CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
ENCERRAMENTO TOTAL DA EMPRESA
ÓNUS DA PROVA
Sumário

1. Nos termos do art. 346.º, n.º 3, do Código do Trabalho, para que se verifique a caducidade do contrato de trabalho é necessário que se verifique cumulativamente o encerramento total da empresa empregadora, e não apenas de um dos seus estabelecimentos, e que esse encerramento seja definitivo.
2. A caducidade, como facto extintivo do contrato de trabalho, constitui uma excepção peremptória cujos ónus de alegação e prova dos respectivos factos cabem ao empregador contra quem o trabalhador pretende exercer o direito.

Texto Integral

Acordam, na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório.
AA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra Auto Viação Feirense, Ld.ª, pedindo que fosse:
I - declarado o contrato de trabalho em causa nulo e sem termo, assim como a respectiva cláusula 10.ª, n.º 4;
II - declarado ilícito o despedimento / cessação do contrato de trabalho em causa;
III - condenada (deduzindo-se os valores entretanto comprovadamente liquidados) a ré a pagar-lhe:
a) € 4.239,00, a título de indemnização em substituição da reintegração, sem prejuízo da Autora optar, a final, pela reintegração;
b) € 1.200,00, de remunerações mensais vencidas e vincendas, acrescendo todos os créditos laborais vencidos e não pagos e vincendos, incluindo respeitantes a subsídio de alimentação, ajudas de custo, férias e subsídios de natal e de férias não gozadas, juros, vencidos e vincendos, até final;
c) € 651,60, de créditos horas de formação profissional
d) € 2.500,00 a título de indemnização por danos morais, previstos na alínea a) do n.º 1 do art. 389.º do código do trabalho,
e) todos e quaisquer créditos laborais que sejam devidos assim como, danos, prejuízos e encargos suportados e a suportar, mesmo que a liquidar em execução de sentença,
f) juros moratórios vencidos e vincendos sobre todas e quaisquer quantias, até efectivo e integral pagamento;
IV - condenar a ré a suportar todas e quaisquer custas judiciais, taxas de justiça, demais encargos, incluindo custas de parte e condigna procuradoria, e ainda - na sanção pecuniária compulsória, que se atribui o valor de € 50,00 diários a contabilizar desde a data de condenação até integral e efectivo cumprimento.
Para tanto, alegou, em síntese:
• a nulidade do termo do contrato pela impossibilidade de estabelecer relação entre a justificação apresentada e o termo estipulado, e que, de todo o modo, se verificou a conversão do contrato no dia 01.07.2022;
• a cessação ilícita do contrato de trabalho por caducidade com efeitos desde 05-03-2024.
Citada a ré, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.
Para tal notificada, a ré contestou, alegando, em resumo, que:
• enganou-se e utilizou a minuta errada no contrato da autora, que a cessação do contrato de trabalho da autora se verificou no âmbito de uma extinção de posto de trabalho, tendo a Autora aceitado a indemnização correspondente;
• prestou as horas de formação devidas;
• a autora sabia, desde Dezembro do ano anterior, que o seu contrato de trabalho iria cessar, razão pela qual não é devido qualquer valor a título de indemnização por danos morais;
• opôs-se à reintegração da autora.
A autora respondeu, impugnando o vertido na contestação e pediu a condenação da ré em litigância de má fé.
Proferido despacho saneador, foi julgada a instância válida e regular, fixado o objecto do processo e dispensada a enunciação dos temas de prova, admitidas as provas arroladas pelas partes e reafirmada a data para realização da audiência de julgamento.
Realizada a audiência de julgamento, a Mm.ª Juiz proferiu a sentença, na qual julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:
1) declarou a nulidade do termo certo aposto ao contrato de trabalho celebrado entre as partes;
2) declarou ilícito o despedimento da autora pela ré;
3) condenou-a a pagar-lhe:
a. a indemnização em substituição da reintegração, correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano ou fracção completos de antiguidade que se vencer até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, que se fixa actualmente em € 3.768,00;
b. as retribuições, a liquidar, - incluindo férias, subsídios de férias e subsídios de Natal - que esta deixou de auferir desde 05 de Março de 2024, tendo por referência a remuneração mensal ilíquida de € 1.386,62, descontadas das importâncias que a autora comprovadamente recebeu pela cessação do contrato de trabalho com a ré, e as que tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, deduzindo-se igualmente o montante auferido pela mesma a título de subsídio de desemprego, que a ré entregará directamente à Segurança Social;
c. a quantia de € 651,60 a título de crédito de horas de formação;
d. juros de mora, à taxa de legal, a contar do trânsito em julgado e até efectivo e integral pagamento das quantias em que vai condenada;
4) absolveu-a do demais peticionado, incluindo do pedido de condenação como litigante de má fé.
Inconformada, a ré interpôs recurso, pedindo que a sentença seja revogada e, em consequência:
A. a matéria de facto dada como provada no ponto 16 dada como não provada;
B. o aditamento à matéria de facto dada como provada dos factos alegados nos artigos 15,17, 18,20,21 e 26 contestação e, ainda, 'Que a sociedade comercial Gestavia assumiu a operação de transportes executada anteriormente pela Ré no Aeroporto Humberto Delgado', provados em sede de audiência de discussão e julgamento.
C. declare lícito o despedimento da autora e na sequência absolvida a ré da indemnização e retribuições por liquidar.
D. declare verificada a falta de fundamentação da sentença recorrida no que concerne:
a) à motivação do facto provado n.º 16;
b) à caducidade do contrato de trabalho;
c) à remuneração mensal ilíquida auferida pela Autora ser a quantia de € 1.386,62 e não de € 942,00.
Para tal culminou a alegação com as seguintes conclusões:
"A. Dando aqui por reproduzido tudo quanto anteriormente se disse, ao abrigo do princípio da economia processual, cumpre-nos balizar o presente recurso.
B. Pretende o Recorrente ver esclarecida por este Venerando Tribunal as questões suscitadas pela sentença proferido pelo tribunal a quo, a saber:
I. Padece a douta sentença recorrida de vício de falta de fundamentação gerador da sua nulidade no que concerne à omissão de análise da cessação do vínculo laboral entre a Autora e a Ré por via da caducidade do contrato de trabalho prevista nos artigos 340.º, al. a), 343.º, al. b) e 346.º, n.os 3, 4 e 5 do Código do Trabalho e, ainda, quanto ao ponto n.º 16 da matéria de facto dada como provada?
II. Andou bem o tribunal a quo ao declarar o despedimento ilícito da Autora?
III. Andou bem o tribunal a quo ao não analisar o caso concreto à luz da caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva da Empregadora/Ré receber o trabalho da Autora, atento os factos provados n.os 6, 7 e 8 da sentença recorrida, previsto nos artigos 340.º, al. a), 343.º, al. b) e 346.º, n.os 3, 4 e 5 do Código do Trabalho?
