CONTRATO DE TRABALHO
OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO
PRAZO
Sumário

1. A conservação da generalidade dos documentos dos comerciantes deve observar a regra do art.º 40.º do Cód. Comercial que permite a sua destruição decorrido que seja o prazo de dez anos.
2. A obrigação de informação a que o empregador está adstrito relativamente ao trabalhador ou seus sucessores, mormente no que respeita aos montantes de retribuições pagas, valores descontados, motivos dos descontos e entidades para quem os descontos foram feitos, bem como de cedência dos documentos de suporte de tal informação, está sujeita ao referido prazo.

Texto Integral

Acordam, na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório.
AA intentou a presente acção declarativa com, processo comum, contra Banco Comercial Português, SA, e Crédito Agrícola Serviços - Centro de Serviços Partilhados, ACE, pedindo a sua condenação:
(a) o BCP: a indicar, desde a data do ingresso do falecido marido da Autora no BPSM; até à data do termo do seu contrato com o BCP, o montante de todas as retribuições que lhe foram pagas, em montante ilíquido e líquido, com indicação de todos valores descontados, e indicação do motivo do desconto e da entidade para os quais o desconto foi feito e a juntar todos os documentos em seu poder que provem tais retribuições e descontos e, bem assim, a indicar se transferiu, e em caso afirmativo, para quem e em que montantes, valores que tivessem sido descontados ao falecido e que estivessem em seu poder;
(b) o Crédito Agrícola Serviços: a indicar se lhe foram transferidos montantes a título de descontos efectuados pelo falecido marido da Autora enquanto trabalhador do BPSM e BCP; em caso afirmativo quando e em que montantes e, bem assim, que valores e referentes a que períodos tomou em consideração a fim de calcular a pensão de sobrevivência que paga à Autora, com junção de todos os documentos em seu poder que provem o acima referido;
(a) cada um deles, numa sanção pecuniária compulsória no montante diário de € 500,00, por cada dia posterior a data do trânsito em julgado da decisão condenatória, que tardem em prestar as informações acima indicadas instruídas com os documentos que as suportem.
Para tanto, alegou, em síntese, que:
• é viúva de BB, falecido intestado em 4 de Outubro de 2015, o qual era bancário, com a categoria profissional de assistente de direcção, tendo iniciado a sua carreira no Banco Pinto & Sotto Mayor (BPSM), em 01 de Junho de 1989.
• o BPSM integrou-se, por fusão, no Banco Comercial Português, SA, pelo que em 01 de Janeiro de 2001, passando o falecido a estar vinculado ao BCP e, após 01 de Dezembro de 2004, transitou para o Crédito Agrícola Serviços, ao serviço de quem estava na data do seu óbito.
• até Janeiro de 2004, o falecido esteve inscrito na Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários efectuando descontos para essa instituição de previdência através primeiro do BPSM e, depois, do BCP sendo que a partir de Fevereiro de 2004, com a transição para o Crédito Agrícola Serviços, o falecido passou a efectuar descontos para a Segurança Social.
• solicitou ao BCP o pagamento da pensão de sobrevivência correspondente ao período de tempo em que seu falecido marido ali trabalhara tendo este dito que a mesma estava a receber uma pensão de sobrevivência paga pelo Crédito Agrícola Serviços, que considerava a antiguidade seu falecido marido, reportada e 05 de Junho de 1989 e que, no cálculo da pensão que recebia estava já considerado o período de serviço prestado ao BCP.
• tanto quanto sabe, o Crédito Agrícola Serviços apenas está a pagar-lhe um complemento de pensão referente ao período em que seu falecido marido trabalhou para si uma vez que não lhe foram transferidos os valores referentes aos descontos pelo mesmo efectuados ao serviço do BPSM e BCP entre 01 de Junho de 1989 a 30 de Novembro de 2004 pelo que requer, nos termos do art.º 106.º n.º 1 e 127.º n.º 1 al. j) do Código do Trabalho informações sobre o montante ilíquido e líquido da retribuição a que o seu falecido marido tem direito, com indicação de que quantias foram descontadas, a que titulo e para quem e, no caso de transição para outra instituição bancária, informação sobre os montantes transferidos para a mesma a título de descontos, caso tenha sido o caso uma vez que não possui as informações em apreço, nem os documentos que as suportam, as quais - informações e documentos - encontram-se na posse do BCP.
