebrou a confiança contratual, mas sim a Ré, pela sua conduta arbitrária e desproporcionada.
11. Deve, por isso, ser revogada a sentença recorrida, declarando-se ilícito o despedimento da Recorrente, com todas as legais consequências.
INSCO – INSULAR DE HIPERMERCADOS, S.A. apresentou contra-alegações nas quais se debate pela confirmação da sentença-
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer que conclui como segue:
“…entendemos que a decisão do Tribunal de primeira instância, não fez uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos provados, decidindo como decidiria um “bonus pater familiae” em função das circunstâncias do caso em concreto, fazendo-o segundo critérios de objetividade. Por isso, e porque entendemos que a sanção disciplinar de despedimento não foi proporcional à gravidade da infração perpetrada pela Trabalhadora, à sua culpabilidade e às exigências de prevenção geral e especial que o caso reclamava, o nosso parecer é no sentido de dever ser revogada a decisão do Tribunal recorrido, considerando-se que o comportamento da Autora, ainda que censurável, não era suscetível de implicar uma justa causa para o seu despedimento, razão pela qual, nos parece que o recurso deve merecer provimento.”
*
Os autos resumem-se como segue:
AA veio impugnar judicialmente a decisão de despedimento proferida por INSCO, SA. para o que apresentou o respetivo formulário.
Após realização de audiência de partes, INSCO apresentou a motivação do despedimento, na qual alega, em síntese, ter instaurado processo disciplinar que culminou numa decisão de despedimento por justa causa. Mais alega que no ano de 2024 a Trabalhadora faltou injustificadamente ao trabalho em dias que enuncia (16), comportamento que tem causado enorme transtorno e que levou a que perdesse a confiança no desempenho da mesma. Mais invoca o parecer favorável da CRITE.
Em resposta, a trabalhadora sustentou, no essencial, que durante a gestação do segundo filho foi acometida de um mal-estar súbito, durante o horário de trabalho causado por excesso de stress e esforço físico que lhe foi exigido na receção e conferência e deslocação de caixas pesadas, organização de paletes, tendo sido hospitalizada e por decisão médica foi afastada por gravidez de risco. Tanto o Sr. BB como a responsável pelos recursos humanos têm conhecimento das dificuldades que a trabalhadora enfrenta com os cuidados com seu filho menor CC, com seus problemas de saúde que obrigavam a funcionária a frequentes ausências, e da dificuldade em arranjar infantário na ilha do Pico para deixar ficar seu filho recém-nascido. Nunca a trabalhadora teve qualquer repreensão por tais ausências e sempre a trabalhadora teve a preocupação de compensar a Empregadora pelas faltas verificadas, e nunca deixou de avisar quando o fez, apesar de não ter tido a preocupação de apresentar documentos justificativos da ausência em face da permissividade que sempre lhe foi conferida, e lógica compensatória das horas constantes do “banco de horas” para as quais a empresa tinha dificuldades em regularizar, quer procedendo ao seu pagamento ou compensação de outra forma.
Não formula qualquer pedido.
Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença que decidiu julgar improcedente, por não ter por ilícito o despedimento e, em conformidade, absolver a ré do pedido.
***
As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – A sentença é nula?
2ª – O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto?
3ª – Não há justa causa?
*** FUNDAMENTAÇÃO:
Enfrentemos, então, a questão da nulidade da sentença.
A fundamentar esta questão alega a Apelante que a sentença repete, em cascata, por quatro, cinco e até seis vezes, os mesmos factos, sob diversas roupagens, mas sem alteração material de conteúdo, o que redunda em vício formal: cria-se uma decisão prolixa, redundante, confusa e obscura, que embaraça o leitor e, pior ainda, mina a própria segurança jurídica que deve emanar de qualquer pronúncia judicial. Há uma obscuridade estrutural: a multiplicação incessante de factos cria um quadro factual contraditório em si mesmo, onde o intérprete já não sabe onde acaba o facto 28 e onde começa o facto 63, onde o 77 se confunde com os factos a) e b), e onde a repetição mina a certeza.
Contrapõe a Apelada que a sentença nada tem de ambígua ou obscura, nem a decisão de ininteligível. Até porque a Recorrente demonstra claramente compreendê-la em sede de Recurso, assim como à fundamentação de facto apresentada.
Também o Ministério Público no parecer emitido não sufraga a tese da Recrte.
Que dizer?
Mostra-se ferida de obscuridade a decisão que se revele ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado, traduzindo-se a ambiguidade na possibilidade de à decisão serem razoavelmente atribuídos dois ou mais sentidos diferentes.
A obscuridade que torne a decisão ininteligível fere a sentença de nulidade (Artº 615º/1-c) do CPC).
Em bom rigor compreendemos parte da argumentação da Recrte.
Não se vê, efetivamente necessidade, de levar ao acervo fático toda a matéria que se insere nos pontos 19 a 57, matéria que, como emerge do ponto 18, reporta o teor do relatório final conducente à decisão de despedimento.
Trata-se de matéria absolutamente espúria, pois, conforme decorre da lei – Artº 387º/3 do CT- compete ao empregador, na ação judicial respetiva, provar os factos que consubstanciem a licitude do despedimento.
Ora, uma sentença deve primar pela clareza e objetividade, expondo o conjunto de factos apurados e subsumindo-os ao Direito (Artº 607º/4 do CPC) de modo apreensível pelo respetivo interlocutor. Tem, pois, que ser percetível e daí que se mostre ferida de nulidade se contiver ambiguidades ou for obscura (Artº 615º/1-b) do CPC).
A obscuridade e a ambiguidade mencionadas na segunda parte do preceito verificam-se, respetivamente, quando alguma passagem da decisão seja ininteligível ou quando se preste a mais do que um sentido.
Assim, muito embora se reconheça a prolixidade revelada ao longo daquele arrazoado, também o é que, conforme do mesmo emana, ele traduz apenas e tão só o conteúdo da decisão disciplinar, sendo, não obstante, absolutamente irrelevante para a decisão final.
Não pode, pois, concluir-se pela repetição de factos, já que tudo o que vem a seguir ao ponto 57 traduz, a final, o resultado da prova realizada em audiência.