IV. Andou bem o tribunal a quo ao dar o facto 16 como provado na douta sentença recorrida?
V. Andou bem o tribunal a quo ao não carrear para o capítulo dos factos dados como provados a matéria de facto alegada nos artigos 15, 17, 18, 20, 21 e 26 da Contestação, com base no documento 4 junto à Contestação e com base na prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento pelas testemunhas da Autora Sr. BB e CC e pela testemunha arrolada pela Ré Sr. DD?
VI. Andou bem o tribunal a quo ao decidir 'Condeno a Ré Auto Viação Feirense a pagar à Autora AA: (...) b. as retribuições a liquidar, - incluindo férias, subsídio de férias e subsídios de Natal - que esta deixou de auferir desde 05 de Março de 2024, tendo por referência a remuneração mensal ilíquida de € 1.386,62' quando não há qualquer facto dado como provado de que a mesma auferia tal retribuição e dos recibos de vencimento daquela resulta que auferia o vencimento ilíquido de € 942,00?
Posto isto,
33. A Recorrente considera que a matéria de facto n.º 16 dada como provada deverá ser considerada não provada, atento o teor do depoimento do Sr. DD, para o qual se remete nas alegações e, ainda, pela razão de não vir justificado na sentença o motivo do tribunal a quo ter atribuído total credibilidade às declarações de parte e nem sequer ter feito menção ao teor das declarações da testemunha.
34. Acredita a Recorrente que reanalisada a matéria de facto produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, outros factos deveriam ter ficado a constar como factos dados como provados, designadamente os factos alegados nos artigos 15, 17, 18, 20, 21 e 26 da Contestação da Contestação e, ainda, 'Que a sociedade comercial Gestavia assumiu a operação de transportes executada anteriormente pela Ré no Aeroporto Humberto Delgado', com base nos excertos de transcrições da prova testemunhal do Sr. DD, do Sr. BB e da Sra. CC para os quais se remete nas alegações.
35. Considera a Ré que inexistiu qualquer despedimento ilícito da Autora, verificando-se a caducidade do seu contrato de trabalho por impossibilidade superveniente da Ré receber o seu trabalho por encerramento do estabelecimento comercial da Ré no Aeroporto Humberto Delgado, nos termos previstos nos artigos 340.º, al. a), 343.º, al. b) e 346.º, n.os 3, 4 e 5 do Código do Trabalho.
36. Advoga da Recorrente que a sentença recorrida padece de vício de falta de fundamentação, no que concerne segmento da decisão que considera o despedimento ilícito não vem fundamentado, porquanto o tribunal a quo não analisa a caducidade do contrato de trabalho, nos termos previstos nos artigos 340.º, al. a), 343.º, al. b) e 346.º, n.os 3, 4 e 5 do Código do Trabalho.
37. O que, em bom rigor, até impossibilita o exercício do contraditório pela Ré nestas alegações, a Ré não pode contra argumentar o porquê de o tribunal a quo não ter declarado o despedimento lícito por via da caducidade do contrato de trabalho, porquanto o tribunal a quo não se pronunciou a respeito.
38. Paralelamente, somos da opinião que o facto provado n.º 16 não vem fundamentado o raciocínio lógico ou o motivo do tribunal a quo ter atribuído total credibilidade às declarações de parte da Autora, pessoa com interesse no processo e de não ter feito a contraposição com o depoimento prestado pela testemunha Sr. DD.
39. Por fim, verificamos falta de fundamentação da sentença quando o tribunal a quo decide que a Autora auferia de remuneração mensal ilíquida a quantia de € 1.386,62! E que têm de lhe ser pagas as retribuições a liquidar com base naquele vencimento, o qual a mesma não auferia!
40. Aliás, dos recibos de vencimento juntos aos autos resulta que a mesma auferia de remuneração mensal ilíquida a quantia de € 942,00.
41. Não consta de nenhum facto dado como provado que a Autora auferisse de remuneração mensal ilíquida a quantia de € 1.386,62, pelo que, também não consta da sentença recorrida a motivação de tal decisão de matéria de facto".
Contra-alegou a autora, concluindo pela manutenção da sentença recorrida.
Admitido o recurso na 1.ª Instância e remetido a esta Relação, foram os autos com vista ao Ministério Público, tendo a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta sido de parecer que a apelação não merece provimento.
Nenhuma das partes respondeu ao parecer do Ministério Público.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar o mérito do recurso, delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente e pelas questões de que se conhece ex officio. Assim, importa apreciar as seguintes questões:
i. da nulidade da sentença, por falta de fundamentação;
ii. da impugnação da decisão da matéria de facto;
iii. da ilicitude do despedimento da autora versus a caducidade do contrato de trabalho e respectivas consequências.
***
II - Fundamentos.
1. Factos julgados provados.
"1. A Ré dedica-se aos Transportes terrestres nacionais e internacionais de passageiros em veículos pesados com serviço regular ou ocasional. Transporte rodoviário de mercadorias nacional e internacional por meio de camiões ou veículos similares. Aluguer de veículos automóveis pesados. Organização de actividades de animação turística. Outros transportes terrestres de passageiros diversos.
2. Por escrito denominado contrato de trabalho a termo certo datado de 1 de Julho de 2021 e com início na mesma data, a Autora, como segunda outorgante, foi admitida ao serviço da Ré pelo período de 6 meses e término no dia 31 de Dezembro de 2021.
3. Consta do referido documento: (...)
Cláusula 2.ª
(Funções)
1. A segunda contraente obriga-se a exercer, sob a autoridade e direcção da primeira contraente, as funções de MOTORISTA DE SERVIÇO PÚBLICO para desempenhar as funções inerentes à sua categoria profissional, tais como: transporte de passageiros em serviço de carreira ou aluguer.
2. Para efeitos do número anterior, entende-se nas funções da segunda contraente as definidas no Contrato Colectivo do sector, supra identificado.
3. A segunda contraente deverá, ainda e acessoriamente, realizar quaisquer outras tarefas, que lhe sejam indicadas pela Gerência da primeira contraente, afins ou funcionalmente ligadas para as quais tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional.
4. A segunda contraente desempenhará as funções em regime de exclusividade para com a primeira contraente.
Cláusula 3.ª
(Local de trabalho)
A segunda contraente desempenhará as funções acima referidas no interior das instalações do Aeroporto de Lisboa, e ainda nos locais onde a primeira contraente tenha trabalhos a efectuar e para os quais determine a intervenção do segundo
Cláusula 4.ª
(Horário de trabalho)
1. O horário de trabalho é móvel de acordo com o livrete registado no Ministério do Trabalho e Solidariedade Social.
2. O período de intervalo não será em princípio inferior a uma hora nem superior a três horas. No caso de não ser utilizado o tempo máximo de três horas durante o primeiro período de descanso pode ser dado um segundo intervalo até perfazer as três horas.