• a transição do falecido marido do BCP para o Crédito Agrícola deu lugar a procedimentos internos aos dois bancos, os quais implicaram a passagem de informação referente à sua categoria, antiguidade, retribuição e descontos efectuados, com indicação da entidade que os recebeu e do respectivo montante.
Citadas as rés, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.
Para tal notificadas, as rés contestaram, alegando, em resumo:
i. o Crédito Agrícola Serviços:
• no que considerou ser por excepção, que em 2 de Agosto de 2023, em resposta a interpelação do Ilustre Mandatário da Autora nos autos, informou não ter recebido quaisquer montantes a título de descontos efectuados pelo falecido marido da Autora, enquanto trabalhador do BPSM e BCP tendo dado a conhecer as condições de atribuição e as regras de cálculo da pensão complementar de sobrevivência a que está vinculado;
• quanto ao que apelidou de impugnação da matéria de facto alegada pela Autor, salientou que, na economia do Acordo Colectivo de Trabalho aplicável ao Réu, o valor da pensão de sobrevivência é determinado pelo nível salarial detido, à data do falecimento, pelo trabalhador a que a mesma pensão respeita para ele não relevando, em medida alguma, a antiguidade ou o tempo de serviço do mesmo trabalhador.
ii. o Banco Comercial Português, S.A., que:
• os descontos suportados pelo trabalhador, designadamente os descontos referentes a CAFEB (Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários - caixa esta que pagava apenas as prestações devidas por abono de família e subsídio de desemprego, e que foi extinta em 2011), nada têm a ver com as prestações que viessem a ser devidas a título de pensões de reforma ou de sobrevivência nem têm repercussão no seu cálculo.
• a autora está a receber uma pensão de sobrevivência por parte da CA Serviços, ACE, datada de 10 de Fevereiro de 2016 que abrange já a antiguidade para efeitos do Fundo de pensões do Crédito Agrícola Mútuo, reportada a 5 de Junho de 1989, pelo que, já contempla o período em que o ex-trabalhador falecido esteve ao serviço do BPSM e do BCP (5 de Junho de 1989 a 12 de Dezembro de 2004), pelo que nada mais terá a receber do BCP (sob pena de receber em duplicado, pelo mesmo período de tempo).
• relativamente ao período de 1989 a 2000 e como o vínculo laboral foi com o BPSM, entidade essa - naquelas datas - diferente do 1.º Réu (BCP), não foi possível a este obter os recibos de vencimento nem informação contida em "Fichas Recapitulativas" quanto aos pagamentos/descontos feitos naquele período, só sendo possível obter tal informação a partir da data em que foi o BCP que passou a proceder ao pagamento das remunerações (de 2001 a 2004) o que fez.
Notificada a autora da contestação apresentada pela Caixa Agrícola, respondeu reconhecendo a factualidade desta constante.
Proferido despacho saneador, foi julgada a instância válida e regular, dispensada a fixação do objecto do processo e a enunciação dos temas de prova, admitidas as provas arroladas pelas partes e designada a data para realização da audiência de julgamento.
Realizada a audiência de julgamento, o Mm.º Juiz proferiu a sentença, na qual:
a) no que respeita ao período em que o Trabalhador exerceu a sua actividade para o Réu BCP, e uma vez que a documentação relevante para o efeito foi junta aos autos pelo Réu, aquando da apresentação da sua contestação, determina-se a extinção da instância referente ao pedido incidente sobre este período por inutilidade superveniente da lide, tudo nos termos e para os efeitos do exposto no art.º 277.º al. e) do Código de Processo Civil;
b) no que respeita ao pedido formulado pela Autora e referente ao período em que o seu falecido marido trabalhou para o BPSM, face à prova da impossibilidade na obtenção dos elementos referentes à mesma, cujo suporte documental já não é o Réu obrigado a manter, vai este absolvido do mesmo.