Teria sido melhor se a sentença omitisse os pontos 19 a 57, por absoluta desnecessidade, e consignasse apenas o resultado da prova efetuada em audiência ou, pelo menos, se consignasse, no acervo fático, algo que claramente evidenciasse que a partir de certa altura se estava a mencionar o resultado probatório.
Porém, a enunciação ali efetuada, apreendendo-se o sentido da peça, não fere a sentença de nulidade, por não se preencherem os pressupostos da invocada obscuridade.
Improcede, deste modo, a questão em apreciação.
Contudo, para que o sentido da decisão seja mais claro, os pontos 19 a 57 do acervo provado serão sujeitos a distinção decorrente da sua apresentação em itálico e em formato de letra mais pequeno.
***
Passamos, agora, ao erro de julgamento da matéria de facto.
Tal erro vem apontado aos pontos de facto provados sob os pontos 62, 28, 64, 77 e não provados sob as alíneas a) e b).
A impugnação da decisão que se detém sobre a matéria de facto está sujeita à observação do conjunto de ónus especificados no Artº 640º/1 e 2 do CPC, estando também sujeita ao princípio da utilidade dos atos processuais enunciado no Arº 130º do mesmo diploma.
Daqueles ónus decorre que, sob pena de imediata rejeição, deve o recorrente indicar os concretos pontos de facto impugnados, as concretas provas a reapreciar, indicando as concretas passagens da gravação que impõem distinta decisão, e a concreta decisão a proferir sobre os pontos impugnados.
Já do princípio referido decorre a impossibilidade de, no processo, se realizarem atos inúteis.
No concernente ao ponto 62, cuja redação é a seguinte:
62. Após o regresso ao serviço, a trabalhadora manifestou preferência pelas funções de receção de mercadorias, por razões não concretamente apuradas.
alega a Apelante que o Tribunal a quo se limitou a afirmar que a Recorrente apenas “manifestou preferência” pela receção de mercadorias, sem apurar as razões dessa escolha. Conclui que deveria o facto 62 (e sucedâneos) conter uma formulação que realmente traduza a preferência da A. em desempenhar tais funções, não por uma mera preferência não apurada, mas sim pelos motivos enunciados.
Para além de não vir indicada a concreta decisão a prolatar, também não vemos qual a utilidade, para a decisão final, na reapreciação.
Rejeita-se, pois, a mesma.
Impugnado vem também o ponto 28 por ser abusivo qualificar como “injustificadas” todas as ausências, pois parte estavam compensadas em banco de horas, duas decorreram de erro médico, e outras foram previamente comunicadas.
Do que acima já expusemos, a qualificação não é do Tribunal. Se o fosse, nem poderia integrar o acervo fático por violação de quanto se dispõe no Artº 607º/3 e 4 do CPC.
O ponto 28 traduz o resultado da apreciação da Empregadora no processo disciplinar. É inócuo no contexto da presente decisão. Logo, não merece reapreciação, por inutilidade.
Relativamente ao ponto 64, pretende a Apelante que nele ficou demonstrado que a trabalhadora comunicava previamente as não comparências às chefias, o que deve constar da redação do facto.
O ponto 64 apresenta o seguinte teor:
64. Nas datas supra indicadas AA não compareceu ao trabalho sem sequer avisar as suas chefias, de modo a que estas pudessem assegurar a atempada substituição.
Pretende a Apelante que este ponto de facto passe a ter a seguinte redação:
- 64 - Nas datas supra indicadas AA não compareceu ao trabalho, no entanto, avisando as suas chefias, de modo a que estas pudessem assegurar a atempada substituição.
A matéria vem alegada no Artº 26º da contestação.
Vejamos, pois!
Vêm indicados o depoimento de DD e as declarações da Trabalhadora.
Daquele depoimento, na parte referenciada, nada decorre que imponha modificação do decidido. A testemunha falou do seu caso pessoal. Apenas.
Quanto à Trabalhadora, a mesma confirmou, perante a Mmª Juíza, as faltas dadas, e que comunicou, previamente à empresa que não ia comparecer. Mais propriamente à EE, representante do RH. Ora verbalmente, ora por email (neste caso, por último).
Reapreciado o depoimento desta testemunha, foi pela mesma afirmado (e reafirmado) que a Trabalhadora não lhe comunicou estas faltas, nem lhe deu qualquer justificação. Também esclareceu que houve outras faltas, justificadas.
Em presença da prova efetuada, não obstante as declarações da Trabalhadora, não há como valorá-las em prejuízo da prova testemunhal. Não só aquela não indicou outro interlocutor na matéria, como a interlocutora indicada foi convicta e segura nas afirmações que efetuou.
Mantém-se, pois, a decisão.
Vem também impugnado o ponto 77, cuja redação é a seguinte:
77. Na sequência da recusa da empresa em reintegrá-la na receção de mercadorias AA apresentou «carta de demissão» em data não concretamente apurada do início do ano, mas aceitou continuar a trabalhar, agora na reposição.
Sustenta a Apelante que no facto 77 não resulta da prova que a Recorrente tenha aceitado a reposição; o que se provou foi que continuou a trabalhar com o horário da receção de mercadorias.
Não se indicam quaisquer provas para sustentar a pretensão. Tanto basta para que se rejeite o recurso nesta parte.
Deter-nos-emos seguidamente sobre o acervo não provado.
Pretende a Apelante que nos factos não provados a) e b), a prova testemunhal e documental impunha que se desse como provado o elevado volume de horas suplementares e o acordo de transferência para a receção como forma de compensação desse esforço.
Consta como não provado que:
a) Durante os dois primeiros anos, houve elevado acumular de horas de trabalho suplementar impostas pelas dificuldades de contratação de funcionários, ao ponto do exercício de expediente diário e expedientes sem intervalos de 15 minutos (15 minutos de pausa matinal assegurado por lei) e sem intervalo de 1 hora para almoço, passando as 7h40m em pé, com fome e sede por não ter nenhum outro funcionário responsável para estar no SAC, caixas, cofre e permanência de loja, que eram as funções exigidas pela empresa.
b) Também por esse motivo, e por efeitos de um manifesto desgaste físico e psicológico, foi apresentada junto do Sr. FF a demissão da trabalhadora, que em compensação por todo o esforço e sacrifício e bom trabalho que sempre apresentou à empresa, abdicando da família e assistência a filha de 4 anos, aceitou por proposta da empregadora, a mudança de secção para receção de mercadorias com horários fixos e folga fixa.