3. As folgas semanais serão gozadas em sistema rotativo, segundo um critério de rotação semanal a fixar por acordo entre o primeira e segundo contraentes.
(...)
Cláusula 10.ª
(Motivação do contrato e adequabilidade temporal)
1. O presente contrato justifica-se pela execução de serviço determinado precisamente definido e não duradouro que consiste no contrato de aluguer de viaturas com motoristas para transporte de passageiros no Aeroporto Humberto Delgado, celebrado entre a SPdH - Serviços Portugueses de Handling, S.A., denominada Groundforce Portugal, NIPC 506 651 649, e a primeira outorgante.
2. No entanto, atento o facto de estes serviços serem atribuídos por um período definido, não sendo certo que os mesmos sejam sucessivamente adjudicados à primeira contraente, não pode esta garantir a celebração de um contrato sem termo, razão pela qual, se justifica a celebração do presente contrato a termo por oito meses, correspondente ao período de maior volume de trabalhos.
3. A presente motivação foi comunicada à segunda contraente/trabalhadora, que dela tomou consciência, que declara, desde já, concordar com o seu teor, e que, por essa via, adere totalmente ao conteúdo da mesma.
4. A segunda contraente, ao assinar em baixo, após lhe ter sido explicado todo o teor da presente Motivação declara que não poderá invocar a falta de motivação/justificação do contrato a termo, quer em juízo, quer fora dele, para que o contrato, a que ora se sujeita, se converta em contrato sem termo.
5. A segunda contraente fica impedida de invocar a falta de motivação/justificação para retirar outras consequências que não as previstas no presente contrato.
6. O presente contrato a termo tem cabimento ao abrigo do disposto no artigo 140.º, n.º 2 alínea g) do Código do Trabalho.
Cláusula 11.ª
(Caducidade)
1. O contrato de trabalho caducará no termo do prazo estipulado se a primeira contraente comunicar, por escrito, à segunda contraente, até quinze dias antes do prazo expirar, a vontade ele o não renovar ou o segundo contraente comunicar à primeira a vontade de o rescindir com a antecedência mínima de oito dias.
2. No caso de o contrato não ser rescindido nos termos da cláusula anterior nem denunciado, o mesmo renovar-se-á por iguais e sucessivos períodos, até ao máximo de duas renovações, devendo também, nestes casos, para fazer caducar o contrato a primeira contraente comunicar por escrito à segunda contraente a referida intenção.
4. Pelo menos desde Agosto de 2023, como contrapartida do seu trabalho, a Autora recebia € 942,00 a título de vencimento base, acrescido de € 115,50 de subsídio de alimentação e € 329,12 a título de ajudas de custo, tudo no valor líquido de € 1.200,00.
5. A Autora prestava o seu trabalho no Aeroporto de Lisboa, transportando passageiros entre o terminal e os aviões.
6. No dia 06.12.2023, a Ré recepcionou a denúncia do contrato de aluguer de viaturas com o operador de transporte de passageiros no Aeroporto Humberto Delgado e no Aeroporto Francisco Sá Carneiro com efeitos a 05.03.2024.
7. Durante o mês de Dezembro de 2023, já se falava no aeroporto sobre a denúncia do contrato de aluguer de viaturas mencionado em 6, tendo a Autora conhecimento de conversas com a Gestavia para os motoristas continuarem a trabalhar no aeroporto.
8. Em 16.01.2024, a Ré remeteu à Autora uma comunicação da qual consta o seguinte:
Assunto: Caducidade do contrato de trabalho Exmo(a). Senhor(a),
Serve a presente para comunicar a V. Exa. que a SPdH - Serviços Portugueses de Handling, S.A. comunicou a esta sociedade comercial a cessação do contrato de prestação de serviços no Aeroporto de Lisboa com data de fim no dia 05.03.2024.
Assim sendo, o pressuposto da celebração do contrato de trabalho com V. Exa. deixou de se verificar e não dispomos de qualquer outro tipo de serviço nessa zona geográfica, ou noutra, que possamos lhe apresentar uma proposta de transferência de local de trabalho.
Razão pela qual, vimos pelo presente cessar o seu contrato de trabalho com efeitos no dia 05.03.2024, deixando de nos prestar serviço nessa data, nos termos do disposto no artigo 344.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
Informa-se, ainda, a V. Exa. que a partir do dia 07.02.2024 deverá iniciar o seu período de gozo de férias até ao dia 05.03.2024. Solicitamos que, no término do seu contrato, proceda à entrega de todos os materiais e equipamentos que a Empregadora lhe forneceu para a prestação do serviço, nessa data também lhe enviaremos a documentação destinada à obtenção do subsídio de desemprego e o certificado de trabalho, assim como colocaremos à sua disposição o valor dos créditos laborais devidos.
9. A Autora prestou trabalho para a Ré até ao dia 05.03.2024.
10. A Ré pagou à Autora a quantia total de € 1.786,16 sendo:
- € 1.063,24, a título de COMPENSAÇÃO CESSAÇÃO Contrato EE;
- € 157,00, referente a proporcionais do vencimento;
- € 130,46, referente a Férias não gozadas;
- € 141.30, referente a Subsídio de Férias;
- € 169,90, referente a proporcionais do Subsídio Férias;
- € 169,90, referente a proporcionais do Subsídio de Natal;
- € 16,50, referente a Subsídio Alimentação
- € 51,40, referente a Ajudas de Custo
11. A ré entregou a Autora declaração de situação de desemprego datada de 05.03.2024, indicando três motivos de cessação do contrato de trabalho: quadrícula 3, (extinção de posto de trabalho), quadrícula 14 (acordo de revogação de efectivo) e quadrícula 15 (acordo de revogação fundamentado em motivo que permita o despedimento colectivo ou extinção de posto de trabalho)
12. Em 12.03.2024, a Ré enviou à Autora, por email, declaração de situação de desemprego datada de 05.03.2024, indicando como motivo de cessação do contrato de trabalho despedimento por extinção do posto de trabalho.
13. De 12.03.2024 a 19.05.2024, a Autora auferiu subsídio de desemprego no valor diário de € 23,3172.
14. Desde 20.05.2024, a Autora encontra-se inscrita como Trabalhadora por Conta de Outrem na Entidade com o NISS: ... - Barraqueiro Transportes, S.A.