Inconformada, a autora interpôs recurso, pedindo que a sentença proferida seja revogada ser revogada, condenando-se o BCP como peticionado, culminando a alegação com as seguintes conclusões:
"(A) A Apelante pediu que o Apelado BCP fosse julgado devedor da obrigação de indicar, desde a data do ingresso do falecido marido da Autora no BPSM até à data do termo do seu contrato com o BCP, o montante de todas as retribuições que lhe foram pagas, em montante ilíquido e liquido, com indicação de todos valores descontados, e indicação do motivo do desconto e da entidade para os quais o desconto foi feito e a juntar todos os documentos em seu poder que provem tais retribuições e descontos e, bem assim, a indicar se transferiu, e em caso afirmativo, para quem e em que montantes, valores que tivessem sido descontados ao falecido e que estivessem em seu poder;
(B) Entendeu o Tribunal a quo estar cumprido tal dever na parte referente aos anos de 2001 a 2004, através da entrega do que referiu serem 'Fichas recapitulativas', contendo quantias reportadas pelo BCP a 'Recibos' dos vários meses, de cada um daqueles anos e com o descritivo dos respectivos pagamentos e descontos feitos por si, bem como indicação do fundamento de cada rubrica;
(C) Ora, a Apelante pediu que as informações a prestar - junção de todos os documentos em seu poder (do BCP) que provem tais retribuições e descontos e, bem assim, a indicação sobre se transferiu, e em caso afirmativo, para quem e em que montantes, valores que tivessem sido descontados ao falecido e que estivessem em seu poder - estivessem estribadas nos documentos que as corporizam;
(D) O que o BCP juntou, foi o que aparenta serem impressões de suportes onde essa informação estaria - ao que o mesmo refere - contida;
(E) O BCP não entregou os documentos de onde consta essa informação mas informação já por si 'trabalhada', pois resultará de um suporte por si criado e onde incluiu o que lhe aprouve incluir;
(F) Não pode, pois, considerar-se cumprido o dever de informar e, por isso a lide extinta por inutilidade superveniente, nesta parte;
(G) Assim, no entender da Apelante o artigo 277.º, alínea e) do CPC foi incorrectamente aplicado;
(H) Entendeu, ainda o Tribunal absolver o BCP de prestar as informações referentes ao período de trabalho cumprido pelo falecido marido da Apelante no Banco Pinto e Sotto Mayor, que foi objecto de fusão com o BCP passando para este os seus direitos e obrigações (artigo 112.º, alínea a) do CS), por entender ser-lhe aplicável o artigo 40.º, n.º 1, do Código Comercial;
(I) O artigo 40.º, n.º 1, do CC, aplica-se a correspondência emitida e recebida; escrituração mercantil; - documentos relativos a escrituração mercantil; sendo certo que estamos perante relações laborais e não mercantis;
(J) O dever de informação, vertido nos artigos 106.º, n.os 1 e 3, alínea h) e 127.º, n.º 1, alínea j) do CT, estende-se, como afirmou - neste aspecto com a concordância da Apelante, a sentença - também por aplicação do principio da boa-fé 'após a cessação dessa mesma relação contratual desde que legitimadas por um propósito legítimo', propósito legítimo esse que, aliás, se reconheceu ser o da Apelante;
(K) Ora, o n.º 5 da cláusula 123.ª do ACT refere que, 'Por morte dos trabalhadores a que se refere a presente clausula, as pessoas designadas no número 5 da cláusula 123.ª - têm direito a uma pensão de sobrevivência, no montante mensal de 60% do valor da reforma que a instituição vinha a pagar ou que o trabalhador tinha direito a receber da mesma, nos termos da presente clausula, se se reformasse na data do seu falecimento';
(L) A aplicação do preceito acima indicado não foi condicionada por qualquer prazo;
(M) A obrigação de concessão aos herdeiros dos bancários de uma pensão de sobrevivência no montante mensal de 60% do valor da reforma que a instituição vinha a pagar, estende-se para um período indefinido, que pode ser muito superior aos últimos dez anos, a possibilidade de os mesmos virem requerer tal pensão;
(N) Consequentemente estende, para um período indefinido muito superior aos últimos dez anos, a necessidade/possibilidade de análise dos documentos e informações deles constantes referentes aos descontos efectuados e respectivos montantes;
(O) E o correlativo dever de informar;
(P) Quando a banca pactuou como pactuou, assumindo a obrigação que assumiu, sem condição de prazo, assumiu implicitamente que o seu dever de informar se manteria enquanto o dever de pagar se mantivesse;
(Q) Destarte, o Tribunal a quo aplicou de forma indevida, o artigo 40.º, n.º 1, do Código Comercial, desconsiderando o disposto no n.º 5 da cláusula 123.ª do ACT e os artigos 106.º, n.os 1 e 3, alínea h) e 127.º, n.º 1, alínea j) do CT".
Contra-alegou o réu BCP e ampliou a apelação, pedindo que seja negado provimento ao recurso, mantida a sentença recorrida e julgada procedente a requerida impugnação da matéria de facto em sede de ampliação de objecto de recurso, concluindo assim:
"1. Ao contrário do alegado pela Autora, decidiu bem a douta sentença recorrida.