Não vem indicada nenhuma prova para sustentar a pretensão formulada.
Razão pela qual se rejeita o recurso nesta parte.
*
Consta do acervo fático provado:
70. A trabalhadora tem demonstrado completo desinteresse pelas consequências das suas faltas ao trabalho.
73. Com os seus comportamentos AA causa perturbação e desmotivação nos restantes colegas, que cumprem os seus deveres laborais mas veem aquela incumprir o dever de assiduidade, com falta de consideração por aqueles, que têm de interromper as suas tarefas para desempenharem as daquela.
Esta matéria está minada de conclusões.
O desinteresse pelas consequências das faltas é uma conclusão que se há-de tirar do comportamento da A..
Por outro lado, que perturbação e que deveres são cumpridos pelos demais? Além de que qualificar de incumprimento do dever de assiduidade o comportamento da Trabalhadora é adiantar uma resposta às questões suscitadas nos autos.
Assim, e dado o disposto no Artº 607º/3 e 4 do CPC, aplicável ex vi Artº 663º/2, dos quais emerge que o acervo fático se compõe tão-somente de factos, elimina-se dali toda a matéria conclusiva, ficando a redação do ponto de facto 73 assim:
73. Com os seus comportamentos AA leva a que os colegas tenham que interromper as suas tarefas para desempenharem as daquela.
E fica eliminado todo o conteúdo do ponto 70.
*** OS FACTOS:
1.Com base em participação disciplinar lavrada, em 15 de Junho de 2024, por superior hierárquico do aqui trabalhadora (nessa altura, trabalhadora arguida), a empregadora instaurou processo disciplinar contra aquela, de imediato, com vista ao despedimento da mesma, invocando justa causa, nomeando instrutores, a quem conferiu poderes para realização das diligências necessárias e fazer todas as comunicações à trabalhadora.
2. Foram juntos ao processo disciplinar, além da participação disciplinar, os seguintes documentos com relevância para a cabal instrução do mesmo:
a) ficha de funcionário da trabalhadora arguida;
b) cópia do contrato de trabalho;
c) registos de faltas da arguida, entre 15/02/2024 e 15/06/2024; d) cópia de atestado médico de amamentação, datado de 07/06/2024.
3. No dia 26 de Junho de 2024 foram pelo instrutor disciplinar inquiridas cinco pessoas, todos trabalhadores da empregadora, a prestar trabalho na loja Continente da ... do Pico, cujos depoimentos escritos, datados e assinados pelos respetivos declarantes e pelo instrutor, se encontram juntos ao processo disciplinar.
4. Foi elaborada nota de culpa escrita contra a trabalhadora, em 28 de Junho de 2024, contendo a descrição circunstanciada dos factos que lhe eram imputados.
5. Na mesma data, foi enviada à trabalhadora notificação escrita, sob registo postal e com aviso de receção, a comunicar-lhe a instauração do processo disciplinar, com intenção de despedimento por justa causa, bem como que se mantinha a suspensão preventiva aplicada, acompanhada da respetiva nota de culpa, que veio a ser entregue àquela em 25 de Julho de 2024.
6. Na mesma notificação escrita, foi ainda comunicado à trabalhadora a sua suspensão preventiva, por a empregadora ter entendido ser inconveniente a sua presença na empresa, atendendo à natureza dos factos em apreço, que faz recear que pudesse praticar factos idênticos; continha igualmente a informação de que, enquanto durasse tal situação, a mesma continuaria a receber as suas retribuições e tudo o mais a que legalmente tivesse direito.
7. Dentro do prazo de defesa de que dispunha, através de ilustre mandatário para o efeito constituído, a trabalhadora, no dia 08 de Agosto de 2024, apresentou resposta à nota de culpa, que enviou ao instrutor disciplinar através de email, tendo indicado cinco testemunhas, cuja inquirição requereu; não juntou documentos nem requereu a produção de outras provas.
8. Nessa defesa, resumidamente, a trabalhadora não negou as faltas, assumiu que não apresentou justificação para as mesmas, mas considerou, ainda assim, que as mesmas não são injustificadas, por entender que beneficiava de “banco de horas” informal e que compensava sempre a entidade empregadora pelas suas faltas, alegando ainda que nunca deixou de avisar quando faltou. Louvou o seu desempenho profissional na empresa até à chegada do novo diretor de loja, sentindo-se injustiçada por este a ter colocado a desempenhar funções diferentes das que realizava antes de ter estado na situação de baixa médica por gravidez e de licença parental.
9. Foi agendada, através de email enviado ao ilustre mandatário da trabalhadora, a inquirição das testemunhas da mesma para o dia 10 de Setembro de 2024, às 09h30m, alternativamente, de forma presencial, no escritório do instrutor, ou através da plataforma Teams, disponibilizando a empresa arguente uma sala e computador para o efeito na loja da ..., informando ainda o instrutor de que, competindo à arguida a apresentação das testemunhas por si indicadas, foi solicitado que fossem indicados os factos a que cada testemunha iria depor.
10. Em resposta, o mandatário da trabalhadora informou pretender manter apenas a inquirição de 3 testemunhas (GG, EE e HH), sendo ouvidas a toda a factualidade; que a testemunha HH residia em S. Miguel, devendo ser inquirido a partir desta ilha e as restantes duas se encontravam na Ilha do Pico e que compareceriam na loja da ..., para serem inquiridas, o que o mandatário pretendia participação a partir do seu escritório, através da plataforma Teams; também que a trabalhadora pretendia estar presente na loja da ... no ato de inquirição das testemunhas.