15. A Autora frequentou um curso de refrescamento de 4 horas da Groundforce antes de iniciar o seu trabalho para a Ré.
16. A Ré informou a Autora de que poderia trabalhar para a Flixbus mas que para tal teria de assinar novo contrato.
17. A mãe da Autora emprestou-lhe dinheiro durante 7 a 8 meses após ter ficado desempregada.
18. EE recebeu da Ré uma carta de decisão da extinção do posto de trabalho por email e duas semanas depois a de caducidade".
2. Factos julgados não provados.
"a. No dia 16.01.2024 foi enviada à Autora a intenção de extinção do posto de trabalho.
b. Posteriormente, a Ré enviou a decisão de despedimento por extinção de posto de trabalho.
c. A Autora teve formação profissional ministrada pela Ré.
d. A Autora teve graves crises de ansiedade, com forte depressão, passava dias a chorar compulsivamente e não dormia".
3. Motivação da decisão da matéria de facto.
"O Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica, conjugada e ponderada da prova documental e testemunhal produzida e, bem assim, no depoimento de parte da Autora, nos termos que infra melhor se explanaram, sem prejuízo do acordo entre as partes relativamente a determinada factualidade conforme se indicará.
Foram ouvidas as testemunhas FF, GG, EE e BB, todos trabalhadores da Ré à data dos factos e por isso com conhecimento directo, e cujas declarações mereceram a credibilidade do tribunal, atenta a congruência dos depoimentos e espontaneidade dos mesmos, pese embora o litígio que declararam ter com a Ré.
Foram ainda ouvidos HH e II, respectivamente irmã e marido da Autora, e DD, Coordenador de Tráfego da Ré desde Novembro de 2023.
Concretizando.
Apesar de a Ré estar sujeita a registo e não ter sido junta certidão, a exigência de prova documental só surge quando esse facto for posto em dúvida pela parte contrária, ou quando constitua o próprio thema decidendum, pelo que o ponto 1. dos factos provados foi assim considerado atendendo ao acordo das partes e ao print junto como documento n.º 2 da petição inicial.
Os pontos 2. e 3. foram dados como provado atento o teor do contrato de trabalho a termo certo celebrado entre as partes, e o documento denominado certificado de trabalho, ambos junto aos autos com a PI e não impugnados.
O ponto 4. foi dado como provado atento o acordo das partes, conjugado com os recibos de vencimento juntos aos autos.
O ponto 5. dos factos assim resultou das declarações da Autora conjugadas com o depoimento das testemunhas FF, GG, BB e DD, colegas da Autora no aeroporto e que confirmaram as funções exercidas.
O ponto 6. resulta do teor do documento junto como n.º 1 da contestação.
O ponto 7. resulta do depoimento da testemunha BB, que confirma que a situação era comentada informalmente no aeroporto conjugado com as declarações da Autora, que admitiu ter tido conhecimento de conversações com outra empregadora.
O ponto 8. resulta como provado da conjugação do teor dos documentos n.º 13 da PI e n.º 3 da Contestação, juntamente com as declarações das testemunhas FF, GG, e BB, que confirmaram a recepção de documento com idêntico teor.
Refira-se, contudo, que a Ré ofereceu uma versão alternativa dos factos, que consiste numa comunicação da intenção de despedimento por extinção de posto de trabalho enviado à Autora em 16.01.2024 e comunicação da decisão por escrito datado de 30 de Janeiro de 2024.
Contudo, uma a análise crítica dos documentos juntos, juntamente com os depoimentos já referidos, não corrobora a versão apresentada pela Ré.
Com efeito, encontra-se junto aos autos envelope com o registo RL22382209PT, com data de aceitação de 16.01.2024 (documento n.º 13 da PI) a que corresponde o aviso de recepção junto como documento n.º 2 da Contestação e que a Ré alegou respeitar a intenção de extinção de posto de trabalho.
A Ré juntou ainda um documento relativo à decisão de despedimento por extinção de posto de trabalho datado de 30 de Janeiro de 2024.
Contudo, se por um lado a Ré não juntou sequer o documento de extinção de posto de trabalho a que respeitaria o aviso de recepção de 16.01.2024 (documento cujo teor se desconhece), também não juntou qualquer comprovativo de envio da decisão de despedimento por extinção de posto de trabalho como lhe competia.
Acresce que apenas a testemunha EE, que prestou trabalho directamente para a Ré de 2018 a 2021 e que desde 2021 presta serviço para a Bus on Tour, ou seja, em enquadramento laboral distinto, afirma ter recebido a carta de decisão de extinção de posto de trabalho.
Assim, pelos mesmos fundamentos, considerou-se provado que o documento remetido à Autora em 16.01.2024 foi o documento relativo à caducidade do contrato de trabalho, datado de 10 de Janeiro (de 2023, certamente por lapso) e consideraram-se não provados os pontos a. e b. relativos a comunicações à Autora da extinção do posto de trabalho.
O ponto 9. dos factos provados resulta do acordo das partes e do certificado de trabalho junto com a PI.
O ponto 10. dos factos provados resulta do acordo das partes, conjugado com o recibo de vencimento junto como documento n.º 12 da PI.
O ponto 11. resulta do teor do documento junto à PI com o n.º 15
O ponto 12. resulta do documento n.º 1 junto com a resposta à Contestação, não impugnado pela Ré.
Os pontos 13. e 14. resultam do teor do ofício junto aos autos em 30.10.2024 pelo Instituto da Segurança Social.
Os pontos 15. e 16. dos factos provados resulta das declarações da Autora.
O ponto 17. dos factos provados assim resultou da conjugação do depoimento do marido e da irmã da Autora, que a visita quase diariamente, que referiram que a mãe emprestou dinheiro à Autora durante aquele período. As mesmas testemunhas permitiram dar como não provado o estado psicológico da Autora (o ponto d. dos factos não provados). Com efeito, resultando da experiência comum que o despedimento provoca, regra geral, angústia e sofrimento no trabalhador, a Autora não logrou provar o plus que alegou.
O ponto 18. dos factos provados resulta das declarações da própria. Esta testemunha foi a única que confirmou em Tribunal a recepção da comunicação da extinção do posto de trabalho.
A factualidade não provada, conforme foi já possível verificar, resultou da ausência ou insuficiência de prova susceptível de a revelar ou da circunstância da prova produzida revelar uma realidade distinta
Assim, o ponto c. dos factos não provados foi assim considerado pela total ausência de prova produzida pela Ré".
4. O direito.
4.1 Das nulidades da sentença.
A apelante arguiu a nulidade da sentença imputando-lhe falta de fundamentação decorrente da omissão de análise da cessação do vínculo laboral entre a autora e a ré por via da caducidade do contrato de trabalho prevista nos art.os 340.º, alínea a), 343.º, alínea b) e 346.º, n.os 3, 4 e 5 do Código do Trabalho, a não fundamentação do valor da retribuição desta e, ainda, não se mostrar justificada a decisão quanto ao ponto n.º 16 da matéria de facto dada como provada.