2. No âmbito dos presentes autos, a Autora peticiona que o 1.º Réu (BCP) seja condenado a entregar a informação/documentação seguinte:
- indicar, desde a data do ingresso do falecido marido da Autora no BPSM; até à data do termo do seu contrato com o BCP (de 1989 a Dez. 2004), o montante de todas as retribuições que lhe foram pagas, em montante ilíquido e liquido, com indicação de todos valores descontados, e indicação do motivo do desconto e da entidade para os quais o desconto foi feito e a juntar os documentos em seu poder que provem tais retribuições e descontos e, bem assim, a indicar se o BCP transferiu, e em caso afirmativo, para quem e em que montantes, valores que tivessem sido descontados ao falecido e que estivessem em seu poder.
2. Ora, não obstante ser entendimento do 1.º Réu (BCP), que nenhuma documentação/informação terá a obrigação de entregar à Autora, o que é certo é que, mesmo assim diligenciou no sentido de recolher a documentação/informação acima referida,
3. Todavia, tendo em consideração que o vínculo laboral entre o BCP e o referido BB, terminou em Dezembro de 2004, há mais de 20 anos, e atenta a antiguidade a que se reporta a informação solicitada (também reportada a data longínqua e alguma, há mais de 30 anos, pois abrange o período de 1989 a 2004), apenas, até agora, conseguiu reunir a documentação que juntou em anexo à contestação e por requerimento de 12.11.2024 ,- o que ficou provado - e bem - nos presentes autos (cfr. Pontos M. e N. dos factos provados)
4. Relativamente ao período de 1989 a 2000, como o vínculo laboral foi com o BPSM, entidade essa - naquelas datas - diferente do 1.º Réu (BCP), não é já possível a este obter os recibos de vencimento nem informação contida em 'Fichas Recapitulativas' quanto aos pagamentos/descontos feitos naquele período, só sendo possível obter tal informação a partir da data em que foi o BCP que passou a proceder ao pagamento das remunerações (de 2001 a 2004). - o que ficou provado, à contrário - e bem - nos presentes autos (cfr. Pontos M. e N. dos factos provados)
5. Assim, quanto aos anos de 2001 a 2004: Juntaram-se as 'Fichas recapitulativas', referentes aos citados anos de 2001, 2002, 2003 e 2004, contendo as quantias reportadas aos 'Recibos' dos vários meses, de cada um daqueles anos e com o descritivo dos respectivos pagamentos e descontos feitos pelo 1.º Réu (BCP), bem como indicação do fundamento de cada rubrica. (Docs. 2, fls. 1 a 4 junto coma contestação e documento junto por Requerimento, de 12.11.2024)
6. Não foi localizado pelo 1.º Réu (BCP) nenhum registo da transferência do Fundo de Pensões, como também ficou provado - e bem - no Ponto O. dos factos provados.
Ora,
7. Ficou provado nos Pontos 'M.' e 'N.' da douta sentença recorrida o seguinte:
M. O Réu BCP diligenciou no sentido de recolher a documentação/informação acima referida.
N. Apenas conseguiu reunir as 'Fichas recapitulativas', referentes aos citados anos de 2001, 2002, 2003 e 2004, contendo as quantias reportadas aos 'Recibos' dos vários meses, de cada um daqueles anos e com o descritivo dos respectivos pagamentos e descontos feitos pelo 1° Réu (BCP), bem como indicação do fundamento de cada rubrica.
8. Face à matéria dada como provada - e bem - nos Pontos 'M.' e 'N.', resulta que o 1.º Réu (BCP) diligenciou no sentido de obter a documentação/informação solicitada pela Autora, e que apenas conseguiu reunir a documentação descrita no ponto O. dos factos provados.
9. Assim, ao contrário do alegado e pretendido pela autora e Recorrente, decidiu bem a douta sentença, nem de outra forma poderia ter decidido.
10. Em sede de ampliação do objecto de recurso, impugna-se a matéria de facto, nos Pontos E. e G., por conter lapsos de datas.
Consta do Ponto 'E.' o seguinte: 'E. Até Janeiro de 2004, o falecido esteve inscrito na Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários. '
E consta do Ponto 'G.' o seguinte: 'G. A partir de Fevereiro de 2004, com a transição para o Crédito Agrícola Serviços, o falecido passou a efectuar descontos para a Segurança Social.'