11. Em 10 de Setembro de 2024, através da plataforma Teams, encontrando-se o instrutor e o mandatário da trabalhadora nos respetivos escritórios, e esta na loja da ..., junto com as testemunhas EE e GG, procedeu-se à inquirição das mesmas: GG, gestora de café e antiga funcionária da empresa, e EE, já supra identificada; também foi inquirido HH, funcionário da empresa, residente e a trabalhar na Ilha de S. Miguel, tendo este sido inquirido a partir da sua residência.
12. As inquirições das testemunhas foram de imediato reduzidas a escrito e os respetivos autos lidos em voz alta pelo instrutor, após o que, conforme acordado com o mandatário da trabalhadora e as próprias testemunhas, enviados a todos os intervenientes no ato, para serem por estes assinados e, após, devolvidos ao instrutor (digitalizados e através de email). Apenas no dia 13 de Setembro de 2024, sexta-feira, pelas 16h26m, foi recebido pelo instrutor o último auto assinado, para ser junto aos autos.
13. Nesta sequência, atenta a existência de um atestado médico de amamentação da trabalhadora, datado de 07 de Junho de 2024, onde se afirma que esta se encontrava a amamentar o seu filho, nascido em 16 de Abril de 2023, por um período previsível de 30 dias – período no qual se encontra abrangida a última falta dada pela trabalhadora e elencada na nota de culpa, no dia 15 de Junho de 2024 –, foi determinado o envio do processo à CRITE.
14. No dia 16 de Setembro de 2024, segunda-feira, foi declarada encerrada a instrução do processo disciplinar e, em cumprimento do disposto no art. 63.º, n.º 1 e n.º 3, al. a), do Código do Trabalho, foi pelo instrutor disciplinar extraída cópia integral do processo disciplinar, que foi enviada à CRITE nesse mesmo dia, através de carta registada e com AR, com vista à emissão de parecer por esta entidade, tendo a carta registada contendo a cópia integral do processo sido recebida pela CRITE, no dia 18 de Setembro de 2024.
15. Finalmente, no dia 14de Outubro de 2024, através de email, foi o instrutor disciplinar notificado do seguinte parecer da CRITE, aprovado por unanimidade, no qual esta entidade decidiu: “Emitir parecer prévio favorável ao despedimento, por facto imputável à trabalhadora – AA, promovido pela entidade empregadora - INSCO – INSULAR de Hipermercados, S.A, nos termos do artigo 351.º do CT.”.
16. Perante a emissão do parecer da CRITE, em 31/10/2024, foi pelo instrutor disciplinar elaborado relatório final com proposta de decisão (cujo teor integral aqui se dá como integralmente reproduzido para os legais efeitos), no qual:
a) Foram descritos todos os passos e diligências efetuados no processo disciplinar;
b) Foram elencados todos os elementos probatórios existentes no processo disciplinar, nomeadamente, documentos e autos de declarações das testemunhas inquiridas;
c) Foram elencados todos os elementos documentais demonstrativos do cumprimento de prazos e requisitos legais por parte da empresa arguente;
d) Foi apreciada a resposta à nota de culpa;
e) Foram elencados os factos provados e não provados, o que, por economia de exposição, foi feito por remissão para a nota de culpa, uma vez que todos constavam da mesma e que esta foi notificada por escrito à trabalhadora arguida;
f)Foi exposta pormenorizada e criticamente a fundamentação de toda a factualidade provada;
g) Foi apreciada a relevância disciplinar da factualidade que resultou provada, ponderando-se as circunstâncias da situação concreta, nos termos prescritos pelo art. 357.º, n.º 4, do Cód. do Trabalho, e a adequação do despedimento à culpabilidade da trabalhadora;
h) Foi proposta a sanção entendida como adequada e proporcional à gravidade do comportamento da trabalhadora, sua culpa e consequências do mesmo, no caso, a sanção de despedimento com justa causa.
17. Por fim, em 06 de Novembro de 2024, foi o relatório final com a respetiva proposta de decisão e a própria decisão proferida pela empregadora enviados a AA, através de correio registado com AR, remetido a partir da estação dos CTT da ... do Pico, que foi recebido pela sua destinatária, em 08 de Novembro de 20241.
18. No processo disciplinar foram considerados provados os seguintes factos, que infra se discriminam e que fundamentaram o despedimento da trabalhadora com justa causa, quer provenientes da resposta à nota de culpa quer provenientes da nota de culpa. 19. Até ao seu despedimento, a A. tinha a categoria profissional de Repositor (Com.) e exercia as funções de Operadora de Fluxos, na Secção Não Alimentar da loja Continente da ... do Pico, sita na Rua 1, na ... do Pico, pertencente à R. e por esta explorada. 20. A A. foi admitida ao serviço da R., através de contrato de trabalho sem termo, em 03/09/2020. 21. A A. não tem antecedentes disciplinares registados na sua ficha de funcionário. 22. Após a sua contratação, a A. começou por prestar trabalho no SAC da loja Continente da ..., sendo posteriormente transferida, em data não apurada concretamente, com o seu acordo, para a receção de mercadorias, onde se manteve até se ausentar por motivo de gravidez, em data também incerta. 23. Desde o seu regresso ao trabalho, a A. passou a desempenhar funções de reposição de fluxos não-alimentares, onde se manteve até à data do seu despedimento. 24. As funções de receção de mercadorias tem horários fixos e folgas fixas. 25. A A. manifestou preferência pelas funções de receção de mercadorias, devido aos horários e folgas fixos praticados nessa secção. 26. A A. é conhecida entre as chefias da loja e colegas de trabalho por faltar com grande frequência ao trabalho. 27. De facto, durante o ano civil de 2024 (até ao dia 28/Jun., data em que foi elaborada a nota de culpa), a A. faltou injustificadamente ao trabalho, durante a totalidade do seu horário de trabalho, nas seguintes datas: dias 15, 22, 24, 25 e 26 de Fevereiro, dias 6, 10, 11, 12, 28 e 31 de Março, dias 15 e 23 de Abril, dias 23 e 24 de Maio e dia 15 de Junho. 28. Assim, desde que o início do ano civil de 2024 até à data da elaboração da nota de culpa, acima referida – portanto, durante um período de quase seis meses –, a A. deu 16 faltas injustificadas. 