Vejamos se lhe assiste razão, começando pela primeira das invocadas nulidades.
4.1.1 O art.º 615.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil estatui que "é nula a sentença quando: (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento".
É sabido que o Tribunal, mesmo em via de recurso, tem que decidir todas as questões que lhe são submetidas pelas partes, mas não apreciar todos os argumentos que invocam como sustentação delas, só gerando a nulidade da sentença a ausência de pronúncia sobre as mesmas;1 todavia, note-se bem, só "há nulidade (no sentido lato de invalidade) quando falte em absoluto a indicação … dos fundamentos de direito da decisão".2 Pelo que "não padece de nulidade, por falta de fundamentação e omissão de pronúncia, a sentença que indica os factos e os princípios e as regras em que se funda a decisão e aprecia todas as questões suscitadas, ainda que de forma deficiente e com eventual erro de julgamento".3 Mas em todo o caso a sentença não tem que decidir as questões suscitadas pelas partes quando a sua solução resulte prejudicada pela solução dada a outra que com ela logicamente contenda (art.os 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
No caso, a sentença considerou que o termo aposto no contrato deveria ser considerado nulo e, quando assim se não considerasse, que já teria operado a conversão do termo por a duração do contrato já ter excedido o prazo de dois anos, considerando-o como contrato de trabalho sem termo; e na sequência disso, concluiu que tendo-se "provado apenas que a ré comunicou à autora a caducidade do seu contrato de trabalho, contrato esse que, por já ter convertido em contrato sem termo, não estava sujeito a caducidade, razão pela qual o motivo justificativo do despedimento terá necessariamente de ser considerado improcedente e, consequentemente, o despedimento considerado ilícito nos termos do artigo 381.º, alínea b) do Código do Trabalho", fica a todas as luzes evidente que a sentença não padece da nulidade da falta fundamentação; poderá esta ser insuficiente ou até mesmo incorrecta, o que se pretexta por necessidade de raciocínio, mas está claro que existe.
Questão diferente é a de saber se omitiu pronúncia sobre a invocada caducidade do contrato ajuizado, não pelo decurso do tempo do termo certo nele clausulado pois que a sentença decidiu que antes ocorrera a conversão para contrato por tempo indeterminado (pelo que sempre ficaria precludida a questão, nos termos do art.º 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil), mas, outrossim, cita-se, por virtude da sentença "não analisar o caso concreto à luz da caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva da Empregadora/Ré receber o trabalho da Autora, atento os factos provados n.os 6, 7 e 8 da sentença recorrida, previsto nos artigos 340.º, al. a), 343.º, al. b) e 346.º, n.os 3, 4 e 5 do Código do Trabalho".
Sobre isto antes importa desde logo saber se a apelante invocou oportunamente essa causa de caducidade do contrato de trabalho, que vem prevista no art.º 343.º, alínea b) do Código do Trabalho, pois que, como é sabido, está proibido às partes suscitarem em recurso a pronúncia sobre questões que nele se configurem como rerum novarum (sobre essa proibição, que imediatamente decorre do art.º 627.º, n.º 1 do Código de Processo Civil − "as decisões judiciais podem…" − se referem, inter alia, na doutrina Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, tomo I, Coimbra Editora, 2008, 2.ª edição, página 8, Miguel Teixeira de Sousa, em Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, página 395 e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, Almedina, Lisboa, 2014, página 27 e, na jurisprudência, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-10-2020, no processo n.º 25/11.0TBVRL.G1.S2 e de 15-09-2021, no processo n.º 559/18.6T8VIS.C1.S1, publicados em http://www.dgsi.pt).
Ora, a verdade é que analisada a contestação da apelante resulta a todas as luzes evidente que nela apenas invocou a cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho, desde logo no art.º 23.º ("No dia 16.01.2024, foi enviada a intenção de extinção do posto de trabalho – cfr. Comprovativo que se junta ao diante como documento 2") e, depois, ao longo do mais ali articulado (por exemplo: art.os 24.º, 28.º, et cætera), mas nunca a sua caducidade por "impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva da Empregadora/Ré receber o trabalho da Autora, atento os factos provados n.os 6, 7 e 8 da sentença recorrida, previsto nos artigos 340.º, al. a), 343.º, al. b) e 346.º, n.os 3, 4 e 5 do Código do Trabalho", conforme agora pretende na alegação do recurso.
Assim sendo, naturalmente que se não pode apreciar se a sentença omitiu pronúncia acerca dessa questão, pois que nos autos é questão nova introduzida com a apelação e nesta apenas se pode reapreciar questões já conhecidas pelo Tribunal recorrido.
Em todo o caso, cumpre dizer que se não poderá conceder a apelação.
4.1.2 Por outro lado, a apelante pretende que a sentença também padece de nulidade decorrente da não fundamentação da decisão quanto ao ponto n.º 16 da matéria de facto provada.
Porém, essa nulidade4 só ocorre quando a decisão for deficiente, obscura ou contraditória, tal como definido pelo art.º 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, como foi referido pelo acórdão da Relação do Porto, de 11-12-2024, no processo n.º 2364/21.3YIPRT.P1, publicado em http://www.dgsi.pt, caso em que, concluiu o aresto, "diferente deste vício [leia-se: do art.º 615.º, n.º 1, alínea b)], é a falta de fundamentação da decisão da matéria de facto que determinando a remessa do processo ao tribunal da 1.ª instância, nas circunstâncias previstas no artigo 662.º, n.º 2 al. d) ou a anulação do julgamento, ao abrigo da alínea c) do mesmo normativo, o vício que não gera, por isso, a nulidade da decisão".
Assim, sendo esse o caso retratado é apodíctico concluir que também nesta parte se não pode atender a apelação (ficando eventualmente por apurar mais adiante se será caso de aplicação desta última norma, situação que de resto está sempre em aberto aquando da subsunção jurídica dos factos provados).
4.1.3 Invoca ainda a apelante a nulidade da sentença por falta de fundamentação decorrente do quantum da retribuição da apelada considerado na fundamentação jurídica e decisório da sentença (€ 1.386,62) ser diverso daquele que considera demonstrado (€ 942,00).
Quanto a isto importa ter presente que foi julgado provado que "4. Pelo menos desde Agosto de 2023, como contrapartida do seu trabalho, a Autora recebia € 942,00 a título de vencimento base, acrescido de € 115,50 de subsídio de alimentação e € 329,12 a título de ajudas de custo, tudo no valor líquido de € 1.200,00" e que da motivação da decisão relativa a esse facto foi referido que "O ponto 4. foi dado como provado atento o acordo das partes, conjugado com os recibos de vencimento juntos aos autos".