11.Ora, o trabalhador BB foi admitido no BPSM em 1989 e manteve-se ao serviço do Banco Comercial Português, S.A. (1.º Réu) até Dezembro de 2004. (como resulta do Doc. 2, fls. 4 junto com a contestação, no qual constam pagamentos feitos pelo BCP, reportados ao mês de Dezembro/2024, inclusive, como se verifica na 3.ª coluna a contar do lado direito da tabela, bem como, como consta no Doc. 2, fls.3 junto com a p.i., no qual, se refere, quanto ao 'BPSM - Junho/1989 a Dezembro/2000 e, quanto ao 'Millennium BCP' — Janeiro/2001 a Dezembro/2004.
12. A partir daquela data - Dezembro de 2004 não mais trabalhou para o BCP. (como resulta do Doc. 2, fls. 3 junto com a p.i.)
13. Tendo posteriormente, ainda em Dezembro/2004, sido admitido pela entidade 'Crédito Agrícola' (cfr. Doc. 2 fls. 3 junto com a p.i. - no qual se refere, em reporte a 'Crédito Agrícola' quanto ao NISS EE ... Dezembro/2004 a Dezembro/2006 e quanto ao NISS EE ... Janeiro/2007 a Outubro/2015 e Doc. 4, juntos com a p.i.)
14. E quanto ao ano de 2004, resulta do Doc. 2, fls. 2, junto com a p.i., que em 2004, também foram feitos descontos para a CAFEB, reportados a 12 meses (cfr. parte inferior do documento).
15. Pelo que o Ponto D. dos factos provados, deverá ficar com a redacção seguinte: 'E. Até Dezembro de 2004, o falecido esteve inscrito na Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários.'
16. E o Ponto 'G' dos factos provados, deverá ficar com a redacção seguinte: 'G. A partir de Dezembro de 2004, com a transição para o Crédito Agrícola Serviços, o falecido passou a efectuar descontos para a Segurança Social.'
17. Deve assim negar-se provimento ao recurso interposto pela Autora".
A apelante autora não contra-alegou na ampliação da ré.
Os autos foram com vista ao Ministério Público, tendo a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta sido de parecer no sentido da manutenção da sentença recorrida.
Nenhuma das partes respondeu ao parecer do Ministério Público.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar o mérito do recurso, delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes e pelas questões de que se conhece ex officio. Assim, importa apreciar:
a) na apelação da autora:
• a inutilidade superveniente da lide relativamente à parte em que foi julgada cumprida a obrigação do BCP prestar a peticionada informação à apelante (na parte referente aos anos de 2001 a 2004);
• o incumprimento da obrigação da apelada prestar as informações referentes ao período anterior (trabalho cumprido pelo falecido marido da apelante no Banco Pinto e Sotto Mayor);
b) na ampliação do réu BCP:
• alteração da decisão da matéria de facto.
***
II - Fundamentos.
1. Factos julgados provados:
"A. A Autora é viúva de BB, falecido intestado em 4 de Outubro de 2015.
B. O falecido era bancário, com a categoria profissional de assistente de direcção, tendo iniciado a sua carreira no Banco Pinto & Sotto Mayor (BPSM), em 01 de Junho de 1989.
C. O BPSM integrou-se, por fusão, no Banco Comercial Português, SA, pelo que em 01 de Janeiro de 2001, o falecido passou a estar vinculado ao BCP.
D. Em 01 de Dezembro de 2004, o falecido transitou para o Crédito Agrícola Serviços, ao serviço de quem estava na data do seu óbito.
E. Até Janeiro de 2004, o falecido esteve inscrito na Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários.
F. Efectuando descontos para essa instituição de previdência através primeiro do BPSM e, depois, do BCP.
G. A partir de Fevereiro de 2004, com a transição para o Crédito Agrícola Serviços, o falecido passou a efectuar descontos para a Segurança Social.
H. A Autora solicitou ao BCP o pagamento da pensão de sobrevivência correspondente ao período de tempo em que seu falecido marido ali trabalhara.
I. Este respondeu-lhe que a mesma estava a receber uma pensão de sobrevivência paga pelo Crédito Agrícola Serviços, que considerava a antiguidade seu falecido marido, reportada e 05 de Junho de 1989 e que, no cálculo da pensão que recebia estava já considerado o período de serviço prestado ao BCP.
J. Não foram transferidos para o BCP os valores referentes aos descontos efectuados pelo Autor ao serviço do BPSM e BCP entre 01 de Junho de 1989 a 30 de Novembro de 2004.