29. A A. sabia e sabe que, ao faltar injustificadamente ao trabalho, ademais com a elevada frequência acabada de registar, para além de prejudicar a produtividade e organização da sua secção, redundando em prejuízos para a sua entidade empregadora, desrespeita o dever de comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade, a que se encontra contratual e legalmente obrigada para com a arguente. 30. A A. falta ao trabalho sem sequer avisar as suas chefias, de modo que estas possam assegurar a sua atempada substituição. 31. As faltas injustificadas e não informadas ao trabalho por parte da A. causam grandes constrangimentos de serviço, pois obrigam a esforços extra por parte dos restantes trabalhadores da loja, de modo a assegurarem a reposição de artigos da área daquela. 32. Com efeito, como se trata de uma loja de pequena dimensão e com uma equipa de trabalhadores pouco numerosa, outros trabalhadores têm de deixar as suas próprias tarefas, para acudirem às tarefas que a A. deveria estar a desempenhar, se não tivesse faltado, o que leva a um aumento da carga de trabalho dos colegas. 33. Como consequência de terem de substituir a A., enquanto estes trabalhadores estão a fazer as tarefas que deveriam estar a ser feitas pela trabalhadora faltosa, têm de deixar algumas das suas por fazer. 34. As consequências das várias faltas injustificadas da A. são agravadas pelo facto de esta não avisar sequer que vai faltar, o que, se fosse feito, pelo menos, atenuaria tais consequências, pois permitiria às suas chefias tentarem assegurar atempadamente a sua substituição. 35. O comportamento da A. acima descrito tem causado um enorme transtorno à organização do serviço, assim como aos seus superiores hierárquicos e aos colegas da A., que têm de suportar maior volume de trabalho, acumulando as suas próprias tarefas com as daquela. 36. De todas as vezes em que a A. faltou, as suas chefias tiveram de reorganizar o funcionamento das secções da loja, colocando outros trabalhadores, muitas vezes de outras secções, assim prejudicando o funcionamento destas secções. 37. A A. tem demonstrado completo desinteresse pelas consequências das suas faltas ao trabalho. 38. Não é habitual um trabalhador faltar tantas vezes, em tão pouco tempo, como acontece com a A., sendo esta uma trabalhadora que regista um elevado absentismo ao trabalho. 39. Todo o comportamento da A. acima descrito criou uma situação insustentável, que torna muito complicada a gestão da secção onde esta presta o seu trabalho, assim como o resto da loja, e que levou a que a sua entidade empregadora, os seus superiores hierárquicos e colegas tenham perdido por completo qualquer esperança numa mudança de comportamento por parte da mesma. 40. Perante esta situação e a atitude da A., a R., os superiores hierárquicos e os próprios colegas de trabalho perderam já completa e irremediavelmente a confiança na mesma para continuar a desempenhar as respetivas funções, pois nunca sabem se podem ou não contar com ela para trabalhar, já que, em cada dia que a mesma está de serviço, não sabem se ela se apresentará ao trabalho ou não. 41. Com os seus comportamentos, causa perturbação e desmotivação nos restantes colegas de trabalho, que cumprem os seus deveres laborais, mas veem diariamente a A. a incumprir o dever de assiduidade, com total falta de consideração pelos prejuízos e transtornos que causa à sua entidade empregadora, aos seus superiores hierárquicos e aos seus colegas de trabalho, que têm de interromper as respetivas tarefas para desempenharem as da arguida, sempre que esta falta ao trabalho. 42. A R. necessita de ter a máxima confiança em todos os seus trabalhadores, para desempenharem as suas funções de forma zelosa e com cumprimento dos seus deveres laborais. 43. Da mesma forma, necessita ainda a R. de confiar que os seus trabalhadores comparecem ao trabalho, sendo as faltas ao trabalho, mormente as injustificadas, situações excecionais, ao contrário do que acontece com a A.. 44. Os comportamentos da A. acima descritos constituem violação grave e culposa dos seus deveres de trabalhador, designadamente: o dever de comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade, previsto no art. 128.º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho. 45. De toda a factualidade assente, resulta que a A. praticou factos que se revestem de manifesta e elevada gravidade e fê-lo de forma culposa, violando deveres a que estava obrigado e a que nenhum empregador pode ficar indiferente, designadamente: o dever de comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade, previsto no art. 128.º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho. 46. No que respeita à gravidade dos factos, tem de se ter em conta que uma organização empresarial como a da R., com a dimensão que assume e o elevado número de trabalhadores e lojas distribuídas por várias ilhas dos Açores, depende de modo muito especial do cumprimento dos respetivos deveres por parte de todos os seus trabalhadores, entre os quais é muito relevante o dever de comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade, essencial ao bom funcionamento de qualquer organização, empresa ou mesmo atividade de um empregador em nome individual, tratando-se de um dever básico de qualquer trabalhador, enquanto pessoa que se vincula a uma prestação de trabalho para com um empregador que está vinculado a pagar-lhe a retribuição pelo trabalho prestado. 47. Ora, a A., como qualquer trabalhador, sabia que não podia nem devia faltar injustificadamente ao trabalho, ademais com a elevadíssima frequência registada (veja-se as folhas do registo de assiduidade constantes do processo disciplinar ora junto), e que, ao fazê-lo, além de prejudicar gravemente a gestão e organização da sua secção e as suas chefias, que têm de assegurar o funcionamento da mesma, assim como os colegas de trabalho que têm de a substituir e fazer trabalho que a ele competia, desrespeitava o dever de comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade, a que se encontra contratual e legalmente obrigada para com a arguente. 48. Da consulta do seu registo de assiduidade, parece poder concluir-se que, pelo menos no ano civil de 2024, a A. violou esse dever de uma forma quase militante, já que, durante um período de exatamente 4 meses – entre 15/Fev. e 15/Jun. –, esta faltou injustificadamente ao trabalho durante um total de 16 dias, ou seja, o equivalente a mais de metade de um mês de calendário! 