Assim sendo, neste caso a decisão mostra-se fundamentada e, por conseguinte, não padece da nulidade que lhe foi imputada pela apelante; é certo que em tese, que se admite por necessidade de raciocínio, poderá ter sido cometido um error in judicando, mas a ser assim isso será causa de ilegalidade substantiva da sentença, mas não de falta de fundamentação da decisão da matéria de facto e consequente nulidade daquela. Pelo que adiante se voltará a essa questão uma vez que apesar de desadequadamente suscitada a questão isso não impede que dela se conheça no lugar próprio atendendo ao princípio iura novit curia elencado no n.º 3 do art.º 5.º do Código de Processo Civil (note-se que neste caso se trata de qualificação / questão de direito, não existindo, por consequência, qualquer obstáculo a esse conhecimento).
4.2 A impugnação da decisão da matéria de facto.
Vejamos agora a impugnação da decisão proferida acerca da matéria de facto, sendo que quanto a isso a apelante pretende que:
i. o facto provado n.º 16 deverá ser considerado não provado;
ii. deverão ser considerados provados:
• os factos alegados nos artigos 15, 17, 18, 20, 21 e 26 da contestação; e
• que "a sociedade comercial Gestavia assumiu a operação de transportes executada anteriormente pela ré no Aeroporto Humberto Delgado".
4.2.1 No que concerne à impugnação da decisão do primeiro facto, o Tribunal a quo julgou provado que:
"16. A Ré informou a Autora de que poderia trabalhar para a Flixbus mas que para tal teria de assinar novo contrato".
Tendo motivado a sua decisão referindo que "Os pontos 15. e 16. dos factos provados resulta das declarações da Autora".
Já a apelante, como prova relativa à decisão que propugna (o facto ser julgado não provado), especificou passagens do depoimento prestado pela testemunha DD na sessão da audiência de julgamento do dia 22-01-2025.
Importa referir que é aqui que conviria apreciar a alegada questão da não fundamentação da decisão proferida acerca deste facto na sentença recorrida.
Todavia, o facto é irrelevante para o eventual conserto da decisão em dissídio pois a perspectiva da defesa da apelante desenrolada na contestação consistiu em situar a extinção do contrato de trabalho no instituto do despedimento por extinção do posto de trabalho, tendo para tal nela alegado, como se viu e além do mais, que "30. A Ré recorreu ao despedimento por extinção do posto de trabalho por falta de alternativa, atento que a Autora não estava disposta a prestar serviço em Setúbal e na Moita, única operação que a Ré tinha em Lisboa, tão pouco a GESTAVIA teve interesse em receber os motoristas por transmissão do contrato de trabalho".
Ora, para que esse instituto possa relevar é forçoso que o empregador invoque um dos requisitos previstos no art.º 368.º, n.os 1, alíneas a) a d) e 4 e sejam efectuadas as comunicações e consultas previstas nos art.os 369.º e 370.º, para só depois proferir a decisão, por escrito, da qual devendo constar, designadamente, o motivo relevado para o despedimento, sob pena do mesmo ser ilícito, conforme resulta dos art.os 371.º e 381.º, alínea b), como os demais do Código do Trabalho (como de resto referiu a sentença recorrida, deve assinalar-se).
Tendo isso em conta e o teor do documento n.º 3 junto pela apelante com a sua contestação vê-se que, na sua própria perspectiva das coisas, o motivo que invocou para o despedimento foi a extinção do posto de trabalho e que nele referiu ainda que "Esta empresa não dispõe de outra tipologia de serviço na zona de Lisboa, vosso actual local de trabalho e local de residência, tão pouco dispõe de vagas para motorista de serviço público ou qualquer outra categoria profissional em outras operações, razão pela qual não é possível propor a V. Exa. a sua transferência de local de trabalho ou a sua requalificação para outra categoria profissional".
Ora, uma vez que para a discussão da licitude do despedimento apenas releva o motivo invocado pelo empregador no escrito em que procede ao mesmo, está bem de ver que a sua informação à apelada de que poderia trabalhar para a Flixbus em nada interessa à boa decisão do caso em apreço; e sendo irrelevante, seria inútil proferir decisão acerca da sua realidade pois que tal é proibido pelo art.º 130.º do Código de Processo Civil, como pacificamente é referido na jurisprudência;5 o mesmo ocorrendo na apelação em que se discuta a alteração da decisão da matéria de facto, caso em que, como decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-04-2015, no processo n.º 2776/10.8TVLSB.L1-1, publicado em http://www.dgsi.pt, "o tribunal de recurso deve ater-se, na reapreciação a efectuar, apenas àquilo que for útil e relevante, ignorando ou desconsiderando o que extravasar o campo da utilidade para a causa e dispensando-se de conhecer da impugnação de factos que se mostrem irrelevantes ou insusceptíveis de qualquer repercussão na decisão da causa".
No que concerne à pretensão da apelante de que se julguem provados os factos por ela alegados nos art.os 15, 17, 18, 20, 21 e 26 da contestação, convém antes de mais lembrá-los:
"15. A Autora só realizava o serviço de transporte no Aeroporto Humberto Delgado para a Ré.
(…)
17. Na sequência, a Ré entrou em contacto com todos os motoristas que dispunha no Aeroporto Humberto Delgado e no Aeroporto Francisco Sá Carneiro dando-lhes a conhecer a denúncia do contrato.
18. Aos motoristas de Lisboa, como é o caso da Autora, foi proposto, caso fosse do interesse daqueles, realizarem o serviço regular em Setúbal e Moita, atento que, a Ré é subcontratada da Alsa Todi naquele lote da Área Metropolitana de Lisboa.
(…)
20. Os motoristas afirmaram o interesse em continuar a laborar no Aeroporto Humberto Delgado, razão pela qual, a Ré solicitou à SPdH que colocasse cláusula no contrato que iria celebrar com a nova operadora obrigando aquela a aceitar a transmissão dos motoristas, solução o que foi recusada.
21. Perante a recusa, a Ré decidiu encetar directamente conversações com a GESTAVIA, empresa que a SPdH informou que passaria a assumir a posição de Operador, as quais se frustraram, uma vez que os motoristas decidiram apresentar candidatura espontânea junto da GESTAVIA e aceitaram as condições daquela empresa, que contemplavam um vencimento inferior ao praticado pela Ré.