K. A Autora não possui as informações referentes ao montante ilíquido e líquido da retribuição a que cada trabalhador tem direito, com indicação de que quantias foram descontadas, a que titulo e para quem e, no caso de transição para outra instituição bancária, informação sobre os montantes transferidos para a mesma a título de descontos, caso tenha sido o caso, nem os documentos que as suportam, as quais - informações e documentos - encontram-se na posse do BCP.
L. A Crédito Agrícola Serviços - Centro de Serviços Partilhados, ACE, reconheceu a antiguidade do referido BB reportada a 5 de Junho de 1989.
M. O Réu BCP diligenciou no sentido de recolher a documentação/informação acima referida.
N. Apenas conseguiu reunir as “Fichas recapitulativas”, referentes aos citados anos de 2001, 2002, 2003 e 2004, contendo as quantias reportadas aos “Recibos” dos vários meses, de cada um daqueles anos e com o descritivo dos respectivos pagamentos e descontos feitos pelo 1° Réu (BCP), bem como indicação do fundamento de cada rubrica.
O. Não foi localizado pelo 1.º Réu (BCP) nenhum registo da transferência do Fundo de Pensões".
2. Factos não provados.
(…)
3. Motivação.
O Tribunal teve em consideração a prova produzida e analisada em sede de audiência de julgamento, a saber, o teor dos documentos juntos aos autos conjugados com o depoimento das testemunhas inquiridas e arroladas pelas partes as quais manifestaram um conhecimento directo e imediato sobre os factos pelas quais foram chamadas a depor, tendo-o o feito com credibilidade e isenção.
Assim, certo é que ambas as partes estão de acordo quanto à existência de um contrato de trabalho celebrado entre estas, assim como quanto à sua execução e termo.
Posto isto, o Tribunal reteve o teor dos documentos juntos aos autos, a saber, a carta remetida pelo BCP à Autora, datada de 17 de Fevereiro de 2016 e na qual este lhe transmite que, no seu entender, não lhe assiste direito à atribuição de um complemento de pensão de sobrevivência pelo seu falecido marido e constante de fls. 8 dos autos, a declaração de fls. 9 dos autos emitida pela Caixa Agrícola demonstrativa de que o falecido marido da Autora foi seu funcionário com antiguidade reportada a 05 de Junho de 1989, a declaração emitida pelo BCP em 11 de Novembro de 2004 e constante de fls. 10 dos autos e demonstrativa de que este foi seu empregado com antiguidade reportada também a 05 de Junho de 1989, o extracto anual de remunerações emitida pela Segurança Social de fls. 11 dos autos e da qual se pode concluir em que data é que o falecido marido da Autora deixou de descontar para o CAFEB e passou a descontar para aquela entidade, a escritura de habilitação de herdeiros de fls. 13 a 15 dos autos demonstrativa da qualidade de herdeira da Autora, a certidão de registo comercial referente ao BCP e constante de fls. 70 a 74 dos autos e por fim, as fichas recapitulativas referentes às retribuições auferidas pelo falecido marido da Autora durante o período em que trabalhou para o BCP e constantes das fls. 70 a 74 dos autos.
No mais, o Tribunal atende ao depoimento da testemunha CC, ex colega do falecido marido da Autora e a qual contextualizou o percurso profissional do mesmo, assim como a testemunha DD, funcionário do BCP o qual descreveu em detalhe qual o método de cálculo da pensão a que a Autora tem eventualmente direito, ao abrigo dos acordos de empresa em vigor, mais confirmando em Tribunal quais as diligências realizadas com vista à obtenção da documentação solicitada pela Autora e o resultado das diligências em causa, nomeadamente o insucesso na obtenção de qualquer documentação referente ao período de trabalho em que o seu falecido marido trabalhou para a Caixa Agrícola.
Esta última testemunha ainda confirmou em Tribunal, com rigor e isenção, o teor das fichas recapitulativas juntas aos autos descrevendo o seu teor, assim como as contribuições das mesmas constantes e quais as rubricas a estas aplicadas.
Por fim, é de referir que a matéria de facto considerada como não provada deveu-se ao facto de o Tribunal atender à aplicação dos IRCT aplicáveis a cada uma das Rés e como tal, dos critérios aplicáveis resultar que a Caixa de Crédito Agrícola não considera a antiguidade do falecido marido da Autora como critério para determinação do valor da pensão a atribuir a esta e isto, independentemente de ter assumido, por escrito, reconhecer a antiguidade do seu antigo funcionário reportada a 1989.