49. Dos factos provados e dos depoimentos que foram prestados pelas testemunhas inquiridas no processo disciplinar – mormente daquelas que, mercê das funções desempenhadas na loja da R. onde a A. presta o seu trabalho, tem de lidar diariamente com a mesma e com as consequências e efeitos das suas faltas –, resulta evidente que a confiança que deve sempre subjazer a qualquer relação laboral foi já irremediavelmente quebrada por parte da A., em virtude dos seus comportamentos acima aludidos. 50. Nem o seu empregador, os seus superiores hierárquicos ou mesmo os seus colegas de trabalho, mantêm qualquer confiança na A. como trabalhadora, sendo manifesto que tal aconteceu como consequência do comportamento grave e culposo da mesma. 51. Perante as constantes faltas da A., a sua atitude de desinteresse e despreocupação pelas consequências do seu comportamento, não pode qualquer pessoa medianamente bemformada e de bom senso deixar de concluir que seria uma violência obrigar um empregador a manter ao seu serviço uma trabalhadora que assume tais comportamentos – veja-se que as chefias da A. nunca sabem se e quando podem sequer contar com a presença da mesma em cada dia de trabalho. 52. Com efeito, todo o comportamento da A. acima descrito criou uma situação insustentável, que torna muito complicada a gestão da secção onde a esta presta o seu trabalho, e que levou a que os seus superiores hierárquicos e colegas tenham perdido por completo qualquer esperança numa mudança de comportamento por parte da mesma. 53. Da mesma forma, necessita ainda a R. de confiar que os seus trabalhadores comparecem ao trabalho, sendo – devendo sê-lo! – as faltas ao trabalho, mormente as injustificadas, situações excecionais no decurso da vigência da relação laboral, ao contrário do que acontece com a A.. 54. No que respeita à culpa da A. na prática dos factos – que é manifesta –, resulta claro da forma como os praticou (configurada pelos factos dados como provados) que a mesma agiu com evidente, ostensivo, culposo e repetido desinteresse pelo cumprimento dos deveres laborais a que se encontrava, e encontra, adstrita para com a sua entidade patronal, sendo certo que sabia que, ao agir do modo em que agiu, violava tais deveres legais e contratuais. 55. As faltas injustificadas da A. ocorreram em todos os meses do período decorrido entre os dias 15/Fev. e 15/Jun. do ano civil de 2024. 56. É verdade que a A. não conta antecedentes disciplinares registados na sua ficha de funcionário, mas tal circunstância, conquanto positiva, atendendo à duração do contrato (menos de 4 anos à data dos factos), não assume efeito suficientemente relevante, em nada atenuando o seu comportamento. A título comparativo, veja-se que a lei considera que apenas 10 faltas interpoladas, durante a totalidade do ano civil, configuram justa causa para despedimento do trabalhador (cf. al. g) do n.º 2 do art. 351.º do Código do Trabalho) – a ora A., em apenas 4 meses, deu 16 faltas injustificadas…! 57. Finalmente, por claro e acertado, permitimo-nos citar o parecer emitido pela CRITE: “27. (…) a trabalhadora não justificou as faltas invocadas pela entidade empregadora, nem fez prova dos avisos a comunicar a ausência ao serviço ou comprovativos de requerimento para justificação de faltas através do gozo de “banco de horas” acumuladas. 28. Também, importa referir que, para a conciliação da vida familiar com a vida profissional, a lei confere aos trabalhadores com filhos menores de 12 anos, ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação, o direito de trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos”, nos termos do artigo 56.º do Código do Trabalho, pelo que a trabalhadora poderia ter requerido. 29. Pelo exposto, e atendendo aos elementos constantes na Nota de Culpa (anexos 14 e 15), o empregador alega o comportamento da trabalhadora arguida como culposo e de tal modo grave, que pelas suas consequências torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, considerando o quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes, pelo que, entende-se que se verificam os requisitos que constituem “justa causa” para o despedimento, por força, do artigo 351.º do Código do Trabalho. (Vide, PARECER N.º 363/CITE/2019.)”
58. A trabalhadora foi admitida ao serviço da INSCO, através de contrato de trabalho sem termo, em 3 de Setembro de 2020.
59. A trabalhadora não tem antecedentes disciplinares registados na sua ficha de funcionário.
60. Após a sua contratação, AA começou por prestar trabalho no SAC da loja Continente da ..., sendo posteriormente transferida, em data não apurada concretamente, com o seu acordo, para a receção de mercadorias, onde se manteve até se ausentar por motivo de gravidez, em data também incerta.
61. Até ao seu despedimento, AA tinha a categoria profissional de repositora e exercia, desde o seu regresso ao trabalho, as funções de operadora de fluxos, na secção não alimentar da loja Continente da ... do Pico, sita na Rua 1, na ... do Pico, pertencente à empregadora e por esta explorada.
62. Após o regresso ao serviço, a trabalhadora manifestou preferência pelas funções de receção de mercadorias, por razões não concretamente apuradas.
63. Durante o ano civil de 2024 (até ao dia 28 de Junho, data em que foi elaborada a nota de culpa), a trabalhadora não compareceu ao trabalho e não apresentou justificação para essa não comparência, durante a totalidade do seu horário de trabalho, nas seguintes datas: 15, 22, 24, 25 e 26 de Fevereiro, 6, 10, 11, 12, 28 e 31 de Março, 15 e 23 de Abril, 23 e 24 de Maio e 15 de Junho.
64. Nas datas supra indicadas AA não compareceu ao trabalho sem sequer avisar as suas chefias, de modo a que estas pudessem assegurar a atempada substituição.
65. AA sabia e sabe que, ao faltar injustificadamente ao trabalho, ademais com a elevada frequência supra indicada, para além de prejudicar a produtividade e organização da sua secção, redundando em prejuízos para a sua entidade empregadora, desrespeita o dever de comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade.
66. As faltas sem informação prévia por parte da trabalhadora causam constrangimentos ao serviço, pois obrigam a esforços extra dos restantes trabalhadores da loja, de modo a assegurarem a reposição dos artigos da área daquela.