(…)
26. Assim, no dia 07.03.2024, a Ré, na pessoa da signatária, enviou e-mail a cada um dos motoristas, inclusive à Autora com o seguinte teor:
'Exmos. Senhores,
Como cremos ser do vosso conhecimento, estivemos em conversações com a Gestavia para proceder à transmissão de todos os motoristas da Auto Viação Feirense no Aeroporto de Lisboa, contudo, só ontem, ao final da tarde, é que obtivemos resposta daquela empresa dizendo que não vão aceder à transferência.
Em paralelo, a Gestavia informou-nos que tem feito várias entrevistas a vosso pedido e que ainda farão mais entrevistas no dia 13.03.2024, pelas 10h00, para quem estiver interessado em ingressar naquela empresa para se manter a prestar serviço no mesmo local, todavia, será necessário que os interessados se inscrevam através do seguinte formulário:
https://forms.gle/s4WjtjV1owrrc3Gv7
Assim, em anexo, enviamos a documentação para apresentação junto da Segurança Social para obtenção do subsídio de desemprego, em virtude da Groundforce ter cessado o contrato de prestação de serviços com a AVF no Aeroporto de Lisboa, sem prejuízo a comunicação através da página da SS será feita electronicamente no dia de hoje, pelo que, a princípio, não necessitarão de apresentar qualquer documento, contudo é sempre bom fazerem-se acompanhar dos mesmos caso vos solicitem.
Optamos por enviar a todos hoje por e-mail a documentação, uma vez que, temos enviado a documentação por diversas vezes, desde Janeiro, para as vossas moradas, no entanto, as cartas têm vindo devolvidas por não serem levantadas junto do posto dos correios.
Qualquer questão, disponham'. – cfr. E-mail e seus anexos que se junta ao diante como documento 4 e se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos".
Para o efeito, a apelante especificou passagens dos depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência de julgamento FF, GG, EE e BB.
A apelante alinha a sua pretensão para permitir que sejam apreciados "os requisitos da caducidade do contrato de trabalho por encerramento do estabelecimento, isto é, por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva da Ré receber o trabalho da Autora"; o que, como vimos, não foi a causa convocada para cessação do contrato de trabalho (essa foi, repete-se, o despedimento da apelada por extinção do posto de trabalho).
No que concerne ao primeiro daqueles factos, a verdade é que está já provado, como se vê dos termos conjugados dos factos julgados provados 3 (no segmento: "1. O presente contrato justifica-se pela execução de serviço determinado precisamente definido e não duradouro que consiste no contrato de aluguer de viaturas com motoristas para transporte de passageiros no Aeroporto Humberto Delgado…") e 5 ("A Autora prestava o seu trabalho no Aeroporto de Lisboa, transportando passageiros entre o terminal e os aviões"); e assim sendo, nesta parte não se atenderá à apelação (poder-se-ia dizer que não está provado o adjectivo "só", mas a verdade é que em lugar algum foi alegado nem provado que a apelada tinha outro além desse trabalho).
Quanto aos demais factos, vale o que se disse na parte inicial do item anterior: uma coisa é o despedimento da apelada por extinção do posto de trabalho, que foi o casus belli (pré judicial e depois na contestação) invocado pela apelante para a cessação do contrato de trabalho e por isso relevava e deveria ser (e foi) ponderado na sentença; outra, a apelante ter informado a trabalhadora da possibilidade de ir trabalhar para uma terceira empresa, que nada acrescenta à apreciação e decisão dessa questão (note-se que a data da comunicação alegada no art.º 26.º da contestação atrás referido − 07-03-2024 − é posterior à da cessação do contrato − 05-03-2024, isto mesmo na perspectiva da apelante; por outro lado, a apelante também não convocou para o caso a transmissão do estabelecimento, pois sequer alegou ter cumprido os requisitos para esse efeito previstos nos art.os 285.º e seguintes do Código do Trabalho o que acrescenta desinteresse àqueles factos).
Pelo que e em resumo se conclui por não conceder a impugnação da decisão da matéria de facto suscitada pela apelante.
4.3 Da ilicitude do despedimento da autora versus caducidade do contrato de trabalho.
A este propósito a sentença considerou:
(i) que o termo aposto no contrato era nulo; e mesmo que assim não fosse, já teria operado a conversão por a duração do contrato ter excedido o prazo de dois anos, pelo que sempre teria que ser considerado como celebrado por tempo indeterminado;
(ii) que os factos provados não permitiam aferir de uma qualquer comunicação de despedimento por extinção do posto de trabalho;
(iii) que a comunicação feita pela apelante à apelada da caducidade do contrato de trabalho consubstanciou-se, outro sim, no seu despedimento ilícito nos termos do artigo 381.º, alínea b) do Código do Trabalho por já se ter convertido em contrato sem termo.
Já a apelante pretexta que o contrato de trabalho celebrado com a apelada se extinguiu por caducidade decorrente da impossibilidade superveniente absoluta desta prestar e aquela receber o trabalho, nos termos do estabelecido nos art.os 340.º, alínea a), 343.º, alínea b) e 346.º, n.os 3, 4 e 5 do Código do Trabalho.
Todavia, conforme atrás se disse, sendo esta rerum novarum nos autos, não pode agora ser considerada na apelação pelas razões atrás elencadas.
Mas ainda que assim não fosse, o que se admite por necessidade de raciocínio, a verdade é que sempre a pretensão da apelante teria que ser desatendida. Com efeito, e lembrando desde logo a previsão dos citados normativos:
"Artigo 340.º
Modalidades de cessação do contrato de trabalho
Para além de outras modalidades legalmente previstas, o contrato de trabalho pode cessar por:
a) Caducidade;
(…).
Art.º 343.º
Causas de caducidade de contrato de trabalho
O contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente:
(…)
b) Por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber;
(…)
Art.º 346.º
Morte de empregador, extinção de pessoa colectiva ou encerramento de empresa
(…)
3 - O encerramento total e definitivo de empresa determina a caducidade do contrato de trabalho, devendo seguir-se o procedimento previsto nos artigos 360.º e seguintes, com as necessárias adaptações.
4 - O disposto no número anterior não se aplica a microempresas, de cujo encerramento o trabalhador deve ser informado com a antecedência prevista nos n.os 1 e 2 do artigo 363.º
5 - Verificando-se a caducidade do contrato em caso previsto num dos números anteriores, o trabalhador tem direito a compensação calculada nos termos do artigo 366.º, pela qual responde o património da empresa.
(…)".