De referir que o Tribunal não respondeu à matéria conclusiva e de carácter iminentemente jurídico.
4. O direito.
4.1 Vejamos então (e ainda que a questão tenha sido apenas suscitada pelo apelado BCP em ampliação da apelação da apelante AA) a impugnação da decisão da matéria de facto suscitada pelo apelado BCP em ampliação da apelação da autora AA.
Os factos julgados provados cuja decisão foi impugnada são os seguintes:
"E. Até Janeiro de 2004, o falecido esteve inscrito na Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários.
(…)
G. A partir de Fevereiro de 2004, com a transição para o Crédito Agrícola Serviços, o falecido passou a efectuar descontos para a Segurança Social".
O BCP pretende se altere a decisão de modo a que passe a ser julgado provado que "E. Até Dezembro de 2004, o falecido esteve inscrito na Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários" e que "'G. A partir de Dezembro de 2004, com a transição para o Crédito Agrícola Serviços, o falecido passou a efectuar descontos para a Segurança Social".
Como prova a impor a alteração especificou o documento 2, junto com a petição inicial.
Ora, o documento em causa foi junto pela apelante AA com a petição inicial e é uma declaração emitida pelo Instituto da Segurança Social, IP (assinado por técnico do mesmo e com carimbo em uso no mesmo), pelo que é um documento autêntico; de todo o modo, não foi impugnado pelas rés. Certo é ainda que do seu conteúdo resulta que as coisas são como pretende a apelante. E assim sendo, prova a realidade constante dos factos tal como descritos pelo apelante BCP, pelo que e em consequência dos art.os 369.º, n.os 1 e 2, 370.º, n.º 1, 371.º, n.º 1 e 372.º, n.º 1 do Código Civil, se concede a ampliação da apelação pretendida pelo réu BCP, ficando os factos assim:
"E. Até Dezembro de 2004, o falecido esteve inscrito na Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários.
(…)
G. A partir de Dezembro de 2004, com a transição para o Crédito Agrícola Serviços, o falecido passou a efectuar descontos para a Segurança Social".
4.2 Entrando agora na apreciação das questões suscitadas na apelação da autora, vejamos se não devia ter sido declarada a inutilidade superveniente da lide relativamente à parte em que foi julgada cumprida a obrigação do BCP prestar a peticionada informação à apelante (descontos efectuados nos anos de 2001 a 2004) e improcedente quanto ao período anterior (de Janeiro de 1989 a Dezembro de 2004).
Já se sabe que no primeiro período (2001 a 2004) o falecido BB trabalhou por conta do BCP e no segundo para o BPSM, depois integrado naquele (factos provados A a D).
Por outro lado, os descontos em causa referentes a esse período não foram transferidos para o apelado (facto provado J), o mesmo diligenciou por recolher a pertinente informação (facto provado N), mas não a localizou (facto provado O), apenas logrando reunir fichas "recapitulativas" referentes aos anos de 2001 a 2004 (factos provados M a O).
A sentença recorrida reconhece que em tese a apelante poderá titular um direito potestativo a exercer noutra sede contra os réus, podendo ser o apelado ou a co-ré não apelante, para o que precisará de conhecer a situação contributiva do seu falecido cônjuge e nessa medida que o primeiro deles a esclareça documentalmente.
Por outro lado, a sentença também reconhece que o princípio da boa fé se manterá nos casos como o sub iudicio apesar da extinção do contrato de trabalho.
Tudo isto em consideração ao estatuído pelos art.os 106.º, n.os 1, 2 e 3, alínea h) e 127.º, n.º 1, alínea j) do Código do Trabalho e 227.º, n.º 1 e 762.º, n.º 2 do Código Civil.
E com tudo isso concorda a apelante.
Onde a apelante dissente com a sentença é na consideração de que o dever em causa se mantenha por apenas 10 anos por efeito do estatuído pelo art.º 40.º do Código Comercial.
Ora, o citado art.º 40.º do Código Comercial estabelece no n.º 1 que "Todo o comerciante é obrigado a arquivar a correspondência emitida e recebida, a sua escrituração mercantil e os documentos a ela relativos, devendo conservar tudo pelo período de 10 anos" e no n.º 2 que "Os documentos referidos no número anterior podem ser arquivados com recurso a meios electrónicos".
Ao contrário de outras situações,1 nem o Código do Trabalho, nem o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (ou anteriores conhecidos) fixam prazo para as entidades contributivas guardarem em arquivo os documentos de suporte das respectivas obrigações declarativas.