67. Como se trata de uma loja de pequena dimensão e com uma equipa de trabalhadores pouco numerosa, outros trabalhadores têm de deixar as suas próprias tarefas para acudirem às tarefas que AA deveria estar a desempenhar se não tivesse faltado, o que leva a um aumento da carga de trabalho dos colegas.
68. Como consequência de terem de substituir a colega, os outros trabalhadores têm de deixar algumas das suas coisas por fazer.
69. De todas as vezes que AA faltou, as chefias tiveram de reorganizar o funcionamento das secções da loja, colocando outros trabalhadores, muitas vezes de outras secções, assim prejudicando o funcionamento dessas secções.
70. Eliminado.
71. A empregadora e os superiores hierárquicos da trabalhadora perderam qualquer esperança numa mudança de comportamento por parte desta.
72. A empregadora, os superiores hierárquicos e os colegas perderam a confiança na trabalhadora, dado que nunca sabem se podem contar ou não com esta para trabalhar já que em cada dia em que está de serviço não sabem se ela se apresentará ao trabalho ou não.
73. Com os seus comportamentos AA leva a que os colegas tenham que interromper as suas tarefas para desempenharem as daquela.
74. Aquando do seu regresso, a trabalhadora foi confrontada com a opção entre a loja Bagga e a reposição, sendo que nesta também teria horário fixo.
75. A trabalhadora rejeitou a colocação na Bagga.
76. Aquando do regresso da trabalhadora ao serviço depois do nascimento do filho trabalhavam na receção dois trabalhadores.
77. Na sequência da recusa da empresa em reintegrá-la na receção de mercadorias AA apresentou «carta de demissão» em data não concretamente apurada do início do ano, mas aceitou continuar a trabalhar, agora na reposição.
*** O DIREITO:
Ater-nos-emos de seguida à última questão – a inexistência de justa causa para despedir.
Defende a Apelante que no caso sub judice, o Tribunal a quo optou por uma visão mecanicista e aritmética da noção de justa causa: bastou-lhe contar o número de faltas (dezasseis, entre fevereiro e junho de 2024) para concluir, quase automaticamente, pela gravidade da conduta. Porém, o direito não se satisfaz com estatísticas: numerus non facit culpam. A gravidade tem de ser apreciada segundo critérios de razoabilidade e proporcionalidade, tendo em conta o contexto concreto em que as faltas ocorreram, o historial da trabalhadora, a sua situação pessoal e familiar, e até a conduta da entidade empregadora. Invoca a desproporcionalidade da sanção, a necessidade de ponderar a conciliação entre o trabalho e a vida familiar - a Recorrente regressava de uma gravidez de risco, encontrava-se em período de amamentação e não dispunha de vaga em creche para o filho. E invoca má-fé por parte da Empregadora, que negou à Trabalhadora a colocação no posto de receção de mercadorias, ignorou as horas extraordinárias acumuladas, desconsiderou a sua situação familiar e, em vez de dialogar, avançou para o despedimento.
Contrapõe a Apelada que não se pode exigir de uma entidade empregadora que mantenha a confiança numa trabalhadora que falta de forma reiterada, sem informar e sem justificar, causando graves constrangimentos na gestão dos trabalhadores e das suas tarefas. Esta situação tornou insustentável a gestão da secção em que Recorrente exercia funções e fez com que os seus colegas e superiores hierárquicos perdessem por completo qualquer esperança numa mudança do comportamento da autora. Aquando do regresso da Recorrente da sua licença de maternidade, a Recorrida tudo fez para conciliar a vida familiar da mesma com o trabalho. Com efeito, não obstante a Recorrente não ter regressado à receção aquando do seu regresso ao trabalho, porque tal posto estava ocupado por outros trabalhadores que, entretanto, tiveram formação para o efeito, foram-lhe dadas outras duas alternativas, para a Bagga e para a reposição (esta última aceite pela trabalhadora), onde lhe foi garantido o mesmo horário da receção. Sempre agiu de boa-fé.
Vejamos!
A Trabalhadora foi despedida, na sequência de processo disciplinar, e tendo sido obtido parecer positivo da Comissão Regional para a Igualdade no Trabalho e na Empresa, com o fundamento em 16 faltas injustificadas.
A sua contratação remonta a Setembro de 2020.
Teve, desde então, uma ausência por gravidez e, após o regresso, no ano civil de 2024 (até ao dia 28 de Junho), não compareceu ao trabalho e não apresentou justificação para essa não comparência, durante a totalidade do seu horário de trabalho, nas seguintes datas: 15, 22, 24, 25 e 26 de Fevereiro, 6, 10, 11, 12, 28 e 31 de Março, 15 e 23 de Abril, 23 e 24 de Maio e 15 de Junho.
Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho (Artº 351º/1 do CT).
Constituem fundamento para justa causa as faltas injustificadas ao trabalho que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco (Artº 351º/2-g).
Não obstante a enumeração desta causa, entende-se, pacificamente que a mesma é “carecida de valor absoluto”, ou seja, não obstante a verificação de um conjunto de faltas que ali encaixe, pode, em concreto, não haver justa causa. Tal como nota Monteiro Fernandes a prática de um daqueles números de faltas tem merecido da Jurisprudência a orientação segundo a qual não basta a simples materialidade do comportamento, antes se requerendo “o preenchimento de condições de culpa e gravidade objetiva”1.
No caso concreto temos 16 faltas interpoladas.
Como elementos constitutivos do conceito de justa causa temos:
- Um comportamento culposo;
- A gravidade e consequências de tal comportamento;
- Nexo de causalidade conducente à irremediabilidade da rutura da relação.
A atividade laboral conexiona-se, como é sabido, com um conjunto de deveres acessórios que, a par com o dever de trabalhar, enforma a complexidade da situação jurídica laboral do trabalhador.
Entre tais deveres, o de assiduidade (Artº 128º/1-b) do CT), um dever integrante da prestação principal e instrumental do dever de prestar trabalho.
A quebra deste dever faz incorrer o trabalhador em situação de falta, definida como a ausência do trabalhador do local em que devia desempenhar a atividade durante o período normal de trabalho (Artº 248º/1 do CT).
A falta, quando não justificada, consubstancia infração disciplinar (Artº 256º/1 do CT).