Ora, como está bem de ver e de resto salientou o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 17-12-2019, no processo n.º 3823/15.2T8BRR.L1.S1, "face aos requisitos consignados no citado art.º 343.º, al. b) (impossibilidade absoluta e definitiva), a caducidade só ocorrerá se o encerramento for total (e não apenas parcial) e definitivo (e não apenas temporário)"; sendo que este modo este de ver as coisas logo encontrou eco no acórdão da Relação de Évora, de 14-09-2023, no processo n.º 708/22.0T8TBJA.E1, como aquele publicado em http://www.dgsi.pt, reafirmando este aresto que "nos termos do art.º 346.º, n.º 3, do Código do Trabalho, para que se verifique a caducidade do contrato de trabalho dos trabalhadores é necessário que se verifique cumulativamente o encerramento total da empresa empregadora, e não apenas de um dos seus estabelecimentos, e que esse encerramento seja definitivo".
Ora, a caducidade é, a um tempo, substantivamente facto extintivo do contrato de trabalho (art.º 340.º, alínea a) do Código do Trabalho) e processualmente excepção peremptória, pelo que os ónus da alegação e da prova dos factos em que se traduz correm por conta da apelante, por ser a empregadora contra quem a apelada e trabalhadora pretende exercer o direito (art.os 342.º, n.º 2 do Código Civil e 576.º, n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil).
Contudo, sabemos que a apelante não alegou (de resto alegou o contrário nos art.os 18.º e 30.º da contestação, acima referidos), nem provou, que encerrou a empresa, mas, outrossim, apenas o (provável) estabelecimento onde a apelada prestava trabalho, pelo que daí resulta a conclusão de que não alegou nem provou o encerramento total da empresa a que se reportam os citados art.os 343.º, alínea b) e 346.º, n.º 3 do Código do Trabalho.
Destarte, nesta parte também se não concede a apelação da ré.
Por fim, resta por apreciar a questão que a apelante suscitou como sendo de nulidade da sentença por falta de fundamentação decorrente do quantum da retribuição da apelada considerado na fundamentação jurídica e conclusão decisória da sentença (€ 1.386,62) ser diverso daquele que considera demonstrado (€ 942,00), mas que atrás se considerou (e se considera) ser de possível error in judiciando.
Na motivação jurídica da decisão relativa a esta questão foi dito o seguinte:
"De acordo com o disposto no artigo 390.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o despedimento ilícito confere ao trabalhador, ainda, o direito de receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal.
(…)
No cálculo das prestações vencidas e vincendas deve tomar-se em conta os subsídios de férias e de Natal devidos ao trabalhador e vencidos naquele período, sendo que nestes não é contabilizado o subsídio de alimentação.
No que tange ao valor da retribuição a considerar, o acórdão do STJ, de 17.06.2010, decidiu que: Embora o referido n.º 1 do art.º 437.º (correspondente ao actual 390.º n.º 1), ao estatuir que o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, não refira se o valor da retribuição a considerar é a retribuição ilíquida ou líquida, resulta da letra da lei que a retribuição em causa corresponde à quantia que o trabalhador deixou de auferir, isto é, a quantia ilíquida que deve entender-se como retribuição do trabalho e sobre a qual incidem os descontos legais.
(…)
Em consequência, para cômputo do valor devido a título de retribuições vencidas, deverá considerar-se o período decorrido desde 05.03.2024 até ao trânsito em julgado da presente decisão, tendo por referência que a Autora/Trabalhadora auferia a remuneração mensal ilíquida de € 1.386,62, que corresponde ao valor líquido de € 1.200,00".
Quanto a isto importa ter presente que foi julgado provado o seguinte facto:
"4. Pelo menos desde Agosto de 2023, como contrapartida do seu trabalho, a Autora recebia € 942,00 a título de vencimento base, acrescido de € 115,50 de subsídio de alimentação e € 329,12 a título de ajudas de custo, tudo no valor líquido de € 1.200,00".
E depois proferida a consequente decisão:
"Nos termos e pelos fundamentos exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
(…)
3) Condeno a Ré Auto Viação Feirense a pagar à Autora AA:
(…)
b. as retribuições, a liquidar, - incluindo férias, subsídios de férias e subsídios de Natal - que esta deixou de auferir desde 05 de Março de 2024, tendo por referência a remuneração mensal ilíquida de € 1.386,62 (…)".
Assim sendo, fica evidenciado que a sentença errou ao afirmar e depois concluir que a apelada auferia a "remuneração mensal ilíquida de € 1.386,62, que corresponde ao valor líquido de € 1.200,00", pois que se provou que era apenas de € 942,00.
De resto a própria apelante alegou na petição inicial que "6. Em contrapartida do trabalho prestado, a A. recebia, a título de vencimento base, mensal, ilíquido, na última quantia recebida de € 942,00 x 14 meses – Vidé docs. 4 a 12, , que se juntam e cujos teores se vertem, na íntegra, na presente" e a ré confessou no art.º 1.º da contestação que "1. Aceita-se os factos constantes dos artigos 3.º, 5.º e 6.º da douta PI".
Daí que nesta parte se conceda a apelação da ré.
***
III - Decisão.
Termos em que se acorda conceder parcial provimento a apelação e, em consequência, alterar o ponto 3) b. da decisão, que ficará assim: "(…) b. as retribuições, a liquidar, - incluindo férias, subsídios de férias e subsídios de Natal - que esta deixou de auferir desde 05 de Março de 2024, tendo por referência a remuneração mensal ilíquida de € 942,00 (novecentos e quarenta e dois euros) (…)", mantendo-se quanto ao mais nela decidido.
Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa; sem prejuízo do apoio judiciário de que a apelada beneficia).
*
Lisboa, 05-11-2024.
Alves Duarte
Celina Nóbrega
Susana Silveira
_______________________________________________________
1. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-03-2014, no processo n.º 555/2002.E2.S1 e de 20-11-2014, no processo n.º 810/04.0TBTVD.L1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt.
2. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no Código de Processo Civil, Anotado, 2017, 3.ª edição, Almedina, volume 2.º, páginas 735 e seguinte.
3. Acórdão da Relação do Porto, de 06-05-2014, no processo n.º 901/12.3TVPRT.P1, publicado em http://www.dgsi.pt.
4. Que já não é formal, mas substancial por contender com a fundamentação da decisão da matéria de facto na medida em que prejudica o direito ao recurso, impedindo o Tribunal da Relação de avaliar a justiça da decisão por não poder compreender o raciocínio elaborado pelo juiz.
5. Neste sentido, cfr. os acórdãos da Relação de Lisboa, de 10-10-2017, no processo n.º 23656/15.5T8SNT.L1-7, da Relação do Porto, de 19-10-2015, no processo n.º 544/13.4TTGDM.P1, da Relação de Coimbra, de 16-02-2017, no processo n.º 52/12.0TBMBR.C1, da Relação de Guimarães, de 20-092018, no processo n.º 1349/13.8TBVRL.G1 e da Relação de Évora, de 28-06-2023, no processo n.º 603/22.2T8PTG.E1, todos publicados em http://www.dgsi.pt.