Por outro lado, a apelante também não indica qualquer prazo que seja legalmente fixado, sustentando, ao invés, que é indefinido, mas sem convocar qualquer razão para tal modo de ver as coisas; todavia, isso não faz qualquer sentido quando, como é sabido, desde logo o próprio prazo de caducidade para a administração proceder à liquidação (oficiosa) das obrigações contributivas em apreço é de quatro anos (art.º 45.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária; neste sentido, vd. os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 21-05-2014, no processo n.º 0766/13 e de 04-05-2022, no processo n.º 098/17.2BEALM, publicados em http://www.dgsi.pt).
Assim sendo, ganha lastro a proposta sufragada pela sentença de submeter o caso sub iudicio ao prazo estabelecido no citado art.º 40.º do Código Comercial para em geral os comerciantes conservarem "… a sua escrituração mercantil e os documentos a ela relativos, devendo conservar tudo pelo período de 10 anos" (de resto também assim decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04-10-2011, no processo n.º 3200/04.0TVLSB.L1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt, assim sumariado na parte relevante: " I - A conservação da generalidade dos documentos dos comerciantes deve observar a regra do art.º 40.º do Cód. Comercial que permite a sua destruição decorrido que seja o prazo de dez anos"), a qual se subscreve.
Quer isto dizer que o apelado BCP cumpriu a obrigação ao entregar as "fichas recapitulativas" referentes à retribuição do cônjuge da apelante no período em que trabalhou para o mesmo propriamente dito (2001 a 2004), conforme refere a sentença recorrida? Bem, as "fichas recapitulativas" juntas pelo apelado como documento n.º 2 com a contestação não servem qualquer efeito no domínio das contribuições para a Segurança Social (o conceito não lhe é aplicável, como é para o IVA como se vê do Decreto-Lei n.º 186/2009, de 12 de Agosto e ‒ mais recentemente ‒ a Portaria n.º 215/2020, de 10 de Setembro; o conteúdo da obrigação contributiva vem agora estabelecida pelo art.º 38.º, n.º 1 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, como vinha nos pretéritos diplomas aplicáveis no tempo), mas isso não importa ao caso uma vez que já se extinguira a obrigação e, portanto, não podia ser agora compelido a fazê-lo, embora, no rigor dos termos por isso mesmo deveria o pedido ter sido julgado improcedente (e não extinta a instância por inutilidade superveniente da instância decorrente do cumprimento, que não existiu; o que, no entanto, não pode ser decidido porque tal na prática representaria uma condenação ultra petitum); e o mesmo se conclui, a maiori ad minus, relativamente às contribuições relativas ao período anterior em que trabalhou para o BPSM (de Janeiro de 1989 a Dezembro de 2004) pois que menos sentido faria exigir-se ao apelante, enquanto sucessor do BPSM, que mantivesse em arquivo os respectivos documentos declarativos.
Deste modo se acorda negar a apelação da autora e confirmar a sentença recorrida.
A apelante suportará a totalidade das custas da apelação que interpôs e da ampliação do réu BCP porquanto em ambas ficou vencida (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa).
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III - Decisão.
Termos em que se acorda:
a) conceder a impugnação da decisão da matéria de facto decorrente da ampliação da apelação interposta pelo réu BCP e, em consequência, alterar os factos julgados provados em D) e G), que ficarão assim:
"E. Até Dezembro de 2004, o falecido esteve inscrito na Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários.
(…)
G. A partir de Dezembro de 2004, com a transição para o Crédito Agrícola Serviços, o falecido passou a efectuar descontos para a Segurança Social";
b) negar a apelação da autora e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante autora, tanto da sua apelação como da ampliação do réu BCP.
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Lisboa, 05-11-2025.
Alves Duarte
Celina Nóbrega
Cristina da Cruz
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1. Por exemplo: na área laboral stricto sensu: o registo dos processos de recrutamento efectuados ou a relação dos trabalhadores que efectuaram trabalho suplementar, o prazo de 5 anos, ex vi dos art.os 32.º, n.º 1 e 231.º, n.º 1 do Código do Trabalho; na área tributária: para os documentos relativos à liquidação, respectivamente, do IRS, do IRC e do IVA, os art.os 118.º, n.º 2 do CIRS, 115.º, n.º 5 do CIRC e 1.º e 19.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15-02-2019-02, o prazo de 10 anos.