E é por assim ser que, dependendo do respetivo número, pode integrar justa causa de despedimento.
Em presença dos factos, não subsistem dúvidas acerca da violação do dever de assiduidade, violação injustificada, e, por consequência, da existência de um comportamento culposo da Trabalhadora.
Para efeito de determinação da gravidade da conduta – segundo pressuposto do conceito de justa causa- há que atender a critérios de razoabilidade especificados na lei, sendo ainda imperioso, que se possa concluir pela irremediabilidade na rutura da relação de trabalho, o mesmo será dizer pela inexigibilidade de manutenção do contrato – terceiro pressuposto.
Como adverte Pedro Romano Martinez2, “perante o comportamento culposo do trabalhador impõe-se uma ponderação de interesses; é necessário que, objetivamente, não seja razoável exigir do empregador a subsistência da relação contratual. Em particular, estará em causa a quebra da relação de confiança motivada pelo comportamento culposo. Como o comportamento culposo do trabalhador tanto pode advir da violação de deveres principais como de deveres acessórios, importa, em qualquer caso, apreciar a gravidade do incumprimento, ponderando a viabilidade de a relação laboral poder subsistir.”
“A subsistência do contrato é aferida no contexto de um juízo de prognose em que se projeta o reflexo da infração e do complexo de interesses por ela afetados na manutenção da relação de trabalho, em ordem a ajuizar da tolerabilidade da manutenção da mesma” (Ac. do STJ de 28.01.2016, proc. 1715/12.6TTPRT.P1.S1).
Daí que na apreciação da justa causa se deva atender, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes (Artº 351º/3 do CT).
Revelam os factos cuja prova se obteve que as faltas sem informação prévia por parte da trabalhadora causam constrangimentos ao serviço, pois obrigam a esforços extra dos restantes trabalhadores da loja, de modo a assegurarem a reposição dos artigos da área daquela. Como se trata de uma loja de pequena dimensão e com uma equipa de trabalhadores pouco numerosa, outros trabalhadores têm de deixar as suas próprias tarefas para acudirem às tarefas que a faltosa deveria estar a desempenhar se não tivesse faltado, o que leva a um aumento da carga de trabalho dos colegas. Como consequência de terem de substituir a colega, os outros trabalhadores têm de deixar algumas das suas coisas por fazer. De todas as vezes que se registaram faltas as chefias tiveram de reorganizar o funcionamento das secções da loja, colocando outros trabalhadores, muitas vezes de outras secções, assim prejudicando o funcionamento dessas secções.
Perante este acervo factual não vemos como sustentar, à luz de critérios de razoabilidade e proporcionalidade, a tese da inexistência de justa causa.
Invoca a Apelante o contexto concreto em que as faltas ocorreram, o historial da trabalhadora, a sua situação pessoal e familiar, e até a conduta da entidade empregadora.
Ocorre, porém, que nada provou que permita relevar algo do que refere.
A impugnação que efetuou ao conjunto de factos não provados soçobrou em razão da ausência de indicação de provas. Ora, não pode este Tribunal pressupor factualidade invocada mas não provada.
Admite-se, em face da necessidade verificada de solicitar parecer à CRITE, que a Trabalhadora estivesse em período pós gravidez. Porém, sem dependência de prova de alguma dificuldade que essa situação lhe causasse, tanto não basta para que se intente um juízo de compreensão das ausências verificadas – são 16 faltas de dia completo, concretizadas ao longo de 5 meses (5 em Fevereiro, 6 em Março, 2 em Abril, 2 em Maio e 1 em Junho). Faltas que causaram, no contexto específico da empresa, perturbação suficiente para que empregadora e os superiores hierárquicos da trabalhadora tivessem perdido qualquer esperança numa mudança de comportamento por parte desta e, bem assim, a confiança inerente ao contrato de trabalho, dado que nunca sabem se podem contar ou não com a mesma para trabalhar já que em cada dia em que está de serviço não sabem se ela se apresentará ao trabalho ou não.
Não surpreendemos na atitude da empregadora qualquer desproporcionalidade na sanção aplicada, sendo inviável ponderar a conciliação entre o trabalho e a vida familiar visto que nenhum facto foi trazido aos autos que o permita.
Na verdade, desconhece-se se a Recrte. se encontrava em período de amamentação e não dispunha de vaga em creche para o filho.
Por outro lado, mal se compreende a sua alegação de má-fé e abuso de direito por parte da Empregadora.
Após a sua contratação inicial a Apelante começou por prestar trabalho no SAC da loja Continente da ..., sendo posteriormente transferida, em data não apurada concretamente, com o seu acordo, para a receção de mercadorias, onde se manteve até se ausentar por motivo de gravidez, em data também incerta. Após o regresso ao serviço, manifestou preferência pelas funções de receção de mercadorias. Acontece que aquando do regresso da trabalhadora ao serviço, depois do nascimento do filho, trabalhavam na receção dois trabalhadores. Nessa altura foi confrontada com a opção entre a loja Bagga e a reposição, sendo que nesta também teria horário fixo. A trabalhadora rejeitou a colocação na Bagga e aceitou continuar a trabalhar, agora na reposição.
Não está, pois, a Apelante a ser séria quando invoca má-fé por parte da Empregadora, por esta lhe ter negado a colocação no posto de receção de mercadorias.
Também não pode, sem dependência de prova, invocar horas extraordinárias acumuladas, e, como já dito, a desconsideração da sua situação familiar.
Em presença da factualidade apurada, afigura-se-nos justificada a decisão de despedir, pelo que se confirma a sentença proferida.
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As custas serão suportadas pela Apelante, que ficou vencida (Artº 527º do CPC).
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em modificar o acervo fático conforme sobredito e julgar a apelação improcedente, e, em consequência, confirmar a sentença.
Custas pela Apelante
Notifique.
Lisboa, 5/11/2025
MANUELA FIALHO
ALDA MARTINS
CELINA NÓBREGA
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1. Direito do Trabalho, 22ª Ed., Almedina, 695
2. Direito do Trabalho, 5ª Ed., IDT e Almedina, 1053 e ss.